domingo, 30 de outubro de 2022

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 31º DOMINGO COMUM - 30.10.2022

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 31º DOMINGO COMUM – CORRIGIR COM CARINHO – 30.10.2022


Caros Confrades,


A liturgia deste 31º domingo nos convida a refletir sobre a atitude que devemos ter para com aqueles irmãos que erram, aqueles que procedem mal e isso acarreta transtornos e dificuldades nas relações interpessoais. Na antiguidade, havia duas categorias de pessoas, que eram consideradas pecadores públicos e todos os evitavam: as prostitutas e os cobradores de impostos. De acordo com a tradição do povo hebreu, essas pessoas estavam irremediavelmente condenadas e nem podiam disfarçar as maldades que cometiam. No entanto, Jesus mostrou com suas atitudes uma outra maneira de nos relacionarmos com os irmãos 'pecadores', como é exemplificativo o episódio do seu encontro com Zaqueu, narrado no evangelho.


Na primeira leitura, extraída do livro da Sabedoria (Sb 11,22 – 12-2), vemos uma imagem de Javeh misericordioso, que de todos tem compaixão, que fecha os olhos para os pecados dos homens, a fim de que se arrependam. Diz o escritor sagrado: “A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida… É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor.” (11,26-12,2) Este livro, escrito em Alexandria, após o retorno dos judeus do cativeiro da Babilônia, reproduz a histórica cultura desse povo numa época de grande influência do pensamento grego materialista e imanentista no ambiente dos judeus residentes naquela cidade de língua grega (embora situada no Egito), muitos dos quais renegavam as suas origens para aderirem à nova cultura. O que se observa de mais curioso na leitura deste livro é a imagem de Javeh compassivo, diferente daqueloutra figura transmitida em outros textos antigos, mostrando um Deus irritado e vingativo. O autor sapiencial destaca a misericórdia de Javeh e o cuidado especial que ele dedica aos que se desviam do bom caminho, numa alusão antecipada da conduta que Cristo praticaria com aqueles mais desprezados da comunidade judaica. E o hagiógrafo justifica essa atitude misericordiosa de Javeh da seguinte maneira: “Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa não a terias criado.” (11, 24) Jesus Cristo, tempos depois, faz uma outra afirmativa nesse mesmo sentido, quando explica: “Os sãos não necessitam de médico, mas os enfermos, sim. “(Mt 9, 12) As pessoas que, por algum motivo, vieram a desviar-se dos seus compromissos cristãos não devem ser alijados e evitados, mas atraídos de novo para o núcleo do rebanho.


Na segunda leitura, retirada da carta 2 de Paulo aos Tessalonicenses (1,11 – 2,2), o apóstolo exorta delicadamente os cristãos daquela cidade sobre certas inverdades que ali foram divulgadas, numa espécie de carta que por ali circulou e foi a ele atribuída, contendo informações duvidosas acerca da vinda de Cristo, fato que perturbou alguns fiéis e os levou até a abandonarem os trabalhos só esperando a vinda de Cristo. Assim, ociosos, dedicavam à maledicência e à preguiça. O Apóstolo chama a atenção deles para que prossigam regularmente com as suas atividades, porque a vinda de Cristo deve ser aguardada como um fato da vida ordinária, não se justificando o afastamento das atividades próprias de cada um, pois isso tramaria contra os ensinamentos do próprio Cristo. Na comunidade de Tessalônica, havia um grande contingente de judeus adversários de Paulo e do cristianismo, que espalhavam notícias falsas e conseguiam convencer muitos cristãos de fé vacilante. Porém, Paulo sabia que não podia adotar críticas drásticas, pois isso contribuiria para uma maior divisão interna dos fiéis. Por isso, ele usa palavras bem cordiais para advertir os mais incautos e desse modo reconquistar-lhes a confiança. Diz ele, no cap. 3, 14-15 (não incluído na leitura de hoje): “Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, marquem-no e não se associem com ele, para que se sinta envergonhado; contudo, não o considerem como inimigo, mas chamem a atenção dele como irmão.” O nosso povo sertanejo tem um ditado popular, que bem se encaixa nesse contexto: “quem quer pegar a galinha, não diz xô”. A advertência ao irmão que errou não pode chegar ao ponto de distanciá-lo ainda mais do verdadeiro caminho.


Na leitura do evangelho de Lucas (19, 1-10), essa atitude de perdão compassivo da parte de Jesus está exemplarmente mostrada no episódio envolvendo Zaqueu, o cobrador de impostos de Jericó. Os publicanos, como eram chamados esses profissionais, eram odiados pela população das cidades judaicas dominadas pelos romanos, porque os consideravam traidores do povo, visto que estavam a beneficiar o inimigo com suas cobranças, além de eventualmente praticarem a extorsão e até de se apropriarem do que recolhiam. A figura do cobrador de impostos é escarnecida em todas as épocas históricas, como exemplo de arrogância, ganância, insensibilidade, desfaçatez, arbitrariedade, todos os tipos de maldades. Zaqueu não foi o único desses profissionais aos quais Jesus deu uma atenção especial. Mateus também era publicano e Jesus o interpelou de forma inapelável: segue-me! E ele se tornou um dos doze discípulos. No caso de Zaqueu, a iniciativa foi deste ao querer conhecer Jesus.


Há uma curiosidade etimológica a ser destacada aqui, em relação ao nome de Zaqueu, que se escreve em hebraico “zakkay” e significa puro, justo. Contraditoriamente à sua profissão, o seu nome indicava as virtudes que ele devia possuir, embora estas ficassem obscurecidas pela sua atividade rotineira. Mas Jesus sabia o que se passava na sua alma, quando ele subiu na figueira, para poder vê-Lo, já que era de baixa estatura e havia grande multidão ao redor de Jesus, naquela sua passagem por Jericó. Zaqueu não podia perder aquela oportunidade, pois não sabia quando isso iria acontecer novamente, porém jamais esperava vê-Lo assim tão de perto, tencionava olhar de cima da figueira e passar despercebido de Jesus e da multidão. Qual não foi o seu espanto, quando Jesus parou embaixo da árvore e o chamou pelo nome e ordenou que descesse. Como Jesus sabia o nome dele, pois nunca o tinha visto? E a sua surpresa maior ainda estava ainda por vir, quando Ele falou: hoje vou hospedar-me na tua casa. Zaqueu tinha consciência má fama associada à profissão que ele exercia e não se sentia digno de aproximar-se de Jesus, quanto mais de recebê-lo na própria casa. O autoconvite de Jesus para visitar a casa de Zaqueu desmontou totalmente as suas estruturas psicológicas: eu não sou digno disso, vou ter que fazer algo para merecer, algo em retribuição a tamanha distinção. E então declarou: vou distribuir metade dos meus bens para os pobres e retribuir em quádruplo para quem eu tenha fraudado. E Jesus arrematou: hoje entrou a salvação nesta casa, porque também este homem é filho de Abraão.


Meus amigos, a imagem de Zaqueu simboliza o arrependimento do pecador diante da misericórdia de Deus. Se Jesus tivesse aplicado a ele uma repreensão, como provavelmente os fariseus esperavam, quando Jesus mandou que ele descesse, a reação de Zaqueu teria sido de distanciamento e de raiva. No mundo religioso hipócrita dos fariseus, não havia espaço para um pecador público. Eles deviam pensar que, naquela cidade, havia tantas pessoas boas, honradas e dignas, que poderiam muito bem hospedar Jesus e se sentiriam sumamente prestigiadas com isso. Porque Jesus vai escolher a casa de um publicano para visitar e hospedar-se? Pois é, dentro da lógica humana (e do próprio Zaqueu, que não imaginava que isso fosse acontecer), ele estaria excluído dos “bem-aventurados” referidos no sermão da montanha, mas dentro da lógica de Cristo, a ele foi ofertada a salvação e ele muito que aceitou.


O Papa Francisco, num sermão para os fiéis que estavam na Praça de São Pedro, ao referir-se a este evangelho fez o seguinte comentário: Não existe profissão ou condição social, não há pecado ou crime de qualquer gênero que possa cancelar da memória e do coração de Deus um filho sequer. “Deus recorda, sempre, não esquece nenhum daqueles que criou; Ele é Pai, sempre à espera vigilante e amorosa de ver renascer no coração do filho o desejo de retornar à casa. E quando reconhece este desejo, mesmo que simplesmente manifestado, e tantas vezes quase inconsciente, imediatamente põe-se a seu lado, e com o seu perdão lhe torna mais leve o caminho da conversão e do retorno.O convite que Jesus fez a Zaqueu, ignorando que ele era um pecador público e, como filho de Abraão, era também digno da salvação, enche de esperança a todos nós, que ainda estamos na “grande tribulação” e, portanto, sujeitos às maiores adversidades no cumprimento fiel à nossa vocação cristã. A atitude de Cristo é a certeza de que, em qualquer circunstância, ele não levará em consideração as nossas fraquezas, mas a intensidade da nossa fé.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 15 de outubro de 2022

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 29º DOMINGO COMUM - 16.10.2022

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM –ORAR SEM CESSAR – 16.10.2022


Caros Confrades,


Neste 29º domingo comum, as leituras litúrgicas enfocam o tema da oração perseverante. Orar e orar sempre é o ensinamento de Jesus Cristo. No domingo passado, comentamos sobre a importância do agradecimento. Neste domingo, a liturgia fala da importância do pedido em forma de oração, lembrando-nos de que devemos orar sempre e sem cessar. O recebimento ficará ao desígnio do Pai, que sabe das nossas necessidades e a demora no atendimento não deve nos arrefecer a fé. Tal como Jesus ensinou no “Pai Nosso”, na oração devemos, em primeiro lugar, louvar e agradecer, para em seguida, formular os nossos pedidos.


Todos acreditamos que o Pai do céu sabe das nossas necessidades, então, vem a pergunta: por que devemos pedir-lhe algo, pois ele já sabe que nos falta? Qual o pai que não está sempre pronto para atender às carências dos seus filhos, mesmo sem que eles peçam? Sendo assim, porque Jesus ensina que o Pai do céu quer que sempre peçamos e de forma insistente? Pode parecer uma incoerência no ensinamento de Jesus, mas a verdade é que, embora Deus saiba das nossas necessidades, Ele quer a nossa colaboração, para que sejamos merecedores. Quando Jesus diz “orai sempre, orai sem cessar”, isso não significa ficar o dia todo de joelhos, com o terço na mão ou com um livro devocional, recitando coleções de preces das mais diversas espécies seguindo formulários já prontos, não é isso. Ele quer dizer que todos os atos da nossa vida toda devem ser uma constante oração. Nós estamos orando não apenas quando pronunciamos palavras ou quando as temos no pensamento, mas a nossa oração se expande para as nossas atividades rotineiras, quando através do nosso trabalho, dos nossos relacionamentos, estamos manifestando aos irmãos exemplos concretos da nossa fé, pelo nosso testemunho de vida do evangelho. Esta é a colaboração que Deus espera de nós. Podemos ver isso nos textos litúrgicos deste domingo.


Na primeira leitura, do livro do Êxodo (17, 8-13), lemos o episódio da batalha dos hebreus com os amalecitas, contando com a participação ativa de Moisés, à distância. Enquanto as tropas lutavam, as mãos de Moisés erguidas para o céu carreavam a vitória para os israelitas; quando Moisés abaixava os braços, os amalecitas levavam vantagem. Contudo, pela idade e pelo longo tempo naquela posição, Moisés não conseguia manter os braços levantados por muito tempo e isso punha em risco o resultado da batalha. Então, seus auxiliares Ur e Aarão apoiaram os braços de Moisés, para que ele conseguisse mantê-los erguidos até a vitória final dos israelitas. Excluindo desse episódio o seu conteúdo violento da batalha, podemos descobrir no ato de Moisés levantar os braços uma atitude de oração, que deve ser contínua e persistente. Abaixar os braços significa fraquejar na oração, o que acontece, muitas vezes, na nossa vida de pessoas imperfeitas. Daí a necessidade que Moisés teve de ser ajudado por seus assessores. Isso significa a necessidade que nós temos de buscar apoio e solidariedade na comunidade dos irmãos. O Papa Francisco, num sermão aos peregrinos em Roma, chamou a atenção para a importância da oração compartilhada. A oração solitária tem seu valor, sem dúvida, mas para ele ser mais fortalecida, precisa de ser realizada com a comunidade. Daí a importância da liturgia, da oração comunitária, da missa, das atividades devocionais realizadas no templo. Nos momentos desta oração eclesial, os nossos braços simbólicos erguidos ao céu, tais como os de Moisés, são ajudados pela comunidade, para que as nossas forças sejam multiplicadas. Nesses momentos, ocorre uma colaboração recíproca: ao mesmo tempo em que os irmãos nos ajudam a manter os “braços erguidos”, cada um de nós também ajuda o outro no mesmo sentido. Sem deixar de reconhecer a importância da oração individual, interior, devemos também reconhecer a importância da oração comunitária, como forma de exercer uma troca recíproca de energias e um ressoar mais forte do nosso brado orante.


Na segunda leitura, prosseguindo com o texto da 2a carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida já há vários domingos, temos hoje o trecho em que o Apóstolo adverte o seu discípulo sobre a leitura orante da Sagrada Escritura: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça.” (2Tim 3, 16) A oração da comunidade sempre deve ter como ponto de referência a Escritura, pois é dela que retiramos os conteúdos mais próprios para compor a nossa oração e os ensinamentos mais eficazes para se transformarem em ações na nossa vida cotidiana. É esse o sentido da liturgia da palavra, que compõe a primeira parte da celebração da missa. Além disso, a Palavra também tem o dom de aconselhar diante de situações problemáticas da vida e de repreender o nosso comportamento, quando ele se distancia daquilo que Deus quer de nós. Por isso, Paulo exorta a Timóteo: “eu te peço com insistência – proclama a palavra” (4,1), insiste, admoesta quer agrade, quer desagrade, usando de toda paciência e doutrina. As Sagradas Escrituras “têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tim 3, 15) Não devemos, contudo, entender essa exortação como a simples leitura da Bíblia ou decorar trechos para ficar repetindo mecanicamente. Mais do que simplesmente ler a Bíblia, deve-se estudar a Bíblia, meditar a Bíblia, compreender a Bíblia, esta é a oração mais produtiva para o direcionamento das nossas práticas cristãs. Eu diria que a leitura do Novo Testamento deve ser preferida, dado o seu conteúdo cristológico mais explícito.


Na leitura do evangelho de Lucas (18, 1-8), Jesus recorre à sua conhecida pedagogia das parábolas para explanar de forma bem didática a sua doutrina sobre a oração. O próprio evangelista diz que o objetivo desta parábola é demonstrar a necessidade de orar sempre e nunca esmorecer. Mas antes de adentrar nesse conteúdo, eu gostaria de destacar a figura do juiz injusto, uma contradição em si mesma. Todos sabemos que o objetivo da função de um juiz é distribuir a justiça. Assim pensando, um juiz injusto seria um antijuiz. Dentro das tribulações de cada dia, é bem possível que um juiz cometa injustiças, mas certamente isso não seria intencional, ao menos, não se espera isso de nenhum juiz. Pois bem, mas prescindindo do ofício de julgar típico da sociedade organizada, podemos também considerar que nós, que não somos juízes por profissão, por vezes nos tornamos juízes das ações dos nossos irmãos, quando avaliamos e tiramos conclusões sobre o comportamento das pessoas e podemos até ofendê-las com a falta de equilíbrio nos nossos julgamentos. Se para um juiz profissional a prática de atos injustos acarreta uma autocontradição, assim também para nós, quando nos tornamos juízes inescrupulosos das atitudes do nosso próximo, estamos contradizendo o significado mais profundo da fraternidade, que deve ser a marca registrada do cristão.


Passando agora ao tema da oração sem cessar, através da parábola do juiz injusto, Jesus nos ensina que devemos orar sempre e nunca perder a confiança. A viúva retratada na parábola insistiu por muito tempo com o juiz ímprobo, pedindo que ele lhe fizesse justiça. Por fim, o juiz resolveu atendê-la, ainda que não pelo seu amor à justiça, mas ao menos para livrar-se da importunação. Daí, Jesus conclui: se até um juiz injusto, diante da insistência de uma viúva, acaba por atendê-la, quanto mais o vosso Pai do céu, que é sempre justo, nunca deixará de atender os pedidos dos seus filhos. Ou seja, Jesus destaca nesse contexto o poder da oração para fazer acontecer na nossa vida aquilo do que nós realmente necessitamos. Isso não quer dizer que devamos todos os dias pedir a Deus para acertar sozinho na mega sena, até que um dia Deus vai atender, nem que seja para se livrar da importunação. Não se trata disso, claro. O que devemos pedir na oração é para sermos pessoas melhores, para conseguirmos superar as nossas fraquezas e imperfeições, para sermos sempre fiéis à nossa vocação de cristãos. A oração de quem simplesmente pede a Deus que lhe conceda bens materiais não se enquadra no conceito de orar sempre, que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Para conseguir obter bens materiais o que é preciso é ter disposição para trabalhar com afinco e dedicação na sua labuta profissional e, aí sim, vamos pedir a Deus que abençoe o nosso trabalho, para que os seus frutos sejam férteis e se multipliquem.


Uma prática devocional que é muito corriqueira no meio do nosso povo é “fazer promessas” aos santos para obter isso e aquilo. É uma espécie de “comércio” sagrado: dá-me isso que eu te darei aquilo. Certamente, não é esse o modelo de oração que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Tal como no caso de Moisés com os braços elevados ou no caso da viúva que insistia perante o juiz, o que Deus espera de nós é que façamos a nossa parte. Não se trata de desafiar ou chantagear Deus com uma promessa, pois Deus não precisa de nenhum favor nosso, ao contrário, nós é que precisamos dos favores divinos. Não se trata de fazer o pedido e ficar com os braços cruzados, esperando que um milagre aconteça simplesmente. O milagre vai acontecer se nós fizermos a nossa parte com fé, seriedade, sinceridade e persistência. O milagre vai acontecer na proporção do tamanho da nossa fé, da qual a oração deve ser a fiel expressão.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 8 de outubro de 2022

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 28º DOMINGO COMUM - 09.10.2022

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO COMUM – A SOLIDARIEDADE – 09.10.2022


Caros Confrades,


Neste 28º domingo comum, as leituras da liturgia enfocam um tema muito característico da vida pública de Jesus e que tem sido muito colocado em prática pelo Papa Francisco: a solidariedade com os sofredores. Compadecer-se e emprestar apoio às pessoas que passam por dificuldades ou necessidades é uma das obras de misericórdia ensinadas no catecismo. No início do seu papado, o Papa Francisco mandou construir banheiros públicos confortáveis para os moradores de rua do Vaticano e é visto, com frequência, ele em pessoa distribuindo alimento para essas pessoas. A solidariedade produz a gratidão de quem recebe o apoio e esse é o outro tema das leituras deste domingo. O evangelho nos estimula a sermos gratos, assim como o leproso samaritano, que voltou para agradecer a Jesus depois da cura. Jesus lamentou que os “outros nove” não tiveram essa mesma atitude de humildade e de gratidão.


Na primeira leitura, retirada do segundo livro dos Reis (5, 14-17), lemos o episódio da cura de um estrangeiro, o sírio Naaman, que foi em busca da solidariedade do profeta Eliseu, Este compadeceu-se daquele homem enfermo, que veio de um país distante pedir ajuda e, através do seu dom profético, receitou-lhe um “plano de cura”, demonstrando com isso que Javeh é Deus não apenas dos hebreus, mas também dos povos estrangeiros. A misericórdia de Deus não alcança apenas aqueles que o louvam e lhe oferecem sacrifícios, mas a todas as pessoas de coração sincero. Naaman representa todas as raças e nações que não nasceram sob o signo da aliança com Javeh, ou seja, ele é um exemplo precoce da nossa situação de cristãos, que não somos descendentes dos povos da aliança, no entanto, estamos todos alcançados por ela. Esta mesma mensagem da presença de Deus também nos povos indígenas foi lançada ao mundo pelo Sínodo da Amazônia, ocorrido em 2019, e, assim como na época do profeta Eliseu, muitos católicos de mente obnubilada não perceberam que Jesus se manifesta em todos, não sendo exclusivo da Igreja Católica, e puseram-se a criticar o Papa por essa iniciativa..


Duas particularidades chamam a nossa atenção no episódio da cura de Naaman. Primeiro, o fato de ele não ter acreditado de início. Na leitura de hoje, não há esse trecho, mas nos versículos anteriores, o autor sagrado narra que Naaman teria se recusado, quando o profeta Eliseu mandou que ele fosse tomar banho sete vezes no rio Jordão. Ora, disse ele, na minha terra há rios de águas mais límpidas e cristalinas, porque tenho eu de tomar banho nesse rio sujo daqui? Foi quando um servo ponderado o repreendeu: se o profeta tivesse mandado fazer algo difícil, tu farias, então por que não fazes isso, que é tão fácil? Naaman, que era uma pessoa sensata, compreendeu e obedeceu. E por que sete banhos? Porque Deus não faz sozinho as coisas para nós, ele quer a nossa participação, ele não entrega o objeto já pronto. Naaman precisou cumprir os sete banhos para, no final, ficar sarado. Se ele não tivesse colaborado com a sua parte integralmente, banhando-se as sete vezes, a cura não teria ocorrido. Nós também precisamos fazer a nossa parte completamente, para ficarmos em condições de receber a misericórdia divina.


A segunda particularidade que destacarei no episódio de Naaman é o seu agradecimento. Tão logo percebeu que estava curado, ele retornou ao profeta Eliseu para agradecer. Na verdade, ele queria pagar pela cura e o profeta recusou-se intransigentemente a receber qualquer retribuição. Os dons de Deus não estão à venda, não são objeto de comércio. Naaman tinha a mentalidade pagã de que a divindade deve ser agraciada com bens em troca dos favores recebidos. Mas o profeta fê-lo perceber que a cura dele foi uma manifestação da solidariedade gratuita de Javeh para com o sofrimento dele, mesmo não sendo ele um dos seus fiéis. Em agradecimento, Naaman levou consigo uma porção da terra de Israel, para que pudesse louvar a Javeh em seu país distante, fazendo um altar com aquele material. Sem esquecer ainda que o banho miraculoso de Naaman no rio Jordão foi uma antecipação do batismo de Jesus, que ocorreria naquele mesmo rio, séculos depois. Foi como se o profeta Eliseu estivesse antecipando o que seria a pregação futura de João Batista naquele local.


Na segunda leitura, prosseguindo a carta a Timóteo que vem sendo lida nesses últimos domingos, o apóstolo Paulo, sofrendo as agruras da prisão por causa do evangelho, busca a solidariedade do discípulo no seu infortúnio, destacando a fidelidade de Deus, mesmo quando nós somos infiéis a ele (2Tim 2, 13). Certamente, Paulo temia que a prisão dele pudesse arrefecer os ânimos dos cristãos que ele convertera e era necessário que o ânimo de todos não se abatesse. E se ele não podia, naquelas circunstâncias, continuar pregando a palavra, era dever de Timóteo e de todos os fiéis fazê-lo. As orações da comunidade e os relatos do seu testemunho de “suportar qualquer coisa pelos eleitos, para que eles também alcancem a salvação, que está em Cristo Jesus” eram uma demonstração de solidariedade recíproca: do Apóstolo e dos discípulos dele.


Na leitura do evangelho de Lucas (17,11-19), temos aquele conhecido episódio da cura dos dez leprosos, dos quais apenas um retornou para agradecer. E Jesus cobra essa desatenção perante a comunidade que assistiu ao retorno daquele estrangeiro agradecido. Convém recordar que a lepra era, desde tempos remotos e até tempos recentes, uma moléstia segregativa incurável. Os doentes eram obrigados a sair da cidade e viver à distância, às margens das estradas pedindo esmolas, única forma que tinham para não morrerem de fome, já que também não podiam trabalhar. Na sua caminhada para Jerusalém, Jesus deve ter encontrado vários grupos deles, assim como todos os viajantes encontravam e, em geral, os socorriam com bens materiais. Mas no caso do episódio narrado pelo evangelista, eles queriam do viajante Jesus algo mais valioso do que o alimento: a cura. As notícias sobre o poder de Jesus corriam de boca em boca, impossível não saber de quem se tratava naquela comitiva passante. O evangelista não menciona o nome de nenhum dos dez enfermos curados, nem mesmo daquele que retornou para agradecer, porque o seu intuito era destacar a solidariedade de Jesus para com os sofredores, inclusive com os estrangeiros, pois a misericórdia divina não se destina apenas a um grupo de eleitos, mas a todos os povos. No caso específico, o fato de somente um samaritano ter retornado para agradecer possui um simbolismo especial. Para os hebreus, samaritano era mais do que um estrangeiro, era um inimigo. O destaque que Jesus dá ao samaritano, assim como aos estrangeiros em geral, significa que todas as pessoas de boa vontade, mesmo não pertencendo ao “povo da aliança”, têm garantida a solidariedade divina.


O agradecimento demonstrado pelo leproso samaritano curado, posto em evidência por Jesus, nos proporciona diversas lições. Primeiro, que sempre devemos nos lembrar de agradecer. Não é que Jesus precisasse daquele agradecimento, porque ele sempre fez tudo de forma absolutamente gratuita e às vezes até proibia que as pessoas saíssem falando a respeito dele. Portanto, o elogio pelo agradecimento daquele que retornou, e ao mesmo tempo a crítica pelos que não retornaram, não significa que Jesus quisesse isso, esperasse por isso, mas vem nos ensinar que devemos ser agradecidos com os que nos são solidários. Segundo, tal como no caso de Naaman, Jesus também não curou os dez leprosos imediatamente, mas mandou que antes eles fizessem alguma coisa, no caso, mandou que eles fossem se apresentar ao sacerdote. E, enquanto caminhavam, eles observaram que estavam curados. Novamente aqui está presente a mesma lição de que, para recebermos as graças divinas, nós precisamos fazer a nossa parte e não ficarmos de braços cruzados esperando que as coisas aconteçam automaticamente. Terceiro, Jesus chamou a atenção para os outros nove curados, que eram hebreus e, tal como os fariseus, tinham o coração insensível, eram incapazes de reconhecer os favores recebidos e de saber agradecer por eles. Já o samaritano, que era odiado pelos hebreus, soube demonstrar o reconhecimento que os outros não tiveram. E Jesus louva a fé daquele estrangeiro, pois foi por ela que ficou curado. Não só neste caso, mas em diversos outros momentos, Jesus sempre repetiu o mesmo bordão: vai em paz, a tua fé te salvou.


Meus amigos, se nós nos acostumarmos a observar os acontecimentos do dia a dia, iremos enxergar que Deus nos cumula de favores a todo momento, até mesmo sem que nós mereçamos ou peçamos. Deus é sempre solidário conosco, pedindo de nós a recíproca, isto é, o mesmo espírito de solidariedade para com os irmãos, especialmente os mais necessitados. Ser solidário significa fornecer ajuda sem nenhum interesse. O exemplo do profeta Eliseu ao recusar o presente oferecido por Naaman nos indica a conduta correta a ser seguida, quando Deus se serve de nós para prestar auxílio a alguém: os dons divinos não são mercadorias, são recebidos de graça e são distribuídos gratuitamente. E a atitude de Jesus, ante aquele samaritano agradecido, prostrado aos pés dele em pose de subserviência, é também significativa e modelar: levanta-te e vai em paz, foi a tua fé que te salvou. Quando nós prestamos a solidariedade a alguém, estamos agindo como intermediários dos dons divinos e aquelas pessoas beneficiadas nada nos devem, nem um favor. Na verdade, nós é que estamos retribuindo, porque fomos antes favorecidos.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos