segunda-feira, 25 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM (NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA) – ÚLTIMO PROFETA – 24.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 12º DOMINGO DO TEMPO COMUM (NASCIMENTO DE JOÃO BATISTA) – ÚLTIMO PROFETA – 24.06.2012

Caros Confrades,

Neste 12º domingo do tempo comum, a liturgia dominical cede a vez para a celebração do nascimento de João Batista, o precursor do Messias. A importância de João Batista, na história da salvação é ímpar, já que ele se posiciona no meio termo entre o Antigo e o Novo Testamentos. Ele foi o último dos profetas, dentre estes, o único que leva o agnome de São. Conforme as palavras do próprio Cristo, dentre os nascidos de mulher, foi o maior de todos. (Mt 11, 11)

Coube a João Batista a tarefa de preparar o caminho para a chegada do Messias. O seu nascimento está relacionado a fenômenos extraordinários. Conforme o evangelho de Lucas (1, 5), Zacarias era sacerdote do templo. Ele e sua mulher Isabel não tinham filhos e já tinham idade avançada. Num certo dia, quando era a vez dele entrar no tabernáculo para incensar a Arca da Aliança, lá dentro do tabernáculo recebeu a visita do anjo do Senhor, o qual informou que a mulher dele iria ter um filho. Ele duvidou e por causa disso ficou mudo durante toda a gestação, vindo a soltar-se sua língua somente depois do nascimento do filho (Lc 1, 64). Outro fato singular ligado a João Batista foi o de que ele estremeceu no ventre de Isabel, quando Maria foi visitar a prima, a ponto de a mãe sentir a vibração estranha. Segundo uma tradição, João Batista teria sido instruído na comunidade dos essênios, assim como se diz também que aconteceu com Cristo. Lá ele teria estudado as escrituras. Mas mesmo que não tenha sido, o pai dele era sacerdote, portanto, poderia tê-lo instruído. O fato é que, quando ele começou a pregar, ele citava Isaías: a voz do que clama no deserto – aplainai os caminhos do Senhor, endireitai suas veredas, o reino de Deus chegou.

Todos os profetas, mas principalmente Isaías, lançaram previsões acerca do futuro Messias, mas foi João Batista o único que pôde apontar com o dedo para Ele e dizer: aí está o Cordeiro de Deus. E dizia ao povo: vocês vêm atrás de mim, mas no meio de vós está um que é maior do que eu e do qual eu não sou digno nem de desamarrar a correia das sandálias... é preciso que Ele cresça e eu diminua. Naquela imagem da crucifixão, de Grunewald, que encaminhei antes, há uma referência a este fato. E foi ele que mandou discípulos perguntar a Jesus se era Ele o Messias esperado ou se deviam esperar por outro. (Lc 7, 19) Evidentemente, isso não era porque João tivesse dúvidas, mas para a tranquilidade dos próprios discípulos dele.

Mas o fato mais notável protagonizado por João Batista foi o batismo de Jesus. Quando Ele se apresentou para ser batizado, João disse: eu que devia ir a ti, e tu vens a mim... e Jesus respondeu: deixa que as coisas aconteçam assim. (Mt 3, 14) Foi então que, após Jesus ser batizado, houve a primeira manifestação da Trindade, quando o Pai se fez ouvir e o Espírito Santo apareceu em forma de pombo. Este foi o início da vida pública de Jesus e por isso João Batista se situa no limiar que separa o Antigo Testamento do Novo Testamento.

Conforme os Atos dos Apóstolos (13, 24), João pregava ao povo o batismo da conversão. Ele não inventou o batismo, este já existia e era praticado regularmente pelos judeus, fazia parte dos seus rituais de ablução, pelos quais eles buscavam a purificação. Mas o batismo tradicional e comum entre eles era o auto batismo, ou seja, o penitente entrava na água do Jordão e ele mesmo mergulhava, cobrindo todo o corpo, para assim se purificar. Ainda hoje, algumas igrejas cristãs não católicas fazem este batismo de imersão, para receberem seus fiéis. Porém, o batismo pregado por João era oficiado por ele, o fiel recebia o batismo de suas mãos, em sinal da conversão. A palavra conversão, todos sabemos, diz-se em grego 'metanoia', cuja etimologia significa mudança de mentalidade, mudança no modo de pensar. Não era um simples ritual de purificação como faziam os judeus, porque saíam dali e voltavam a fazer as mesmas infidelidades de antes. Para ministrar o batismo, João exigia a conversão, a mudança de modo de pensar, isto é, a pessoa devia antes aplainar os caminhos do pensamento e endireitar as veredas da mente. Essa atitude significava a necessidade de abrir o entendimento para compreender as graves e contundentes verdades que estavam por se manifestar na pessoa e na pregação de Cristo.

Sim, porque os judeus esperavam um Messias guerreiro, tal como fora Davi, que viria com a espada afiada para derrotar e expulsar os inimigos. Está lá na primeira leitura, em Isaías (49, 2), na verdade, no deutero-Isaías: fez da minha palavra uma espada afiada, fez de mim uma flecha aguçada. Isso era interpretado literalmente em relação ao Messias esperado. Ele viria de espada em punho para libertar Israel. Daí se entende o diálogo de Jesus com os discípulos de João, quando eles perguntaram se Ele era o que havia de vir ou deviam esperar por outro. (Lc 7, 19) Foi quando Jesus respondeu: ide dizer a João o que tendes visto – cegos veem, coxos andam, surdos ouvem... e feliz daquele que não se escandalizar por minha causa. Com isso, Jesus estava já antecipando a dificuldade que os judeus, principalmente os chefes destes e os fariseus, iriam ter em reconhecê-lo e aceitá-lo. Eles iriam se escandalizar, ou seja, iriam desacreditar, iriam lançar desconfiança em Jesus, porque o Messias que eles esperavam era de outro tipo, lutador e guerreiro, não um Messias fraco e sofredor. Daí também porque João dizia que era necessária a conversão (mudança de mentalidade), era necessário endireitar as veredas (do pensamento), aplainar os caminhos (do entendimento), a fim de conhecer e aceitar o Messias como Cordeiro de Deus.

Essa figura do cordeiro era bem familiar para os judeus, por causa do símbolo da Páscoa, o cordeiro que se imolava e que servia de alimento. Quando João diz que Cristo é o Cordeiro de Deus, estava ali também se referindo à sua paixão e já antecipadamente à eucaristia, o cordeiro imolado que é dado em alimento. Para compreender isso, ou seja, para entender a nova figura do Messias-Cordeiro era imprescindível mudar o modo de pensar acerca dele. João fazia referência expressa à figura do cordeiro também presente na profecia de Isaías, o cordeiro que era levado ao matadouro e não abria a boca (Is 55, 3), sinal de que João Batista conhecia bem as escrituras.

Na primeira leitura da missa da vigília, a liturgia nos oferece o trecho do profeta Jeremias, que tanto se refere a João Batista quando a Jesus Cristo (Jr 1, 5): antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio da tua mãe eu te consagrei e fiz de ti profeta das nações. E mais adiante, no versículo 10, completa: eu te constituí hoje sobre povos e reinos com poder para extirpar e destruir, devastar e derrubar, construir e plantar. E na primeira leitura do domingo, a mesma imagem se encontra em Isaías (49, 6): eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra.

Meus amigos, nós aqui e agora somos fruto dessa promessa. Deus falou pela boca de Isaías: Não basta restaurar Jacó e reconduzir o resto de Israel, isso é pouco, tu vais unir todas as nações e levar a elas a minha salvação. Nós somos a prova concreta de que a palavra de Deus, pronunciada pelo Profeta, foi cumprida. E nos dias de hoje, nós somos os sucessores do Profeta, para continuarmos anunciando a salvação ao mundo inteiro. E para quem acha que não tem condições de fazer isso, vale lembrar a advertência de Jeremias (1, 8): o Senhor disse - não tenhas medo, pois estou contigo para defender-te... eis que ponho minhas palavras na tua boca. Este é o nosso desafio e a nossa missão de cristãos na sociedade.


domingo, 17 de junho de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 17.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO COMUM – PARÁBOLAS DO REINO – 17.06.2012

Caros Confrades,

Neste 11º domingo comum, a liturgia nos propõe para reflexão os ensinamentos de Cristo a respeito do reino de Deus, que ele veio inaugurar, explicado através de parábolas, para forçar a compreensão dos seus ouvintes. No trecho de hoje, são expostas duas parábolas diferentes, mas com um mesmo núcleo de sentido: a semente lançada na terra.

A imagem da semente tem uma forte simbologia relacionada com o fenômeno da multiplicação que está a ela associada e que encerra no seu conteúdo o próprio milagre da vida. A semente é pequena, inerte, simples, mas quando plantada, cresce, se torna dinâmica, fecunda e se multiplica em incontáveis partes, que configurarão um novo ser. No entanto, há uma condição para que a semente se torne fecunda: ela deve 'morrer', deve ser sepultada no limo da terra, para assim ganhar nova vida. Sem essa 'morte', a vida não brotará dela. Podemos vislumbrar, portanto, na imagem da 'morte' da semente o sacramento do batismo. Através do batismo, o ser humano morre para o pecado, a fim de viver em Deus. A sua existência anterior era inerte, pobre, sem futuro; a sua nova existência é dinâmica e fecunda, pelos frutos que o batismo faz brotar no coração de quem o recebe.

Em outra passagem do evangelho (Jo 12, 24), Jesus faz outra alusão à semente, em outro contexto, referindo-se à sua ressurreição, quando diz: se o grão de trigo não morrer, fica só; mas se morre, produz muito fruto. A imagem da semente associa-se, portanto, à morte do homem pecador e à ressurreição do homem da graça, tanto no sentido da nova vida trazida pelo batismo, quanto no sentido da outra vida, que virá depois que deixarmos esta morada. E aqui o tema do evangelho se interliga com o texto da segunda leitura, retirada da carta de Paulo a Coríntios 2: “ enquanto moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor; pois caminhamos na fé e não na visão clara ” (2Cor 5,6) Ao deixar a morada do corpo, iremos morar junto do Senhor. Portanto, neste primeiro momento, a imagem da semente se refere a nós, cristãos, que temos a oportunidade de, pelo batismo, fazer morrer em nós o ser humano pecador, para fazer viver o ser humano da graça. E através dos demais sacramentos, vamos passando por um processo de contínuo aperfeiçoamento do nosso ser para, depois, com a morte corporal, termos a ressurreição prometida por Cristo, da qual Ele já deu o exemplo.

Nas parábolas da leitura deste domingo, Jesus compara o reino de Deus à semente que é plantada. O plantador lança a semente na terra e passado algum tempo vê surgir uma plantinha, que vai crescendo, produzindo frutos, servindo de alimento para alguns e também servindo de morada para os pássaros, e aquele que planta não sabe como foi que isso aconteceu. Neste caso, a semente é a Palavra que é plantada no coração e na mente das pessoas e vai germinar e produzir frutos e aquele que foi o portador da Palavra não sabe como foi que isso aconteceu. E nem precisa se preocupar com isso, porque o Pai toma conta de tudo. O que Jesus quer de nós é que lancemos a semente, igual ao semeador da outra parábola e o Pai cuidará do resto. E como é que nos tornaremos lançadores de sementes? Com a nossa fala, em primeiro plano, mas é sobretudo com o nosso exemplo que isso acontece. O nosso comportamento de cristãos, a colocação em prática dos mandamentos de Cristo nos atos da nossa vida cotidiana, o nosso testemunho diante da pessoas do nosso convívio na família, no trabalho, na sociedade, são os atos e atitudes pelos quais nos tornamos lançadores da semente da Palavra.

E Jesus ainda nos anima querendo dizer que não precisa fazer grandes pregações, nem grandes sacrifícios nem enfrentar grandes desafios, mas mesmo nas pequenas coisas isso acontece. É o que Ele pedagogicamente ensina quando fala da semente de mostarda, ao dizer que é a menor semente das hortaliças, no entanto, é aquela que produz a leguminosa mais corpulenta, que serve até de pouso e arcabouço de ninho para os pássaros. Pequenas sementes que produzem grandes árvores, assim acontece também conosco, mesmo que a semente lançada seja de tamanho apoucado. Falando nisso, quem não se lembra dos canteiros de hortaliças que todos nós ajudamos a cultivar no Seminário de Messejana, em Guaramiranga, em Parnaíba, em todos os conventos havia essa prática. Além do trabalho em si, para exercitar o corpo e desanuviar a mente, tinha o retorno em bons produtos para a cozinha e o refeitório. E sem perceber, estávamos tendo uma demonstração concreta dos aspectos físico e espiritual do ato de lançar a semente e ver seus frutos, em todos os seus sentidos.

Tem ainda outro aspecto interessante que este trecho do evangelho de Marcos nos traz para a reflexão. Ao final, o autor diz que Jesus falava ao povo em parábolas, mas para os discípulos depois, a sós, ele explicava tudo. É o caso de perguntarmos: por que Jesus fazia assim? Porque ele não explicava tudo logo para o povo, deixando para fazer isso somente aos discípulos. Se os discípulos precisavam de explicação para compreender, é óbvio que o povo também precisava, então por que Ele fazia esse segredo? Ele não queria que o povo entendesse? Parece algo contraditório.

Ao meu ver, essa estratégia de Jesus tinha um objetivo certo, não era casualidade ou displicência. Ele queria que os judeus o reconhecessem como Messias, mas não aquele messias poderoso e guerreiro, que a tradição judaica esperava ver. Ele mesmo chegou a dizer certa vez, quando os discípulos perguntaram por que ensinava ao povo com parábolas (Mc 4,11): a vós é dado conhecer o reino de Deus, mas àqueles lá de fora, faço tudo em parábolas, para que olhando não vejam e para que ouvindo, não entendam. Essa estratégia Jesus usava em relação aos fariseus e aos sacerdotes do seu tempo, que O seguiam esperando para ver um milagre, um feito extraordinário e assim poderem acreditar que Ele era mesmo o messias esperado. E Jesus não fazia milagres quando eles estavam por perto, mas somente quando o povo simples o rodeava, porque a ação miraculosa tinha de ser para a glória do Pai, e não para a exaltação de Sua pessoa. Jesus sabia que, no curto tempo de três anos, ele não conseguiria doutrinar muita gente, então ele lançava a Palavra em forma metafórica e explicava as metáforas aos discípulos para que estes, após a sua morte e ressurreição, fossem explicar detalhadamente ao povo o que ele queria dizer.

Ao falar em parábolas, Ele fazia igual ao semeador que joga a semente e não se importa onde ela está caindo, mas cada uma produzirá poucos ou muitos frutos, de acordo com o terreno que a fecundar. Os fariseus e os mestres da Lei, que esperavam um messias poderoso, apto a restaurar o reino de Israel, não compreenderam a figura do Messias humilde e frágil, que veio anunciar um novo Reino, deixando aos seus seguidores a tarefa de espalhar a semente que ele trouxe. Jesus queria que as pessoas acreditassem nele pela mensagem (Palavra) por Ele transmitida, não pelas demonstrações de poder que ele fazia através dos milagres. Essa era a 'primeira tentação' (transformar essas pedras em pão, ou seja, faz milagres) que ele devia evitar, porque a sua missão era outra e o seu reino não era deste mundo. Aos discípulos, porém, àqueles que ele escolheu para continuarem a sua missão, a esses ele revelou todos os mysterion, ou seja, todos os segredos e através deles, esses segredos chegaram até nós.

Retomando o texto da 2ª Carta a Coríntios (segunda leitura), enquanto moramos no corpo, somos peregrinos que caminham na fé, ou seja, o reino de Deus para o qual nós nos dirigimos, por enquanto é a promessa na qual nós cremos. Mas quando deixarmos esta morada e comparecermos ao tribunal de Cristo, para receber a nossa recompensa, então o reino de Deus será visto claramente por cada um de nós, ou seja, tornar-se-á realidade. Esta dupla dimensão do reino de Deus está implícita na imagem da semente, que precisa morrer para assim germinar e produzir frutos. Portanto, sejamos sementes e também lançadores de sementes, enquanto formos peregrinos, pois os frutos serão colhidos na época apropriada.

  

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OS IRMÃOS DE JESUS – 10.06.2012

Caros Confrades,

Neste décimo domingo do tempo comum, as leituras da liturgia trazem diversos temas interessantes, dos quais destacarei dois para comentar, tomando como referência o evangelho de Marcos (Mc 3, 20): os irmãos de Jesus e o pecado eterno.

A narrativa de Marcos (3, 20-35) traz alguns detalhes bem interessantes. Primeiro, relata que Jesus voltou para casa com seus discípulos (3, 20). É o caso de perguntarmos: que casa? Provavelmente, a casa de algum dos discípulos, pois Jesus não tinha uma casa, depois que iniciou sua vida de pregador. Ele andava pelo mundo afora e, com certeza, se hospedava onde chegava, em casa de algum dos seus seguidores. Continuando, diz Marcos que lá juntou tanta gente que eles (Jesus e os discípulos) nem sequer podiam comer. Deduz-se que a casa ficava cheia de gente, algo parecido com as casas dos nossos políticos do interior, em época de eleições, quando os eleitores invadem literalmente o recinto e 'tomam posse' do lugar, comem à vontade, usam a casa como se fosse a casa deles próprios. Fico imaginando algo assim. É também uma das raras vezes em que o evangelho se refere a uma refeição feita por Jesus, o que era bastante natural, porque ele como pessoa humana precisava se alimentar.

No versículo 3, 22 Marcos faz uma descrição surpreendente: Mestres da Lei tinham vindo de Jerusalém para 'espiar' Jesus e o viram expulsando demônios, então diziam que ele estava possuído por Belzebu e era por isso que Ele conseguia fazer isso. Imaginemos que de Jerusalém para a Galiléia havia uma distância considerável, eram vários dias de caminhada. E os Mestres foram até lá para conferirem 'in loco' o que Jesus fazia. Certamente era por isso que havia tanta gente reunida na casa, a ponto de eles (Jesus e os discípulos) nem terem condições de fazer suas refeições. Foi então que Jesus, sabendo dos comentários dos Mestres, passou a explicar: como é que satanás vai expulsar satanás? Como é que o demônio estaria agindo contra si próprio? Os Mestres não sabiam explicar o que Jesus fazia e ao mesmo tempo não queriam aceitar a sua divindade, então ficavam dizendo que ele estava possuído pelo espírito do mal.

Neste contexto, Jesus fez uma afirmação que pode ser entendida como uma ameaça terrível: (Mc 3, 28) tudo será perdoado aos homens, todo pecado e toda blasfêmia, mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, será culpado de um pecado eterno. A tradução da CNBB está literal sobre o texto de S. Jerônimo: reus erit aeterni delicti (será réu de um pecado eterno). Meus amigos, o que significa blasfemar contra o Espírito Santo? Por que isso é tão grave? Porque Jesus não agia sozinho, ele agia sempre como Trindade, em união com o Pai e o Espírito Santo. Então, dizer que ele estava possuído por um espírito do mal equivale a não acreditar no Espírito Santo e, portanto, não acreditar na Trindade divina. Nesse ponto, a leitura de hoje vem fortalecer o ensinamento do domingo anterior, festa da Santíssima Trindade. Não acreditar que Jesus é filho de Deus e age em união com o Espírito Santo é negar a Trindade. Ora, o mistério da Trindade é o centro da fé cristã, por isso que negar o Espírito Santo é cometer um delito imperdoável. É um pecado daquela categoria que será retido, conforme expliquei no domingo anterior.

Enquanto os judeus desacreditavam n'Ele, não admitiam a Sua divindade, não reconheciam n'Ele o Messias prometido, Jesus tentava explicar melhor, inventava parábolas, fazia referências à Torá, sobretudo ao livro de Isaías, tinha toda paciência. Mas quando a descrença se dirigiu ao Espírito Santo, que foi confundido com um espírito do mal, então Jesus se enfureceu. Diz Marcos (3, 21) que os parentes de Jesus saíram em sua defesa para agarrá-lo, porque ele parecia estar fora de si. Isso faz lembrar aquele memorável acontecimento em que Ele tomou um chicote e saiu dando surra nos vendedores que estavam ocupando os espaços do templo, dizendo que a casa do Pai é casa de oração, não um covil de ladrões. São as duas vezes em que o evangelho fala de atitudes ríspidas e violentas de Jesus, exatamente quando a descrença dos judeus se voltava contra a Trindade. No caso do templo, em relação ao Pai; no caso da expulsão dos demônios, em relação ao Espírito Santo. Nesses casos, Ele foi tomado por uma 'santa ira', a ponto de ficar fora de si.

Quando os parentes de Jesus chegaram onde ele estava, havia tanta gente reunida que eles não conseguiram chegar perto. Então, mandaram recado pra Ele informando que estavam ali. É quando o evangelho cita aquela famosa frase que é motivo de divergência entre católicos e não-católicos há séculos: (Mc 3, 32) Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. O texto latino de S. Jerônimo assim diz: “mater tua e fratres tui foris quaerunt te”. Todos nós sabemos que 'mater' é mãe e 'fratres' é irmãos, a tradução literal é inevitável. Comparemos com o texto grego original, transliterado para o nosso idioma: ê mater auton kai oi adelphoi auton = a tua mãe e os teus irmãos. Vemos que a tradução de S. Jerônimo foi também literal. A questão está no alcance do vocábulo grego 'adelphoi', plural de 'adelphos' que na língua grega significa irmão, tanto no sentido de filho dos mesmos pais quanto no sentido de um familiar, um parente próximo. A palavra 'adelphê = irmã; a palavra adelphideos = sobrinho; a palavra 'adelphixis' = fraternidade. Vê-se que o radical 'adelph' é comum às palavras relacionadas com irmandade, fraternidade. Sabe-se que, naquela época, as famílias congregavam sob o mesmo teto as pessoas até o sétimo grau de parentesco, comparando com os dias de hoje, seria desde o tataravô até o tataraneto, todos eram tidos como uma família no sentido mais extenso, portanto, genericamente, eram irmãos entre si. Este é o argumento teológico do catolicismo para justificar que Jesus é filho unigênito de Deus. Porém, não resolve a questão de que Maria pode ter tido outros filhos, que não foram concebidos pelo Espírito Santo, e neste caso, seriam irmãos de Jesus somente pela 'carne' não pelo Espírito. No entanto, a Igreja Católica, desde os primeiros tempos, sempre afirmou que Jesus é único filho de Maria e com base nesta tradição, a doutrina teológica mantém esta afirmação.

Agora, porém, vem a parte mais desconcertante da história, na resposta que Jesus deu aos seus interlocutores: minha mãe? Meus irmãos? Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E diz Marcos (3, 34): olhando para os que estavam sentados ao seu redor disse: aqui estão minha mãe e meus irmãos... quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Esta resposta de Jesus pode ser entendida num sentido negativo e num sentido positivo. Os que a entendem no sentido negativo, concluem que Jesus estava menosprezando os seus parentes humanos, como se não desse valor a estes, como se Ele dissesse: eu não tenho parentes. Mas se nós entendermos no sentido positivo, vamos concluir que Jesus estava afirmando que, tanto os seus parentes pelo ramo familiar quanto aqueles que ali estavam e acreditavam n'Ele, uns e outros são seus irmãos, irmãs e mãe, ou seja, Ele estava colocando no mesmo nível de importância os seus parentes da família humana e os novos parentes na fé em sua doutrina. Então, além de não estar desprezando seus familiares, Jesus estava elevando os seus seguidores ao mesmo nível de irmandade que eles. Fazendo um inteligente contraponto dialético entre a afirmação acima de que quem não crê no Espírito (portanto, não crê na Trindade) é réu de um pecado eterno, esta nova afirmação de que 'quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe', é como se Ele estivesse afirmando: quem crê na Trindade está comigo, ou seja, fica meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu familiar, meu parente e, como resultado, terá seus pecados perdoados e terá a salvação eterna.

Meus amigos, essa afirmação de Jesus se estende no tempo e nos alcança hoje. Se fizermos a vontade de Deus, nos tornaremos um com Ele. Se cumprirmos o seu mandamento, seremos considerados irmãos e irmãs d'Ele, já imaginaram que imensurável privilégio e que dadivosa promessa? Só depende de nós para sermos irmãos e irmãs de Jesus, porque a Sua irmandade, Ele já nos ofereceu.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – SANTÍSSIMA TRINDADE – 03.06.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – SANTÍSSIMA TRINDADE – 03.06.2012

Caros Confrades,

Celebramos hoje a festa litúrgica da Santíssima Trindade, encerrando o núcleo temático do tempo pascal. A partir do próximo domingo, retornam os domingos do tempo comum.

O dogma da Santíssima Trindade ocupa o ponto central de toda a fé cristã, para onde convergem todas as demais verdades da fé. É o grande mistério do cristianismo, pois não há similar em nenhuma outra religião, a Divindade que é, ao mesmo tempo, una e trina. E esta verdade da nossa fé somente veio a ser conhecida através da catequese de Cristo, quando ele por várias vezes explicou aos discípulos que Ele e o Pai são um só. Depois de muitas explicações, ainda chegou o dia em que Felipe perguntou: mostra-nos o Pai e isso nos basta, ao que Cristo respondeu: há tanto tempo estou convosco e ainda não me conheceis? Quem me vê, vê o Pai. (Jo 14,7)

Os patriarcas do Antigo Testamento não conheceram esta verdade, pois para eles havia somente Javeh, o Deus onipotente, que tinha a voz igual ao trovão e era ciumento e vingativo com os deslizes do povo eleito. A primeira manifestação da Trindade ocorreu no batismo de Jesus no Jordão, quando ouviu-se a voz do Pai e o Espírito Santo se tornou visivel em forma de pomba. Evidentemente, naquela hora, ninguém entendeu do que se tratava. Foi no dia a dia da sua vida de pregador que Cristo aos poucos foi ensinando ao povo, em particular aos discípulos, esta novidade.

É muito comum essas verdades da fé serem rotuladas como mistérios e a percepção genérica da palavra mistério induz a ideia de algo inexplicável. Tudo que as pessoas não entendem chamam de misterioso. De fato, os mistérios da fé são inexplicáveis, porque não estão acessíveis ao nosso pensar racional. Mas o fato de algo não ser explicado não impede de ser compreendido, porque enquanto a explicação está relacionada com a razão discursiva ou lógica, a compreensão alcança uma dimensão mais profunda do conhecimento, onde a lógica não alcança, que é a dimensão do saber noético. A nossa tradição cultural ficou apegada ao conceito do 'logos' aristotélico, que é o plano da racionalidade pura. Mas se observarmos o conceito de 'nous' em Platão, veremos que ele não se restringe à racionalidade lógica, mas a um entendimento profundo que está mais próximo do domínio da vontade, portanto, da crença, da fé. Santo Agostinho preferia trabalhar com os conceitos de Platão, porque estes se aprofundam até as raízes das coisas, enquanto os conceitos aristotélicos se situam no plano da experiência. Quem não se recorda daquela famosa máxima de Aristóteles, seguida por Santo Tomás: Nihil est in intellecto quod prius non fuerit in sensu. (Nada está no intelecto que antes não tenha estado no sentido), portanto, somente o que passa pelos sentidos chega ao intelecto. Platão dispensava o auxílio dos sentidos para alcançar o conhecimento, pois ele afirmava que o intelecto age por conta própria, sem depender do corpo material.

Desse modo, seguindo o modo platônico de pensar, criou-se o conceito do saber noético, isto é, aquele que procede do 'nous' ou do intelecto superior, que não depende dos sentidos corporais, mas é realizado diretamente com as forças mentais. É nesse ponto que se situa a fé e é nesse ponto que a nossa mente entra em contato com os mistérios. Por isso, dizemos que os mistérios não são explicados, mas são compreendidos. Do ponto de vista aristotélico, isso pode até ser denominado de irracionalidade, mas do ponto de vista platônico, isso é o que há de mais racional no ser humano. Aí está a grande diferença teórica que deve ter em mente o leitor dos textos de Agostinho e de Tomás, porque eles raciocinam com diferentes categorias do pensamento.

Estou desenvolvendo essas questões de teoria do conhecimento para chegar ao seguinte ponto: de que modo os mistérios são trabalhados na nossa mente? Resposta: pela atitude de adesão, de aceitação, embora não sejam explicáveis. Se observarmos o significado grego da palavra mysterion isso ficará melhor compreendido. Mysterion quer dizer segredo, algo oculto. Os mistérios da fé são segredos que Deus guardou por muito tempo, mas agora eles foram revelados através de Cristo. Portanto, no momento atual, o significado mais apropriado do mysterion é o de um segredo revelado, isto é, agora não está mais oculto. Daí porque a teologia fala da REVELAÇÃO DIVINA. A revelação é o ato de Deus ter aberto seu cofre de segredos para nós, através dos ensinamentos de Cristo. Quando dizemos que uma verdade de fé é uma verdade revelada, queremos dizer isso: é um segredo divino, que Cristo veio nos ensinar.

Então, nós tomamos conhecimento desse mistério trinitário pela pregação de Cristo. É algo confuso, que se torna difícil de ser mentalizado, porque nós temos uma tradição de pensar pela matriz de Aristóteles (nada está no intelecto que primeiro não tenha estado nos sentidos) e como os nossos sentidos corporais não têm essa experiência, o nosso intelecto lógico fica com dificuldade para aceitar. Lembram da historieta sobre Santo Agostinho e o menino que queria colocar toda a água do mar num buraco da praia? Pois bem, quando Agostinho deixou de pensar com o modelo aristotélico ele pôde então compreender que a fé se situa no domínio do absurdo, ou seja, daquilo que perante o pensamento lógico não tem explicação.

Um Deus em três pessoas, sendo cada pessoa um Deus inteiro. Na nossa experiência corporal, jamais essa realidade poderá ser alcançada. Os discípulos só entenderam isso depois de Pentecostes, quando o Espírito veio confirmar todos os ensinamentos de Cristo e os transformou em doutores. Porém, a teologia somente veio a consolidar essa verdade muitos anos mais tarde. Foi no Concílio de Nicéia (ano 325) que os Santos Padres começaram a elaborar o 'símbolo' da fé, texto que foi concluído anos depois, no Concílio de Constantinopla (ano 381), produzindo o Credo, o símbolo ou o resumo de todas as verdades da fé cristã. Antes disso, foram muitas discussões, muitas opiniões divergentes, muitas heresias, por causa da dificuldade de entender isso. Atualmente, os teólogos simplificam a exposição dessa doutrina, dizendo que a Palavra (Verbo) de Deus é tão poderosa que se transforma em outra pessoa divina. Foi essa Palavra que se fez um de nós para nos revelar este segredo do Pai (Verbum caro factum est, diz S. João, o Verbo se fez carne). E o amor do Pai pelo Verbo é tão enorme que se torna outra pessoa divina, o Paráclito (assistente, advogado). Foi o Paráclito que confirmou para os discípulos este segredo e continua assistindo a ekklesia (comunidade) de Cristo, ajudando-nos ainda hoje a compreender essas verdades.

Não é por outro motivo que iniciamos sempre nossas preces com a invocação da Trindade: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Assim, que ao nos persignarmos, esse não seja apenas um ato mecânico e automático, mas uma demonstração da fé de que a Santíssima Trindade está sempre conosco.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 27.05.2012 – UM SÓ ESPÍRITO


COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 27.05.2012 – UM SÓ ESPÍRITO

Caros Confrades,

Celebramos hoje o domingo de Pentecostes. Esta festa encerra o período pascal e forma, com o domingo da Páscoa, duas comemorações emblemáticas através das quais Cristo quis unir o antigo e o novo, o passado e o presente. Pentecostes é o encerramento da missão terrena de Cristo, que subiu ao céu mas prometeu que o Paráclito viria confirmar tudo o que ele havia feito e dito. Dito e feito. A vinda do Paráclito celebra também o início oficial da 'ekklesia' de Cristo, a comunidade das pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar adiante a sua doutrina, ou seja, essas pessoas somos nós.

De que modo Cristo veio unir o antigo e o novo? A Páscoa não foi inventada por Cristo, pois ela já existia desde tempos imemoriais, sendo considerada a festa mais antiga da humanidade. Mas Cristo reinventou a Páscoa, deu novo sentido a essa festividade jungindo-a à sua ressurreição. Então, a vetusta celebração pascal passou a ter um significado novo após Cristo ter-se ressuscitado neste dia festivo. Com toda certeza, isso não foi por acaso, mas exatamente para mostrar que, na Sua pessoa, o velho e o novo se encontram e se transformam. Algo semelhante ocorre com a festa de Pentecostes. Conforme já iniciei a discorrer no domingo anterior, a palavra 'pentecostes' não tem etimologia ligada ao Espírito, mas ao número cinquenta. Era também uma festa tradicional, celebrada sete semanas depois da Páscoa (7 x 7 = 49), isto é, celebrada após a passagem das sete semanas. Lucas fala (At 2,4) que a descida do Espírito foi acompanhada de um vendaval e um forte estrondo, que chamou a atenção das pessoas da rua e formou-se uma multidão de estrangeiros em frente ao local. Ora, esses estrangeiros estavam ali para a celebração do Pentecostes antigo, 50º dia da Páscoa, mas a vinda do Espírito transformou essa antiga festa dando a ela um novo significado. Este novo Pentecostes foi testemunhado por todos, através do milagre da multiplicação das línguas. Depois de terem recebido o Espírito, os Apóstolos perderam o medo (estavam escondidos) e ganharam uma energia extraordinária para proclamar a mensagem de Cristo. E aproveitando a presença da multidão em frente à casa onde estavam, iniciaram ali mesmo a sua pregação. Então, todos presenciaram o milagre: cada um dos estrangeiros que ali estavam ouviam a Palavra de Deus em sua própria língua. Não porque os Apóstolos tivessem, de repente, se tornado poliglotas, eles continuavam sendo os pescadores semianalfabetos de antes, mas pela força do Espírito, as palavras por eles pronunciadas, em seu idioma natural (eles falavam aramaico), os ouvintes ouviam 'como se' eles estivessem falando a língua deles. Lucas dá uma pequena amostra das diversas etnias e procedências daqueles ouvintes: “partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judéia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos ” e mais cretenses e árabes, judeus e prosélitos. Foi uma verdadeira panglossia, de repente, os apóstolos de pouca instrução estavam falando um idioma universal, compreendido por todos.

Meus amigos, o vocábulo “espírito” usado no nosso idioma não dá a dimensão mais exata do termo grego original “pneuma”, que desse modo é traduzido. Com efeito 'pneuma' é o sopro vital, o hálito, a respiração. A palavra 'espírito', vinda até nós através do latim 'spiritus' não tem essa mesma abrangência semântica. Ao receberem o 'pneuma', os Apóstolos ganharam um novo sopro vital, uma nova energia, um novo alento. Eles superaram a timidez inicial e adquiriram uma invejável coragem a ponto de darem a própria vida em testemunho de Cristo. Durante toda a semana passada, as leituras litúrgicas, sempre tiradas de Atos, mostravam as tribulações, as humilhações, as prisões, as condenações de Paulo por causa da sua pregação no meio dos judeus. Assim como Paulo, todos os outros também passaram pelos mesmos suplícios, embora o testemunho deles não tenha sido documentado por algum escritor contemporâneo. Foi o Espírito que transformou aqueles pescadores de peixes em pescadores de homens, conforme Cristo havia prometido. O Espírito confirmou isso.

Na leitura do evangelho, extraído de João 20, 22, lemos que Jesus “soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem os não perdoardes, eles lhes serão retidos' ”É curioso o fato de João não se referir às línguas de fogo, logo ele que era um dos presentes no Cenáculo naquele Pentecostes memorável. João relata de um modo diferente o recebimento do Espírito pelos Apóstolos: foi um 'sopro' de Cristo sobre eles. Sopro é exatamente um 'pneuma'. Soprando, Cristo conferiu aos Apóstolos o Espírito (Pneuma), que tinha como objetivo nesta ocasião, a transmissão do poder de perdoar. A doutrina teológica compreende esta passagem de João como o fundamento bíblico do sacramento da penitência. Já comentamos outrora que o sacramento não é da 'confissão', mas da penitência ou do perdão. A confissão foi um rito acrescentado posteriormente. Para que haja o perdão, é indispensável o arrependimento. Daí que Cristo diz: a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; a quem não os perdoardes, ser-lhes-ão retidos. Ora, quem será perdoado? Quem estiver arrependido, não quem apenas confessa. E quem não será perdoado? Quem não se arrepender. A expressão 'retidos' referente aos pecados não perdoados quer dizer que o pecador não fica livre deles, o pecador continua com eles. Para quem não tem arrependimento na alma, o perdão não surte efeito e consequentemente os pecados não são eliminados, mas permanecem ali, podemos dizer até que ficam maiores ainda.

Então, como lemos em João 20, 22, é através da transmissão do Espírito que Cristo dá aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados, portanto, é o Espírito que confere o perdão. E por que o Espírito é o vetor do perdão? Porque o Espírito é o Amor de Deus. Deus é tão infinitamente enorme que a sua Palavra, poderosíssima, se converte em uma outra Pessoa divina, o Filho; e o Amor de Deus é tão desmedido e poderosíssimo que se converte em outra Pessoa divina, o Espírito. Então, o arrependimento é o sintoma do amor, quem não se arrepende, é porque não ama, e a esses os pecados não serão perdoados, ficarão retidos. É o Amor do Pai, em forma de Pessoa divina, que nos reinsere no convívio com Ele, quando nos arrependemos, isto é, quando nos abrimos ao Amor de Deus. E ninguém ama a Deus se não ama também o próximo. Portanto, não basta o amor a Deus, mas esse amor tem que se replicar no amor dos irmãos. A falta de amor é a essência da falta de arrependimento e essa atitude bloqueia o Amor de Deus, que não consegue penetrar o coração de quem não ama, para livrar das culpas, por isso, os pecados de quem não se arrepende ficam retidos, permanecem consumindo o pecador.

Na leitura da primeira carta de Paulo a Coríntios (1 Cor 12, 3) lemos uma confirmação dessa explicação com outras palavras: “Ninguém pode dizer: Jesus é o Senhor a não ser no Espírito Santo. ” Ninguém pode dizer que é discípulo de Cristo se não cumpre seus mandamentos. E o maior de todos, conforme Cristo ensinou, é justamente o amor a Deus e ao próximo. Desse modo, ninguém pode afirmar a sua fé em Cristo, a não ser através do amor, e este amor é fruto do Espírito, aliás, é o próprio Espírito. Quem fala o nome de Jesus sem expressar o amor que ele ensinou, está falando apenas da boca pra fora. Nessa pessoa, o Espírito não habita, é uma pessoa do 'coração duro', sem arrependimento, nela os pecados ficam retidos, porque se não há espaço para o perdão no coração de alguém, também não há espaço para o Espírito. E esse espaço não existe justamente porque está tomado pelos pecados que ali são retidos pela falta do amor.

E Paulo faz uma exposição bastante didática para dizer que não existe apenas uma forma de amar, mas diversas formas válidas. “Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus ” (1 Cor 12, 4-5). São os carismas e os dons próprios de cada pessoa, que são inerentes à sua natureza mas são potencializados com a presença e a ação do Espírito. É a conhecida teoria do 'corpo místico' desenvolvida por Paulo, pela qual ele compara a Igreja, com a sua diversidade de pessoas, de costumes, de origens, de tarefas, de formatos, com os membros do corpo humano, uma comparação muito adequada e fácil de entender por todas as pessoas. Houve uma época em que a teologia afirmava que somente na Igreja Católica se realizava a verdadeira comunhão com Cristo. Mas com o advento das doutrinas ecumênicas, embora a doutrina continue afirmando que a 'ekklesia' tutelada pelo sucessor de Pedro seja a genuína, no entanto, reconhece que as diversas comunidades que vivenciam os ensinamentos de Cristo formam uma grande 'comum unidade', porque o Espírito é um só. Se ninguém pode dizer “Jesus é o Senhor” senão no Espírito, concluímos que todos aqueles que professam sua fé em Cristo de modo legítimo, através do seguimento de sua doutrina e do cumprimento de seus mandamentos, fazem isso por obra do mesmo Espírito.

Hoje foi meu dia de cantar na missa dominical da paróquia e eu não perdi a oportunidade de incluir no roteiro dos cânticos o Veni Creator Spiritus, em latim mesmo, original, gregoriano, aquele que nós conhecemos. Que Ele venha visitar nossas mentes e infundir o amor em nossos corações, conforme diz o texto medieval e sempre atual.