domingo, 28 de maio de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA ASCENSÃO - A PROMESSA - 28.05.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA ASCENSÃO - A PROMESSA – 28.05.2017

Caros Confrades,

Neste domingo, a festa litúrgica é da Ascensão do Senhor, preparando os nossos espíritos para a festa de Pentecostes, no domingo próximo. Ao se despedir dos apóstolos, naquela sua última aparição na Galiléia, Jesus deu-lhes uma ordem e fez uma importante promessa. A ordem foi: ide pelo mundo e batizai a todos. A promessa foi: eu estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo. O decorrer dos séculos confirma que a promessa de Jesus continua a vigorar no meio de nós. A presença da Igreja que se difunde e se renova a cada dia, apesar dos variados percalços tramados pelas circunstâncias históricas, é a maior prova da certeza de que Jesus cumpre a sua promessa.

Na primeira leitura, temos a introdução de Lucas, nos Atos dos Apóstolos, narrando como a tradição cristã dos primeiros tempos rememorava a promessa de Cristo (At 1, 1-11), no ato da despedida com seus apóstolos. Jesus os orienta a não se afastarem de Jerusalém e promete enviar, dentro de poucos dias, o Paráclito. Depois, sobe ao céu perante eles, maravilhados. Curioso é observar que, após três anos de catequese diuturna com o grupo, após mais um período de “recuperação” nos quarenta dias que sucederam a sua ressurreição, ainda havia alguém que não entendera a lição. O escritor sagrado evita o constrangimento de citar os nomes, dizendo apenas que alguns perguntaram: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino em Israel?” Eu fico aqui imaginando a expressão facial de Jesus e o que se passou no seu pensamento naquela ocasião. Ele preferiu fazer-se de desentendido e dar uma resposta bem genérica: “não vos cabe saber o dia nem a hora que o Pai determinou...” Percebe-se, nas entrelinhas desse contexto, que Judas Iscariotes não era o único zelote do grupo, apenas ele foi o mais afoito e presunçoso. Os zelotes eram uma espécie de partido de oposição dos romanos, que haviam dominado a região, e achavam que Jesus seria o lider que iria comandar a expulsão dos dominadores. Portanto, na hora da despedida de Jesus, ainda havia entre os discípulos alguém que não havia compreendido o que estava fazendo ali.

Um fato que merece destaque na leitura dos Atos é o trecho conclusivo do escritor sagrado Lucas, quando ele escreveu (At 1, 11): “Apareceram então dois homens vestidos de branco, que lhes disseram: 'Homens da Galiléia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu.” Lucas era um escritor que apreciava contar os detalhes dos fatos que narrava: dois homens vestidos de branco. Ele não diz que eram dois anjos, mas a tradição sempre entendeu assim. Os pintores medievais, que exploraram muito os temas bíblicos, fizeram imagens de anjos nas pinturas da ascensão de Jesus, contribuindo para reforçar essa idéia. Mas também merece destaque o trecho em que o escritor diz: “Ele virá do mesmo modo como o vistes subir.” Por causa disso, os primeiros cristãos acreditavam que, a qualquer momento, Jesus desceria do céu, interpretando essa passagem ao pé da letra e como uma promessa de cumprimento imediato. Por muitos séculos, a arte sacra representou essa passagem dos Atos relacionando com o fim do mundo, gerando na mente dos cristãos um quadro hipotético de grande esplendor e, ao mesmo tempo, de medo e insegurança. Ao que se pode supor, o próprio Lucas, escritor dos Atos, pensava assim. Porém, com o decurso dos tempos, os biblistas passaram a compreender esse texto como uma descrição metafórica. A interpretação atual já não aposta na ocorrência de “um dia” específico em que Jesus descerá, do modo como está escrito em diversas passagens do Novo Testamento. Na verdade, esse encontro com Cristo acontecerá para cada fiel, quando este encerrar a sua missão terrena e for encontrar-se com o Julgador. Da forma como está escrito na Bíblia, esse texto se presta mais a justificar algumas teorias da doutrina espírita acerca da reencarnação e da comunicação com os espíritos.

A segunda leitura, da carta aos Efésios, traz um trecho da doutrina paulina acerca da divindade de Cristo, em consonância com o texto lido no evangelho escrito por Mateus, ambos dizendo que Jesus recebeu do Pai toda autoridade neste mundo e no outro. Paulo diz assim (Ef 1, 20-21): “Ele [o Pai] manifestou sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita nos céus, bem acima de toda a autoridade, poder, potência, soberania, ou qualquer título que se possa mencionar, não somente neste mundo, mas ainda no mundo futuro.” E em seguida, Paulo faz a sua conhecida definição da Igreja como o corpo místico de Cristo, sendo Ele a cabeça e nós os seus membros. Essa doutrina paulina se constitui num dos ensinamentos teológicos mais antigos e mais conhecidos no mundo cristão. De fato, Paulo foi muito feliz no acerto dessa comparação, transmitindo uma ideia complexa através de um exemplo bastante simples. E, por saber que se tratava de um assunto tão importante quanto difícil, Paulo ora ao Pai para que faça aqueles cristãos de Éfeso compreenderem verdadeiramente essa doutrina. A comunidade de Éfeso foi sempre uma igreja local muito próspera e exemplar. Basta lembrar que João evangelista terminou seus dias como bispo de lá, assinalando a importância daquela comunidade para o mundo cristão antigo.

No evangelho, lemos a parte final do texto de Mateus, no qual ele narra a despedida de Jesus, em termos bem parecidos com o texto de Atos, escrito por Lucas. Até a referência acerca da dúvida de alguns, que Lucas menciona com mais detalhes, Mateus amenisa isso quando diz que “alguns ainda assim duvidaram” (Mt 28, 17). E o texto de Mateus também está em sintonia com a carta aos Efésios, quando afirma que Jesus falou: “todo o poder me foi dado no céu e sobre a terra”. Trata-se de uma autoafirmação de Jesus acerca da sua divindade. Ele provou isso logo em seguida, quando começou a subir na presença deles. Mas antes disso, Jesus renovou aos discípulos a sua ordem mais significativa: fazei discípulos meus todos os povos. Essa a missão que Jesus deu diretamente aos seus discípulos, indiretamente, é o que ele espera que todos nós façamos. No texto dos Atos (1, 8), essa mesma missão é dita com outras palavras: “recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e na Samaria, e até os confins da terra”. A missão de batizar, isto é, transformar um fiel em discípulo de Cristo, é própria dos cristãos ordenados; mas a missão de testemunhar é comum a todos os cristãos. E esse testemunho não tem limites: vai até os confins da terra. No modo de pensar atual, podemos completar: até os confins do universo.

Em seguida, vem a grande promessa de Jesus: eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo. Essa é a garantia do cumprimento da missão. Eu não vos deixarei órfãos, disse Ele em outro momento. Ele se referia à vinda do Espírito, o “outro” Paráclito, conforme comentamos aqui no domingo passado. Na verdade, é o Espírito que está conosco, o nosso corpo é o templo d'Ele, o Espírito é aquele que procede do Pai e do Filho, portanto, onde está o Espírito, encontram-se aí também o Pai e o Filho. O Espírito é também aquele que confere a unidade da Igreja.

Faz pouco tempo, o Papa Francisco teve um encontro histórico com o Patriarca Bartolomeu, de Constantinopla. São eles os dois Chefes máximos das duas Igrejas mais representativas do cristianismo – Roma e Constantinopla. Na ocasião, anunciaram em conjunto a criação de um grupo de trabalho que preparará as festividades do aniversário de 1.700 anos do Concílio de Nicéia, que ocorrerá em 2025. Pode parecer que ainda falta muito tempo, mas um evento desse porte precisa de um conjunto de atividades preparatórias que demandam muito esforço e dedicação. E o Concílio de Nicéia é o que se pode considerar o concílio padrão, porque foi o primeiro concílio verdadeiramente ecumênico, reunindo bispos do ocidente e do oriente, e além disso, foi nele que ocorreu a proclamação do símbolo da fé cristã, o Credo que hoje nós rezamos na missa. Foi o fim de uma era de muita conturbação no cristianismo, quando foram resolvidas questões doutrinárias fundamentais acerca os pontos chaves da fé cristã. Esse evento, cuja preparação se encontra em caminho, é mais uma prova da presença de Cristo junto à Sua igreja até o fim do mundo e um grande passo que será dado em vista da unidade dos cristãos do ocidente com os do oriente. Pelo que se pode deduzir da boa vontade dos dirigentes eclesiásticos, o caminho está aberto e as perspectivas são muito favoráveis.

Meus amigos, que nós nunca esqueçamos nem descuidemos do nosso compromisso testemunhar Cristo com nossa vida e nosso exemplo, conforme Ele nos recomendou.

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domingo, 21 de maio de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6º DOMINGO DA PÁSCOA - O NOVO DEFENSOR

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO DA PÁSCOA – O NOVO DEFENSOR – 21.05.2017

Caros Leitores,

Neste 6º domingo da Páscoa, o evangelho de João (14, 15-21) destaca a promessa de Cristo aos apóstolos: não vos deixarei órfãos, mandarei sobre vós o Paráclito, o Espírito da verdade. O Espírito é também o sinal da unidade da Igreja. A liturgia apresenta os atos finais da despedida de Cristo, que prepara o seu grupo de apóstolos para a missão, que se iniciará quando ele se elevar definitivamente para o céu. No próximo domingo, celebraremos a festa da Ascensão. Jesus ao mesmo tempo que se despede, também consola os seus, afirmando que continuará presente no meio deles (e de nós) através do “outro defensor”, que assistirá e revigorará constantemente a atividade da Igreja. Ao longo do tempo, a presença do Espírito defensor/consolador tem sido a fonte de vivificação da fé de todos os cristãos.

Temos na primeira leitura litúrgica, do livro dos Atos (8, 5-17), o testemunho da pregação de Filipe na Samaria, convertendo os samaritanos ao cristianismo. Recordemos que os judeus e os samaritanos eram intrigados e, com o episódio do diálogo entre Jesus e a Samaritana, na beira do poço de Jacó, Ele foi convidado a ir até ao povoado e ali passou alguns dias pregando e os samaritanos daquela cidade acreditaram nele. O texto da leitura de hoje diz que Filipe foi a uma cidade da Samaria (não diz qual) e lá anunciou o evangelho e fez milagres, conseguindo a adesão da fé cristã daqueles cidadãos. Seguindo o exemplo de Cristo, Filipe superou aquele sentimento separatista, que há muito tempo dominava judeus e samaritanos, e com coragem se dirigiu para o meio dos “inimigos”. Certamente, a notícia da presença e da pregação de Jesus, no momento anterior, já havia se espalhado por toda a região da Samaria, de modo que a pregação de Filipe não foi exatamente uma “novidade” para aquelas pessoas, mas uma oportunidade a mais para tomarem conhecimento da mensagem cristã e confirmarem sua fé. Quando a boa notícia chegou a Jerusalém, Pedro e João se dirigiram para lá e, concluindo o trabalho iniciado por Filipe, impuseram as mãos sobre esses novos crentes, para que recebessem o Espírito Santo, pois antes somente haviam recebido o batismo. O domingo de Pentecostes ainda está por vir, mas a liturgia já está preparando o terreno para a festa do Espírito.

Na segunda leitura (1Ped 3, 15-18), o apóstolo Pedro continua exortando os judeus convertidos ao cristianismo, animando-os a prosseguirem na fé e na unidade e a não se deixarem esmorecer pelas adversidades. “Pois será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal”. (3, 17) Essa admoestação de Pedro se aplica muito bem a todos os cristãos que, nos dias atuais, estão sofrendo atrozes perseguições pelo governos islâmicos e ateus, que condenam judicialmente os seus cidadãos só porque professam a fé cristã. No Oriente Médio, assim como em diversos países do norte da África, a perseguição religiosa individual e grupal (ataques a templos) tem sido um fato constante. Verifica-se que, naquela época com os judeus e hoje com os muçulmanos, os cristãos daquela região do planeta continuam a padecer agruras por causa da sua fé. O discurso de Pedro, portanto, é bastante oportuno nesse contexto do povo cristão do Oriente Médio, onde professar a fé em Cristo é um ato de bravura e de grande coragem. Quando refletimos sobre isso, vemos o quanto nós somos, muitas vezes, frouxos e pusilânimes ao deixamos de demonstrar publicamente a nossa fé num país onde não sofremos nenhuma represália por causa disso. Professar a fé cristã em alguns países é um ato de grande bravura. A todos eles, a nossa mais eloquente homenagem.

No evangelho de João (14, 15-21), Jesus faz a promessa de mandar um “outro Defensor”. Essa expressão joanina tem um significado interessante e merece uma análise textual. Vejamos o que dizem os textos originais. No original grego, consta a expressão “allon parakleton”, que no texto latino da Vulgata foi traduzido “alium paraclitum” (tradução literal). Em um comentário anterior, já tive oportunidade de explicar que o vocábulo grego “parákleton” significa defensor, advogado, consolador e deriva do verbo grego “parakeleuô”, que significa dar instruções, aconselhar, instruir, animar. Portanto, devemos compreender o significado de “defensor”, como tradução do termo grego parakleton, no sentido daquele que dá instruções, que orienta, que aconselha, que anima. No contexto dessa leitura, o termo defensor guarda mais semelhança com a palavra advogado, aquele que instrui, orienta, dá instruções ao cliente sobre como portar-se perante o juiz. Deixemos em segundo plano o sentido de defensor como o que defende, protege, dá segurança. O Paráclito que Jesus prometeu aos apóstolos é o que vem orientar, dar instruções, animar, vivificar. É importante atentar para o significado da raiz verbal de “parakaleuô”, a fim de entendermos de forma mais plena o sentido de Paráclito. No evangelho (vers. 16), Jesus diz que “o Paráclito vai permanecer sempre convosco”. Ele (Jesus) irá desaparecer dentro de pouco tempo, mas o Paráclito virá e permanecerá com a sua comunidade de fiéis para sempre. De fato, o Paráclito é o Espírito da Verdade e da Unidade, é Ele quem está constantemente assistindo, animando, instruindo, orientando, defendendo, consolando a Igreja de Cristo através dos tempos. É nele que devemos encontrar a confiança de que a mensagem de Cristo seguirá pelo mundo afora, no decorrer dos tempos e que, apesar de eventuais tropeços de seus pregadores, essa mensagem continuará sempre viva e atraente. É o Espírito quem move a Igreja. É o Espírito quem anima o Papa. É o Espírito quem nos impele a vivenciar a nossa fé na vida cotidiana e nos mostra constantemente a melhor forma de agir, basta que estejamos com os “ouvidos” atentos às suas manifestações.

Mas antes de mencionar o Paráclito, o texto do evangelho de João usa o vocábulo “outro” (allon em grego, alium em latim, no mesmo sentido). Por que Jesus fala em “outro” Paráclito? A resposta é fácil. Porque Jesus é também o Paráclito. Diz o versículo 18 de João: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós.” Ora, meus amigos, vejam bem: “eu virei a vós, naquele dia, sabereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós”. Que lição interessante o evangelista João está nos dando sobre a Santíssima Trindade: eu virei a vós, eu estou no Pai, vós estais em mim, ele estará dentro de vós. Juntando as frases, temos aí a afirmação de que a Santíssima Trindade habita em nós e que a presença do Espírito é permanente em nós. Jesus diz bem claramente: eu pedirei e o Pai mandará outro paráclito, que permanecerá sempre convosco. O primeiro paráclito que o Pai enviou foi Jesus Cristo, que veio cumprir a sua missão redentora. Cumprida esta, ele retorna ao encontro do Pai e este mandará o outro Paráclito, que permanecerá conosco para sempre. Ou seja, o Pai, o Cristo, o Paráclito são um só, a Trindade Santa, e eles habitam em nós. O evangelista João era um exímio teólogo e sabia expressar as verdades da fé em palavras simples, diferentes dos teólogos posteriores que transformaram a teologia num tratado científico, nos moldes da ciência aristotélica. Nem precisava isso. Basta ler com atenção e meditar sobre as palavras colocadas por João, de forma simples e direta, para compreendermos o significado do Paráclito e da Trindade. E para sabermos que nós somos o templo onde essa Trindade habita.

O Espírito da verdade, o Espírito da Unidade é também o Espírito da fidelidade. Já faz alguns anos, que os Papas têm se preocupado com a questão da unidade dos cristãos (romanos com os orientais) e do cristianismo com as demais religiões monoteístas (judaísmo e islamismo). Um dos grandes entraves para a unificação dos cristãos romanos com as igrejas cristãs orientais está na exigência do celibato, que existe aqui e não existe lá. Nós temos um colega do tempo do seminário que se congrega com os fiéis da igreja Síria Ortodoxa, tem o título de Corepiscopus (que no catolicismo romano corresponde a Monsenhor) e é casado. Por que a exigência do celibato na igreja romana? O mesmo Espírito, que assiste às igrejas ortodoxas, também habita entre nós. Que este mesmo Espírito inspire os nossos dirigentes hierárquicos no caminho da unidade de todos os fiéis cristãos e estimule em nosso íntimo o sentimento da fraternidade, que é a característica fundamental também do franciscanismo.

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domingo, 14 de maio de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5ª DOMINGO DA PÁSCOA - O DIACONATO

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA PÁSCOA – O DIACONATO – 14.05.2017

Caros Leitores,

Neste 5º domingo da Páscoa, a liturgia nos traz uma leitura dos Atos dos Apóstolos, que relata a criação do Diaconato na Igreja de Cristo. A função destes era cuidar dos trabalhos assistenciais e sociais, enquanto os Apóstolos se dedicavam à pregação e às funções sagradas. Por muitos anos, a figura do Diácono ficou esquecida no ambiente eclesial, sendo reativada pelo Concílio Vaticano II e tornava efetiva nas últimas décadas. Os nossos confrades Ribamar e Batista Rios fazem parte desse grupo dos novos diáconos do nosso tempo.

Nos Atos dos Apóstolos, consta o nome dos primeiros sete diáconos (At 6,5): Estêvão, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timon, Pármenas e Nicolau de Antioquia. De acordo com o texto lucano, a tarefa deles era “servir às mesas”, o que eu entendo como as obras de caridade material e assistencial. No texto de Lucas, eram todos homens. No entanto, Paulo, na carta a Romanos (16,1), refere-se a “Phoebe, nossa irmã, diaconisa da igreja de Cencréia”, o que implica entender que havia mulheres também exercendo a diaconia. O site “prebiteros.com.br” explica que “eram mulheres de conduta irrepreensível chamadas a participar dos serviços que a Igreja prestava a pessoas do sexo feminino, principalmente por ocasião do Batismo (ministrado por imersão). Recebiam o seu ministério pela imposição das mãos do Bispo, que não conferia caráter sacramental. – Com a rarefação do Batismo de adultos, foi-se extinguindo a figura da diaconisa na Igreja a partir do século VI.” Não apenas o diaconato feminino, mas também o masculino tornou-se esquecido por muito tempo, até ser restaurado pelo Concílio Vaticano II, porém somente o diaconato masculino, deixando de lado a figura feminina, evidenciando este fato um injustificável preconceito por parte dos padres conciliares. Se na antiguidade cristã, havia as diaconisas, por que não reabrir essa possibilidade nos dias atuais? Aqui em Fortaleza, lembro que nos anos 90, Dom Aloísio nomeou uma freira (Irmã Elizabeth) para oficiar casamentos, batizados e celebrações da palavra na Paróquia do Conjunto Ceará, por causa da escassez de ministros ordenados, e ela oficiou nessa função por bastante tempo, causando espécie até mesmo no Vaticano. Uma pessoa admirável a Irmã Elizabeth Stumpfler, quem a conheceu certamente concordará comigo. Uma jovem alemã que fugiu da Alemanha Oriental na época da segunda guerra mundial e veio trabalhar, até o fim dos seus dias, entre as comunidades carentes do Ceará. Minha homenagem a ela neste domingo que coincide com o Dia das Mães, porque ela foi mãe adotiva de inúmeros jovens e adultos, que buscavam seu apoio e seus conselhos.

Na segunda leitura, temos outro trecho da carta de Pedro aos judeus dispersos e perseguidos (1Ped 2, 4-9). Conforme já comentei antes, as cartas de Pedro eram dirigidas aos novéis convertidos judeus, da região da Ásia Menor, que eram ofendidos e perseguidos pelos judeus legalistas, por causa da sua conversão ao cristianismo. Isso não deixa de ser um fato curioso, porque no texto dos Atos, lido hoje, Lucas se refere a “numerosos sacerdotes judeus convertidos” (Atos 6, 7), o que talvez explicasse a perseguição por parte dos judeus ortodoxos. Pedro procura levantar-lhes o moral, dizendo que eles são as pedras com as quais Cristo constrói o seu edifício, que é a Igreja, e que essas mesmas pedras, para os que não creem, são tropeço e ignomínia. “Vós, como pedras vivas, formais um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo.” (2, 5) Enquanto Paulo dirigia suas cartas às comunidades do território grego, Pedro atendia aos fiéis da Ásia Menor, região que corresponde à Turquia.

Na leitura do Evangelho de João (Jo 14, 1-12), continuamos a observar as dificuldades pedagógicas de Jesus com os seus rudes discípulos. Depois de passar três anos, convivendo diuturnamente com eles e ensinando-lhes a sua Boa Nova, para que eles a espalhassem pelo mundo, Jesus ainda passou cinquenta dias após a sua ressurreição, dando aulas de reforço. Quem já atuou professor, sobretudo em classes de reforço, já deve ter sentido na pele aquela desanimadora atitude do(a) aluno(a) que, depois de você explicar um assunto já em repescagem, faz uma pergunta que demonstra que ele não entendeu nada e você tem de começar a explicar tudo do começo. Dá vontade de sair correndo da sala. Pois é, Jesus passou por isso também. Estando a se aproximar o dia em que Ele, definitivamente, iria deixar o grupo e encerrar a sua missão, Ele está passando as últimas informações, recordando as lições antigas e fazendo a reciclagem. O apóstolo João faz questão de mostrar a cabeça dura daqueles antigos pescadores de peixes, que Jesus pretendia transformar em pescadores de homens e não economiza as palavras: “Vou preparar um lugar para vós e, quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver estejais também vós. E, para onde eu vou, vós conheceis o caminho”. (14, 3-4) Então, vem Tomé com aquela desconcertante pergunta: Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” Até parece que a gente escuta Jesus responder: “pelamordedeus”, Tomé, o caminho sou eu, ninguém vai ao Pai senão por mim. Aí chega o Felipe com uma ainda mais desanimadora pergunta: Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta!” E Jesus, em vez de sair correndo de desespero com tamanho despreparo, vai pacientemente explicar de novo. Como é que tu dizes: mostra-nos o Pai... Felipe, quanto tempo eu estou com vocês e ainda não me conhecem? Quem Me vê, vê o Pai, porque Eu estou no Pai e o Pai está em Mim. Se não acreditam no que digo, acreditem ao menos nas obras que fiz. Meus amigos, ao refletir sobre essas situações, temos a certeza da origem divina da Igreja. Só mesmo o poder divino pôde conseguir que uma dezena de pessoas incultas e de limitado entendimento construíssem todo esse arcabouço de fé e doutrina, que nos legaram através dos tempos. Alguém poderia até argumentar: mas depois eles receberam o Espírito Santo e ficaram inteligentes... não é bem assim. O Espírito ilumina e vivifica, mas não acrescenta recursos intelectuais a quem não os possui pela natureza. A difusão da Igreja de Cristo só se explica mesmo pela promessa que Ele fez: ide pelo mundo e Eu estarei convosco até o fim do mundo.

Nesse trecho do evangelho, João também coloca na boca de Jesus uma frase que é muito conhecida e interpretada das mais diversas maneiras: Na casa do meu Pai há muitas moradas. (Jo 14, 2) Eu enxergo nessa afirmação a raiz do ecumenismo. Até aprece que Jesus já sabia das divisões que o cristianismo teria de enfrentar no futuro. Era como se ele dissesse: haverá divisões entre vós, com entendimentos diferenciados, criando múltiplas crenças religiosas, no entanto, todas elas, quando exercidas com consciência e fidelidade, são caminhos válidos para o encontro com Deus. Durante séculos, os teólogos ensinaram (e os Papas tornaram isso quase um dogma) que fora da Igreja Católica não há salvação, porque esta é a única e verdadeira Igreja de Cristo. Muitos católicos ainda defendem esse ponto de vista, sobretudo os grupos mais tradicionalistas, fundamentalistas e carismáticos. É muito triste perceber que, nos dias de hoje, existam pessoas que vivem mentalmente em época anterior ao Concílio Vaticano II. Logo no início do seu pontificado, o Papa Francisco fez uma afirmação chocante, que causou grande alarde na imprensa e imensa dor de cabeça nos grupos católicos tradicionalistas: ele disse, respondendo a um jornalista, que também as pessoas de outras crenças, que têm atitudes compatíveis com o evangelho, mesmo sem serem cristãs, merecem a salvação. Pois é. Jesus já sabia que, no decorrer dos tempos, haveria grandes dissensões de ideias e graves divergências doutrinárias dentro da sua Igreja e, nem por isso, deixaria de haver um só rebanho. As atitudes dos últimos Papas, fazendo visitas às comunidades judaica e muçulmana, além de visitas às Igrejas ortodoxas dissidentes vêm abrindo caminho para a formação dessa unidade de todos os crentes. Patriarcas orientais, rabinos judaicos, autoridades árabes, todos estão ansiosos com essa aproximação da Igreja de Roma, porque isso demonstra uma extraordinária quebra de preconceitos e tabus seculares, coisa que os Papas anteriores não ousaram enfrentar. E assim estamos caminhando verdadeiramente, pela via do diálogo e da mútua compreensão, para realizar o desejo de Cristo: que haja um só rebanho e um só Pastor, que é Ele próprio.

Por fim, registro um fato emocionante para toda a comunidade católica mundial, mas sobretudo a do Brasil, que é o centenário da aparição de Maria em Fátima, ocorrido ontem. O Papa esteve presente no local e celebrou a canonização dos pastorinhos videntes: Jacinta e Francisco. Foi um fenômeno de grande repercussão na época e os seus reflexos continuam a ser sentidos nos dias atuais. Que a Virgem de Fátima nos abençoe copiosamente.

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domingo, 7 de maio de 2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4º DOMINGO DA PÁSCOA - O PASTOR E O IMPOSTOR - 07.05.2017

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO DA PÁSCOA – O PASTOR E O IMPOSTOR – 07.05.2016


Caros Leitores,

No 4º domingo da Páscoa, a liturgia colaciona a clássica imagem do Bom Pastor, que se apresenta ainda como a porta por onde passam as suas ovelhas (Jo 10, 7). Repete-se o mesmo tema dos anos anteriores, porém tendo como referências outras leituras bíblicas. Neste domingo, tanto quanto no domingo anterior, sobressai-se a figura de Pedro, na leitura de Atos e também na leitura da sua primeira carta. O oposto do bom pastor será o impostor, o que não entra pela porta, mas escorrega furtivamente pela janela e engana ostensivamente. Olhando para a nossa sociedade contemporânea, parece que estamos com grande deficiência de bons pastores. A todo momento, temos notícias de lobos travestidos de ovelhas, enganando o povo que, por sua vez, se deixa enganar.

A primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (2, 14ss), relata outro trecho do discurso de Pedro feito no dia de Pentecostes para a multidão, que acorreu ao Cenáculo com o barulho do vendaval. O mesmo povo que, dias antes, havia pedido a morte de Jesus e a soltura de Barrabás, diante do discurso inspirado de Pedro, pergunta, arrependido: o que devemos fazer? E Pedro responde: convertei-vos e recebei o batismo para o perdão dos pecados. (At 2, 38) Diz o texto que, naquele dia, cerca de três mil pessoas foram batizadas. Esta leitura, embora sem mencionar diretamente, retrata a figura do Bom Pastor, enquanto porta da salvação para as “ovelhas” arrependidas. Esses fenômenos de conversões em massa, que se sucederam logo após o dia de Pentecostes, causavam grande irritação aos fariseus, porque foram os seus chefes religiosos que manobraram o povo contra Jesus para o condenarem e agora viam o mesmo povo mudando de lado. Grande parte dos visitantes e da população de Jerusalém, muitos que estavam ali para os festejos da Páscoa e haviam acompanhado os acontecimentos da paixão de Jesus, também souberam dos eventos miraculosos que acompanharam a sua morte. E, ouvindo a pregação simples dos apóstolos, passaram a acreditar em Jesus e entraram a fazer parte do rebanho do Bom Pastor.

Na segunda leitura, extraída da primeira carta de Pedro (1Pd 2, 20), lemos a sequência do texto do domingo anterior, daquela carta dirigida aos judeus convertidos, que sofriam perseguições por causa de sua opção religiosa pelo cristianismo. Daí que Pedro os exorta a suportarem com paciência o sofrimento, seguindo o exemplo de Jesus que, mesmo sem culpa, não se maldisse nem se vingou dos que o maltrataram. E embora sem fazer alusão direta, o texto de Pedro também guarda relação com a figura do Bom Pastor, quando diz: “andáveis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes ao pastor e guarda de vossas vidas.” (1Pd 2, 25) O Bom Pastor, portanto, está presente na pregação dos apóstolos desde os primeiros tempos, porque a metáfora do pastor e do rebanho estava bastante ligada à realidade do povo judeu, que tinha na ovinocultura uma importante fonte de renda, sendo uma profissão tradicional e muito integrada na vida econômica de suas comunidades. Ora, se ainda hoje, quando vivemos numa época de maciça produção tecnológica, a ideia de um pastor ainda tem forte apelo emocional e devocional, quanto mais naquele tempo em que essa atividade era costumeira e rendosa. Os nossos Bispos ainda são chamados de pastores e os ministros das igrejas cristãs não católicas adotaram esse epíteto como referência para a sua liderança religiosa. No Ceará, a figura que corresponderia ao pastor seria a do vaqueiro, tradicional e romântico personagem da nossa zona rural, que antes aparecia com chapéu de couro e gibão, montado em brilhosos cavalos, e hoje transita montado em cavalos mecânicos, de pés redondos e emborrachados. Nas cidades do interior, com certeza há mais motocicletas do que automóveis e, se duvidar, do que as tradicionais montarias. Tanger rebanhos montado numa moto é a nova imagem do nosso sertão tecnológico.

A leitura do evangelho de João (Jo 10, 1-10) narra o início da parábola do Bom Pastor, um dos símbolos muitas vezes repetidos na catequese de Jesus, sendo uma narrativa que consta apenas no evangelho escrito por João. É compreensível que João, tendo escrito seu texto depois dos outros evangelistas e ainda tendo tido o privilégio de conviver com Jesus, pôde fazer uma espécie de complementação, relatando fatos e circunstâncias que os demais não haviam escrito. Por isso, é comum encontrarem-se certas passagens que constam apenas no evangelho joanino e é também por isso que este evangelho não leva o título de sinótico, como os três primeiros. Enquanto os outros fizeram uma espécie de sinopse de textos esparsos que circulavam nas comunidades, guardando assim diversas passagens em comum, o evangelho de João é mais reflexivo e específico, legando-nos o entendimento das primeiras comunidades localizadas na região da Ásia Menor, onde ele atuava. Apenas para recordar, João escreveu seu evangelho em Éfeso, onde era bispo daquela comunidade.

Acerca da figura do Bom Pastor, ele começa descrevendo o seu oposto, isto é, o mau pastor, aquele que não entra pela porta, mas furtivamente e às escondidas. A tradução oficial da CNBB usa dois substantivos para exemplificar o mau pastor: ladrão e assaltante. (Jo 10, 1) Mas vejamos os vocábulos originais, para fazermos uma comparação. No texto da vulgata, São Jerônimo chama o mau pastor de “fur et latro”, que em português correspondem à tradução oficial. FUR é o que rouba às escondidas e LATRO é o que rouba com violência. Porém, no texto grego original, os vocábulos são “kléptes” e “lestes”. KLEPTES significa embusteiro, enganador, o que age com dissimulação, não necessariamente o ladrão. Na língua portuguesa, existe a palavra “cleptomania”, aplicada às pessoas que têm um desvio de conduta que as leva a se apoderarem de bens alheios furtivamente, até sem ter necessidade, apenas pela emoção de surrupiar. E a palavra grega “LESTES” deriva do verbo “lesteuô”, que significa fazer pirataria, portanto, “lestes” é o pirata, o usurpador. No grego como no latim, ambas as palavras têm a ver com o furto e podem ser traduzidas, genericamente, por ladrão. Mas me parece que essas explicações dos vocábulos gregos ajudam a compreender um sentido mais profundo por trás do conceito do mau pastor. O ladrão e o assaltante põem as ovelhas para correr e assim não podem ser comparadas com um pastor. Já o enganador, o impostor, o usurpador tentam se passar pelo autêntico pastor e podem, sim, enganar as ovelhas. São os lobos travestidos de cordeiros, outra figura também emblemática nesse contexto. Por isso, penso que esses estereótipos são mais compatíveis com a figura do mau pastor do que os conceitos comuns de ladrão e assaltante. Mais adiante, no versículo 12 (que não faz parte da leitura de hoje), João compara o mau pastor com o mercenário, que está mais relacionado com a figura do usurpador, do enganador, o que reforça a minha conclusão de que os termos “ladrão e assaltante” não são os mais adequados para a tradução.

Então, o bom pastor é o que entra pela porta e as ovelhas conhecem sua voz e o seguem. Logo em seguida, ao fazer uma explicação mais direta, porque pareceu que seus interlocutores não haviam entendido, Jesus diz claramente: digo-lhes uma coisa – eu sou a porta, (Jo 10, 7) quem entrar por mim será salvo (Jo 10, 9). Observemos a transmutação dos conceitos: o bom pastor torna-se a própria porta por onde as ovelhas devem entrar, ele entra pela porta e se transforma na própria porta do aprisco. Mais do que o simples condutor do rebanho, como são todos os pastores convencionais, Jesus se identifica como a porta por onde as ovelhas devem entrar para encontrarem pastagens abundantes. Aí está a grande novidade. Transcendendo o conceito de bom pastor para a porta da verdade, Jesus está se autoafirmando como Deus. Ele não apenas conduz os seus seguidores para Deus, mas quem crê nele e, portanto, passa através dele, já chegou a Deus. Concretamente, no âmbito de nossas vidas, a porta por onde passamos para chegar até Jesus é o nosso batismo, pelo qual passamos a fazer parte do seu “rebanho”. Assim, voltamos ao trecho da leitura de Atos, citado acima, quando Pedro responde aos que o interrogaram sobre o que deviam fazer: convertam-se e aceitem o batismo de Jesus. (At 2, 38) Aceitar o batismo significa escolher a porta certa, a porta da verdade, que conduz à salvação.

Meus amigos, o batismo não é um fato do nosso passado, de quando ainda éramos infantes e nossos pais nos levaram a receber esse divino dom. Esse evento foi apenas o momento da entrada, mas nós continuamos a caminhar na estrada da salvação. Por isso, o batismo deve se renovar a cada dia, na nossa missão junto à família, à sociedade, à profissão, através do nosso testemunho de pertença ao rebanho de Cristo, pelo qual as pessoas com quem convivemos possam perceber em nós a marca que identifica os verdadeiros cristãos.

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