quarta-feira, 28 de março de 2018

QUARTA FEIRA DA SEMANA MAIOR - 28.03.2018

FERIA QUARTA MAJORIS HEBDOMADAE (QUARTA FEIRA DA SEMANA MAIOR)

Os rituais comemorativos da Semana Santa da Igreja Católica evocam tradições muito antigas, cuja origem por vezes não está bem esclarecida. Desde criança, eu ouvia os mais velhos dizerem que a quarta feira da Semana Santa era dita “quarta feira de trevas”, porque nesse dia Jesus houvera sido preso pelos soldados romanos.

Pesquisando na internet, encontrei uma publicação de 1705, das obras do papa São Gregório (Cognomento magni opera omnia – tomus tertius), em cuja página 321 consta o seguinte:
“Ex more antiquo, quem videre est apud Alcuinum lib. de divinis Officiis cap. de feria quarta majoris hebdomadae: Dicit orationes solemnes, sicut in sexta feria. Et rationem subjungit quia hac feria consilium inierunt Judaei de Jesu capiendo. Ex Romana consuetudine, debere eadem die ante publicum officium orationes quae solemus in sexta feria agere, recitari.”

Assim traduzo: “Por costume antigo, que parece estar no livro sobre os Ofícios divinos de Alcuíno, capitulo sobre a quarta feira da Semana Maior: Diz-se orações solenes, assim como na sexta feira. E subordina-se o motivo ao fato de que nesse dia os Judeus deliberaram a prisão de Jesus. Pelo costume romano, devem ser recitadas nesse dia, antes do oficio publico, as orações que costumamos fazer na sexta feira.”

Alcuino de York foi um monge inglês, que viveu em 735-804, no tempo do imperador Carlos Magno, de quem era conselheiro. Se Alcuíno já se referia a esse costume, então trata-se de uma tradição realmente antiga, anterior ao primeiro milênio.

Um pouco adiante, na página 336 do mesmo livro, está a seguinte anotação: "inicia-se o rito da quinta feira da Semana Maior, isto é, quinta feira da Ceia do Senhor". Parece-me curioso que, desde aquela época, não se observara uma incoerência cronológica que há nessas duas comemorações. Se Jesus foi preso na quarta feira e levado a julgamento em seguida, como poderia estar, no dia seguinte, fazendo a Ceia com os apóstolos?

Mais curioso ainda é o que consta textualmente: “Com os demais Apóstolos, na última ceia, Nosso Senhor Jesus Cristo ofereceu seu corpo e sangue ao traidor Judas.” Sabe-se que, depois da ceia, Judas saiu para encontrar-se com os chefes dos sacerdotes interessados na prisão de Jesus.

Coordenando esses relatos, conclui-se que a última ceia deve ter sido na terça feira, tendo a prisão de Jesus ocorrido na noite daquele dia, visto que, para os judeus, após o por do sol, já se considera o dia seguinte, portanto, quarta feira.

Faço essas ponderações e observações não com o intuito de alegar erro litúrgico ou doutrinário, apenas para esclarecer uma melhor probabilidade cronológica. Com efeito, as comemorações da Semana Santa possuem um elevado conteúdo simbólico representativo que ultrapassa esses detalhes acerca de sua cronologia.

Ao ensejo, formulo votos de Feliz Páscoa a todos.

segunda-feira, 26 de março de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE RAMOS - 25.03.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE RAMOS DA PAIXÃO DO SENHOR – 25.03.2018

Caros Leitores,

O Domingo dos Ramos dá início à semana mais importante da liturgia católica, durante a qual se comemoram os acontecimentos marcantes do mistério da nossa redenção. A liturgia deste domingo celebra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, por ocasião dos preparativos para a páscoa judaica. Ele tentava entrar na cidade de maneira discreta, mas a sua fama já estava espalhada e muitas pessoas queriam conhecê-lo. Já sabemos, através de comentários anteriores, que não foi esta a primeira vez que Ele foi a Jerusalém nesse período, ao contrário, ele sempre subia até Jerusalém para celebrar a Páscoa, conforme a tradição judaica. Porém, nesta vez, como Ele sabia que estava na Sua hora e as coisas ocorreram de forma diferente, com maior festejo. Ele sabia que os chefes dos sacerdotes estavam aguardando uma oportunidade para prendê-Lo, porém o povo não permitiu que Ele entrasse discretamente, mas tudo ocorreu de forma a chamar a atenção dos seus inimigos.

Quem assistiu àquele filme (que foi inicialmente uma peça teatral exibida em Nova York), intitulado “Jesus Cristo Superstar” deve lembrar de como o diretor do filme retrata esse momento peculiar. Os chefes dos sacerdotes estavam espreitando a procissão que vinha conduzindo Jesus e comentando entre eles: Ele é perigoso. Mas eles não podiam simplesmente prendê-Lo diante da multidão, porque isso ocasionaria uma revolta popular, ela preciso capturá-lo em um local reservado e, para isso, precisaram da ajuda de Judas, para indicar onde encontrá-lo longe do povo.

A principal leitura deste domingo é a da paixão, texto bastante conhecido, no entanto, há a leitura opcional do evangelho de Marcos, onde este narra os detalhes da entrada de Jesus em Jerusalém. Foi o próprio Jesus quem pediu aos discípulos para irem buscar um jumentinho, indicando precisamente onde o encontrariam. Depois de três anos pregando pelos territórios da Judeia, Galileia, Samaria, Jesus tinha adquirido um número bastante grande de admiradores, embora nem todos fossem seguidores. E adquiriu também, óbvio, um outro número de inimigos, exatamente dentre aqueles para quem Ele veio confirmar a antiga aliança: os líderes do povo judeu. E o palco desse histórico encontro foi o momento dos preparativos da festa da Páscoa.

A festa da páscoa era já celebrada entre os povos orientais desde tempos imemoriais, sempre coincidindo com o início do período das colheitas, que no hemisfério norte corresponde à chegada da primavera (final do mês de março). A saída dos hebreus do Egito, por volta de 1.800 anos antes de Cristo, já ocorrera numa dessas celebrações pascais, quando os umbrais das portas foram tingidas com o sangue do cordeiro. A escolha de Jesus para se apresentar aos seus inimigos, sabendo que eles iriam matá-Lo, foi também propositalmente direcionada para o período da páscoa judaica, porque Ele, sendo o novo cordeiro, seria imolado na mesma situação do primeiro cordeiro, que assinalou a libertação dos cativos do Egito. Geograficamente, esta data está referenciada com a primeira lua cheia após a passagem do equinócio da primavera (no hemisfério norte, pois para nós, é o equinócio do outono). O equinócio, evento geográfico que significa a mesma duração do dia e da noite, ocorre entre os dias 20 e 21 de março de cada ano. Se observarmos o calendário deste ano, veremos que a primeira lua cheia após o equinócio ocorrerá no dia 30 de março, ou seja, cairá numa sexta feira. Este seria o dia da páscoa, pelo calendário judaico antigo. Mas como nós celebramos a páscoa sempre num domingo, então, o dia para nós será 1 de abril. A páscoa é a única data festiva atual que ainda se rege pelo calendário lunar, por isso, muda a cada ano.

No conjunto das leituras deste domingo, chama a atenção a precisão profética de Isaías, quanto aos sofrimentos que iriam castigar o Messias. No cap 15, vers 6, o texto não podia ser mais claro: “Ofereci as costas para me baterem e as faces para me arrancarem a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas.” O mesmo se pode dizer em relação ao salmista, no Sl 21: “Cães numerosos me rodeiam furiosos, e por um bando de malvados fui cercado. Transpassaram minhas mãos e os meus pés e eu posso contar todos os meus ossos.” No período quaresmal, é constante a leitura de trechos de Isaías, porque este profeta foi o que expressou com mais clareza de detalhes os sofrimentos do cordeiro. E era também o Profeta que Jesus mais gostava de citar, quando se referia aos antigos profetas.

Todos os anos, a liturgia do Domingo de Ramos repete estas cenas e leituras, nós que somos habituais em frequentar a missa talvez até já saibamos de cor esses trechos. Qual o significado, então, dessa repetição, o que a liturgia da Igreja nos transmite com essas cerimônias da Semana Santa, em especial, do Tríduo Pascal a cada ano? Ora, nós sabemos que cada missa celebrada é uma realização da vontade de Cristo, que disse: todas as vezes, que fizerdes isso, fazei-o em minha memória. Portanto, não apenas na Semana Santa se celebra a morte e ressurreição de Cristo, mas em cada missa se faz isso. É o que nós rezamos após a consagração: anunciamos a Tua morte e proclamamos a Tua ressurreição... ou seja, em cada missa, temos uma síntese do Tríduo Pascal.

Concluímos, então, que a celebração destacada dos fatos históricos centrais relacionados com o mistério da salvação, que acontece na Semana Santa, tem o sentido pedagógico de nos lembrar de que, em cada missa que é celebrada, em qualquer lugar do mundo, a nossa salvação está se renovando. A liturgia da Semana Santa vem nos proporcionar um tempo mais específico e demorado para meditarmos nesse mistério, cuja memória ocorre em todos os lugares e muitas vezes por dia. Mas certamente pela constante repetição, podemos nos inclinar a não levar na devida consideração o conjunto desses fatos.

A tradição popular que caracteriza a sexta feira santa é por demais emotiva e deprimente. É comum verem-se pessoas chorando durante a Via Sacra. Mas não é esse o objetivo da comemoração litúrgica. De fato, Jesus não morre mais, isso aconteceu uma vez para sempre. A memória da sexta feira santa deve ser celebrada na perspectiva do conjunto dos atos litúrgicos que evoluem para a vigília pascal e depois para o domingo da Páscoa. A morte de Cristo celebrada na sexta feira santa é, como o catecismo ensina, de forma incruenta, isto é, sem derramamento de sangue. Ora, assim é também em todas as missas, sejam elas na semana santa ou durante o restante do ano. Não devemos, pois, encarar com exageros sentimentalistas o tríduo pascal, mas com os olhos da fé esclarecida, que não separa a paixão e morte de Cristo da sua ressurreição.

A propósito da sexta feira santa, o Papa Bento XVI, em 2012, numa visita a Cuba, solicitou ao governo que decretasse feriado nesta sexta feira, para que os fiéis católicos pudessem praticar a sua devoção. Num gesto diplomático, o governo cubano aquiesceu, e então depois de mais de 50 anos (desde 1960), a sexta feira santa passou a ser novamente feriado em Cuba. Sinal dos tempos. Cuba continua sendo um país de grande maioria católica e isso vem reacendendo o fervor dos cubanos, retomando as tradições religiosas interrompidas com o governo de Fidel.

Então, meus amigos, devemos aproveitar os feriados da semana santa não como ocasião para viagens e diversões extras (feriadão), mas para reflexão sobre o mistério da nossa redenção, vivenciado historicamente na paixão/ressurreição de Cristo e revivenciado liturgicamente em cada missa que se celebra, com especial acento nesta semana que estamos iniciando.

Eu ainda hoje me lembro de uma oração que aprendi no Noviciado, a qual rezo sempre que entro no templo: Nós Te adoramos, santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui e em todas as igrejas que estão em todo o mundo e Te bendizemos porque pela tua santa cruz redimiste o mundo. Em latim, para ficar mais emblemático: Adoramus Te, Christe, et benedicimus tibi quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.

Boa Páscoa.

terça-feira, 20 de março de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA QUARESMA - 18.03.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – A CONFIRMAÇÃO – 18.03.2018

Caros Confrades,

Na liturgia deste 5º domingo da quaresma, as leituras apresentam como tema comum a renovação da promessa de Javeh ao povo de Israel, iniciando com a profecia de Jeremias, passando pela carta aos Hebreus e completando com o evangelho de João. É curioso observar como as palavras de Jeremias, proferidas mais de 600 anos antes de Cristo, têm uma aplicação plena na perspectiva messiânica da missão do Salvador. Ele se refere ao povo infiel à aliança do Sinai e anuncia que Javeh fará uma nova aliança e esta será definitiva. E João declara que, mais uma vez, o Pai confirmou a divindade do Filho e a autenticidade de sua missão, mediante um sinal sonoro ouvido publicamente em Jerusalém, tendo sido confundido por alguns como um trovão ou com a voz de um anjo. João foi testemunha disso. Ele não apenas ouviu falar.

A primeira leitura de hoje, do projeta Jeremias (31, 31-34), reflete uma situação sócio-religiosa complicada no meio do povo hebreu, seduzido pela idolatria dos vizinhos e esquecido da promessa dos seus primeiros pais. A época é pouco antes da derrocada de Jerusalém e da escravidão dos hebreus na Babilônia. O profeta anuncia que Javeh está desencantado com aquele povo e por isso irá renovar a sua promessa, mas essa não será igual à anterior mercê da qual os hebreus foram retirados do Egito e conduzido pela mão pelo deserto e que os antepassados violaram, ou seja, não foram fiéis. A aliança anterior era escrita em tábuas de pedra, mas a nova aliança será diferente, como diz o profeta: “Esta será a aliança que concluirei com a casa de Israel, depois desses dias, diz o Senhor: imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração.” (31, 33) A aliança anterior, escrita na pedra, podia ser facilmente violada, mas a nova aliança escritas nas entranhas e no coração, esta jamais poderá ser esquecida. Jeremias está assim antecipando claramente o que Cristo iria afirmar tempos depois, quando veio realizar esta nova aliança. É interessante notar, nesse trecho, a locução temporal “depois desses dias”, que eram os dias do cativeiro que estava por chegar. Passados os 70 anos do cativeiro na Babilônia, os que voltaram depois para Jerusalém não eram mais os que foram para lá deportados, e sim os filhos e netos deles. Daí o profeta afirmar que a nova aliança acontecerá “depois desses dias”, porque Javeh estava ciente de que, com aquela geração, não havia mais outro recurso, senão o castigo.

Sob o aspecto cronológico, a palavra de Jeremias se referia ao cativeiro babilônico e ao retorno do povo posteriormente, para a reconstrução de Jerusalém. Contudo, sob o aspecto transistórico, a profecia se aplica à nova aliança proposta pelo Messias, cinco séculos e meio mais tarde. Essa nova promessa se concretizou com a vinda de Jesus, que veio atualizar e cumprir de forma perfeita a lei de Moisés. Então, a nova lei anunciada por Cristo já não seria escrita em lápides, como a lei mosaica, mas no coração e nas entranhas dos crentes. Só que os judeus não quiseram ouvi-lo e nem aceitaram a inscrição dela nas suas entranhas, por isso a nova aliança foi levada aos gentios, a todos os povos da terra, chegando até nós. A nova lei não faz mais distinção de raças nem de idiomas, mas congrega todos os homens de boa vontade. E para que venha a ser reconhecida e praticada por todos, ela não está escrita em um determinado idioma, mas no idioma universal do amor. Pelo batismo, a nova lei é impressa no nosso coração e assim, continua o profeta no vers. 34, não será mais necessário ensinar ao próximo, ao irmão: aqui está Deus, porque “todos me reconhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor.” Essa foi a finalidade primordial da missão salvadora de Cristo: inscrever o novo mandamento no coração dos que crerem nele, renovando a promessa divina da salvação universal.

Na segunda leitura, extraída da Carta aos Hebreus, lemos: “Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte.” (Heb 5, 7) Esta mesma mensagem está contida no evangelho de João (12, 27), quando Cristo comenta com os discípulos: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? `Pai, livra-me desta hora!'? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim.” E nós todos conhecemos a célebre oração de Cristo no Getsêmani: 'Pai afasta de mim este cálice, porém, não se faça a minha vontade, e sim a Tua.' E complementando este pensamento, retornamos ao texto da Carta aos Hebreus (5, 8): “Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu.” Nesses trechos, percebemos a integração do pensamento do autor da carta aos Hebreus (não é o apóstolo Paulo, como tempos atrás se pensava) com o testemunho de João, acerca dos sofrimentos de Cristo no período que antecedeu a sua paixão. Essas leituras, selecionadas para o último domingo da quaresma, quando se aproximam as comemorações da paixão, morte e ressurreição de Cristo, servem também como reforço teológico para que não caiamos nos mal entendidos das antigas heresias, como por exemplo, os gnósticos que afirmavam que Cristo, sendo Deus, não poderia sofrer e assim a crucificação de Cristo teria sido uma espécie de encenação, pois Ele não estaria sofrendo realmente. Ora, meus amigos, o evangelista João faz questão de expor um longo diálogo de Cristo explicando aos seus discípulos o que iria ocorrer com Ele e ainda que tipo de morte Ele teria de padecer (Jo 12, 23-27), exatamente para que ninguém viesse a ter dúvidas de que o padecimento de Cristo, além de ter sido real, foi ainda mais agravado porque Ele, sendo Deus, sabia antecipadamente de tudo pelo que ia passar.

Na leitura do evangelho de João, há referência a alguns gregos, que queriam conhecer Jesus. Com certeza, eles eram pessoas de boa fé, que tinham ouvido falar nos feitos miraculosos de Jesus e demonstravam interesse por sua doutrina. É o que lemos em Jo 12, 20-21: “Havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e disseram: 'Senhor, gostaríamos de ver Jesus.'” Tendo subido a Jerusalém naquele ano, para a festa da Páscoa, que seria a sua última, Jesus já era bastante conhecido pelas histórias que circulavam a respeito dele e muitas pessoas tinham interesse em conhecê-lo, o que causava grande incômodo e desespero para os chefes dos fariseus, que não podiam impedir isso. É possível imaginar o rumor que circulou na cidade quando, após a prece de Jesus ao Pai, este respondeu sob a forma de uma “voz de trovão”. E Jesus ainda completou: a voz que ouvistes é o julgamento deste mundo! Sem dúvida, a fama que Jesus alcançara colocava em risco o poder e a autoridade dos fariseus, como mestres e líderes religiosos, levando-os a convocarem às pressas uma reunião com o objetivo de deliberarem o que fazer diante disso.

Causa um certo espanto a expressão contida no texto de João (12, 31), onde lemos uma frase bem enigmática, que está assim traduzida: “agora o chefe deste mundo vai ser expulso”. O 'chefe' deste mundo? Quem seria este? Se observarmos o texto grego original de João, lá consta o seguinte: 'ó arkhon tou kosmos', onde arkhon significava, para os gregos, o arconte, ou seja, um magistrado, um tirano, um déspota. Provavelmente, João queria se referir aos chefes religiosos do povo, que tramavam a morte de Jesus na ocasião. Jesus sabia das maquinações que eram tramadas contra ele exatamente por aqueles a quem competia mostrar ao povo o caminho da verdadeira fé no Deus da promessa, no entanto, utilizavam esse poder em seu próprio proveito. E prossegue no vers. 32: “e Eu, quando for elevado da terra, atrairei todos a Mim.” João conclui: ele estava se referindo ao modo como deveria morrer. E eu penso que podemos concluir mais além: literalmente, ele estava profetizando que a Sua cruz passaria a ser o símbolo maior da nova lei, que seria impressa nos corações dos fiéis, e que a Sua cruz estaria presente em todos os cantos do mundo.

Prezados amigos, no próximo domingo, iniciaremos a semana santa. As leituras deste domingo nos colocam no limiar dessas singulares comemorações que, embora celebradas todos os anos, nunca são repetidas. Ou pelo menos, nós não podemos nunca pensar que se trata de mera repetição. A mensagem de Cristo renova, a cada vez, a promessa divina feita no passado aos patriarcas realizada plenamente por Ele e a cada vez nos desafia, como Seus verdadeiros seguidores, a imitá-Lo na fidelidade e na obediência ao plano de Deus para cada um de nós. Na celebração das festas pascais, que se avizinham, aproveitemos para reavivar nos nossos corações a promessa que Cristo veio escrever no mundo com a sua Cruz e que foi impressa em cada um de nós através do nosso batismo.

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segunda-feira, 12 de março de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DA QUARESMA - 11.03.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DA QUARESMA – A FIGURA DO MESSIAS – 11.03.2018

Caros Leitores,

A liturgia do 4º domingo da quaresma possui um tema comum que aparece nas três leituras, que é a figura do ungido. Em cada uma das leituras, o vocábulo é diferente, mas o significado comum dentre eles é o mesmo. Na primeira leitura, aparece o personagem Ciro, rei dos Persas, a quem Isaías (44, 29) chama de ungido; na carta de Paulo aos Efésios, por diversas vezes, é citado o nome de Cristo; no evangelho de João, no seu diálogo com Nicodemos, Jesus relembra a figura salvadora da serpente elevada na vara, como preconização do Messias que salva pela Sua cruz. É curioso observarmos que o vocábulo Messias (em hebraico mashiach) foi traduzido na língua grega por KRISTÓS, ambos com o significado de consagrado, ungido. Ciro, o libertador do povo hebreu cativo na Babilônia, foi ungido por Javeh para derrotar o inimigo escravizador; Cristo, o ungido pelo Pai, nos salva do pecado em um ritual semelhante ao que Moisés usou no deserto para salvar o povo da serpente venenosa. O Antigo e o Novo Testamento se entrelaçam através desses episódios e sinais.

Na primeira leitura retirada do livro de Paralipômenos ou Crônicas, o escritor sagrado destaca a infelidelidade do povo a Javeh, substituindo-O pelos ídolos das nações pagãs e profanando o sagrado templo, por isso, obteve como consequência a morte e a escravidão, assim como a destruição de Jerusalém. Foi o tempo do cativeiro da Babilônia. Nesse contexto, Javeh enviou o profeta Isaías, para catequizar os hebreus e fazê-los compreender que o castigo era resultado da sua infidelidade, mas que a misericórdia do Senhor estava sempre pronta a perdoar, esquecer tudo e devolver a liberdade deles. Por fim, Isaias mostrou ao povo que Javeh se utilizou da força do exército de Ciro, rei dos Persas, para vencer o dominador babilônico e restituir-lhes a liberdade. É o que se contém em Isaías 44, 29: “ASSIM diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas ”. E na leitura deste domingo, nas Crônicas, lemos que o rei Ciro baixou um Edito que ele mandou publicar de viva voz e afixar em todo o reino, confirmando a promessa de Javeh: 'Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos, pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho'. (II Cro 36, 23) Foi a concretização da tão sonhada liberdade do povo hebreu. O próprio Ciro não precisou fazer nenhum esforço para a reconstrução de Jerusalém, porque disso os hebreus se encarregaram e puderam retornar ao seu país, após setenta anos de escravidão. Na verdade, se fizermos as contas, os que retornaram não foram os mesmos que partiram, mas a segunda ou a terceira geração deles, se considerarmos o espaço de vinte anos entre uma geração e outra. Aqueles que violaram o templo e praticaram infidelidades e foram por isso submetidos ao cativeiro já não mais existiam no momento da libertação.

Na segunda leitura, de Paulo aos Efésios, ele destaca a figura central de Cristo (o ungido do Pai) para nos libertar de outra escravidão, não aquela do tipo político, como os hebreus do passado, mas a escravidão do espírito, através do pecado, quando afirma: “Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos! ” (Ef 2, 4) Neste outro momento da história do povo de Deus, a libertação chegou novamente ao povo de Deus de forma plena na pessoa de Cristo, em cuja ressurreição, o Pai nos ressuscitou a todos e nos garantiu um assento no céu. Nesta leitura, temos também uma afirmação paulina, que é motivo de divergência entre os teólogos, em relação àquilo que é necessário para a salvação. Lutero divergiu da doutrina eclesiástica ao afirmar que a salvação advém pela fé, ela basta. Mas a teologia ensina que somente a fé não é suficiente, mas é necessário que a fé se manifeste através de obras de caridade. No cap 2, vers 8, Paulo diz que “é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. ” Até aqui, tem-se a impressão de que Lutero estava com a razão. Porém, no versículo seguinte, Paulo continua e completa: “nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos.” Ora, meus amigos, o que Paulo está dizendo? Que a fé é uma graça que Deus nos dá e, com ela, faremos boas obras e assim teremos acesso à salvação, ou seja, tudo se inicia com a fé, porém essa fé precisa ser operante. De acordo com Paulo, sem a graça que Deus nos dá, não teríamos a fé e sem a fé não teríamos a salvação. Eu entendo que, quando ele falou antes que a salvação não vem das obras, para que ninguém se orgulhe, referia-se às obras puramente humanas, que não são motivadas pela fé. Essas não valem, mas as obras humanas banhadas pela graça que Deus nos dá, essas frutificam. Então, podemos concluir que são igualmente inúteis para a salvação tanto as obras puramente humanas, aquelas que não são inspiradas pela graça, quanto a fé inoperante, aquela que fica retida no interior do crente e não se concretiza em boas obras. Portanto, é pela graça de Deus que temos a salvação, mas esse prêmio somente nos é dado se, pela fé, realizarmos boas obras, aquelas que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos.

Na leitura do evangelho de João, lemos aquele conhecido diálogo de Cristo com Nicodemos. Este e José de Arimatéia, eram fariseus que reconheciam em Cristo o Messias, mas não assumiam isso em público, com medo da represália dos membros do seu grupo. Tanto que Nicodemos só se encontrava com Cristo em ambiente reservado, para conversar a sós. No início desse diálogo, que não aparece na leitura de hoje, Jesus havia dito a Nicodemos que, para conhecer o reino de Deus, é necessário nascer de novo (Jo 3, 3), e Nicodemos ficou todo embaraçado com essa afirmação, pois ele interpretou isso literalmente e sabia ser impossível a alguém retornar para o ventre da mãe depois de adulto. Então Jesus Cristo foi pacientemente explicar a ele a diferença entre nascer pela carne e nascer pelo Espírito. Foi quando Jesus lembrou a ele, que era um mestre da lei, o episódio da serpente elevada numa vara por Moisés, no deserto, que curava aqueles que olhavam para ela com fé. “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna.

Aqui estava exemplificado o significado de nascer de novo, nascer pelo Espírito, isto é, crer que Jesus é Messias enviado do Pai: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. ” Os hebreus do tempo de Moisés, que eram picados pela serpente, livravam-se da morte corporal olhando para a serpente-símbolo da salvação. Pois bem, o Messias será elevado do solo assim como a serpente, como novo símbolo da salvação, a fé nessa mensagem é o renascer. O evangelista não esclarece o que Nicodemos fez depois que ouviu isso. Mas o fato é que Cristo estava, com isso, mandando um recado aos fariseus através de Nicodemos. Vejam, eu vou ser elevado do solo assim como Moisés fez com a serpente no deserto, para salvação do povo. (Jo 3, 16) Quem crer, será salvo, “mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito.” (Jo 3, 18) E a condenação se dá porque preferiram acreditar nas trevas do que enxergar a luz. Nós não temos condição de saber o que ocorreu com Nicodemos, se finalmente ele conseguiu renascer pelo Espírito. Eu acredito que ele tenha compreendido isso, sobretudo depois dos eventos que sucederam à morte e ressurreição de Cristo, fatos que ele deve ter testemunhado. Mas nós, nos dias de hoje, não podemos ter essa dúvida que passou pela cabeça de Nicodemos, porque para nós os fatos já estão bastante esclarecidos, e não podemos continuar compreendendo a mensagem de Cristo literalmente, de modo fundamentalista, depois de tantos ensinamentos que a teologia, em todos esses anos, vem desenvolvendo. Em Nicodemos, essa atitude ambígua até podia ser justificada, mas quanto a nós, não tem desculpa.

Que Deus nos ilumine, nesse tempo quaresmal, para termos a mente aberta à orientação da Sua divina graça.

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segunda-feira, 5 de março de 2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DA QUARESMA - IMAGENS SAGRADAS - 04.03.2018

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DA QUARESMA – IMAGENS SAGRADAS – 04.03.2018

Caros Leitores,

As leituras da liturgia do 3º da quaresma trazem para a nossa reflexão alguns aspectos interessantes relativos ao cumprimento da lei de Moisés, sobretudo a crítica de Jesus à maneira segundo a qual os fariseus a cumpriam, isto é, de um modo absolutamente literal e sem qualquer adesão interior. Aborda também uma questão muito sensível no relacionamento do catolicismo com outras religiões, aquele que diz respeito ao preceito de guardar o sábado (shabat). Ao final, Jesus dá a chave para a compreensão dessas questões polêmicas: a casa do meu Pai é casa de oração.

Temos na primeira leitura, do livro do Êxodo (20, 1-17) a declaração divina dos mandamentos dados a Moisés no monte Sinai. São preceitos fortes: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti imagem esculpida nem figura alguma”, mas também generosos: “uso da misericórdia por mil gerações com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.” O curioso na leitura desse texto é porque os hebreus se fixaram muito mais na primeira parte (da exigência, do castigo) do que na segunda parte (da misericórdia). Cumprir os mandamentos, para eles, era seguir à risca o que estava escrito, cumprindo externamente aqueles preceitos, de um modo irrefletido, como se isso bastasse e como se Javeh não fosse capaz de saber o que se passava no interior dos seus corações. Não terás outros deuses, não farás imagens esculpidas de mim, não pronunciarás em vão o meu nome, lembra-te de santificar o sábado, não matarás, não cometerá adultério, não desejarás os bens do outro... vemos aqui um misto de regras de caráter religioso com regras de comportamento social, como é praxe encontrar-se em todas as culturas antigas, quando ainda não havia a separação entre direito e religião. Os dez mandamentos são assim um compêndio simplificado de normas religiosas, morais e sociais, com as quais os líderes dos hebreus exerciam o poder e o controle social do povo no deserto.

De todos esses preceitos, comentarei apenas dois: não farás imagens esculpidas e descansarás no sétimo dia, por serem dois pontos que os não católicos alegam contra o catolicismo, afirmando que este não segue a Biblia. Todos sabem que, desde muitos anos atrás, os templos cristãos usavam figuras e imagens esculpidas. Nas igrejas orientais, predominam os ícones pintados; nas igrejas ocidentais, vêem-se muitas imagens sagradas. A pergunta é: esse costume contraria a determinação divina? Literalmente, sim. Porém, seanalisarmos o texto de forma contextualizada, perceberemos que a proibição divina de esculpir imagens está associada à adoração delas. Ou seja, se observarmos bem, o que Javeh pretende evitar não é o ato de esculpir imagens de figura alguma (vers. 4), mas no ato de prostrar-se e adorar essas imagens como 'deuses' (vers. 5), assim como faziam os pagãos. Trata-se de um mandamento só: não esculpir imagens de figuras (“eídolon”, em grego), para que o povo não venha a praticar a 'eidolon-latreia', ou seja, a idolatria ou a adoração dos ídolos. O ciúme de Javeh se foca na eventualidade de ser 'substituído' por figuras criadas pelos homens e não na proibição das esculturas em si mesmas. Nós sabemos, pelos relatos bíblicos, que por diversas vezes, isso aconteceu. Inclusive, quando Moisés desceu do Sinai para anunciar a lei, encontrou os hebreus cultuando um bezerro de ouro. Portanto, numa visão teleológica, a questão principal é a proibição da idolatria. A proibição das esculturas seria apenas uma espécie de prevenção, para que as pessoas não sejam “tentadas” a colocar a sua fé nas imagens, e não no Criador.

Ora, nós todos sabemos que as imagens sacras adotadas no catolicismo não têm essa mesma característica dos 'ídolos' do antigo testamento, porque não são elas objeto de adoração, elas apenas evocam, para nosso exemplo e edificação, cristãos que podem ser considerados como modelos a serem seguidos, pelas suas reconhecidas virtudes e piedade, e que por isso foram canonizados. As imagens religiosas não são objetos de culto, embora estejam presentes no recinto do culto. Não se pode negar que uma significativa parcela dos fiéis, de instrução religiosa mais elementar, de fato adoram as imagens, mas essa não é a postura teológica doutrinária. Trata-se de um equívoco da catequese tradicional, que se incrustou na mentalidade religiosa do nosso povo e vai demorar bastante tempo para se ver este problema resolvido. Contudo, isso não significa que o catolicismo desobedece a Bíblia. Afirmar isso significa manter uma compreensão puramente literal e formalista da Escritura, a qual não é recomendada por nenhum teólogo consciente do nosso tempo, nem mesmo pelos não católicos.

O outro ponto polêmico entre o catolicismo e outras religiões é o descanso sabático. Afirma-se que o catolicismo desobedece a Bíblia porque ali está dito que “o sétimo dia é dedicado ao Senhor teu Deus”. De início, quero dizer que considero coerente a obediência dessa regra pela religião judaica atual, porque eles não reconhecem nem aceitam o Novo Testamento. Mas para as religiões cristãs, ao meu ver, ao reconhecerem o Evangelho de Cristo, não vale essa justificativa, porque o Antigo Testamento deve ser compreendido na perspectiva do Novo Testamento, seguindo o ensinamento de Cristo, que não veio abolir a lei, mas cumpri-la com perfeição (Mt 5, 17). No princípio do cristianismo, os cristãos e judeus convertidos guardavam o dia do sábado (shabat) como o dia do descanso, tal como está posto na lei. Todavia, com o avanço do entendimento da fé nas primeiras comunidades, com o surgimento das primeiras propostas doutrinárias, os cristãos foram percebendo que o melhor cumprimento da lei do descanso, instituída por Deus, devia ser compreendido na perspectiva daquilo que Jesus falou aos judeus, conforme está escrito no evangelho de João (2, 19), lido hoje: “'Destruí este Templo, e em três dias o levantarei.'” É o próprio João quem interpreta essa metáfora, logo depois, no vers. 21: “Jesus estava falando do Templo do seu corpo.” Meus amigos, somente no evangelho de João aparece essa explicação. Isso porque o texto foi escrito por volta do ano 100 d.C., e só nessa época os líderes cristãos compreenderam essa analogia feita por Cristo. Nos outros evangelhos em que essa narrativa aparece (Mt 21,12; Mc 11,15; Lc 19,45), evangelhos escritos bem antes do evangelho de João, não consta esse detalhe. O que se conclui dessa análise é que, com o passar do tempo, os cristãos perceberam que o cumprimento mais perfeito da Lei não devia ficar vinculado ao templo de pedra dos judeus, mas ao templo corpóreo de Cristo ressuscitado.

A partir daí, foi amadurecendo a ideia de que o dia do descanso (shabat) não devia mais ficar vinculado à lei mosaica (sétimo dia), mas ao novo sentido dado a esta pela ressurreição de Cristo, ocorrendo então a troca do sábado pelo domingo como o dia do preceito divino. Esta prática foi consolidada no Concílio de Laodicéia (364 d.C.), que oficializou a mudança. Alguns estudiosos não católicos afirmam que a mudança foi feita por ordem do Papa e que o Papa não tem mais autoridade do que a Bíblia. Quem afirma isso, não sabe o que significa um Concílio nem consegue entender que o próprio Cristo deixou uma velada recomendação neste sentido, conforme explicado acima. Pretender justificar a guarda do sábado, porque assim está na lei de Moisés, equivale a não saber interpretar a escritura no seu dinamismo histórico, é o mesmo que desconhecer todo o esforço de Cristo, no sentido da correta compreensão da vontade do Pai. Quando Jesus expulsou os vendedores do templo, alegando que eles haviam transformado a casa do Pai numa “spelunca latronum” (covil de ladrões), Ele estava dando um recado indireto aos judeus acerca do modo de cumprir a lei. Aqueles vendedores eram, na verdade, facilitadores do cumprimento da lei de Moisés, a qual determinava as oferendas que os judeus deviam fazer no templo, nas festas rituais: os ricos ofereciam bois, a classe média oferecia ovelhas, os pobres ofereciam pombas. Para que as pessoas (que vinham de longe, muitas vezes) não tivessem que viajar tangendo seus animais pelo caminho, os comerciantes vendiam na porta do templo (ou até dentro do recinto). Aquilo não era um “mercado” comum, era uma prática piedosa para favorecer o cumprimento do preceito. Ao expulsá-los, Jesus estava querendo dizer: meu Pai não precisa de bois, nem de ovelhas, nem de pombas, Ele quer os vossos corações. Jesus estava descumprindo a lei de Moisés? Literalmente falando, sim. Mas no sentido do cumprimento mais perfeito do preceito, ele estava dando a alternativa mais correta para agradar a Deus.

Estejamos atentos para compreender a palavra de Deus em plenitude, não só na sua literalidade.

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