sábado, 13 de setembro de 2025

COMENTARIO LITÚRGICO - 24 DOMINGO COMUM - FESTA DA SANTA CRUZ - 14.09.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 24º DOMINGO COMUM – A SANTA CRUZ – 14.09.2025


Caros Confrades,


Na liturgia deste domingo, 24º do tempo comum, as celebrações estão voltadas para a glorificação da cruz de Cristo. Fazendo o contraponto com a liturgia da sexta feira santa, na qual se celebra a morte de Cristo na cruz, portanto, os atos litúrgicos estão voltados para a paixão do Senhor. A diferença está em que, na sexta feira santa, o tom da festa é um silêncio circunspecto, apresentando a cruz como instrumento de suplício, enquanto nesse dia 14 de setembro, muda o tom da festa, exalta-se a cruz numa visão de alegria, porque foi através dela que veio para nós a salvação. É uma celebração litúrgica que remonta ao século IV e também é comemorada na mesma data pelas igrejas orientais com ritual solene, tendo precedência sobre a liturgia dominical.


Fora do contexto dos ritos graves que circundam o tríduo pascal, a festa da Exaltação da Santa Cruz foi instituída no ano 335, quando o imperador Constantino mandou erguer uma basílica sobre o monte Gólgota, no mesmo lugar onde Jesus fora crucificado, tendo sido colocada nesse templo a “vera cruz”, ou seja, aquela cruz em que Jesus foi crucificado. Já haviam se passado mais de 300 anos da morte de Cristo, quando os cristãos conseguiram encontrar a “vera cruz”, realizando escavações nos arredores de Jerusalém. Os trabalhos de busca levaram a diversas cruzes, porque era muito comum a utilização desse instrumento de morte na época da dominação romana. De acordo com a tradição, a “vera cruz” foi reconhecida por uma “metodologia” bastante intuitiva: com as várias cruzes enfileiradas uma ao lado da outra, teria sido colocado um cadáver de um homem sobre cada uma delas e, quando isso foi feito na verdadeira cruz, o homem milagrosamente reviveu. Muito provavelmente, essa história faz parte daquele “folclore” que vai sendo transmitido de geração em geração, a ponto de não se saber mais de onde se originou. Mas, por qualquer que tenha sido o método, os fiéis da época, liderados pelo imperador romano Constantino e pela mãe deste, Santa Helena, iniciaram a tradição de adorar essa cruz, que continua sendo reconhecida como a verdadeira. E mesmo que não seja, a sua antiguidade e a glorificação que vem recebendo ao longo de tantos séculos faz dela um verdadeiro ícone da fé cristã.


As leituras litúrgicas desta data fazem uma alusão à imagem da cruz associada à restauração da vida. Na primeira leitura, do livro dos Números (21, 4-9), relata-se o episódio da serpente de bronze amarrada a uma estaca, por ordem de Javeh. O título deste livro em hebraico diz-se Bamidbar, que significa literalmente 'No deserto'. Na tradução para a língua grega, o título do livro foi modificado para Arithmoi (aritmética, números, contagem), porque no seu texto constam dois recenseamentos do povo, feitos durante a sua trajetória pelo deserto. Neste livro, encontram-se também muitos preceitos práticos, que constituem uma espécie de tratado legislativo do povo hebreu. E é também neste livro, no cap. 6, 24, que consta aquela bênção que São Francisco costumava usar para abençoar seus frades: O Senhor te abençoe e te guarde, mostre para ti o Seu rosto e tenha piedade de ti... Pois bem. Na leitura da liturgia de hoje, relata-se o episódio em que os hebreus maldiziam Moisés por tê-los tirado do Egito e tê-los levado por uma trajetória sem fim pelo deserto, com toda a sorte de privações. E amaldiçoavam também a Javeh, que mandou serpentes venenosas para castigarem o povo maledicente. O povo se arrependeu e pediu a Moisés que intercedesse por eles. Então, Javeh ordenou a Moisés que fizesse uma serpente de bronze e a pendurasse numa vara comprida. Aquele que fosse mordido por uma serpente e olhasse para aquela feita de bronze, ficaria curado. Então, a figura da serpente de bronze suspensa significou para os hebreus um instrumento de salvação. Muito tempo depois, Jesus irá retomar esse episódio para comparar com a sua própria paixão.


Na segunda leitura, da carta aos Filipenses (2, 6-11), Paulo relembra àqueles cristãos que Cristo deixou de lado sua condição divina e assumindo plenamente a sua humanidade, humilhou-se ao máximo, sendo morto numa cruz, que era naquela época um suplício aplicado apenas aos escravos e aos mais terríveis delinquentes. Daí Paulo dizer que Cristo esvaziou-se a si mesmo, isto é, escondeu sua divindade por trás da sua humanidade e, mais ainda, escondeu essa humanidade por trás da condição humana mais vil, permitindo-se um tipo de morte infame e humilhante. Mas Ele fez isso justamente para que o Pai o exaltasse, porque foi para isso que ele assumiu a condição humana. Por isso, o Pai O colocou acima de tudo e Lhe deu um nome que está acima de todo nome. E com isso, Cristo transformou aquele instrumento de suplício num recipiente de gozo, transformou aquele aparelho de sofrimento num capitel de regozijo, aquele aparato de humilhação num trono de exaltação. Depois disso, todo joelho que há no céu, na terra e embaixo da terra se dobrará em sua homenagem. Foi certamente esse hino de exaltação da cruz, composto por Paulo na carta aos Filipenses, que motivou a festa litúrgica desta data.


Na leitura do evangelho de João (3, 13-17), Jesus recorda a figura da serpente erguida na haste por Moisés no deserto para comparar isso a Ele próprio, no contexto de sua conversa com Nicodemos. Apenas o evangelista João narra esse episódio. Nicodemos era um mestre da lei, portanto, um fariseu especialista nas escrituras, que acreditava em Jesus, porém não podia declarar isso publicamente, por receio de represália dos demais, por isso, foi ter com Jesus à noite, às escondidas, e confessou a ele a sua fé. Nicodemos ficou embaraçado quando Jesus disse que somente quem renascesse poderia ver o reino de Deus. Renascer? Mas eu já sou um adulto, como pode ser isso? Nicodemos pensou logo no nascimento biológico, porém Jesus falava do renascimento em espírito. Por isso, Jesus fez até uma ironia com ele: “tu és mestre da lei e não sabes disso?” Sim, ele não sabia mesmo. Então, Jesus usou como exemplo uma figura conhecida por Nicodemos: a serpente de Moisés. Lembra de quando Moisés suspendeu uma serpente no deserto, para que todos os que a mirassem fossem salvos? Pois assim acontecerá com o Filho do Homem. Convém que seja suspenso também, de modo que quem olhar para ele e nele crer tenha a vida para sempre. A figura da serpente erguida por Moisés fora um símbolo que preconizava a elevação de Jesus na cruz com o mesmo objetivo: trazer a salvação aos que olharem para Ele com fé.


Meus amigos, vejamos aqui uma situação de aparente contradição. Javeh havia proibido os hebreus de fazerem ídolos ou imagens d'Ele próprio, pois Ele devia ser adorado em espírito e em verdade. No entanto, neste caso relatado em Bamidbar, o mesmo Javeh mandou que Moisés fizesse um “ídolo” de bronze em forma de serpente. Não que Javeh se comparasse à figura de uma serpente, mas de todo modo, a mesma serpente que gerava a morte também passou a gerar a vida. Somente Javeh é o senhor da vida, então aquela figura idolatrizada da serpente funcionava como uma mediação entre a morte e a vida, para os que n'Ele acreditassem. Vemos com isso que Javeh não era totalmente contrário à feitura de imagens, Ele não queria ser retratado nelas. E o fato de Jesus, muito tempo depois, ter retomado a figura da serpente de bronze como portadora da vida para comparar a Si próprio, elevado numa haste de madeira, avaliza a ideia de que a confecção de imagens não é proibida, de forma absoluta, por Deus, mas as imagens devem ser símbolos e sinais daquelas verdades que elas representam. Javeh não mandou que ninguém adorasse a serpente, mas apenas que olhasse para ela com o coração contrito. Essa é a mesma atitude que o cristão deve ter diante das imagens sagradas, não se detendo nas figuras em si, mas servindo-se delas para melhor vislumbrar os sinais que elas representam.


É curioso observar que muitas pessoas invocam textos bíblicos para afirmarem que Deus não gosta das imagens e as proibiu. Esquecem de invocar também a imagem da serpente como mediadora da salvação. É o caso de dizermos o mesmo que Jesus disse a Nicodemos: tu és um mestre da lei e ignoras isso? Ou seja, buscas na escritura apenas aquelas passagens que favorecem a justificativa do teu ponto de vista? Ficas preso às palavras e expressões da lei e não consegues descobrir nelas o sentido mais profundo da sua mensagem? É por isso que toda interpretação fundamentalista da escritura deve ser evitada. É por isso que já afirmei, nesses escritos, por diversas vezes: não basta ler a Bíblia, é necessário estudar a Bíblia, aprofundar o seu conteúdo, compreendê-la no seu contexto histórico e cultural, para que possamos tentar descobrir a sua mensagem verdadeira.


A festa da Santa Cruz é sequenciada pela festa de Nossa Senhora das Dores, nesta segunda feira, dia 15 de setembro. Ao falar na cruz e morte de Cristo, não podemos esquecer que o sofrimento de Maria está também associado à cruz e é um fator de extraordinária importância no contexto dos eventos da história da salvação. Mãe das Dores, rogai por nós.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 6 de setembro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 23º DOMINGO COMUM - 07.09.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 23º DOMINGO COMUM – O DESAPEGO – 07.09.2025


Caros Confrades,


Neste 23º domingo comum, a leitura do evangelho proclama a necessidade do desapego dos bens materiais, ou seja, ser pobre em espírito, esta que deve ser a atitude padrão de quem quer ser discípulo de Jesus. Desapegar não significa renunciar ou desprezar os bens materiais, mas colocá-los no segundo plano, deixando em primeiro plano os bens espirituais. No caso, o desapego não abrange apenas os bens de consumo e os objetos de valor, mas tudo aquilo que, de alguma maneira, impede ou dificulta a nossa vida cristã, inclusive as relações familiares. Este tema está presente também nas outras leituras: do livro da Sabedoria e da carta de Paulo a Filêmon.


Na primeira leitura, retirada do livro da Sabedoria (9, 13-18), o autor destaca uma doutrina que muito se assemelha com a teoria do filósofo grego Platão, quando ele contrapõe o mundo da matéria e o mundo das ideias. No versículo 15 do cap 9, lemos: “porque o corpo corruptível torna pesada a alma e, tenda de argila, oprime a mente que pensa.” A imagem do corpo como “tenda de argila que oprime a alma” faz eco com a narração da criação do homem, de acordo com o Gênesis, quando Deus fez o homem do limo da terra. O peso da matéria corporal impede a alma de alcançar os desígnios profundos de Deus. É o que diz no vers. 16: “Mal podemos conhecer o que há na terra, e com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos; quem, portanto, investigará o que há nos céus?” É curioso como essa doutrina filosófica, conhecida como dualismo, era comum entre os povos daquela época. O dualismo teve uma importância muito grande nos inícios do cristianismo, sendo defendida por vários teólogos cristãos, estudiosos de Platão. Santo Agostinho foi o principal deles e, anteriormente, ele tinha simpatia até pela doutrina da reencarnação, também ensinada por Platão, vindo depois a abandoná-la, pois observou que era incompatível com o cristianismo. Grande parte da catequese católica tradicional foi elaborada com base nessa doutrina, que ainda está presente também no catecismo oficial atual. Contudo, na época contemporânea, com a influência da filosofia fenomenológica, tanto a teoria de Platão quanto a de Aristóteles ficaram superadas com o conceito da subjetividade intencional, que procura unir corpo e espírito como uma realidade integrada, de modo que não se cogita mais em separação entre corpo e espírito. A doutrina filosófica contemporânea compreende o homem como um ser integrado de corpo e espírito, de tal maneira que este deve ser entendido como um corpo espiritualizado ou um espírito corporificado, não fazendo sentido referir-se a um sem incluir também o outro, assim como também não faz sentido falar-se em “separação” entre corpo e espírito, como se fossem duas realidades opostas e incompatíveis. A ressurreição de Cristo e também a assunção de Maria são fatos que demonstram, a título de antecipação, o que ocorrerá com todos os crentes, por ocasião de sua passagem para o plano da eternidade. Não é o espírito que “se salva”, mas a salvação abrande o ser humano inteiro, incluindo corpo e alma. Não o corpo-matéria, mas o corpo glorioso e desmaterializado, tal como sugere a estampa da efígie de Cristo no Santo Sudário.


Na segunda leitura, da carta de Paulo a Filêmon (9-17), o Apóstolo destaca a doutrina da reconciliação como uma atitude decorrente do desapego cristão. Nesta carta, encontramos três personagens em situações bastante diferentes: o apóstolo Paulo levando adiante a sua pregação do evangelho, o amigo dele Filêmon, um cristão rico que morava na cidade de Colosso e tinha uma igreja funcionando na sua própria casa, e o (ex) escravo Onésimo, que é o portador da carta. Paulo deixa entender, nas entrelinhas, que Onésimo tinha sido escravo de Filêmon e estava como fugitivo em Roma, onde o encontrou. Com muita discrição, Paulo não entra em detalhes sobre o provável motivo da fuga, no entanto, apenas a fuga por si mesma já era uma afronta ao patrão. O fato transparecido nas entrelinhas da carta é que Paulo encontrou Onésimo em Roma na prisão, onde ambos estavam enclausurados, e este aceitou o batismo, após a catequese de Paulo. Vindo a saber do vínculo anterior de Onésimo com Filêmon, de quem Paulo era amigo, este fez questão que Onésimo fosse reconciliar-se com seu antigo senhor, não para que ele retornasse à condição de escravo, mas dando seu aval ao amigo Filêmon da conversão de Onésimo e da sua nova condição de irmão na fé, a fim de que o ex-patrão o recebesse na sua casa como se fosse o próprio Paulo, reforçando desse modo aquela comunidade eclesial que Paulo bem conhecia. Ao pedir a Filêmon que aceitasse Onésimo como se fosse ele próprio (Paulo), estava solicitando a ele uma dupla atitude: primeiro, que perdoasse a má conduta do seu ex-escravo e, mais do que isso, que o aceitasse como irmão na fé, recomendado pelo Apóstolo para trabalhar com ele na comunidade. O texto da carta demonstra o cuidado de Paulo na redação, para que Filêmon entendesse bem o seu pedido e demonstra mais a grande confiança que Paulo depositava nele, porque era um pedido muito delicado. Vejamos o que Paulo diz no vers. 14: “eu não quis fazer nada sem o teu parecer, para que a tua bondade não seja forçada, mas espontânea. ” E mais adiante, no vers. 17: “se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo. ” A carta desenvolve a teologia do perdão e da reconciliação que cada um de nós deve ter para com o irmão que peca, assim como Deus tem para conosco, quando pecamos. Não ficou registrada a atitude do destinatário, mas por certo, Filêmon concordou com Paulo e recebeu Onésimo, conforme a recomendação dele.


A leitura do evangelho (Lc 14, 25-33), como antecipado, enfoca a atitude de desapego que deve ter o cristão em relação às coisas materiais. Na tradução latina desse texto, a exigência de Cristo é bem mais forte do que na tradução oficial. Diz assim: “si quis venit ad me et non odit patrem suum et matrem et uxorem...”, ou seja, se alguém vem a mim e não odeia seu pai, mãe, esposa... a tradução de São Jerônimo é literal do verbo grego “miseô”, que significa odiar, detestar. Porém, o sentido original desta palavra no hebraico (sanê) tem relação com “sentir ciúme”, “não dar a preferência”, ou falando numa expressão positiva, de “amar mais”, ou seja, sentir ciúme se alguém amar mais seu pai, sua mãe, sua esposa … do que a Mim... Daí porque a tradução da CNBB para a frase citada é “se alguém vem a mim, mas não se desapega do seu pai, sua mãe, sua esposa...” Neste caso, a tradução oficial está bem mais conforme o texto hebraico do que com a tradução latina. E é este o sentido mais autêntico da exigência que Jesus faz aos seus seguidores, ou seja, ele não quer dizer que o cristão deve literalmente “odiar” o pai, a mãe, a esposa, os irmãos, os filhos, mas sim que não deve dedicar maior amor aos familiares do que ao próprio Jesus. Não quer dizer que devemos rejeitar, detestar os familiares, mas sim que o amor que dedicamos a estes deve ser fruto do amor primordial a Cristo, amar os familiares no amor de Cristo, com o amor de Cristo. E, em último caso, se as relações familiares ou as relações de amizade forem motivo de afastar o cristão do seu verdadeiro ideal, então o fiel deve fazer a sua escolha radical pela adesão ao ensinamento de Cristo. Esta é a grande dificuldade de se ler a Bíblia nas traduções, sem ter conhecimento do significado dos termos na língua original, ou seja, pode conduzir a conclusões bem divergentes daquele que é o melhor significado da mensagem. Este é o grande problema que ocorre quando o fiel apenas “lê” a Bíblia. Ler não é bastante, é necessário “estudar” a Bíblia, a fim de obter da leitura o melhor aprendizado. Desse modo, num entendimento mais humanizado, a interpretação dessa exigência de Cristo se desloca mais para o sentido espiritual do desapego interior, na linha de pensamento da pobreza em espírito.


Os outros dois exemplos citados pelo evangelista vão também nessa mesma linha de raciocínio. Sobre o homem que queria construir a torre, mas não tinha economias suficientes para levar adiante a pretensão, Cristo quer dizer que devemos nos desapegar também de projetos mirabolantes, que estão mais a serviço da nossa vaidade do que da nossa fé. Qual o objetivo de alguém construir uma torre? Devia ser para tornar-se famoso, para ser visto e conhecido pelas outras pessoas. Mas, até que ponto isso irá contribuir para o bem do próximo, para o serviço da comunidade? Então, os nossos projetos devem estar coerentes com as exigências da nossa fé, não com a nossa vaidade pessoal. Sobre o outro exemplo do rei que vai guerrear com o rival, qual seria o seu objetivo, senão enaltecer o seu egoísmo e o seu orgulho, pensando na vitória sobre o outro? Ora, reconhecer a superioridade do outro é também uma atitude de desapego, de renúncia da própria vaidade. Embora a narrativa sugira que o rei evitou o confronto com receio de ser derrotado, visto que o rival tinha um exército mais numeroso, devemos nos lembrar que Cristo fazia essas preleções para pessoas do povo e usava exemplos simples de casos mais compreensíveis, porém depois ele explicava o verdadeiro significado para os discípulos.


O sentido cristão do desapego, portanto, não é simplesmente largar tudo e ir morar debaixo da ponte. Desapegar-se significa ser pobre em espírito, porque há pessoas extremamente pobres de bens materiais, mas que demonstram espírito rico e de exagerada avareza, invejando o que os outros possuem.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 30 de agosto de 2025

COMENTARIO LITURGICO 22 DOMINGO COMUM - 31.08.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 22º DOMINGO COMUM – HUMILDADE X SOBERBA – 31.08.2025


Caros Confrades,


Nesta liturgia, as leituras do 22º domingo comum nos advertem a evitar a soberba, por ser esta uma atitude incompatível com a conduta do cristão. No evangelho de Lucas, temos um exemplo prático dado por Jesus, num evento público ao qual compareceu. Ele destaca uma das condutas mais corriqueiras da pessoa soberba: querer aparecer, receber elogios, ser reconhecida em público, fazer amizade com os poderosos da sociedade. Com isso, o soberbo já recebe a sua recompensa passageira. Por outro lado, diz ele: fazer o bem a quem não pode nos recompensar com favores gera um crédito na eternidade.


O oposto da soberba é a humildade. Etimologicamente, a palava humilde é a tradução do latim “humilis”, termo relacionado com o húmus, que remete à nossa origem do limo da terra. A imagem bíblica do homem criado por Deus a partir da lama pretende ressaltar a consciência da nossa finitude, da efemeridade da existência. Muitas pessoas vivem como se fossem permanecer no mundo para sempre e se utilizam dos bens materiais para obter prestígio e poder a todo custo, até mesmo pisoteando as outras pessoas. É importante esclarecer que, quando se fala em humildade, isso não significa ser subserviente ou viver como mendigo, como indigente, usar roupa esfarrapada, porque ser humilde é, antes de tudo, uma atitude do espírito. Assim como há pessoas abastadas e humildes, também há pessoas miseráveis gananciosas e soberbas. Ser humilde, pois, é antes de tudo ser pobre em espírito e isso significa desapego e generosidade, significa possuir bens sem ser escravo deles, significa acumular tesouros que a traça não consome e o ladrão não rouba (Mt 6, 19).


Na primeira leitura, extraída do Livro do Eclesiástico (3, 20), o escritor sagrado nos adverte: “Na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e assim encontrarás graça diante do Senhor. Muitos são altaneiros e ilustres, mas é aos humildes que ele revela seus mistérios. ” O livro do Eclesiástico faz parte dos escritos deuterocanônicos, isto é, foi escrito em época posterior aos demais escritos bíblicos, após o retorno do exílio da Babilônia, não compondo os livros sagrados do antigo judaísmo, portanto, não era lido nas sinagogas judaicas. Seu autor é um sábio de nome Jesus, filho de Sirac, daí porque o livro também é conhecido como Ben Sirac ou Sirácida. Os cristãos primitivos sempre consideraram este livro como sagrado, mas é um dos livros que Lutero recusou e por isso não está na bíblia protestante. Mas se compararmos o seu texto com os ensinamentos de Cristo, especialmente nas ocasiões em que Ele censura o comportamento dos fariseus, percebe-se que ambos se põem na mesma linha de raciocínio. No livro do Eclesiástico, o autor expõe a tradição judaica mais autêntica e Jesus, tendo sido educado na tradição judaica, o conhecia muito bem, aproveitando-se disso para mostrar a hipocrisia dos fariseus que, como mestres da lei, não a praticavam. Semelhanças com o texto desta leitura podemos encontrar também no cântico de Maria, após ouvir a saudação do anjo (Lc 1, 52): derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes... pôs os olhos na humildade de sua serva. Não é, portanto, de se admirar que desde os primeiros tempos do cristianismo este livro tenha sido sempre prestigiado e lido nos templos.


No evangelho deste domingo, podemos identificar um verdadeiro sermão sobre a humildade, através das parábolas ditas por Jesus na casa de um dos chefes dos fariseus. Diz o evangelista Lucas (14, 1), que Jesus fora convidado para ir almoçar na casa de um importante fariseu, num dia de sábado. Observa-se que Jesus tinha um bom relacionamento com os fariseus, apesar de criticá-los muito também. É de supor-se que Ele, como bom judeu, tinha comparecido à sinagoga naquele dia e até provavelmente tenha sido convidado para fazer a leitura da Torah. Após o culto sabático, um dos lideres dos fariseus o teria convidado para ir almoçar na casa dele. Ali chegando, Jesus observou como os convidados ficavam disputando a preferência do dono da casa, escolhendo os melhores lugares à mesa. Cada qual queria demonstrar ter mais prestígio com o anfitrião. E ao mesmo tempo, todos observavam qual seria a atitude de Jesus, como um convidado de honra. Percebendo isso e mesmo antevendo alguma provável armadilha, Jesus tomou a iniciativa das ações e passou a contar-lhes uma parábola.


Os fariseus gostavam daquele tipo de religiosidade das aparências, do cumprimento da lei pela sua literalidade, sem uma atitude de interiorização. Por isso, Jesus aproveitou o contexto e contou mais uma das suas historinhas: houve um banquete em que um convidado que estava sentado no lugar de honra foi solicitado pelo anfitrião para ceder seu lugar para outro conviva mais importante do que ele, tendo que ir sentar-se lá atrás. Era exatamente o que eles estavam fazendo, escolhendo os melhores lugares. Então, Jesus arrematou: quando tu fores convidado, senta-te nos últimos lugares, porque será honroso para ti ser chamado para chegar mais para a frente e, ao contrário, será decepcionante para ti ser mandado lá para trás. Essa parábola de Jesus foi tradicionalmente interpretada pelos biblistas no seu sentido mais literal de uma posição ou local físico. Contudo, podemos compreendê-la também noutro sentido mais simbólico, da busca por elogios, da necessidade de ser aplaudido, bajulado, da vaidade de ser notado, ser reconhecido. Essa procura psicológica pelos “primeiros lugares” na opinião pública tem o mesmo sentido da disputa pelo melhor lugar na mesa do banquete. A frustração que daí resulta, quando a expectativa não se materializa, é semelhante à humilhação daquele que foi “convidado” a sentar na última fileira, pode até provocar doenças físicas. Sim, porque, mais importante do que a pobreza de bens materiais é a pobreza no espírito, o reconhecimento sincero da nossa fragilidade, da nossa incompletude. O espírito orgulhoso não percebe isso e necessita de estar sempre sendo incensado e colocado em alto pedestal. Ao contrário, o espírito humilde raciocina como Cristo disse no evangelho: somos servos inúteis, fizemos o que tínhamos de fazer. (Lc 17, 7)


Daí a complementação que Jesus faz desta primeira parábola com uma segunda: “Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. ” (Lc 14, 12) Ele não está dizendo que não se deve oferecer recepções aos amigos e parentes. Está advertindo que quem pratica o bem somente para os semelhantes, os da sua mesma classe social, recusando-se a fazer o mesmo com as pessoas mais humildes, na verdade, não age como cristão. Em certa ocasião, dirigindo-se aos peregrinos, o Papa Francisco fez uma comparação interessante, quando disse: de que adianta ir à missa e comungar se, quando chega de volta ao seu apartamento, nem cumprimenta o porteiro do prédio? De igual modo, o profissional que escolhe a sua clientela olhando apenas o poder aquisitivo e a consequente possibilidade da retribuição material não está agindo como cristão. Atender com alegria o cliente bem-vestido e perfumado, enquanto o cliente de aparência modesta é recepcionado com frieza e má vontade, não é atitude digna de quem se considera discípulo de Cristo. Novamente, devemos entender que não se trata de um local físico, de um almoço ou jantar convencionais, mas é preciso alcançar o nível do simbolismo da mensagem.


No final desta parábola, Jesus diz: “quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. ” (Lc 14, 13) Ora, isso não deve ser entendido na sua literalidade, mas no sentido metafórico: quando tu tratas bem os iguais a ti, aqueles que podem também te fazer o mesmo, a tua recompensa já foi dada, através dos elogios que recebes e das promessas que ouves. Mas se ages desse mesmo modo também com aqueles que não podem te retribuir, a recompensa será dada pelo Senhor, justo juiz. E de nada nos adiantaria cumprir a literalidade desse texto, promovendo banquetes para os indigentes, os excluídos, os moradores de rua, se o nosso espírito, a nossa atitude interior demonstrar superioridade, distanciamento, ojeriza ou indiferença. A humildade não está nas práticas exteriores, mas no sentimento de solidariedade que deve acompanhá-las. Esta é a diferença entre praticar a humildade e ser humilde. Alguém pode praticar atos exteriores de humildade e manter o espírito soberbo, isso de nada adianta. A humildade não é medida pela quantidade de bens materiais que alguém possui, mas pelo grau de desapego que tal pessoa demonstrará em relação a esses bens. Vale lembrar, nesse contexto, o inspirado comentário de Paulo sobre Jesus, na carta aos Filipenses (2, 5-7): sendo de condição divina, Jesus não se prevaleceu disso, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a forma de servo e tornando-se semelhante a nós. Ele, sendo Deus, não precisava passar por todos aqueles tormentos. No entanto, Ele optou pela humildade até as últimas consequências, para nos dar o maior exemplo de capacidade de renúncia, quando Ele se desapegou até de sua condição divina, para sacrificar-se por nós, que nada temos para dar-lhe em recompensa. Esse é o desafio que Jesus deixou para aqueles que aderem ao seu projeto e aceitam ser seus discípulos.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 23 de agosto de 2025

COMENTARIO LITURGICO - 21 DOMINGO COMUM - 24.08.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 21º DOMINGO COMUM – A PORTA ESTREITA – 24.08.2025


Caros Confrades,


As leituras litúrgicas deste 21º domingo comum nos convidam a refletir sobre o tema da salvação, que é oferecida universalmente, ou seja, Deus não escolheu apenas um grupo, ainda que numeroso, para distribuir com este a sua graça, mas a oferece a todos. Porém exige certos requisitos para que a graça salvífica passe a agir na vida do crente. A graça divina é infinita e está disponível para todas as pessoas de boa vontade, todos os que procuram a Deus com o coração sincero, isso significa que há diversas “portas” por onde é possível entrar para a vida eterna, no entanto, o cristão deve desconfiar das portas largas, pois estas levam a paragens ilusórias. A salvação vem associada à cruz, portanto, não é merecedor da salvação quem não carrega alegremente a sua cruz, seguindo o exemplo de Cristo.


A primeira leitura, retirada do livro de Isaías (66, 18-21- trecho denominado de deuteroIsaías, pois foi escrito após a morte de Isaías) é de uma clareza extraordinária. É impressionante a visão de futuro do profeta, a precisão dos detalhes com que ele aponta os acontecimentos da salvação: “virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória.” (Is 66, 18) E prossegue mais adiante: “Escolherei dentre eles alguns para serem sacerdotes e levitas.” (Is 66, 21) O profeta anuncia como será o futuro da humanidade. Obviamente, ele escrevia para as pessoas do seu grupo étnico e do seu tempo. Porém, numa perspectiva escatológica, o profeta se refere a todos nós, quando explica: “...para as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não viram minha glória.” (Is 66, 19) Com isso, o profeta estava anunciando ao povo hebreu que a aliança de Javeh com Abraão não se referia apenas a eles, ou seja, quando Ele disse que a descendência de Abraão seria mais numerosa do que as estrelas do céu, isso significava o alcance universal da promessa, ultrapassando os limites da nação hebraica. E o profeta complementa: dentre estes estrangeiros, escolherei alguns para serem sacerdotes e levitas, ou seja, esses que ainda não Me conhecem também serão meus anunciadores. É curioso como alguns pregadores de visão curta e cristãos fundamentalistas insistem em contar o número de pessoas a quem Javeh dirigiu a mensagem da salvação, ligando essa ideia aos 144.000 assinalados do Apocalipse (Ap 7,1). A imagem transcrita por João contém um enigma a ser decifrado e comporta divergências. Ao contrário, a profecia de Isaías é clara e direta: a mensagem da salvação é dirigida a todos os povos, inclusive àqueles que ainda não conhecem Javeh, mas que virão a conhecê-lo, através dos seus mensageiros. O momento histórico vivido pelo povo de Israel naquela época, retornando à pátria após livrar-se do cativeiro babilônico, era de grande euforia e isso refletia o desejo do Profeta de levar a todos os povos a misericórdia e a fidelidade de Javeh.


Na segunda leitura, retirada da Carta aos Hebreus, o tema da salvação universal também está presente em outra perspectiva, numa dimensão do castigo disciplinar, da correção educativa, para aqueles que não estão comprometidos com a sua missão. O autor desta carta, que antes era atribuída ao apóstolo Paulo, exorta os seus compatriotas hebreus, após a morte de Cristo, sobre a nova forma de compreender o sofrimento. Havia entre os hebreus um entendimento antigo que interpretava o sofrimento como castigo divino, de modo que uma pessoa infeliz era tida como alguém que não gozava da amizade de Javeh. Vemos diversas passagens no evangelho em que Cristo recrimina os fariseus por causa dessa ideia (por ex: Jo 9, 1-3). O autor da Carta aos Hebreus vem repetir essa mesma lição de Cristo em outro contexto, dizendo que o sofrimento faz parte da vida e que devemos compreendê-lo como um recurso pedagógico para nos aproximar do caminho da verdade. Assim diz: “não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho'.” (He 12, 6) E complementa: qual o filho a quem o pai não corrige, quando aquele erra? Daí a advertência em He 12, 13: “acertai os passos dos vossos pés', para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado.” Isso quer dizer que as pessoas que sofrem e as mais necessitadas não devem ser excluídas, mas trazidas para o convívio fraterno, para que não se percam, mas sejam socorridas. “É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. ” (He 12, 7) Exemplo dessa linha pedagógica nós encontramos também nas cartas de Paulo, quando trata da questão dos judaizantes (por ex: Romanos 14, 5), pois o povo hebreu tinha aquela ideia de que, por serem descendentes de Abraão e, portanto, os legítimos herdeiros da promessa, eles eram os primeiros da fila, ou seja, os demais deviam inspirar-se no exemplo deles. A Carta aos Hebreus, assim como as outras lições de Paulo, vêm mostrar que esse raciocínio é ilegítimo, pois pode até ocorrer o oposto, isto é, os últimos serem os primeiros, conforme está no evangelho de Lucas (13, 30).


A terceira leitura é exatamente do evangelista Lucas (13, 22-30), no trecho em que narra a pergunta feita por alguém a Jesus: é verdade que são poucos os que se salvam? Curiosamente, o evangelista não identifica quem foi o autor da pergunta, mas por se tratar de um tema muito preocupante para os fariseus, podemos supor que tenha sido um deles. Muitos fariseus de boa vontade acompanhavam Jesus e escutavam seus ensinamentos. Partindo do estilo da resposta dada por Jesus, deve ter sido mesmo um fariseu o perguntador, por causa dos exemplos que Ele dá. Como costuma acontecer, Jesus nunca responde diretamente às perguntas, mas faz isso através de exemplos e de situações ilustrativas. Neste caso, Ele usa o exemplo da porta estreita, afirmando indiretamente que não existe um número determinado de pessoas aptas à salvação, mas que quem quiser salvar-se deverá escolher a porta estreita. Sabe-se que uma porta larga é um lugar mais cômodo de passar, mas neste caso, ela deve ser evitada. No caso dos fariseus, a “porta larga” significava a mentalidade que eles tinham de serem os herdeiros da promessa de Javeh e, portanto, já estavam com a salvação garantida. Então, Jesus quer mostrar que a salvação é um dom divino dirigido a todos e que, embora seja gratuito, exige atitude de quem quer salvar-se, por isso, deve escolher a porta mais difícil de entrar. Portanto, não alcança a salvação quem fica de braços cruzados, pensando que já foi escolhido e isso basta, e não cuida de fazer a sua parte. Por isso, Ele cita uma situação hipotética: o patrão fechou a porta e quando o servo pede para abrir, o patrão responde que não o conhece. O servo insiste: mas eu comi e bebi junto contigo... e o patrão continua dizendo: não sei de onde és.


Quais são, concretamente, essas “tarefas árduas”, que Jesus simboliza com a imagem da porta estreita? Falando num linguajar também simbólico, será cada um carregar a sua cruz de cada dia, não se queixando nem reclamando, mas na alegria e na esperança. A tolerância com os irmãos, a prática da justiça, o exercício da caridade são alguns comportamentos práticos associados à porta estreita. Quem se acomoda na presunção de estar salvo pelo sangue de Cristo e se descuida dos seus deveres de cristão, de testemunhar o amor de Cristo através das suas ações ouvirá do Mestre, diante da porta fechada: não sei de onde sois. Foi por isso que Jesus advertiu que muitos tentarão entrar na porta estreita e não conseguirão, estes são os que se contentam com uma religião de exterioridades, como acontecia com os fariseus do seu tempo. Estes achavam que bastava o cumprimento da lei, bastava jejuar, dar esmolas, ir ao templo nos dias de preceito, fazer suas orações e pronto. Saindo do templo, lá estavam eles com o coração cheio de orgulho, inchado pela prática da injustiça, obeso pelo desprezo para com os irmãos… meus amigos, precisamos vigiar para que isso não aconteça conosco. Esse puxão de orelhas de Jesus hoje é dirigido a todos nós. A nossa participação nesse projeto universal salvífico de Cristo se encontra descrito na passagem de Lc 13, 29: Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus. Devemos, a todo custo, evitar nos colocarmos na posição dos fariseus, porque essa tentação da soberba sempre acometeu os cristãos em todos os tempos. A porta estreita não é compatível com essa conduta.


A porta estreita, enfim, não significa sofrimento, doença, tristeza, escassez, como outrora se interpretou, como se fosse necessário o autoflagelo, o extremo sacrifício, a privação das coisas materiais a fim de obter a salvação. Os bens materiais são dons divinos e eles somente atrapalham a nossa vocação para o Reino de Deus quando são direcionados para o nosso egoísmo e para a nossa ganância, porém se forem colocados ao serviço da comunidade, se forem objeto da partilha e instrumentos da prática do bem, eles não causarão embaraço ao projeto de Deus.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 16 de agosto de 2025

COMENTARIO LITÚRGICO - FESTA DA ASSUNÇÃO DE MARIA - 17.08.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO 20º DOMINGO COMUM – FESTA DA ASSUNÇÃO DE MARIA – 17.08.2025


Caros Confrades,


Neste 20º domingo comum, a memória litúrgica celebra, no Brasil, a festa da Assunção de Maria, uma verdade de fé proclamada pelo Papa Pio XII, em 1950, a última proclamação dogmática feita por um Papa. O Papa Pio XII, segundo ouvi de um sacerdote que estudava em Roma naquela época, ficou muito relutante se devia ou não fazer essa declaração dogmática da Assunção de Maria, porque não tem base na Bíblia, mas apenas na tradição. Ele pediu a Deus um “sinal” que lhe desse a certeza na sua convicção, pois estava cônscio da sua responsabilidade e da grande repercussão que a sua decisão teria. Logo abaixo, falarei sobre o sinal que ele recebeu.


As histórias acerca da “morte” de Maria são antigas e suportadas por uma tradição muito forte. Consta que Maria “morreu” aos 70 anos, no ano 56, e a sua despedida movimentou toda a cidade de Jerusalém. O apóstolo João era o seu guardião e o evangelista Lucas era o seu médico particular. Consta que ela recebeu, pela segunda vez, a visita do anjo Gabriel, anunciando a sua breve “morte” e ela, novamente, teria dito “eis aqui a serva do Senhor, faça-se segundo a tua palavra”. A história pessoal de Maria é ímpar e admirável.


Não apenas na Igreja Católica Romana, mas também no catolicismo ortodoxo das Igrejas Orientais, a assunção de Maria é celebrada desde a antiguidade, embora no oriente não tenha sido definida como dogma de fé. Mas foi nessas Igrejas orientais que se iniciou, por volta dos séculos III e IV, a celebração da “dormição” de Maria, baseada em escritos antigos que circulavam naquelas comunidades, nos quais se afirmava que Maria não havia morrido, mas apenas adormecera e então foi levada ao céu pelos anjos. Narra uma tradição da igreja siríaca que o apóstolo Tomé viu o momento em que Maria ascendia com os anjos e pediu a ela uma relíquia, para guardar como lembrança e, ao mesmo tempo, comprovar aquele fato. E, então, Maria deixou cair o seu cinto, que atualmente repousa em uma catedral dedicada a ela e onde se encontra o cinto.


A Igreja Católica Romana não guardou essa tradição, porém interpreta a narração apocalíptica do capítulo 12, que descreve o aparecimento de um grande sinal no céu, com uma mulher vestida do sol, pisando sobre a lua e coroada com doze estrelas como sendo a figura de Maria. Há também escritos muito antigos, como o “Liber Requei Mariae” (livro do descanso de Maria), do século III, que afirma que Maria não morreu, apenas descansou. E um outro escrito, este do século V, intitulado “De transitu Mariae” (sobre o trânsito de Maria), que reforça a mesma afirmação. Estes dois são escritos anônimos, ou, pelo menos, sua autoria não tem comprovação. E no século VI, o teólogo São João Damasceno defendeu essa doutrina, numa demonstração da força desse pensamento teológico. Foi com base nesses textos e no testemunho, do qual falarei a seguir, que o Papa Pio XII decidiu fazer a proclamação. A teologia ensina que a morte é consequência do pecado. Se Maria foi concebida sem pecado, então a morte não sobreveio a ela.


Antes de se decidir pela oficialização do dogma, o Papa Pio XII estava com sérias relutâncias e pediu a Deus um “sinal” inequívoco. Este veio de uma maneira bem prosaica, através de um garoto francês. Quando criança, este menino fora milagrosamente curado de uma doença considerada incurável, graças às orações de seus pais à Virgem Maria. Certo dia, o menino falou ao pai dele que havia recebido um recado de Maria, que ele deveria transmitir ao Papa. O pai não levou a sério, até porque era pobre e não tinha condições financeiras de ir a Roma, mas, durante meses, o garoto insistiu que precisava falar com o Papa. A história se espalhou e os parentes e amigos ajudaram para as despesas da viagem. Chegando a Roma, o pai do menino ficou embaraçado, sem saber como chegar até o Vaticano e pedir audiência com o Papa, achando que ninguém acreditaria naquilo. Para surpresa dele, no dia seguinte, chegou uma pessoa na hospedaria onde estavam e perguntou se ali estava hospedado um garoto francês e que o Papa esperava para falar com ele. Essa pessoa era um assessor do Papa e levou o garoto para conversar com ele. Bem, não precisa contar o resto da história. O que ele o Papa conversaram nunca foi revelado, mas depois desta conversa, o Papa se convenceu de que deveria oficializar o dogma da Assunção de Maria.


A proclamação papal acerca do dogma da Assunção não afirma de forma taxativa se houve ou não a morte de Maria, isto é, proclamou a assunção de Maria em corpo e alma ao céu, sem se pronunciar sobre o detalhe se ela havia morrido ou apenas dormido ou descansado, conforme consta nos escritos anônimos dos primeiros séculos. Essa omissão proposital é uma atitude de prudência, para que os eventuais adversários da proclamação não viessem a contraditá-la por haver-se baseado em escritos apócritos. Por isso, além da referência ao capítulo 12 do Apocalipse, a doutrina também referencia a carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 15, 22-23): “Como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão. Porém, cada qual segundo uma ordem determinada: Em primeiro lugar, Cristo, como primícias; depois, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda.” A Igreja entende que, logo depois da entrada gloriosa no céu de Cristo ressuscitado, foi a vez de Maria, pela sua condição de imaculada mãe de Deus. Na verdade, a definição dogmática da assunção de Maria é uma consequência lógica de outra definição dogmática conciliar, publicada no Concílio de Éfeso, em 431, que proclamou Maria como Mãe de Deus, desfazendo uma antiga heresia, segundo a qual Maria era mãe apenas de Jesus homem, mas não de Cristo Deus, porque Deus não pode ter mãe.


Sobre as leituras litúrgicas da festa de hoje, já nos referimos acima à primeira, retirada do Apocalipse (12, 1), que fala do grande sinal (signum magnum) visto por João no céu. Era uma mulher grávida e, ao seu lado, um enorme dragão esperando que ela despachasse a criança, a fim de devorá-la. Essa imagem é emblemática nos arquétipos teológicos de todos os tempos, como uma referência clara e explícita aos embustes demoníacos contra a Igreja. Mesmo sem termos em mente qualquer anjo do mal, como criatura espiritual, podemos enxergar esses “agentes demoníacos” no interior de alguns setores burocráticos da própria Igreja. Quem não se recorda dos asquerosos “corvos do Vaticano”, que tanto atormentaram o Papa Bento XVI, forçando a sua renúncia, em 2003. Foram eles mesmos que dominaram o Papa João Paulo II, nos últimos anos de sua vida, período em que ele esteve muito debilitado e senil em consequência da doença de Alzheimer, produzindo documentos em nome do Papa e com a sua autoridade, com fortes evidências de que o Papa não sabia mesmo do que estava acontecendo. Dizem que, quando Napoleão Bonaparte assumiu o trono da França, logo depois da Revolução Francesa, teria colocado como um dos objetivos do seu governo a destruição da Igreja Católica. Sabendo disso, o arcebispo de Paris esteve conversando com o Imperador francês e teria revidado assim: desista do seu projeto de destruição da Igreja, porque os próprios padres já tentaram e não conseguiram. E olhando para os tempos atuais, observando o enorme carisma do Papa Francisco, admirado e exaltado até pelos ateus e fiéis de outras religiões, podemos concluir que os demônios podem até estar dentro dos muros do Vaticano, mas as “portas do inferno” realmente não prevalecerão.


A segunda leitura litúrgica é a carta de Paulo aos Coríntios, à qual já me referi acima, cuja lição sobre a derrota da morte pela ressurreição de Cristo é o fundamento teológico mais forte para a afirmação da assunção de Maria, sobretudo levando-se em consideração que, sobre Maria, a serpente do pecado foi imobilizada, conforme se vê nas imagens dos artistas que retratam a figura da Imaculada Conceição. Aliás, esse título de “imaculada”, de acordo com a revelação particular a Bernardete Soubirous, aceita e admitida pela Igreja, foi Maria mesma quem afirmou: “je suis l'immaculée conception”, assim está estampado na gruta de Lourdes, na França. Não é afirmação bíblica, mas a tradição é fortíssima e antiquíssima, devendo ser prestigiada a sua credibilidade.


Uma curiosidade, que o evangelista Lucas não revela é onde Maria terminou seus dias. As crenças tradicionais são divergentes acerca do fato. Segundo algumas tradições, ela teria permanecido em Jerusalém, até o seu “passamento” - digamos assim, para não afirmarmos nem que ela morreu nem que descansou. Segundo outras tradições, ela teria terminado seus dias em Éfeso, onde existe uma casa, que é visitada pelos peregrinos e venerada como sendo a “casa de Maria” e de onde ela teria sido trasladada para o céu. Sabemos que João, o evangelista, era bispo de Éfeso e foi a ele que Jesus confiou os cuidados com Maria, ainda no Calvário. Talvez por isso a tradição se incline a aceitar que Maria teria terminado a vida em Éfeso. Mas pode ser também que João tenha se mudado para Éfeso somente depois da “passagem” de Maria, esse fato também não foi documentado. João teria se transferido para Éfeso, conforme a tradição, por volta do ano 50. Supondo que Maria teria engravidado com cerca de 15 anos, como era o padrão da sua época, no ano 55 ela teria cerca de 70 anos de idade. Por isso, tanto uma tradição quanto outra (Jerusalém ou Éfeso) são compatíveis com os fatos e assim não tem como solucionar a controvérsia.


Meus amigos, penso que é crença incontroversa o fato de que Maria ocupa um lugar central e incomparável em toda a economia da salvação (para usar um termo clássico da teologia). Não é por acaso que ela é reverenciada com tantos títulos. Que ela sempre nos vigie a todos com a sua ternura maternal.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 9 de agosto de 2025

COMENTARIO LITURGICO - 19 DOMINGO COMUM - 10.08.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 19º DOMINGO COMUM – VIGIAR SEMPRE – 10.08.2025


Caros Confrades,


A liturgia deste 19º domingo comum nos convida a refletir sobre a necessidade da permanente vigilância acerca dos princípios da nossa fé, que fundamentam a nossa ação no mundo, iluminam o nosso exemplo de cristãos. Ser cristão não é uma diversão, um entretenimento, um modismo, uma estratégia publicitária, mas uma fé que exige um engajamento, um conjunto de atitudes e atividades que envolvem todo o nosso ser pessoal. Ninguém pode ser cristão apenas pela metade, esse cristianismo de fachada, atualmente muito comum através das redes sociais, pode até ser praticado por alguns crentes que se contentam em manifestações exteriores da sua fé, mas foi combatido por Jesus na sua catequese aos discípulos, de acordo com o que lemos no evangelho deste domingo.


A primeira leitura, retirada do livro da Sabedoria (Sb 18, 6-9), relembra a noite em que o povo foi libertado do Egito, quando Javeh demonstrou a sua fidelidade para com as promessas feitas através de Moisés ao povo, que n'Ele depositou sua fé. A ação miraculosa de Javeh foi, ao mesmo tempo, salvação para os justos e perdição para os inimigos. Os que acreditaram n'Ele foram contemplados com a sua força vencedora e os que não creram experimentaram o peso da sua ira. O livro da Sabedoria, cuja autoria era tradicionalmente atribuída a Salomão, é considerado pela crítica literária o texto mais recente do Antigo Testamento, tendo sido escrito por volta do ano 200 a.C., numa época em que a cultura grega já ganhava espaço dentre os judeus. Trata-se, portanto, de uma obra pós-exílica, bem posterior ao tempo de Salomão, incluído tardiamente no cânone dos livros bíblicos. O objetivo do seu autor é recordar ao povo as suas raízes históricas, para deste modo fortalecer-lhes na fé e não deixar que sejam atraídos pelas novas doutrinas que apareciam. O texto busca resgatar e condensar os ensinamentos tradicionais básicos, produzidos pelos ancestrais do povo hebreu, durante toda a sua caminhada, desde a libertação do Egito, demonstrando a superioridade de Javeh sobre os deuses dos outros povos.


A segunda leitura é retirada da carta aos Hebreus (Hb 11, 1-19). Esta carta, por muito tempo, foi aceita como tendo sido escrita por Paulo, por causa do pensamento grego inerente ao seu texto, que é uma característica dos escritos paulinos. Contudo, atualmente a crítica literária já descartou a autoria de Paulo, embora não se saiba, com certeza, quem teria sido seu autor. Nas Bíblias, ela ainda consta no final da listagem das cartas de Paulo, mas apenas por uma questão de organização de capítulos, pois não há certeza de quem a escreveu. Cogitou-se que poderia ter sido Timóteo ou Clemente de Alexandria, porém não há elementos históricos que corroborem essas hipóteses. O certo é que seu autor foi alguém da comunidade grega muito entrosado com a fé judaica, pois a exemplo do livro da Sabedoria, também procura resgatar esta tradição numa época muito marcada pela influência grega.


No início deste capítulo 11, o autor dá a mais perfeita definição teológica do que seja a fé: “um modo de já possuir o que ainda se espera”, é o conceito do “já e ainda não”, que também se encontra nos escritos paulinos. O autor da carta coloca como exemplo para esse conceito a extraordinária fé de Abraão, que superou todas as adversidades pela sua confiança na promessa de Javeh. Desde a gravidez de Sarah, em idade avançada, até a peregrinação pelo desconforto do deserto, morando em tendas precárias, passando pela provação experimentada, quando foi chamado a imolar seu único filho, Abraão nunca vacilou na sua crença na promessa de Javeh, pois sabia que Ele tem poder até de ressuscitar dos mortos. Pela sua fé inquebrantável, Abraão foi sempre uma referência para os escritores bíblicos, quando este assunto estava em pauta. Até Jesus Cristo, naquele episódio do centurião que disse “basta uma palavra tua” (sed tantum dic verbum), declarou: nunca vi tamanha fé em Israel. A fé demonstrada pelo centurião no Novo Testamento se equipara ao exemplo de fé de Abraão.


Os exemplos de Abraão, no Antigo Testamento, e do centurião, no Novo Testamento, demonstram para nós o tamanho do compromisso que brota da fé. Crer é integrar a fé na sua vida inteira e não apenas em parte dela nem apenas quando a ocasião coloca o crente em algum aperto. Fé significa viver cada dia com aquela mesma confiança e certeza, aconteça o que acontecer, vigiando para que nenhuma adversidade venha nos desviar deste caminho. As leituras da Sabedoria e de Hebreus reforçam a importância da fé incondicional como sendo aquela que Deus espera do fiel. Abandonar-se nas mãos de Deus não significa ficar de braços cruzados, sem fazer nada, esperando que Deus faça seus milagres a todo momento, mas sim fazendo cada um a sua parte, na convicção de que o resultado final será conduzido pela fidelidade daquele a quem servimos. Este é o significado da definição teológica da fé, contida nesse texto: “A fé é um modo de já possuir o que ainda se espera, a convicção acerca de realidades que não se veem.” (Hb 11, 1). Esta frase sozinha vale por um tratado teológico inteiro.


Na leitura do evangelho de Lucas (12, 32-48), temos uma catequese particular de Jesus para os discípulos. Algumas vezes, Ele catequizava os discípulos ao mesmo tempo em que ensinava também as multidões. Mas em outros momentos, Ele se dirigia especificamente ao pequeno grupo, como é o caso da leitura de hoje: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino.” (Lc 12, 32) O pequenino rebanho, no caso, é o seu grupo de escolhidos para continuarem o trabalho, depois que Ele retornasse ao Pai. Então, Jesus vai ministrar-lhe lições bem diretas: vocês devem ser vigilantes como empregados que esperam o patrão, que pode chegar a qualquer momento, para abrir-lhe imediatamente a porta. Por outras palavras, o verdadeiro crente é aquele que está sempre alerta, aquele cuja fé não tira férias, cuja fidelidade nunca esmorece ou dormita. Para estes, o patrão vai oferecer um banquete no qual ele próprio será o garçon. Esta será a retribuição aos que crerem de todo o coração e perseverarem inabaláveis na sua fé.


Porém, Jesus faz outra advertência aos discípulos, para que eles não ajam como servos “confiados”, ou seja, aqueles que o patrão deixou como administradores e na ausência dele, porém passam a explorar os outros empregados, passam a regalar-se de comida e bebida até se fartarem e, quando o patrão retorna, os encontra embriagados. Para estes, não haverá retribuição, e sim, castigo. E essa advertência de Jesus se dirige também para nós. A nossa condição de cristãos não deve nos levar a tirar proveito da situação, de nos considerarmos melhores do que os outros irmãos da fé e do que as pessoas que praticam outras crenças religiosas. O ser cristão para nós deve acarretar o compromisso de dar o exemplo para que os irmãos nos vejam e sejam estimulados a nos imitarem, isto é, eles devem ser convencidos pelo nosso testemunho e pelo nosso exemplo, e não ser tratados com desdém ou menosprezo. O Papa Francisco, repetidas vezes, enfatizou isso na sua catequese, superando aquela doutrina tradicional de que somente na Igreja Católica as pessoas serão salvas, como se isso fosse automático. Os cristãos “confiados” podem ser surpreendidos com a reprovação, enquanto pessoas de outras crenças, mas cuja conduta está de acordo com o evangelho, receberão aprovação.


Esta vigilância que Jesus exige de seus seguidores estende-se a todos, tanto os fiéis leigos quanto os fiéis consagrados e os ordenados. Quantas vezes, infelizmente, encontramos sacerdotes e bispos autoritários e prepotentes, que estão longe do modelo traçado por Cristo no evangelho deste domingo. Quantos personagens, ao longo da história eclesiástica (papas, bispos, purpurados) se comportaram como autênticos chefes políticos e não como aqueles que foram escolhidos para servirem ao povo de Deus. Outrora como nos dias atuais, não é raro encontrarmos exemplos de “empregados confiados” que esqueceram a palavra de Cristo: “'Meu patrão está demorando', e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis.” (Lc 12, 45-46). Vejamos que a consequência desse comportamento é terrível: o empregado será partido ao meio e irá participar do destino dos infiéis. E Jesus complementa dizendo que a exigência da fé será proporcional ao conjunto dos talentos recebidos, ou seja, a quem muito foi dado, muito será pedido. “Aquele empregado que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes.” (Lc 12, 47)


Deus quer de nós fidelidade sempre, não apenas no comparecimento da missa aos domingos e na participação dos sacramentos, não apenas em determinadas horas do dia ou em determinados dias da semana, mas a cada minuto de vida que Ele nos dá. Que nós aprendamos a agir sempre como os empregados vigilantes, elogiados pelo patrão. Feliz Dia dos Pais a todos.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 2 de agosto de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 18º DOMINGO COMUM - 03.08.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO COMUM – VAIDADE DAS VAIDADES – 03.08.2025


Caros Confrades,


A liturgia deste 18º domingo do tempo comum nos leva a refletir sobre a efemeridade dos bens materiais, dos quais não somos donos, mas apenas administradores. As leituras mostram exemplos de apego demasiado às coisas terrestres, situação que obnubila a nossa mente e nos impede de reconhecer o bem que deveríamos realizar através delas. É a vaidade das vaidades. Não vale a pena ser rico para ostentar, ser rico para o mundo, ser rico para si próprio, porque tal riqueza é vã e vazia, não nos acompanha na jornada futura. O cristão deve ser rico para Deus, rico de coração, pois esta é a riqueza duradoura.


Na primeira leitura, do livro do Qohelet (Eclesiastes), temos aquele bordão, que nos foi repetido incontáveis vezes no período de formação: vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Sob o ponto de vista etimológico, a palavra hebraica que é traduzida por “vaidade” significa algo como “uma bolha de sabão”, ou seja, a vaidade é algo que aparenta beleza, todavia é vazia, transitória, frágil, de repente se desfaz. E observemos o quanto a vaidade mexe com a cabeça das pessoas. Por causa da vaidade, as pessoas praticam atos abomináveis, fazem inimigos e até se autodestroem. Por causa da vaidade, as pessoas tentam apresentar uma imagem de si mesmas que, de fato, não existe e tentam diminuir o brilho dos outros, a fim de que possam aparecer com destaque. Eu arriscaria dizer que a vaidade é o maior pecado da humanidade.


O livro do Qohelet, cuja autoria é atribuída a Salomão, faz uma advertência que continua muito atual, quando vemos pessoas cujos pais tiveram vida próspera, como fruto do seu trabalho, enquanto os herdeiros, com pouco tempo, puseram tudo a perder. Nos meios de comunicação, é frequente lermos notícias de pessoas que ganharam elevadas quantias em loterias e outros negócios, como jogadores e artistas, que fizeram muita fama e auferiram invejável fortuna, e terminaram os seus dias, muitas vezes, em asilos de amparo, na mais lamentável penúria. Existe uma frase do Dalai Lama, que circula pela internet, a qual reproduz no nosso contexto contemporâneo a advertência do Qohelet: os homens gastam a saúde trabalhando demais para angariar muita riqueza e depois gastam toda a riqueza que adquiriram para restabelecerem a saúde. Quando conseguem.


Na carta aos Colossenses (3, 1-2), o apóstolo Paulo ensina-lhes a aspirar às coisas do alto, a concentrar-se nas coisas celestes, já que, pelo batismo, todos ressuscitaram em Cristo. Isso significa que o “homem velho” morreu e no seu lugar surgiu o “homem novo”, moldado pelo evangelho. No versículo 5, Paulo não poderia ser mais claro ao falar das coisas terrestres, que devem ser abominadas: “Portanto, fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria. ” Os conceitos utilizados pelo apóstolo são, na verdade, todos sinônimos da mesma vaidade, da qual fala o Qohelet: ôca e efêmera. Ao morrermos para o pecado e ressuscitarmos para a vida nova em Cristo, todo o nosso mundo se transforma. Então, não teremos mais apego aos bens materiais nem às honrarias nem às benesses terrestres, isto é, “Aí não se faz distinção entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, inculto, selvagem, escravo e livre, mas Cristo é tudo em todos ” (Col 3, 11).


Naturalmente, meus amigos, essas palavras não devem ser entendidas como incoerência entre o falar e o viver. Certamente, nós cristãos possuirmos bens materiais, porque estes fazem parte da vida e são conquistados por nós com o nosso trabalho, o nosso esforço, a nossa produtividade. Com eles, podemos ter uma vida mais confortável, isso não é vedado ao cristão. Mesmo nas comunidades religiosas, se recordarmos a vetusta regra de São Francisco (“que os frades não recebem dinheiro ou pecúnia”), compreendemos que essas palavras devem ser entendidas simbolicamente, porque é impossível aos padres, religiosos e pessoas consagradas em geral uma existência sem a dependência da pecúnia, sem ter uma conta bancária, um telefone celular, sem possuir uma casa para residir, um veículo para se transportar. A questão não é ter ou não ter, mas administrar bem essa posse e propriedade, de modo que não contradiga o nosso testemunho diante do evangelho de Cristo. Numa palestra proferida aos sacerdotes, logo no início de seu ministério, o Papa Francisco expressou bem esse pensamento, mais ou menos com essas palavras: o padre precisa ter um veículo, é um meio indispensável para a realização do seu ministério, mas não precisa ser da melhor marca nem do último modelo... E no sermão de enceramento da Jornada Mundial da Juventude, em 2016, em Cracóvia, ele ensinou aos jovens: “Não vos deixeis anestesiar a alma, mas apostai no amor formoso, que requer também a renúncia, e um «não» forte ao doping do sucesso a todo o custo e à droga de pensar só em si mesmo e nas próprias comodidades.” Penso que essas declarações do Papa ilustram, de modo poderoso, o que significa ter um objeto sem pertencer a ele. Sim, porque quando somos apegados aos bens materiais, não são eles que nos pertencem, somos nós que pertencemos a eles.


É a lição que Jesus nos dá, na leitura do evangelho de hoje (Lc 12, 13-21): “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens.” Não é esta a única passagem em que Cristo chama a atenção para a correta administração dos bens materiais, mas esta é uma das mais eloquentes, quando Ele dá o exemplo do latifundiário que obteve abundante colheita e, longe de pensar em repartir aquele excesso de produção, favorecendo os irmãos necessitados, lembrou-se apenas de si mesmo, mandando construir armazéns maiores para assim guardar tudo só para ele. Todo aquele que é rico pensa somente em si: tenho o suficiente para viver folgado por muitos anos, aproveitando a vida. Porém, se ele não for rico para Deus, de nada adiantará o seu esforço egoísta. Meus amigos, essa parábola é por demais robusta, ela nos convida a refletir sobre o modo como estamos administrando os nossos bens, se estamos utilizando-os a serviço dos irmãos ou se estamos escondendo-os para o nosso uso egoísta. A ilusão de ter sempre mais facilmente escurece a razoabilidade da existência e afasta as pessoas, em vez de aproximá-las. A prática generalizada da violência urbana, que amedronta diariamente a todos nós, decorre dessa tentação de ter muito, ter sempre mais e, de preferência, ter sem ser preciso fazer esforço, sem precisar trabalhar, de forma rápida, para sair esbanjado mais rapidamente ainda.


E Jesus complementa o exemplo com a advertência: quem ajunta tesouros para si mesmo não é rico diante de Deus (Lc 12, 21). Essa é uma expressão sinônima daquela outra que está no sermão da montanha, referente aos pobres em espírito. Está na mesma sintonia daquele outro desafio feito ao jovem que queria seguir a Cristo, mas tinha muitos bens e foi instado a livrar-se deles, mas não aceitou a oferta. Tem uma lição análoga àquela metafórica separação dos que ficam à esquerda e dos que ficam à direita, quando aqueles reclamam: quando foi que Te vimos com fome, ou com sede, ou maltrapilho e não Te atendemos? Quem procede igual ao fazendeiro da parábola narrada hoje não é capaz de reconhecer a figura de Cristo na pessoa do irmão necessitado. Recordo outra vez as eloquentes palavras do Papa Francisco, na sua visita ao Brasil, por serem verdadeiras e marcantes: um cristão pode estar sempre na Igreja, participar dos sacramentos, colaborar no dízimo, rezar o terço mariano todos os dias e, ao morrer, ir para o inferno, porque o fato de estar na Igreja não significa necessariamente estar em Cristo. Meus amigos, eu guardei essa lição do Papa, porque é um primor de ensinamento, em linguagem simples e profundamente teológica. Tem tudo a ver com a frase do evangelho de Lucas: quem ajunta tesouros para si não é rico diante de Deus. Estar na igreja é viver burocraticamente a religião, cumprir a obrigação religiosa por tradição, por mera convenção social, realizar práticas devocionais apenas na aparência, que não brotam do íntimo da pessoa. Estar em Cristo é levar essas atitudes para a vida concreta, no trato diário com os familiares, com os do seu nível, com os seus subordinados, com o irmão necessitado que vem em busca de auxílio. Obviamente, estar na igreja deveria ser uma consequência de estar em Cristo, e vice-versa, no entanto, essa não é uma correspondência automática, ela deve ser buscada e aperfeiçoada em cada gesto e em cada atitude. De acordo com esse entendimento, na opção vice-versa, um ateu praticante do bem obterá a salvação, por ser rico diante de Deus, enquanto alguns batizados não a obterão, se pensarem como o fazendeiro da parábola. E nunca é demais lembrar o que Jesus disse em outro discurso: quem tem ouvidos para ouvir, que ouça.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos