sábado, 15 de novembro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 33º DOMINGO COMUM - 16.11.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO COMUM – ESCATOLOGIA – 16.11.2025


Caros Confrades,


A liturgia deste 33º domingo comum traz, nas leituras, o discurso escatológico, isto é, a liturgia nos convida a refletir sobre aquelas coisas que ocorrerão no final dos tempos. A parte da teologia que trata desse tema é chamada de escatologia e isso é o que nós aprendemos no catecismo com o nome de “novíssimos”, ou seja, a segunda vinda de Jesus Cristo e o “fim do mundo”. Numa leitura apressada, parece que Jesus quer nos aterrorizar, falando de catástrofes, guerras, epidemias, que antecederão o final dos tempos. Contudo, é necessário perceber com outra mentalidade a descrição desses acontecimentos, que já foram motivos, no passado (e ainda hoje são para algumas pessoas), de deixar muita gente com insônia.


O objetivo não é aterrorizar. Na verdade, as leituras litúrgicas nos convidam a estar atentos, a ter vigilância e prudência, como características reais da vida do cristão, acreditando na promessa de Cristo de que retornará no final dos tempos e, como não se sabe quando nem como será tal apoteose, deve-se estar sempre preparado. A conhecida descrição evangélica dos “últimos tempos” já foi objeto de interpretações variadas ao longo da história. Não faltam “profetas” apressados, para apontar, nos fatos sociais ocorridos em diversas ocasiões, outrora como hoje em dia, uma associação com as predições de Cristo sobre o final dos tempos. Com efeito, se observarmos os fatos contemporâneos, até parece que a leitura bíblica está se referindo a eles. Sempre que alguma notícia sobre fatos inesperados ou incompreensíveis é divulgada, os “profetas” e “videntes” tentam identificar neles as catástrofes escatológicas. Pastores protestantes alardeiam: Jesus está voltando. Porém, o próprio Jesus disse que somente o Pai sabe quando será isso e nem ao Filho Ele o revelou. Portanto, qual desses profetas e videntes é mais sabido do que o Filho? Com efeito, quando Jesus falou aquelas coisas terríveis, referia-se historicamente à dominação dos romanos na Palestina, à destruição de Jerusalém, às perseguições dos primeiros cristãos, ou seja, quando o evangelista Lucas escreveu seu evangelho, tais fatos já tinham realmente acontecido. Jesus, porém, havia afirmado: isso não é o fim, ou seja, essas perseguições não irão destruir a sua doutrina nem dizimar seus seguidores.


É interessante observar que, desde o Antigo Testamento, já havia presságios dos Profetas acerca de maus agouros. Na primeira leitura, do profeta Malaquias (Ml 3, 19-20), ele se refere ao “dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha; e esse dia vindouro haverá de queimá-los, diz o Senhor dos exércitos, tal que não lhes deixará raiz nem ramo.” (Ml 3, 19). Desde que os Patriarcas antigos narraram que houve outrora uma grande inundação (dilúvio) e o mundo todo sucumbiu debaixo da água, as pessoas criaram a ideia de que, da próxima vez, o mundo seria destruído pelo fogo. Diversas pinturas medievais retratam essa cena. Isso é uma crença muito antiga, mas ainda recorrente na nossa cultura religiosa popular, essa imagem persiste no subconsciente de muitos cristãos. No ano de 1910, quando estava se aproximando da terra o cometa Halley, pelos poucos conhecimentos científicos daquela época sobre esse fenômeno cósmico, as pessoas viam aquela imensa “bola de fogo” no céu se aproximando da terra e se tornando cada vez maior e ficaram esperando apenas o momento final do impacto com a terra. De repente, aquela luz se desfez, porque a terra atravessou a cauda gasosa do cometa, e a destruição não ocorreu. Em 1960, eu era criança, fiquei apavorado, porque os adultos diziam que “o mundo se acabaria” no dia 13 de maio daquele ano. Nada aconteceu. Em 2012, algumas pessoas afirmaram que o mundo acabaria no dia 21 de dezembro e citavam complexos cálculos matemáticos para justificar isso. Nada aconteceu. Neste ano de 2025, temos a presença de um corpo celeste oriundo dos confins do universo, denominado 3-I-Atlas, que está despertando a curiosidade e o medo em muitas pessoas. É a mesma história que se repete, no entanto, prevalece a palavra de Jesus: não é o fim e ninguém sabe quando será.


Na segunda leitura, de Paulo aos Tessalonicenses (2Ts 3, 7-12), o Apóstolo bate cabeça com aquela comunidade, onde se havia espalhado a informação de que Jesus “estava para chegar”, na sua segunda vinda, e assim as pessoas já nem queriam mais trabalhar e viviam à toa, apenas aguardando o momento do retorno de Jesus. Paulo manda-lhes um recado desaforado: eu (Paulo), que até poderia me prevalecer da função de pregador para obter o sustento pela comunidade, me dedico ao trabalho dia e noite, a fim de ganhar o meu salário, então, quem não quer trabalhar, também não deve comer. Diz ele: “Bem sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço.” (2Ts 3, 7-8). Uma interpretação falsa da promessa de Cristo estava atrapalhando a vida daquela comunidade, o que Paulo tentava esclarecer na sua correspondência. Conforme vimos no domingo passado, essa comunidade deu muito trabalho a Paulo. Circulou por lá uma carta anônima, que era atribuída a Paulo e muito o preocupou porque continha ensinamentos equivocados. Foi de lá que Paulo teve de sair fugido, porque os judeus, a quem ele desagradara, o procuravam para matá-lo. Enfim, uma comunidade complicada e trabalhosa, onde as pessoas tinham dificuldade em compreender a doutrina cristã, mesmo tendo recebido toda instrução de Paulo. Situações parecidas ocorrem ainda hoje, quando vemos pessoas que leem a Bíblia mas, em vez de buscar retirar da leitura o seu sentido mais coerente e produtivo, apegam-se a detalhes textuais insignificantes e a tradições equivocadas, que deturpam a mensagem.


Na leitura do evangelho de Lucas (Lc 21, 5-19), Jesus faz aquela famosa previsão da destruição do templo de Jerusalém, que era entendida pelos judeus como a maior desgraça que lhes poderia acontecer. “Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído.'” (Lc 21, 6) Esse fato histórico se deu no ano 70, quando o exército romano invadiu Jerusalém e destruiu o templo. No entanto, perguntando os ouvintes a Jesus quando aquilo iria ocorrer, ele respondeu evasivamente: “cuidado para não serdes enganados...” (Lc 21, 8), porque muitas pessoas irão dizer que o tempo está próximo, mas não acreditem nessa gente. Muitas coisas irão acontecer: guerras, revoluções, tsunamis, terremotos, queimadas, desastres ambientais, mas as piores são aquelas coisas perpetradas pela maldade dos homens: “'Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu.” (Lc 21, 10-11). Nestes dias, está ocorrendo um encontro na cidade de Belém, Pará, para tratar a respeito do clima e da preservação da natureza. A imprensa noticia forttes inundações, causada pelo desequilíbrio climático. Muitas pessoas talvez venham a associar esses fatos naturais com a leitura do evangelho, quando na verdade, sabe-se que essas catástrofes estão relacionadas com o mau uso dos recursos naturais pelos países ricos, forçando o desequilíbrio na atmosfera. Essa crença ainda é comum, por causa daquela vetusta catequese tradicional, que apelava sempre para a ameaça aos castigos de Deus, como forma de convencer as pessoas a praticarem o bem. Mas Jesus continua nos exortando: não se preocupem, ainda não é o fim.

Precisamos, portanto, compreender esse trecho do evangelho em concordância com os versículos que vêm a seguir, pelos quais Jesus diz que, antes que isso aconteça, a nossa fé passará por provações. “Antes, porém, que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé.” (Lc 21, 12-13) Meus amigos, no sentido histórico, Jesus se referia aí às perseguições pelas quais passariam os Apóstolos e os primeiros cristãos, como de fato a história documentou. Mas no sentido trans-histórico, o texto se refere a nós, hoje. A nossa fé está a enfrentar contínuas provações, perseguições, ameaças dentro e fora do ambiente religioso, até mesmo no interior do catolicismo observam-se lamentáveis polos de divisão doutrinária, bispos e religiosos criticando o Papa. Convulsões sociais, atentados por motivo religioso, fanatismo e violência incontroláveis, intolerância religiosa noticiada em diversos países do mundo. Esse tipo de conduta também impaca a todos nós, que temos fé e que, muitas vezes, não sabemos respeitar a fé alheia. Pois bem, o Papa Leão vem dando exemplo de tolerância e conclamando todos à vivência da sinodalidade. O exemplo dele deve servir de modelo não apenas para os cristãos, mas para todos os crentes das mais diversas fés, e o seu testemunho só está a confirmar aquilo que Jesus falou no evangelho: isso não é o fim.


Portanto, meus amigos, a narrativa de Cristo nos convida a sermos vigilantes e prudentes, exortando-nos a não nos deixarmos impressionar com as ameaças externas, pois o inimigo pode estar no meio de nós: o nosso orgulho, a nossa falta de misericórdia, a nossa soberba, a intolerância, o desamor. Essas são as reais ameaças que nos perseguem continuamente e é em relação elas que devemos estar sempre vigilantes.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

domingo, 9 de novembro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 32 DOMINGO COMUM - 09.11.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – A IGREJA MÃE – 09.11.2025


Caros Confrades,


Neste 32º domingo comum, a liturgia dominical cede lugar para a festa da dedicação da Igreja de São João do Latrão, a igreja-mãe de todas as igrejas católicas, a catedral de Roma, o templo onde o Papa tem sua cátedra, como Bispo. Esta festa remonta aos tempos árduos da difusão do cristianismo na Europa, até sua “liberação” por Constantino, no ano 313, pelo Edito de Milão. Mas devemos preferencialmente pensar na “igreja” não como o templo físico, de paredes, telhado e portas, e sim como o templo vivo, que somos cada um de nós, na medida em que, pelo batismo, nos tornamos morada da Santíssima Trindade, possibilitando a realização daquela promessa de Jesus: onde estiverem dois ou mais reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles. Não é necessário estar dentro de um templo físico para que a Sua presença se faça sentir, porque de fato ela já está latente em cada um de nós, pulsando em nossos corações.


Antes de mais nada, um pouco de história: como a Igreja do Latrão se tornou a igreja-mãe de todas as igrejas católicas ocidentais? O cristianismo vivia tempos de perseguição em Roma, que era na época a capital do mundo ocidental. Contudo, dentro da sociedade romana, havia já muitos pagãos convertidos, cristãos ocultos, que não podiam manifestar-se publicamente. Quando Constantino ascendeu ao trono do império romano, sua mãe Helena, que era cristã e foi depois canonizada, passou a interceder junto ao filho para permitir a liberdade de expressão do cristianismo, mas ele só concordou com isso quando teve um “sinal do céu”. O imperador estava enfileirando o seu exército para enfrentar um inimigo poderoso e temia pelo resultado da batalha. Então, ele viu uma formação de nuvens no céu em figura de cruz e teria ouvido uma voz a dizer: “in hoc signo, vinces” (por meio deste sinal, vencerás). Ele teria feito uma espécie de “promessa” de que daria liberdade aos cristãos, caso fosse vencedor. E foi. Depois da vitória na batalha da Ponte Mílvia (312), Constantino proclamou solenemente a liberdade religiosa em todo o império romano, através do Edito de Milão, no ano 313. No ano de 2013, as igrejas católicas do ocidente e do oriente celebraram juntas o aniversário de 1.700 anos deste Edito, que foi o marco inicial da existência oficial do cristianismo europeu.


Os historiadores dizem que Constantino teria se convertido ao cristianismo, porém estudos recentes indicam que ele era adepto da doutrina ariana, que negava a natureza humana de Jesus, portanto, ele não teria sido um cristão conforme a doutrina oficial. Ele foi o responsável pela convocação do Concílio de Nicéia (em 321), onde foi discutida essa divergência e prevaleceu a doutrina de Santo Atanásio, que afirmava que Jesus era verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem, texto que passou a constar no Credo. Com isso, o bispo Ario, autor do arianismo, foi derrotado e seus adeptos se dispersaram. Porém, consta que o imperador Constantino, secretamente, continuou defendendo o arianismo. Em outras palavras, Constantino teria sido um cristão por conveniência, não por plena convicção. Porém, ele ajudou muito a Igreja nesses primeiros tempos e, quando ele transmudou a sede do império romano para Constantinopla, ele doou o palácio que era residência da imperatriz para o Papa Silvestre, que passou a residir ali. E o local foi reformado para ser transformado num grande templo, que foi o primeiro templo cristão oficial de Roma e sede da residência papal: o Palácio do Latrão e a Basílica de São João do Latrão, a igreja-mãe. A inauguração solene ocorreu no dia 09 de novembro de 324, completando portanto hoje 1.701 anos da sua consagração. Ainda conforme os estudos históricos, no ano seguinte, Constantino mudou-se para Constantinopla porque não ficava bem que as duas maiores autoridades do mundo (ele e o Papa) residissem numa mesma cidade, deixando em Roma a sede do poder religioso e levando para Constantinopla a sede do poder político. Alguns anos depois, os bárbaros invadiram e dominaram Roma, eliminando de vez o poder político dos romanos na região. Porém, os bárbaros não fizeram oposição ao cristianismo, de modo que o poder religioso do Papa permaneceu, mesmo depois da queda de Roma. Apenas por uma questão de fidelidade histórica, convém esclarecer que as igrejas cristãs orientais (Jerusalém, Éfeso, Alexandria, Damasco, Esmirna, Antioquia) são muito mais antigas do que a igreja de Roma. Portanto, a Basílica do Latrão é a referência inicial das igrejas cristãs na Europa apenas.


Nas leituras litúrgicas da festa de hoje, temos a segunda leitura da carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 3, 11-17), onde o Apóstolo ensina aos primeiros cristãos que o nosso corpo é o santuário de Deus e isso é mais importante do que as igrejas construídas de pedra e de barro. Vós sois a lavoura de Deus, diz ele, e eu coloquei em vocês o alicerce sobre o qual deveis construir a vossa fé: Jesus Cristo. “Acaso não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus mora em vós? Se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá, pois o santuário de Deus é santo e vós sois esse santuário.” (1Cor 3, 16-17) Ninguém pode colocar em vocês outro alicerce diferente de Cristo Jesus. A liturgia chama a nossa atenção para o templo de Deus, que somos nós, construídos sobre o alicerce divino, que é o próprio Cristo. Durante muito tempo, difundiu-se uma doutrina de cunho clericalista, que não reconhecia o valor teológico do povo de Deus, que somos nós, identificando a igreja como pertencendo aos cristãos ordenados (padres e bispos). Contudo, o Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática “Lumen Gentium” veio consertar esse equívoco, mostrando a grande importância dos leigos na configuração eclesial. Assim diz o seu item 30: “O Sagrado Concílio, depois de ter enunciado as funções da hierarquia, de bom grado dirige o seu pensamento para o estado daqueles fiéis que têm o nome de leigos. Quanto se disse do povo de Deus, vale igualmente para leigos, religiosos e clérigos. Todavia certas coisas dizem respeito de modo particular aos leigos, homens e mulheres, em razão da sua condição é da sua missão e importa considerar-lhes os fundamentos com mais cuidado, em virtude das especiais circunstâncias do tempo atual. Os sagrados pastores reconhecem perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Sabem que os pastores não foram instituídos por Cristo para assumirem sozinhos toda a missão da Igreja quanto à salvação do mundo mas que o seu excelso múnus é apascentar os fiéis e reconhecer-lhes os serviços e os carismas, de tal maneira que todos, a seu modo, cooperem unanimemente na tarefa comum. É, pois, necessário que todos, professando a verdade na caridade, cresçamos em tudo para aquele que é a cabeça, Cristo, pelo influxo do qual o corpo inteiro - bem ajustado e coeso por meio de toda a espécie da junturas que o alimentam, através de uma ação proporcionada a cada uma das partes - realiza o seu crescimento, em ordem à própria edificação na caridade (Ef 4,15-16).” O Concílio veio, assim, reafirmar a doutrina paulina sobre o santuário humano, a morada do Espírito de Deus em cada um de nós, fato que nos torna pedras vivas na construção eclesial.


Na leitura do evangelho de João (2, 13-22), vemos Jesus expulsando do templo os vendedores e cambistas, porque haviam transformado a casa de oração em um covil de ladrões. E quando os fariseus vieram pedir a Ele um sinal de autoridade para fazer aquilo, Jesus lançou-lhes um desafio que eles não entenderam: destruí esse templo e eu o reedificarei em três dias. Obviamente, os fariseus não entenderam o alcance profético dessas palavras. Aliás, os próprios discípulos não entenderam naquela hora. Somente muito tempo depois, quando passaram a refletir sobre a ressurreição de Cristo, compreenderam que o “templo” a ser reconstruído em três dias não era o prédio físico, feito de pedras, que teria consumido o trabalho de centenas de operários durante 46 anos. O templo que realmente importava ali era o do seu próprio corpo, ressuscitado ao terceiro dia. Jesus estava, então, chamando a atenção dos seus ouvintes (discípulos e estranhos) para o fato de que a verdadeira morada do Espírito de Deus não é o templo de pedra, mas o templo de carne. No entanto, o templo de pedra também merece respeito e a conduta dos frequentadores daquele lugar deve observar a devida compostura, sob pena de desvirtuamento e profanação.


Meus amigos, essa festa da igreja-mãe do cristianismo ocidental é também um momento para refletirmos sobre a unidade de todos os cristãos, eliminando as divergências históricas e superando os esquemas de divisão e de conflito. O Papa Francisco, enquanto vivo, envidou grandes esforços nesse sentido, através de viagens, reuniões e orações conjuntas com as diversas autoridades das variadas organizações cristãs. O Papa Leão mantém esse entendimento. Sabemos que existem fortes empecilhos dentro do próprio Vaticano, mas o Papa está, com sabedoria e paciência, removendo os obstáculos. Eu creio nessa sua obstinação profética de congregar todos os cristãos num único rebanho, como foi sempre o desejo de Cristo: “Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor.” João 10:16.


Um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

domingo, 2 de novembro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DIA DOS FIÉIS DEFUNTOS - 02.11.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – A VIDA CONTINUA (FIÉIS DEFUNTOS) – 02.11.2025


Caros Confrades,


A liturgia deste domingo cede espaço para a comemoração dos fiéis defuntos, essa memória litúrgica que se insere logo após a festa de todos os santos. A celebração de finados, longe de ser uma referência à morte, é muito mais uma demonstração de fé na vida que continua. O cântico litúrgico desta comemoração destaca: a vida, pra quem acredita, não é passageira ilusão e a morte se torna bendita, porque é nossa libertação. Muito antes da cristianização da Europa, os povos ali residentes já proclamavam sua fé na vida eterna, dentre civilizações orientais e ocidentais. Principal exemplo dessa crença temos nas muito famosas pirâmides do Egito, assim como nos requintados mausoléus europeus, onde pessoas ricas e poderosas eram “depositadas” após sua morte corporal, juntamente com seus pertences, porque o espírito delas continuaria a frequentar o local e utilizaria aqueles objetos.


O historiador francês Fustel de Coulanges, em sua clássica obra “A cidade antiga”, relata o resultado das pesquisas que efetuou dentre as diversas comunidades do oriente e do ocidente acerca do modo como eles acreditavam e vivenciavam a relação com seus mortos. Trata-se de uma obra cuja leitura é amplamente recomendada para aqueles que desejam conhecer as tradições mais antigas das raças humanas mais primitivas. Farei apenas duas referências. Entre os gregos, apesar de a religião oficial ser materialista e não acreditar na continuação da vida, havia grupos de espiritualistas, que se reuniam secretamente, para cultuar suas crenças na imortalidade e para fazerem comunicação com os falecidos. Exemplos deles eram os órficos e os pitagóricos. Sócrates era um dos adeptos dessa crença e Platão foi um dos seus grandes propagadores, sendo o pensamento deste o fundamento das muitas doutrinas espíritas que são conhecidas no mundo ocidental. E dentre os romanos, havia os deuses lares e penates, que não eram outros senão os espíritos dos familiares falecidos e que continuavam a ser lembrados como se estivessem presentes, através dos cultos da religião familiar. Cada família sepultava seus mortos no quintal da casa e, em certas ocasiões, as festas familiares eram realizadas junto dos túmulos, para que os espíritos participassem e lá eram deixadas comidas e bebidas, para que os espíritos dos mortos se banqueteassem com elas. É daí que vem o costume dos bebuns de darem “um gole para o santo” quando estão em suas sessões de consumo etílico, porque assim também os romanos faziam, homenageando seus defuntos. Portanto, antes de ser propriamente cristão, o culto dos mortos já estava presente nas civilizações anteriores da nossa.


Passando agora às leituras litúrgicas de hoje, temos a primeira retirada do livro de Jó (19, 23-27). A história de Jó é bem conhecida na nossa tradição cultural. Acredita-se que esse livro tenha sido escrito quando o povo retornou do cativeiro da Babilônia, durante o qual muitos haviam perdido tudo e precisavam recomeçar suas vidas da estaca zero. O objetivo do seu autor deste livro é mostrar que a antiga tradição dos fariseus, chamada de “teologia da retribuição” precisava ser revista e mesmo abandonada. De acordo com uma tradição secular dos hebreus, o sofrimento era entendido como castigo divino por causa dos pecados de alguém, assim como a riqueza e a felicidade eram entendidas como benesses divinas pelas virtudes de uma pessoa. Então, a história de Jó, um homem justo e correto, que perdeu tudo (bens e família) e passou por sofrimentos sem conta vinha ensinar ao povo que uma coisa não tem nada a ver com a outra, ou seja, nem o sofrimento é castigo pelos pecados nem a vida feliz é resultado das virtudes, porque uma pessoa virtuosa também passa por sofrimentos. Tanto assim é verdade que, no final, Jó recuperou todas as riquezas que havia perdido, porque soube sofrer com resignação e sem perder a fé. De fato, nem é absolutamente certo que Jó tenha existido, ele pode ter sido uma espécie de personagem de uma história edificante, destinada a ensinar ao povo que o sofrimento é uma contingência da vida e que não está necessariamente ligado ao pecado, às ações contrárias à lei de Deus. Os amigos tentam convencer Jó de que ele sofre por causa dos seus pecados, mas ele tem consciência de que não é um pecador e proclama “eu sei que meu redentor está vivo e que se levantará sobre o pó” e meus olhos o contemplarão. Em nenhum momento, Jó apresentou desânimo ou duvidou da proteção divina, por isso foi recompensado por sua fidelidade e por sua confiança. Essa era a mensagem que os sábios de Israel queriam transmitir ao povo hebreu naquele difícil momento de reconstrução da sua sociedade após o cativeiro.


Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Romanos (Rm 6, 3-9), o Apóstolo ensina que Cristo ressuscitou dos mortos e assim também nós seremos semelhantes a ele na ressurreição. Paulo não precisou ensinar aos romanos que a vida continua após a morte, porque aqueles já acreditavam nisso. Eles não conheciam era o conceito de ressurreição, porque este não fazia parte das suas crenças. Pelo batismo, diz Paulo, nós morremos com Cristo, o velho homem presente em nós é sepultado, para que nós ressuscitemos para uma vida nova, o novo homem produzido pela fé em Cristo. É na morte de Cristo que somos batizados, para que ressuscitemos por Ele e vivamos com Ele. “Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele, para que, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, assim também nós levemos uma vida nova.” (Rm 6, 4). Daí que Paulo diz, na carta aos Filipenses (1, 21): para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Nesse mesmo diapasão, a oração eucarística, que antes era chamada de “cânon da missa”, assim professa: "Senhor, para os que crêem em vós, a vida não é tirada, mas transformada. E, desfeito nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível." Essa doutrina, sob outra perspectiva, se opõe à doutrina da reencarnação, ao enfatizar a nova reunião entre corpo e alma, na ressurreição. Assim consta no Catecismo atual: “Pela morte, a alma é separada do corpo, mas na ressurreição Deus restituirá a vida incorruptível ao nosso corpo transformado, unindo-o novamente à nossa alma (cf. Catecismo §1016).” E quando será essa ressurreição? Bem, essa é uma longa história. Melhor ficar, por enquanto, com uma definição clássica e insuspeita: no último dia, o dia final.


Dentre as igrejas cristãs não católicas, as autodenominadas evangélicas ou, como antigamente se dizia, os protestantes, não há celebração de finados. Isso porque Lutero não aceitou como autêntico o Livro de Macabeus e é neste livro que está a fundamentação teológica do culto aos finados. No 2º Livro dos Macabeus, capítulo 12, vers. 43 a 46, lemos: “(Judas Macabeu) tendo feito uma coleta mandou duas mil dracmas de prata a Jerusalém para se oferecer um sacrifício pelo pecado. Obra bela e santa, inspirada pela crença na ressurreição, porque se ele não esperasse que os mortos haviam de ressuscitar, seria coisa supérflua e vã orar pelos defuntos. Ele considerava que, aos falecidos na piedade está reservada uma grandíssima recompensa. Santo e salutar é esse pensamento de orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados". Os protestantes consideram apócrifo esse livro e assim, após o sepultamento, eles não mais visitam nem oram pelos mortos, porque já estão nas mãos de Deus. Porém, toda a tradição católica sempre preservou e valorizou esse culto. Tanto assim que, em tempos mais antigos, os cemitérios estavam localizados na parte de trás das igrejas. Ainda encontramos isso em algumas cidades do interior. E a prova de que essa tradição continua viva é a grande multidão que, sempre nessa data, comparece aos cemitérios a fim de rezar pelos seus mortos. E em Juazeiro do Norte, temos uma das mais tradicionais romarias do nordeste, fruto da devoção que o Padre Cícero tinha pelas almas do purgatório.


O Papa Francisco, num dia de finados, dirigindo-se aos peregrinos presentes na Praça de São Pedro, recordou a força dessa tradição milenar, quando disse: “A tradição da Igreja sempre exortou os fiéis a rezarem pelos defuntos, em particular, oferecendo a Celebração Eucarística por eles: esta é a melhor ajuda espiritual que podemos dar às almas, especialmente às mais abandonadas. O fundamento da oração de sufrágio está na comunhão do Corpo Místico. Como reitera o Vaticano, "a Igreja peregrina sobre a terra, bem ciente desta comunhão de todo o corpo místico de Jesus Cristo, desde os primeiros tempos da religião cristã, tem honrado com grande piedade a memória dos mortos”. (Lumen Gentium, 50). A memória dos defuntos, o cuidado pelas sepulturas e os sufrágios são o testemunho de uma confiante esperança, enraizada na certeza de que a morte não é a última palavra sobre o destino do ser humano, porque o homem está destinado a uma vida sem limites, que tem sua raiz e sua realização em Deus.” E quem não se sente confortado e espiritualmente satisfeito quando presta essa justa homenagem aos seus parentes falecidos? Afinal, nós somos o resultado das ações e exemplos de vida que eles nos deixaram e que constituem as bases de nossas vidas, o mesmo exemplo que estamos deixando para os nossos filhos e netos. Penso que deve existir um grande vazio na alma de quem não acredita e não pratica esse ensinamento.


Que os nossos amados parentes e amigos, bem como todos os fiéis defuntos descansem em paz.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 25 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 30º DOMINGO COMUM - 26.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 30º DOMINGO COMUM – ORAÇÃO E CONDUTA – 26.10.2025


Caros Confrades,


As leituras da liturgia deste 30º domingo comum nos levam a meditar sobre a coerência que deve existir entre o nosso interior e a nossa conduta externa, principalmente quando oramos. A oração supõe sempre uma confissão de impotência e um sentimento de humildade. A oração do humilde atravessa as nuvens e não passará despercebida pelo Senhor. Ele é um justo juiz, que consegue sondar os nossos sentimentos mais profundos e é inútil tentar camuflar o orgulho e a autossuficiência com palavreados sonoros e encenações caprichosas. Orar somente com os lábios, da boca para fora, sem a humildade do espírito, é igual ao címbalo que tine: faz grande barulho, mas seu interior é oco, sem conteúdo.


Na primeira leitura, extraída do livro do Eclesiástico (35, 15-22), temos a descrição de Javeh como o justo juiz, aquele que não faz distinção entre as pessoas nem usa de parcialidade nos seus julgamentos. O livro do Eclesiástico, cuja autoria é atribuída a Jesus Ben Sirac, foi escrito na época do pós-exílio para ensinar aos hebreus, numa contingência de mudanças sócio políticas, a fidelidade de Javeh contida na Lei de Moisés, que é a verdadeira sabedoria divina. Esta expressão “lei de Moisés” não significa um texto legislativo específico, mas refere-se à aliança e à promessa de Javeh com Abraão e seus descendentes, lembrando ao povo hebreu, vivendo longe de Israel, que eles não podem misturar o judaísmo tradicional com os novos costumes dos povos estrangeiros, porque isso deturpa a aliança celebrada com os antigos patriarcas. Sendo um justo juiz, o Senhor não deixa de atender às preces daqueles que o invocam, sobretudo os excluídos da sociedade (pobres, órfãos e viúvas), os mais humildes. “A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento.” (Eclo, 35, 21) O Senhor não se deixa levar pelas aparências, mas perscruta a nossa interioridade, atendendo aos que o procuram com coração sincero e humilde. Esta referência do Eclesiástico irá encontrar eco, tempos depois, na oração do publicano, que Jesus coteja com a oração do fariseu, no trecho do evangelho de Lucas, lido também neste domingo.


A segunda leitura, dando continuidade ao texto da segunda carta a Timóteo, iniciada nos domingos anteriores (2Tim 4, 6-18), é o epílogo da carta, na qual Paulo se despede dizendo que combateu o bom combate, terminou a carreira e guardou a fé. Tendo cumprido a sua missão, recebida de Cristo, ele agora espera apenas o desfecho final de sua vida, sabendo que o seu sacrifício está cada vez mais próximo. E faz sua confissão de fé e confiança no Senhor, justo juiz, que outorgará a coroa da vitória a ele e a todos os que permanecerem firmes na fé. Fala ainda, com tristeza, dos amigos que o abandonaram no seu julgamento perante o tribunal, pedindo que o mesmo justo juiz não leve isso em conta, quando chegar o tempo do julgamento deles. Segundo os historiadores, esta carta teria sido, provavelmente, a última escrita por Paulo, pouco antes de sua morte, na época da grande perseguição dos cristãos pelo imperador Nero, que mandou incendiar a cidade de Roma e colocou a culpa disso nos cristãos, insuflando os romanos a persegui-los. Numa época de grandes arbitrariedades cometidas pelo imperador Nero, que usava os cristãos como bodes expiatórios dos seus próprios desmandos, Paulo aproveita a imagem do sádico imperador para fazer o contraponto com o justo juiz, que é o Senhor, e que dará a coroa a todos os que combatem o bom combate. A queixa de Paulo sobre ter sido abandonado na prisão em Roma, segundo os historiadores, deveu-se ao fato de que, com a grande perseguição, os amigos de Paulo na sociedade romana, que eram cristãos em sigilo, tinham muita dificuldade em ir visitá-lo, por causa dos evidentes riscos que isso acarretava. Pode-se dizer que era uma questão de sobrevivência.


Na leitura do evangelho deste domingo, dando sequência ao evangelista Lucas (18, 9-14), temos a muito conhecida parábola em que Jesus faz a comparação entre a oração do fariseu e a oração do publicano (cobrador de impostos). De acordo com o próprio evangelista, o objetivo que Jesus tinha em mente era ensinar que não se deve confiar nos próprios julgamentos, nem a respeito de si nem a respeito dos outros. A cena descrita é clássica, pois foi reproduzida em inúmeras obras de arte: o fariseu orgulhoso e arrogante reza fazendo autoelogios e, ao mesmo tempo, lançando um ar de desdém para o publicano, pecador público, que estava rezando ao seu lado. Enquanto isso, o publicano, em atitude de humildade, rezava apenas pedindo perdão. Como em diversas outras ocasiões, Jesus toma o exemplo do fariseu para nos ensinar que as ações exteriores não bastam, mas é necessário que essas sejam o reflexo do nosso sentir interior. Os fariseus se consideravam justos e automaticamente salvos, porque cumpriam rigorosamente a lei (“jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de toda a minha renda”), mas faziam assim talvez por medo do castigo divino ou apenas para serem vistos e elogiados pelos outros, ou seja, isso não correspondia a um sentimento íntimo de piedade e de convicção. Era uma conduta de aparência, por isso, tal oração não tinha nenhum valor.


Observemos que Jesus não diz que o fariseu agia mal em cumprir a lei, pois a lei é mesmo para ser cumprida. O problema está no julgamento que o fariseu fazia de si próprio, ou seja, na sua falta de humildade, sua autossuficiência. O livro do Eclesiástico, conforme visto na primeira leitura, já dizia que a prece do humilde atravessa as nuvens e chega até o céu e suas súplicas são sempre atendidas. O fariseu da parábola tinha uma elevada presunção de santidade, segundo a sua própria noção de justiça, não segundo a justiça divina. E com a mesma facilidade com que julgava a si mesmo uma pessoa santa, também arriscava-se a julgar o seu próximo, pecador público, como alguém que não merecia a salvação e o perdão. Ora, diz Jesus, o publicano voltou para casa justificado; o fariseu, não.


Podemos fazer aqui uma ligação com outra parábola na qual Jesus compara a oferta da viúva com a oferta do fariseu (Marcos 12, 43), quando a viúva colocou no cofre apenas duas pequenas moedas, enquanto o fariseu depositou vários dobrões, que tilintavam no fundo do cofre. E Jesus concluiu: a viúva ofertou mais do que o outro, porque ela deu tudo o que possuía. Enquanto o fariseu doava o que lhe sobrava, a viúva doava toda a sua fortuna. Seguindo a mesma linha de raciocínio do parágrafo anterior, Jesus não censura o fariseu por colocar moedas valiosas, mas recrimina o modo como ele se considerava autêntico cumpridor da lei, porque dava o dízimo de toda a sua renda. O problema não está no tamanho da oferta, mas no seu egoísmo e no autojulgamento, isto é, no fato de ele se considerar merecedor da salvação, confiando-se na sua própria justiça e não na justiça divina.


Meus amigos, nesse contexto, devemos nos lembrar da advertência do apóstolo Paulo aos Coríntios (10, 12): aquele que pensa estar de pé, cuide para que não caia. O autojulgamento é uma tentação constante na nossa vida. Nos nossos dias, há muitos cristãos que pensam já estar com a salvação garantida porque vão à missa aos domingos, participam dos sacramentos, rezam o terço, pagam o dízimo, etc., mas fazem isso como uma obrigação formal, como um costume tradicional, uma prática de exterioridade, não colocam o coração junto com a sua oferta, não demonstram na prática ser solidários. Essa atitude do fariseu, reprovada por Cristo na parábola, pode ser uma ameaça velada e constante na nossa prática de cristãos, quando cumprimos nossos deveres religiosos apenas por obrigação e sem refletir sobre o significado eclesial de nossas atitudes, sobretudo quando tais atos são acompanhados do julgamento que fazemos do nosso próximo, com o qual inconscientemente nos comparamos.


Se eu vou à missa dominical e recebo os sacramentos, mas na vida social não pratico a caridade com os irmãos, meus atos religiosos são vazios de significado. A parábola do fariseu e do publicano deve ser permanente motivo de exame de consciência de todos nós, para que evitemos a sempre cômoda atitude de fazer julgamento das atitudes dos outros, valendo-nos do nosso próprio conceito de justiça. Algumas vezes, censuramos o comportamento de outras pessoas e, posteriormente, nos surpreendemos praticando aquelas mesmas atitudes. Daí a oportuna exortação do apóstolo Paulo: quem pensa estar de pé, cuide para que não caia. Antes de observarmos maldosamente as ações do nosso próximo, devemos tentar compreender seus motivos e, se for o caso, ajudá-lo a superar seus defeitos e dificuldades, em vez de criticá-los. Assim, evitaremos julgar pela nossa justiça pessoal, deixando essa tarefa para o justo juiz de todos nós.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 18 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 29 DOMINGO COMUM - 19.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM –ORAR SEM CESSAR – 19.10.2025


Caros Confrades,


Neste 29º domingo comum, as leituras litúrgicas enfocam o tema da oração perseverante. Orar e orar sempre é o ensinamento de Jesus Cristo. Evoluindo nesse tema, a liturgia fala da importância do pedido ao Pai em forma de oração, lembrando-nos de que devemos orar constantemente e sem cessar, como também sem “conceder um prazo” para que Deus nos escute. Com efeito, o recebimento ficará ao desígnio do Pai, que sabe das nossas necessidades e a eventual demora no atendimento não deve nos arrefecer a fé. Tal como Jesus ensinou no “Pai Nosso”, na oração devemos, em primeiro lugar, louvar e agradecer, para em seguida, formular os nossos pedidos.


Todos acreditamos que o Pai do céu sabe das nossas necessidades, então, vem a pergunta: por que devemos pedir-lhe algo, pois ele já sabe que nos falta? Qual o pai que não está sempre pronto para atender às carências dos seus filhos, mesmo sem que eles peçam? Sendo assim, porque Jesus ensina que o Pai do céu quer que sempre peçamos e de forma insistente? Pode parecer uma incoerência no ensinamento de Jesus, mas a verdade é que, embora Deus saiba das nossas necessidades, Ele quer a nossa colaboração, para que sejamos merecedores. Quando Jesus diz “orai sempre, orai sem cessar”, isso não significa ficar o dia todo de joelhos, com o terço na mão ou com um livro de orações, recitando coleções de preces das mais diversas espécies seguindo formulários já prontos, não é isso. Ele quer dizer que todos os atos da nossa vida toda devem representar uma constante oração. Nós estamos orando não apenas quando pronunciamos palavras ou quando as temos no pensamento, mas a nossa oração se expande para as nossas atividades rotineiras, quando através do nosso trabalho, dos nossos relacionamentos, estamos manifestando aos irmãos exemplos concretos da nossa fé, pelo nosso testemunho de vida do evangelho. Esta é a colaboração que Deus espera de nós. Podemos ver isso nos textos litúrgicos deste domingo.


Na primeira leitura, do livro do Êxodo (17, 8-13), lemos o episódio da batalha dos hebreus com os amalecitas, contando com a participação ativa de Moisés, à distância. Enquanto as tropas lutavam, as mãos de Moisés erguidas para o céu carreavam a vitória para os israelitas; quando Moisés abaixava os braços, os amalecitas levavam vantagem. Contudo, pela idade e pelo longo tempo naquela posição, Moisés não conseguia manter os braços levantados por muito tempo e isso punha em risco o resultado da batalha. Então, seus auxiliares Ur e Aarão apoiaram os braços de Moisés, para que ele conseguisse mantê-los erguidos até a vitória final dos israelitas. Excluindo desse episódio o seu conteúdo violento da batalha, podemos descobrir no ato de Moisés levantar os braços uma atitude de oração, que deve ser contínua e persistente. Abaixar os braços significa fraquejar na oração, o que acontece, muitas vezes, na nossa vida de pessoas imperfeitas. Daí a necessidade que Moisés teve de ser ajudado por seus assessores. Isso indica a necessidade que nós temos de buscar apoio e solidariedade na comunidade dos irmãos. O Papa Francisco, num de seus sermões aos peregrinos em Roma, certa vez chamou a atenção para a importância da oração compartilhada. A oração solitária tem seu valor, sem dúvida, mas para ele ser mais fortalecida, precisa de ser realizada com a comunidade. Daí a importância da liturgia, da oração comunitária, da missa, das atividades devocionais realizadas no templo. Nos momentos desta oração eclesial, os nossos braços simbólicos erguidos ao céu, tais como os de Moisés, são ajudados pela comunidade, para que as nossas forças sejam multiplicadas. Nesses momentos, ocorre uma colaboração recíproca: ao mesmo tempo em que os irmãos nos ajudam a manter os “braços erguidos”, cada um de nós também ajuda o outro no mesmo sentido. Sem deixar de reconhecer a importância da oração individual, interior, devemos também reconhecer a importância da oração comunitária, como forma de exercer uma troca recíproca de energias e um ressoar mais forte do nosso brado orante.


Na segunda leitura, prosseguindo com o texto da 2a carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida já há vários domingos, temos hoje o trecho em que o Apóstolo adverte o seu discípulo sobre a leitura orante da Sagrada Escritura: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça.” (2Tim 3, 16) A oração da comunidade sempre deve ter como ponto de referência a Escritura, pois é dela que retiramos os conteúdos mais próprios para compor a nossa oração e os ensinamentos mais eficazes para se transformarem em ações na nossa vida cotidiana. É esse o sentido da liturgia da palavra, que compõe a primeira parte da celebração da missa. Além disso, a Palavra também tem o dom de aconselhar diante de situações problemáticas da vida e de repreender o nosso comportamento, quando ele se distancia daquilo que Deus quer de nós. Por isso, Paulo exorta a Timóteo: “eu te peço com insistência – proclama a palavra” (4,1), insiste, admoesta quer agrade, quer desagrade, usando de toda paciência e doutrina. As Sagradas Escrituras “têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tim 3, 15) Não devemos, contudo, entender essa exortação como a simples leitura da Bíblia ou decorar trechos para ficar repetindo mecanicamente. Mais do que simplesmente ler a Bíblia, deve-se estudar a Bíblia, meditar a Bíblia, compreender a Bíblia, esta é a oração mais produtiva para o direcionamento das nossas práticas cristãs. Eu diria que a leitura do Novo Testamento deve ser preferida, dado o seu conteúdo cristológico mais explícito.


Na leitura do evangelho de Lucas (18, 1-8), Jesus recorre à sua conhecida pedagogia das parábolas para explanar de forma bem didática a sua doutrina sobre a oração. O próprio evangelista diz que o objetivo desta parábola é demonstrar a necessidade de orar sempre e nunca esmorecer. Mas antes de adentrar nesse conteúdo, eu gostaria de destacar a figura do juiz injusto, uma contradição em si mesma. Todos sabemos que o objetivo da função de um juiz é distribuir a justiça. Assim pensando, um juiz injusto seria um antijuiz. Dentro das tribulações de cada dia, é bem possível que um juiz cometa injustiças, mas certamente isso não seria intencional, ao menos, não se espera isso de nenhum juiz. Pois bem, mas prescindindo do ofício de julgar típico da sociedade organizada, podemos também considerar que nós, que não somos juízes por profissão, por vezes nos tornamos juízes das ações dos nossos irmãos, quando avaliamos e tiramos conclusões sobre o comportamento das pessoas e podemos até ofendê-las com a falta de equilíbrio nos nossos julgamentos. Se para um juiz profissional a prática de atos injustos acarreta uma autocontradição, assim também para nós, quando nos tornamos juízes inescrupulosos das atitudes do nosso próximo, estamos contradizendo o significado mais profundo da fraternidade, que deve ser a marca registrada do cristão.


Passando agora ao tema da oração sem cessar, através da parábola do juiz injusto, Jesus nos ensina que devemos orar sempre e nunca perder a confiança. A viúva retratada na parábola insistiu por muito tempo com o juiz ímprobo, pedindo que ele lhe fizesse justiça. Por fim, o juiz resolveu atendê-la, ainda que não pelo seu amor à justiça, mas ao menos para livrar-se da importunação. Daí, Jesus conclui: se até um juiz injusto, diante da insistência de uma viúva, acaba por atendê-la, quanto mais o vosso Pai do céu, que é sempre justo, nunca deixará de atender os pedidos dos seus filhos. Ou seja, Jesus destaca nesse contexto, servindo-se do argumento contrário, o poder da oração para fazer acontecer na nossa vida aquilo do que nós realmente necessitamos. Isso não quer dizer que devamos todos os dias pedir a Deus para acertar sozinho na mega sena, até que um dia Deus vai atender, nem que seja para se livrar da importunação. Não se trata disso, claro. O que devemos pedir na oração é para sermos pessoas melhores, para conseguirmos superar as nossas fraquezas e imperfeições, para sermos sempre fiéis à nossa vocação de cristãos. A oração de quem simplesmente pede a Deus que lhe conceda bens materiais não se enquadra no conceito de orar sempre, que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Para conseguir obter bens materiais o que é preciso é ter disposição para trabalhar com afinco e dedicação na sua labuta profissional e, aí sim, vamos pedir a Deus que abençoe o nosso trabalho, para que os seus frutos sejam férteis e se multipliquem.


Uma prática devocional que é muito corriqueira no meio do nosso povo é “fazer promessas” aos santos para obter isso e aquilo. É uma espécie de “comércio” sagrado: dá-me isso que eu te darei aquilo. Certamente, não é esse o modelo de oração que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Tal como no caso de Moisés com os braços elevados ou no caso da viúva que insistia perante o juiz, o que Deus espera de nós é que façamos a nossa parte. Não se trata de desafiar ou chantagear Deus com uma promessa, pois Deus não precisa de nenhum favor nosso, ao contrário, somos nós que precisamos dos favores divinos. Não se trata de fazer o pedido e ficar com os braços cruzados, esperando que um milagre aconteça simplesmente. O milagre vai acontecer se nós fizermos a nossa parte com fé, seriedade, sinceridade e persistência. O milagre vai acontecer na proporção do tamanho da nossa fé, da qual a oração deve ser a fiel expressão.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

domingo, 12 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - NOSSA SENHORA APARECIDA - 12.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA APARECIDA – 12.10.2025


Caros Confrades,


Neste domingo, 12 de outubro, a liturgia dominical é substituída pela celebração da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Este título mariano é genuinamente nacional, não é celebrado em outros países. Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi oficialmente proclamada como Rainha e Padroeira do Brasil em 1930, pelo Papa Pio XI. A pequenina imagem encontrada por acaso no Rio Paraíba do Sul, em 1717, desde o início do seu achado, vem sendo acompanhada de muitos fatos extraordinários, a começar pelo achado da cabeça, visto que na hora da primeira pesca, a imagem tinha apenas o corpo, sem a cabeça, e logo em seguida, de uma forma surpreendente e inexplicável, a cabeça da imagem foi capturada pela rede dos pescadores. Estes ficaram surpresos com o incidente e mais surpresos ainda com a grande pescaria que fizeram na sequência, visto que haviam passado muitas horas tentando e não tinham pescado nada. Os pescadores adquiriram logo grande devoção pela imagem e iniciaram a sua veneração, a qual foi premiada com diversos outros eventos miraculosos. Dois desses eventos, que me parecem mais significativos, são: um foi o caso do escravo, que rezava perante a imagem estando acorrentado e, de repente, as correntes caíram-lhe das mãos; o outro foi o caso de uma garotinha cega, que a mãe levou para a novena, e enquanto a mãe explicava para ela como era o tamanho e o formato da imagem, a menina de repente falou: estou vendo, mãe. As notícias se espalhavam e a devoção foi crescendo rapidamente.


Passando às leituras litúrgicas do domingo, todas elas evidenciam tarefas importantes realizadas por personagens femininos. Temos na primeira leitura um trecho do Livro de Ester (5,1-2; 7,2-3), a jovem judia que se casou com o rei Assuero, da Pérsia, e num momento de coragem e ousadia, obteve do rei o desmonte de um plano de extermínio dos judeus ali residentes, o qual estava sendo arquitetado por um dos ajudantes do rei. Esclarecendo alguns fatos, o nome Ester é o que lhe foi dado na Pérsia, onde a identidade judaica dela era oculta, mas o seu nome original é Hadassa. Casualmente, o nome do ajudante real inimigo dos judeus era Hamã, nome homônimo do grande inimigo atual dos judeus, o Hamas. A intercessão de Ester junto ao rei Assuero foi decisiva para a proteção do povo judeu naquele tempo e ainda é muito importante, sendo celebrado anualmente numa tradicional festa judaica chamada Purim. É um feriado celebrado com muita festa e alegria, danças e fantasias.


A segunda leitura, colhida no livro do Apocalipse de João (Ap 12, 1), mostra a figura de uma mulher grávida, vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela estava em trabalho de parto e um dragão aguardava o nascimento do filho, para devorá-lo. Porém, o dragão não conseguiu seu intento, porque o recém-nascido foi levado para junto de Deus. Por isso, ele perseguiu a mulher, gerando um grande rio para afogá-la, mas a terra veio em socorro da mulher e engoliu o rio. O dragão derrotado retirou-se para as profundezas. A imagem dessa mulher forte é, pela tradição, associada à Virgem Maria e há muitos vultos e estátuas com essa representação. Contudo, os biblistas interpretam essa imagem joanina com a figura da Igreja de Cristo, nos tempos iniciais do cristianismo, perseguida pelo império romano, que é representado pelo dragão.


A literatura apocalíptica foi um gênero de escrita que proliferou entre o século I antes de Cristo e o século I depois de Cristo, sendo conhecidos vários textos com esse tipo literário. Na Bíblia, foi incluído apenas o texto de João, mas existem também os apocalipses de Pedro, de Tiago, de Paulo e de Tomé. Antes de Cristo, temos os livros de Daniel, de Ezequiel, de Joel e de Zacarias, que também possuem conteúdo apocalíptico, embora não tenham esse nome. Todos esses contém suas mensagens em forma de linguagem simbólica, representada por visões de seres exóticos e pela narração de fatos catastróficos, como o caso do dragão vomitando um rio, descrito por João. Os estudiosos da Bíblia associam esse gênero literário a períodos de grande tribulação e sofrimento do povo, sendo a literatura uma espécie de válvula de escape e ao mesmo tempo uma forma de transmitir esperança para o povo. Convém lembrar ainda que João escreveu o seu Apocalipse durante o período em que esteve exilado na ilha de Patmos, para onde fora desterrado por ordem de Domiciano, que foi imperador romano do ano 81 a 96. Essa ilha era um território extremamente árido e impróprio para a vida, para lá eram enviados os inimigos mais perigosos e era quase uma pena de morte indireta, porque as condições de sobrevivência eram muito precárias. Não se sabe quanto tempo ele ali permaneceu (segundo alguns, 18 meses; segundo outros, vários anos), tendo sido libertado após a morte de Domiciano. Retornando para Éfeso, João escreveu o seu evangelho nos anos finais do século I.


Na leitura do evangelho, escrito por João (2, 1-11), temos o conhecido episódio do casamento em Caná da Galileia, ocasião em que Jesus fez seu primeiro milagre público. Nesse cenário, a festa do casamento é apenas o pano de fundo, pois o que transparece em primeiro plano é a atuação de Maria, mãe de Jesus, na organização da festa e no atendimento aos convidados. Não se sabe quem eram os nubentes, mas eram provavelmente familiares de Jesus, que ali também estava com todos os seus discípulos. Veio mais gente do que o esperado, então o vinho adquirido foi insuficiente. Nos casamentos da época, faltar vinho era uma vergonha e uma humilhação para o casal. Maria não podia deixar que isso ocorresse. Então, num ato semelhante ao de Ester, que foi interceder junto ao rei para o livramento do povo judeu de ser massacrado pelos persas, Maria foi interceder junto ao rei seu filho, para o livramento da ignomínia daquele casal tão estimado. Apesar da resposta de Jesus em tom enigmático, Maria manteve a esperança e a confiança, recebendo então uma grande recompensa. Essa função intercessora de Maria passou a ser um ícone da devoção popular para com ela, simbolizada na frase muito repetida: peça para a mãe, que ela pede ao filho e ele atende. Essa demonstração de fé em Maria não a coloca acima de Jesus, mas baseia-se na confiança com a qual ela intercedeu em favor dos nubentes de Caná, merecendo a atenção de Jesus.


A Mariologia, que é o tratado teológico acerca de Maria, coloca em grande destaque essa função de Maria como intercessora. Como mediadora, ela sempre coloca o cristão no caminho e na direção da graça divina e da salvação. É bem verdade que a figura de Maria, associada ao estereótipo da figura materna, tão presente na mentalidade do povo, pode muitas vezes colocar Maria num patamar até superior a Jesus Cristo, como se fosse ela a operadora da graça e não sua intercessora. É comum ouvir-se, dentre os pastores protestantes, a imputação de que os católicos são mariólatras, isto é, adoradores de Maria, quando deveriam ser adoradores de Jesus. Pela televisão, com frequência são mostrados episódios de pregadores protestantes quebrando e profanando imagens de Maria, como forma de intimidar e provocar os católicos. Além de ser um ato de intolerância religiosa, trata-se também de uma ação antijurídica, que é vedada pela Constituição Federal (art. 19, I) e pode ser enquadrada no Código Penal Brasileiro (art. 208), o mesmo tipo penal aplicado também a outros símbolos e imagens religiosas de qualquer religião. Mas não podemos desconhecer que a instrução religiosa precária e incompleta de muitos católicos os leva a ter uma atitude de reverência maior diante da imagem de Maria (ou das imagens dos santos) do que diante da Eucaristia, preferem rezar o terço do que participar da Santa Missa (ou ainda, ficam rezando o terço durante a missa, como se aquele tivesse maior valor).


No Brasil, a veneração da Padroeira é muito valorizada, havendo diversos templos católicos em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, mas o maior exemplo dessa devoção está no Santuário Nacional, instalado na cidade de Aparecida-SP, local situado às margens do rio onde a imagem original foi encontrada. O trabalho de divulgação e a atividade pastoral dos Missionários Redentoristas, cuidadores do Santuário, propaga através dos meios de comunicação (rádio, TV, portais eletrônicos) essa devoção, que é mais encontrada no centro sul do Brasil, visto que no nordeste brasileiro, a figura de São Francisco tem uma presença simbólica muito mais forte. Que Nossa Senhora Aparecida esteja sempre iluminando os dirigentes da nossa Pátria, onde ela é rainha e Padroeira.


Cordial abraço.

Antonio Carlos

sábado, 4 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 27 DOMINGO COMUM - 05.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 27º DOMINGO COMUM – O TAMANHO DA FÉ – 05.10.2025


Caros Confrades,


Neste 27º domingo comum, as leituras litúrgicas abordam o tema da fé e a sua inserção na nossa vida cotidiana, questionando-nos sobre o tamanho da nossa fé (se é que podemos medi-la). A vivência na fé é um exercício reflexivo permanente, dinâmico, sempre em progresso, aumentando cada vez que somos capazes de perceber e compreender a ação de Deus na nossa vida. O resultado da fé é a justiça. O justo vive pela fé. Observando os fatos da vida cotidiana à luz da fé, podemos descobrir a mão de Deus no comando dos acontecimentos, até nos menores detalhes. Sobretudo em tempos sociais conturbados, mais ainda deverá iluminar-nos a nossa fé.


Na primeira leitura, retirada do profeta Habacuc (trechos dos cap. 1 e 2), vemos o profeta reclamando de Javeh porque grita a ele e não é atendido. Habacuc tem a ousadia de questionar Javeh: “até quando clamarei sem que me atendas?”, o que é uma atitude incomum no Antigo Testamento, onde a figura de Javeh é mostrada como um Deus irado e vingativo, quase intolerante. Interpelar Javeh dessa forma era uma atitude arriscada. Mas o profeta não tinha dúvidas de que fazia a súplica do modo correto e esperava o resultado, no entanto, nada acontecia. Javeh, então, mostrou a Habacuc uma visão desoladora, da qual ele teve muito medo, e Javeh disse: escreve isso em tábuas, para que fique fácil para a leitura pelo povo. Naquela época, poucas pessoas dominavam a leitura, era necessário ter uma grande clareza. Escreve e espera, porque ainda nesta geração, essas coisas acontecerão: “Os infiéis morrerão, mas os justos viverão pela sua fé.” A grande catástrofe que estava por vir contra os infiéis era a derrota pra os exércitos da Babilônia, a destruição de Jerusalém e a condução do povo hebreu como escravos daquele país. O profeta ficou deveras preocupado, porque pedia a Deus um castigo para o povo infiel, mas não imaginava que Ele fosse tão impiedoso. O próprio Habacuc foi levado como escravo para a Babilônia, algum tempo depois, de acordo com a promessa de Javeh. No entanto, sendo justo, ele sobreviveu e foi libertado, também de acordo com a promessa de Javeh.


Na segunda leitura, sequência da carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida nos domingos anteriores, o Apóstolo exorta o discípulo a permanecer firme na fé, “pois Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade.” (2Tim 1,7). Paulo escreveu esta carta enquanto estava preso, aguardando julgamento pelo tribunal romano, por causa da sua fé em Jesus Cristo e convida Timóteo a sofrer com ele. Na carta a Filipenses (1, 21), Paulo também escreveu que “para mim, viver é Cristo e morrer é lucro”, porque ele sabia muito bem que a morte não tiraria a sua vida na fé em Cristo, pelo contrário, morrer pela fé apenas abrevia os sofrimentos e introduz o fiel na vida plena. Paulo escreveu diversas cartas enquanto estava preso e, em todas elas, dá o testemunho de sua fé irrestrita, mesmo antevendo as provações que o aguardavam. Ele compreendia muito bem a palavra de Javeh ao profeta Habacuc: o justo vive pela fé.


Na leitura do evangelho (Lc 17, 5-10), vemos exemplos práticos dados pelo próprio Jesus sobre a avaliação que cada um pode fazer da medida da sua fé. É a conhecida passagem: “'Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: `Arranca-te daqui e planta-te no mar', e ela vos obedeceria. ” (Lc 17, 6) Meus amigos, é hora de cada um de nós baixar a cabeça e refletir sobre o “tamanho” da nossa fé. Talvez seja necessário usar uma grande lupa para podermos observá-la. Um grão de mostarda é menor do que um caroço de arroz cru, do que uma semente de gergelim. É óbvio que se trata de um raciocínio metafórico, porque a fé não pode ser comparada a um objeto físico. Mas se alguém fizer uma comparação entre a sua altura e o tamanho de uma semente dessas, verá uma enorme desproporção. Assim também deverá acontecer quando compararmos a altura da nossa soberba com o tamanho da nossa fé. E imaginemos que essa fé, ainda que minúscula, seria capaz de transportar uma montanha. Nem vamos continuar essa linha de raciocínio, para não resultar em desânimo, porque nossa fé é mesmo muito pequena.


Refletindo sobre o tema da fé, vale recordar o evangelho de Mateus, cap. 14, onde lemos aquele conhecido episódio em que os discípulos estavam pescando à noite, com um mar agitado, e viram Jesus caminhando sobre as águas. Pedro, como sempre, impetuoso, disse logo: posso ir também caminhando sobre a água? E Jesus disse: Vem. Mas logo ele começou a afundar. “E Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 31). Homens de pouca fé é o que nós também somos. Quantas vezes, nos lamentamos diante de certas ocorrências e até pensamos que Deus se esqueceu de nós. Nesse momento, deve soar no nosso ouvido a advertência de Jesus a Pedro: Homem de pouca fé, por que duvidaste? O justo viverá pela sua fé, ecoa do outro lado a visão do profeta Habacuc.


Acerca da fé, o autor da carta aos Hebreus faz a definição desta virtude, talvez mais perfeita em linguagem humana: “A é uma posse antecipada do que espera, um meio de demonstrar as realidades que não se veem.” (Hb 11,1) Para a teologia cristã, a fé é um estado de espírito no qual a pessoa se envolve irresistivelmente com o objeto de sua crença, convencendo-se da realidade invisível por meio de uma experiência existencial profunda. Em vista de uma melhor compreensão deste fenômeno, ao longo do tempo, os teólogos têm buscado na filosofia um auxílio racional para esclarecer o sentido do enigma que envolve a fé. Os grandes expoentes da filosofia e da teologia medievais foram unânimes em afirmar que não existe oposição, mas uma relação de complementaridade entre a fé e a razão. Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno, sempre defenderam esse ponto de vista, o que vem servindo de apoio logístico para a doutrina teológica até os dias de hoje.


O Papa Francisco, no ano de 2013, publicou uma encíclica, cujo rascunho fora escrito por Bento XVI, mas que o Papa concluiu e publicou em nome próprio. Trata-se da encíclica “Lumen Fidei” (Luz da Fé). No n.º 7 desse documento, ele admite isso: «Estas considerações sobre a fé - em continuidade com tudo o que o magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal - pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição». E no número 32, ele prossegue: “O encontro da mensagem evangélica com o pensamento filosófico do mundo antigo constituiu uma passagem decisiva para o Evangelho chegar a todos os povos e favoreceu uma fecunda sinergia entre fé e razão, que se foi desenvolvendo no decurso dos séculos até aos nossos dias.” A antiga formação seminarística, no curso de filosofia, abordava exatamente essas “contribuições” dos filósofos antigos e medievais para o melhor esclarecimento da fé, pois o curso era baseado na filosofia tomista. O curso de filosofia realizado pelos seminaristas de hoje já não segue essa perspectiva, em vez disso, carrega forte acento no pensamento filosófico contemporâneo, gerando um descompasso teórico com o pensamento teológico tradicional católico, totalmente ainda embasado na filosofia medieval. Haja vista os diversos grupos “carismáticos”, onde essa perspectiva medieval tridentina superabunda. Por isso, percebe-se claramente a diferença quando se ouve uma homilia de um sacerdote mais antigo, em comparação com os presbíteros mais modernos, em relação ao fundamento filosófico que cada um demonstra (ou não) possuir.


Nos tempos modernos, a tecnologia e o cientificismo tendem a anular a fé ou mostrá-la como atitude de pessoas fracas e sem argumentos. A fé ficou associada à escuridão, advertia o Papa Francisco. Mister se faz encontrar o seu verdadeiro sentido. Ora, se na época de Cristo, os discípulos pediram para que Ele lhes aumentasse o tamanho da fé, quando mais devemos pedir isso nos tempos atuais. É útil ter sempre em mente a advertência do profeta Habacuc: o justo viverá por sua fé. Uma maneira didática de obter um aumento da fé é buscar sempre descobrir a mão de Deus nos acontecimentos da nossa vida. Assim, estaremos continuamente aumentando o tamanho da nossa fé.


Permitam-me os leitores um breve comentário, dirigido especialmente ao ex-seminaristas de Messejana. Falando em cativeiro da Babilônia, no contexto da primeira leitura, vem logo à mente a bela e conhecida ária de Giuseppe Verdi “Va Pensiero”, na qual o compositor retrata a situação dos hebreus cativos a chorar e a lamentar-se, lembrando de Sião, junto aos rios da Babilônia. O castigo de Javeh foi realmente muito severo e o povo compreendeu o tamanho da sua infidelidade. “Oh mia patria, si bella e perduta... oh membranza si cara e fatal”. Esta bela página musical evoca muitas lembranças e emoções dos Colegas, que embora não estivessem cativos e nem residissem na Babilônia geográfica, de todo modo encontravam-se em autoexílio nas paragens messejanenses, décadas atrás. Va, pensiero, sull'alli dorate, va, ti posa sul Seminario Serafico...


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos