sábado, 11 de maio de 2024

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA ASCENSÃO - 12.05.2024

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO - A ELEVAÇÃO DE JESUS– 12.05.2024


Caros Confrades,


Neste domingo, celebramos a festa da Ascensão do Senhor. Convém lembrar que o dia litúrgico próprio é na quinta feira passada, quando se completaram os 40 dias após a ressurreição. Segundo o testemunho de Lucas, nos Atos (1, 3): Durante quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus. E convém sempre lembrar também que a simbologia do número 40, repetida em diversas passagens da Escritura, não significa que a ascensão de Jesus tenha sido exatamente 40 dias de calendário após a ressurreição. Na verdade, Jesus passou um tempo fazendo uma espécie de reciclagem com os apóstolos, recordando as lições transmitidas na sua pregação e confirmando com prodígios perante eles, de modo a fortalecer-lhes sempre mais a fé. Jesus sabia que eles eram homens rudes e não tinham assimilado bem a catequese estudada no período de três anos. Por isso, foi necessário esse “reforço escolar”, como se faz com os alunos que têm dificuldade de aprendizagem.


Na primeira leitura, temos o relato de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, contando detalhadamente a ocorrência da despedida de Jesus. Depois daqueles dias de aulas de reforço, Jesus compreendeu que estava concluída a sua missão e pediu para os apóstolos que não se afastassem de Jerusalém, porque em breve eles iriam ser batizados com o Espírito, conforme a promessa do Pai. Eu fico imaginando a sua decepção quando um dos apóstolos, naquele momento, ainda perguntou se era agora que ele iria restaurar o reino em Israel... Acho que foi por isso que Jesus resolveu chamar Saulo e operar o milagre de sua conversão. Com aquele grupo de pescadores, a pregação do evangelho não teria ido muito além de algumas cidades do Oriente Médio. Jesus Cristo respondeu a essa ingênua pergunta de forma gentil e ao mesmo tempo enigmática: não vos cabe saber o dia nem a hora que o Pai determinou. E novamente confirmou a promessa da vinda do Espírito, que lhes traria o verdadeiro 'conhecimento' da doutrina, tal como dirá depois Paulo, na carta aos Efésios, que está na segunda leitura de hoje (Ef 1, 17): o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Foi exatamente isso que ocorreu com os apóstolos.


Junto com a confirmação dessa promessa do Pai, Cristo reafirmou aos apóstolos o motivo para o qual tinham eles sido chamados para o convívio mais próximo com Ele: (Atos 1, 8): para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra'. Na ocasião, eles provavelmente estavam em Jerusalém e foi lá também que aconteceu o Pentecostes poucos dias depois. Mas é digna de nota a citação da Judeia e da Samaria, pelo seguinte: a Judeia foi onde Jesus desenvolveu a sua catequese, andando por diversas cidades da região. E a Samaria era aquele grupo de judeus dissidentes, que eram inimigos do pessoal da Judeia. Um judeu mudava de lado da rua, se viesse ao encontro dele um samaritano. Mas Jesus foi lá, conversou com a mulher samaritana na beira do poço, aceitou o convite de ir até a cidade dela e realizou ali muitas conversões. Se nós trouxermos essa rivalidade para os dias de hoje, podemos interpretar que Jesus estaria se referindo aos cristãos dissidentes, que formam outras igrejas e também se reúnem em nome de Cristo. Tal como era no tempo de Cristo, a religião nem sempre é uma atividade que congrega, algumas vezes também desagrega. Dentro do próprio catolicismo romano, formaram-se “grupos” ou “comunidades” que se julgam mais leais do que o restante dos fiéis. Mas é preciso sempre ir em busca, não relegar, mas conviver, tal como Jesus deu o exemplo na sua convivência com os samaritanos. E a referência aos confins da terra certamente diz respeito a nós, que não somos nem judeus nem samaritanos, mas fomos convidados e aceitamos participar da boa nova da salvação.


Na segunda leitura, da carta aos Efésios (1, 17-23), Paulo repete uma lição que está presente nos evangelhos e que denota ser expressão comum nas assembleias cristãs primitivas: depois de concluir sua missão, Jesus voltou para se assentar à direita do Pai, bem acima de toda autoridade e potência. Era o costume nas sociedades antigas que o lugar à direita do rei era o da maior confiança e dava a ideia de igual poder. Todos nós sabemos que, na dimensão da eternidade, não há tempo nem lugar, de modo que sentar à direita ou à esquerda, ou atrás ou na frente, não faz qualquer sentido. Mas essa simbologia demonstra que a primitiva fé dos cristãos em Jesus, desde os primeiros tempos, era de que ele tinha idêntica situação com o Pai e idêntico poder. E nesta mesma carta, Paulo ensina a sua doutrina do corpo místico, que é a Igreja, da qual Cristo é a cabeça e está ao lado do Pai. Em verdade, Jesus não fundou nem mandou os apóstolos fundarem uma igreja (ekklesia=comunidade), isso foi uma decorrência natural da necessidade de organização das atividades para as quais Jesus lhes havia enviado em missão. A questão é que, com o passar do tempo e sob a influência da cultura europeia medieval, a comunidade tornou-se uma entidade cheia de burocracia... mas isso é outra história. Retorno ao tema inicial.


No evangelho de Marcos lido neste domingo (Mc 16, 15-20), está a mesma imagem de Jesus sentado à direita do Pai: “Depois de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. ” Aqui há um outro conceito que eu pretendo explicitar, além de sentar-se à direita, que é a imagem da elevação de Jesus. De acordo com a tradição, a elevação de Jesus teria sido em Jerusalém, onde existe até uma capela erguida no local do fato. Porém, no evangelho de Lucas, consta que teria sido em Betânia: “Ele os levou até Betânia e, levantando as mãos, os abençoou. Enquanto os abençoava, apartou-se deles e foi elevado ao céu. Eles, tendo-o adorado, voltaram para Jerusalém com grande gozo». (Lucas 24, 50-52). Nos outros evangelhos, não há referência ao local. Contudo, o mesmo Lucas, em Atos 1, 12, diz: “Então voltaram para Jerusalém, do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à distância do caminho de um sábado”, sugerindo que a elevação se deu no monte das Oliveiras, aonde Jesus gostava de ir com os discípulos. Não deixa de ser curioso que o mesmo escritor (Lucas), em duas narrações distintas, refira-se a lugares diferentes, dando a entender que ou ele não conhecia a região ou não teve o devido cuidado de organizar os textos que lhe serviram de fonte. Deve ser a primeira hipótese, pois Lucas era um médico grego, natural de Antioquia, provavelmente ele não conhecia mesmo os locais por onde Jesus havia passado.


Em verdade, esse é apenas um detalhe de pouca importância. A grande verdade que se extrai dessa narrativa é que Jesus, ao elevar-se para o céu com um corpo visível, elevou com ele a sua condição humana, isto é, a nossa humanidade, que ele assumiu, também foi sentar-se à direita do Pai. Com a ascensão de Jesus, restaurou-se a união entre Deus e os homens, rompida pelo pecado, união esta simbolizada nas duas naturezas de Cristo. Ao elevar-se e assentar-se à direita do Pai, Jesus levou consigo a humanidade redimida, dando-nos uma visão antecipada daquilo que ocorrerá com todo aquele que crer nele. Esta promessa está descrita assim no evangelho de Marcos (16, 16): Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Não devemos entender nessa afirmação, como querem alguns, que basta ser batizado para ser salvo, nem também o oposto, isto é, quem não for batizado estará condenado. Na verdade, crer em Jesus não é uma decisão momentânea e isolada, apenas para receber o batismo, mas é uma atitude que se renova a cada dia, quando damos testemunho da nossa fé nas nossas vivências sociais, nas obras que realizamos. Então, a fé será superior ao batismo, na medida em que este é a confirmação externa daquela. A salvação está prometida para aquele que crê na prática, não apenas na teoria, pois o simples batismo não conduz automaticamente à salvação, se não for confirmado com as obras coerentes e exemplares. Isso quer dizer que o batismo é um ritual para o crente ser admitido na Igreja, mas isso não significa que o não batizado estará ipso facto fora da salvação. O Papa Francisco, a contragosto dos burocratas do Vaticano, vem repetidamente ensinando que a salvação é alcançada por todas as pessoas que têm Deus no coração, independentemente de sua opção religiosa. A meu ver, isso representa a superação de uma antiga doutrina de que fora da Igreja Católica não há salvação. A fé em Deus deve ficar acima das diversas religiões, porque um só é o rebanho e um mesmo é o Pastor.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos


sábado, 4 de maio de 2024

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6o DOMINGO DA PÁSCOA - 05.05.2024

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO DA PÁSCOA – ESCOLHIDOS PELO PAI – 05.05.2024


Caros Confrades,


Neste 6º domingo da Páscoa, as leituras nos revelam o quanto somos privilegiados: não fomos nós que escolhemos o Pai, mas foi o Pai quem nos escolheu. E Jesus Cristo nos ensina como é que devemos fazer para merecer tão grande distinção nessa escolha: se guardardes os meus mandamentos, permanecereis em mim, assim como eu guardo os mandamentos do Pai e permaneço nele. E o mandamento de Cristo, todos nós já sabemos: é o mandamento do amor. E não há ocasião melhor para falar sobre esse assunto do amor do que nesta semana, que antecede a festa celebrativa do dia das mães.


Na primeira leitura, do livro dos Atos (At 10,25), podemos perceber o amadurecimento da ideia da salvação trazida por Cristo na mente dos apóstolos, através do discurso de Pedro perante os gentios de Cesareia, Pedro recebeu um convite para ir àquela cidade e dirigir-se à casa de Cornélio. Este era um centurião romano, portanto, não judeu, que havia se convertido ao cristianismo e que influenciara a conversão de muitas pessoas daquela cidade, porém eles ainda não tinham sido batizados. Para compreender melhor esse fato, precisamos retornar aos versículos anteriores (Atos 10, 10-14), que narram numa situação embaraçosa: Pedro estava com fome e teve uma visão de um grande lençol que descia do céu cheio de animais e aves, e o anjo lhe disse para escolher a comida. Pedro se recusou, porque havia ali animais que os judeus consideravam impuros, então o anjo disse: não tenhas por impuro aquilo que Deus purificou. Foi nessa ocasião que Pedro recebeu a visita dos emissários de Cornélio, que foram convidá-lo para ir até a casa deste, e Pedro foi. Ao chegar lá e vendo grande quantidade de gentios convertidos, Pedro pronunciou um discurso que hoje seria denominado de ecumênico: “estou compreendendo que Deus não faz distinção entre pessoas, pelo contrário, Ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença”. Este discurso é significativo porque dá a entender que, até então, Pedro ainda tinha dúvida sobre o modo de apresentar a mensagem de Cristo aos gentios, porque havia aquela famosa discussão se os pagãos, ao se converterem, deviam aceitar os costumes judeus como condição para a sua conversão. Mas naquela ocasião, ele declarou que afinal tinha compreendido que isso não era necessário, pois Deus havia purificado os pagãos da mesma forma que purificara os alimentos considerados impuros pelos judeus. E diz o texto de Atos (10, 44) que Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam a sua palavra. Isso veio corroborar o que Pedro acabara de afirmar, isto é, o Espírito Santo confirmou o discurso de Pedro perante todos os presentes. E continua o texto de Atos (10, 45) afirmando que os “judeus” ficaram admirados ao verem o Espírito Santo descendo também sobre os pagãos, eles que se consideravam os autênticos seguidores de Cristo, por serem judeus convertidos e pensavam ser necessário que os pagãos primeiramente se tornassem judeus (pela circuncisão), para depois se tornarem cristãos.


Com efeito, o texto latino traduzido pela CNBB usa aqui a palavra 'judeus', mas o texto original de São Jerônimo diz 'circuncisione fideles', ou seja, os que eram leais ao judaísmo, que acreditavam na circuncisão. Nesse contexto, ficou então decidida a polêmica, confirmando-se que a circuncisão não seria necessária para alguém ingressar no cristianismo, passando a prevalecer o entendimento de que não deve haver distinção entre judeu, grego, romano ou asiático ou de qualquer outra nação, circunciso ou incircunciso, pois o Espírito de Deus foi derramado sobre os pagãos na presença dos judeus. Na verdade, o que deve prevalecer entre os discípulos de Cristo não é a nacionalidade ou a herança genética, mas a observância do seu mandamento do amor.


Na segunda leitura, da carta de João (1Jo 4, 7-10), o apóstolo repete o tema que lhe é tão caro em todos os seus textos: amemo-nos uns aos outros, porque todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. E então, ele confirma que nós fomos escolhidos, não fomos nós que escolhemos: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho ” (1Jo 4, 10). Esta afirmação de João guarda total sintonia com o discurso de Pedro, referido na primeira leitura, razão pela qual a mensagem cristã chegou até nós. Os judeus pensavam que somente eles eram os escolhidos, porque eram os herdeiros da antiga aliança. Mas os judeus recusaram a aceitar Cristo como o Messias, então Jesus mandou os apóstolos a pregarem a sua mensagem a todos os povos da terra. E confirmou isso com demonstrações extraordinárias, como o fato narrado na leitura dos Atos 10, referida acima, em que os fiéis judeus viram o Espírito Santo descer sobre os gentios convertidos, antes mesmo que estes fossem batizados. Foi quando Pedro falou: “'Podemos, por acaso, negar a água do batismo a estas pessoas que receberam, como nós, o Espírito Santo?' E mandou que fossem batizados em nome de Jesus Cristo. (At 10, 47-48). A descida do Espírito Santo era a confirmação de que o Pai havia escolhido aqueles gentios e retirou da mente de Pedro qualquer dúvida que ele ainda tinha acerca da universalidade da salvação.


Na leitura do evangelho de João (Jo 15, 9-17), aparece este mesmo ensinamento, agora colocado na boca de Cristo: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi” (Jo 15, 16). Jesus falava isso para os apóstolos, mas a escolha se estende a todos nós, cristãos. Deus nos amou primeiro e nos escolheu, ou seja, nos deu o privilégio de sermos seus amigos. E mandou o Filho para nos revelar isso e nos ensinar como devemos proceder para permanecermos nessa divina amizade. Em Jo 15, 14 Jesus diz que “vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mandei”. E o que foi que ele mandou? Isso todos já sabemos: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei. ” (Jo 15, 12) E explica: “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor. ” (Jo 15, 10) Então, meus irmãos, a única exigência para permanecermos amigos do Pai é esta e está dita com todas as letras, não há como não compreender. No vers. 15,15 essa amizade está mais do que confirmada: “Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai. ” Pensemos bem nesse tão grande privilégio com que o Pai nos distinguiu: sermos escolhidos por ele. E a condição é também totalmente acessível a qualquer pessoa: amar o próximo.


Aproxima-se o dia das mães e este é um momento oportuno para falar do amor na sua forma mais pura e incondicional. Uma empresa colocou um anúncio de contratação de empregados, que deviam ter as seguintes qualificações: entender de medicina, psicologia, economia, gastronomia; estar disponível para trabalhar 24 horas por dia e 7 dias por semana, sem descanso e sem horário para dormir, monitorar constantemente os seus subordinados e acompanhá-los mesmo durante a noite; não há férias, não há salário, não há aposentadoria. E os pretendentes faziam cara de estupefação: isso não é emprego, é escravidão, é impossível alguém aceitar esse encargo. Então, o entrevistador dizia que aquela função era a de ser mãe e todos, sem exceção, concordaram que essas qualificações são todas reais em todas as mães. E o mais notável e incompreensível de tudo isso é que, mesmo sabendo com antecipação de que a situação é assim, todas as mulheres querem ser mães. E aqui deixem-me puxar um pouco a brasa para a sardinha dos pais, porque a maternidade é compartilhada com a paternidade, tanto a paternidade quanto a maternidade vêm de Deus e têm a mesma dignidade.


Pois bem. O Pai nem exige tanto de nós para continuarmos na condição de amigos dele, e se pensarmos que mães e pais se dispõem a tanta dedicação quando decidem gerar um filho, podemos concluir que não é muito o que Deus nos pede para sermos amigos dele. Se as pessoas são capazes de tanta abnegação e disponibilidade por uma causa oriunda da natureza, é só direcionar esse mesmo comportamento para o bem dos irmãos, por uma causa oriunda do espírito, e assim estaremos sendo fiéis ao mandamento de Cristo e nos dignificando para merecermos a sublime honra de sermos amigos do Pai.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos