domingo, 25 de novembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 34º DOMINGO COMUM – FESTA DE CRISTO REI – 25.11.2012.


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 34º DOMINGO COMUM – FESTA DE CRISTO REI – 25.11.2012.

Caros Confrades,

Neste 34º domingo comum, que encerra o ano litúrgico de 2012, a Igreja destaca a festa de Cristo Rei do Universo. Esta celebração foi instituída em 1925, pelo Papa Pio XI, com um objetivo religioso-político, no período histórico que mediou entre as duas grandes guerras mundiais e num contexto de grande ascensão do ateísmo no mundo, com a vitória dos regimes comunistas na Ásia, a fim de chamar a atenção da comunidade internacional para a figura de Cristo, o soberano acima de todos os dirigentes políticos.

A motivação teológica desta festa litúrgica se concentra na 'segunda vinda' de Cristo, quando ele virá concretizar as profecias que falam de sua eterna glória e do seu grande poder, como a que lemos na primeira leitura de hoje, retirada do profeta Daniel: “eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como filho de homem, aproximando-se do Ancião de muitos dias, e foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, naçðes e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá.” (Dn 7, 13-14). Tal figura real está corroborada no Apocalipse: “Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primeiro a ressuscitar dentre os mortos, o soberano dos reis da terra.” (Ap 1, 5). E ainda no evangelho de Marcos: “Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra.” (Mc 13, 26-27). Embora a liturgia de hoje não tenha escolhido este trecho do evangelho de Marcos, ele se encaixa totalmente no contexto das duas leituras anteriores.

Eu vou dizer aqui a vocês um opinião pessoal, que não é a doutrina oficial da Igreja Católica, de modo que peço que leiam isso como um comentário reservado meu. Eu não concordo com essa ênfase dada pela liturgia à figura de Cristo Rei do Universo. Em toda a sua pregação, Ele nunca quis ser exaltado como chefe, ele sempre repreendeu os discípulos, quando estes buscavam se sobressair de alguma forma, dizendo que aquele que quer ser o maior, deve ser o que serve. Ele deu muitos exemplos disso. Então, fica me parecendo essa homenagem a Cristo Rei como um contrassenso a tudo o que ele pregou. Dá a impressão que Ele rejeitaria tal homenagem, se tivessem lhe perguntado antes. Além do mais, essa imagem do rei é algo que recorda os tempos antigos e medievais, nos quais a figura real era algo que fazia parte do dia a dia das pessoas, porque a autoridade maior em toda parte era a de um rei, até na própria Bíblia, nomeiam-se vários reis de Israel. Mas no nosso tempo, o arquétipo real é algo bastante folclórico, presente nos folguedos populares, a imagem do rei já não transmite um significado de algo verdadeiro, mas opera bem mais no mundo da fantasia.

Eu ainda vejo nisso outro agravante. A celebração de Cristo Rei do Universo nos leva a questionar o alcance desse reinado. Até onde nos é dado saber, Cristo veio trazer a salvação aos homens terráqueos, as leituras bíblicas de hoje fazem referência aos 'reis da terra', por que não seria, então, a festa Rei do Mundo, compreendendo-se no conceito de mundo os 'reinos da terra'? Certa vez, o nosso confrade Cambraia me fez um questionamento, que já havia passado antes na minha cabeça e para o qual eu não conheço uma resposta teológica. É o seguinte. Cada vez mais a ciência faz afirmações sobre a existência de outros planetas em condições idênticas às da terra, com grande probabilidade de que haja vida inteligente por lá. Pois bem. Se houver, então a mensagem de Cristo também teria chegado lá? Cristo teria se encarnado lá também e teria pregado seu evangelho também ali? Até hoje, toda a teologia foi elaborada com base no pressuposto de que somente na terra existe vida inteligente. Como ficará a doutrina religiosa quando forem (e isso será, embora não se saiba quando) finalmente encontrados outros seres inteligentes, com a mesma estrutura mental dos habitantes da terra? Ora, a referência a Cristo Rei do Universo (e não apenas da terra) supõe que a Sua presença e a sua mensagem estariam presentes em todos os confins do cosmos. Não tenho resposta para este questionamento. Apenas, por pura dedução de lógica, imagino que, se existirem outros mundos semelhantes ao nosso, com grande probabilidade, lá também existiriam os mesmos problemas que enfrentamos aqui. Então, existe a possibilidade de que a mensagem cristã tenha sido transmitida também ali. De que modo? Isso precisaremos ter contatos imediatos de centenas de graus para poder alcançar.

Paro aqui, não vou avançar nessa linha de raciocínio, pois não quero ser enfadonho nem pedra de tropeço para os nossos Confrades que não concordam com isso. Mas deixo o tema para futuras reflexões.

A leitura do evangelho de hoje, retirada de João 18, 33ss, também me deixa cheio de indagações. Trata do diálogo de Cristo com Pilatos, quando este pergunta se Jesus é rei e Ele responde: “Tu o dizes: eu sou rei. Eu nasci e vim a mundo para isto.” Pensemos no seguinte. Nenhum dos discípulos de Cristo testemunhou o seu julgamento no tribunal de Pilatos. Quem teria, então, reportado esse diálogo com tantos detalhes? Sabemos que o verdadeiro julgamento de Cristo ocorreu no sinédrio, sob a chefia de Anás e Caifás, quando Jesus foi julgado conforme a lei dos judeus. Essa lei era, ao mesmo tempo, religiosa e política, pois naquela época não havia a separação entre estado e religião (como acontece hoje em alguns países ainda). Ocorre que os judeus não formavam um estado independente, pois estavam sob a dominação dos romanos, então era preciso que aquele julgamento fosse homologado pela autoridade romana, para que Jesus pudesse ser executado. Só que Pilatos não entendeu nada. Quando disseram a ele que Jesus queria ser rei e se colocar no lugar de César (o imperador romano), Pilatos ter-lhe-ia perguntado: então, tu és rei? Ao que Jesus respondeu: o meu reino não é deste mundo... Pilatos achou tudo aquilo muito estranho, insólito fanatismo dos judeus, mas como os romanos eram muito tolerantes com os costumes e regras locais em todos os povos por eles conquistados, não entendeu e também não interferiu, lavou as mãos e disse: vão lá e façam conforme a lei de vocês.

Todos sabem da história, não preciso repetir. No meio daquele tumulto da multidão insuflada pelos chefes dos sacerdotes, Pilatos ainda foi condescendente com Jesus, colocou uma votação entre Ele e Barrabás, um conhecido assassino, Barrabás ganhou. Agora, avaliem. No meio desse tumulto, quem teria ouvido o diálogo de Cristo com Pilatos, para depois reproduzi-lo com riqueza de detalhes? Provavelmente, alguns soldados da guarda e só. Isso leva à conclusão que o diálogo foi construído pela comunidade cristã, como de resto assim foram os textos evangélicos, inspirados em tradições que foram se espalhando nos anos seguintes à morte de Cristo. De todo modo, a figura do rei entra como componente desta cena por causa foi a acusação que os sacerdotes fizeram contra Jesus, para que Pilatos entendesse, porque dizer que o 'crime' d'Ele era afirmar ser filho de Deus, para Pilatos não significaria nada. Portanto, ao meu ver, o contexto desse breve diálogo sobre a realeza de Cristo foi puramente acidental. Certamente, após a sua ressurreição, começaram a se construir as imagens de Cristo glorioso, semelhante a um rei do modelo que eles conheciam, com vestes luxuosas, coroa na cabeça, cetro na mão, sentado num trono, etc.

Meus amigos, até peço desculpas por ter desenvolvido o tema deste comentário com um viés diferente do que costumo fazer, abordando as leituras do domingo e tirando conclusões para a nossa caminhada. Apesar de discordar desse aparato vistoso que a liturgia sugere com a festa de Cristo Rei, devo dizer que Ele é verdadeiramente o soberano da verdade, da justiça, da paz, da igualdade e da fraternidade e que, para isso, ele não precisa de um manto real nem de um cetro nem de um trono, porque o seu manto é a verdade, o seu trono é a justiça e o seu cetro é a paz que ele vem trazer todos os dias a todos nós. Que nós aprendamos a contemplar a realeza de Cristo destituída desses petrechos medievais, concentrando-nos no verdadeiro mundo onde ele deve sempre reinar, que é nos nossos corações.


domingo, 18 de novembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO COMUM – COISAS FUTURAS – 18.11.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO COMUM – COISAS FUTURAS – 18.11.2012

Caros Confrades,

Neste 33º domingo comum, o penúltimo do ano eclesiástico, a liturgia nos convida a refletir sobre as coisas que estão por vir, aquilo que a teologia chama de 'parusia', isto é, a glorificação de Cristo no final dos tempos. O próximo domingo, que será o último do ano litúrgico, celebrará a festa de Cristo Rei do universo. Então, teremos o tempo do advento e o início do ano novo eclesiástico. Tal como acontece com outras religiões, o ano religioso não coincide com o ano civil comum.

As leituras deste domingo se referem aos acontecimentos futuros, que foram profetizados já no Antigo Testamento, e que o evangelho de Marcos retoma com aquela descrição bem explorada pela catequese tradicional como o nome de juízo final: o sol vai se escurecer, e a lua não brilhará mais, as estrelas começarão a cair do céu e as forças do céu serão abaladas. Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. (Mc 13, 24-26). Essa imagem descrita pelo evangelista foi tema de diversos quadros pintados na Idade Média e na Renascença européia. Lembro bem que, nos corredores do Seminário, havia reproduções de vários deles, com aquelas significativas exortações de 'vigiai porque ninguém sabe o dia nem a hora'.

No comentário que fiz, por ocasião da celebração dos fiéis defuntos, expus algumas ideias sobre o meu entendimento acerca desse episódio, de modo que não vou repeti-las aqui. Sugiro a quem não leu ou não lembra que leia o texto na página da internet http://cmachadobr.blogspot.com onde coleciono todos os comentários. Farei aqui outras referências.

No Antigo Testamento, o profeta Daniel já havia profetizado algo parecido, que o evangelista aproveita no seu texto, aplicando a Jesus Cristo, com o intuito de relacionar a profecia à Sua pessoa. Disse o profeta: Eu estava olhando nas minhas visões noturnas, e eis que vinha com as nuvens do céu um como filho de homem; e dirigiu-se ao ancião de dias, e foi apresentado diante dele. E foi-lhe dado domínio, e glória, e um reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído. (Dn 7, 13-14) Portanto, o evangelho de Marcos não está trazendo novidade neste aspecto, porque essa descrição era já conhecida na tradição hebraica. A novidade, de fato, é a aplicação dessa figura a Cristo. Tanto assim que a liturgia de hoje nem colocou este texto de Daniel como leitura, mas um outro trecho, do cap. 12, 1-3, no qual ele diz:  será um tempo de angústia, como nunca houve até então, desde que começaram a existir nações. Muitos dos que dormem no pó da terra, despertarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbrio eterno. Mas os que tiverem sido sábios, brilharão como o firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude, brilharão como as estrelas, por toda a eternidade. Vê-se, pois, que o trecho do evangelho deste domingo, que fala sobre as coisas futuras, como se fosse algo novo dito por Cristo, de fato, é uma reprodução parafraseada do que fora dito pelo profeta Daniel.
A descrição dos astros que caem e do sol que escurecerá já estava prevista em Isaías (Is 13,10): “Porque as estrelas e constelações dos céus não darão a sua luz; o sol, logo ao nascer, se escurecerá, e a lua não fará resplandecer a sua luz.” E também em Isaías (Is 34,4): “Por esse tempo os céus, em cima, como que se derreterão e desaparecerão; serão como um rolo que se enrola. As estrelas cairão como folhas da videira e como caem as folhas da figueira.” Novamente, observa-se que o evangelho de Marcos faz adaptações dos textos de Isaías, colocando as palavras na boca de Jesus.
Inclusive a comparação feita por Marcos com os ramos da figueira, vê-se que já estava presente no texto acima de Isaías. A imagem da figueira era algo muito comum para os hebreus, porque essa árvore, que é típica da região, tem uma característica curiosa: fica totalmente seca no tempo do inverno e, quando vem se aproximando a primavera, é a primeira planta que começa a brolhar. Então, os hebreus já sabiam, pela sua tradição, que quando os ramos da figueira começam a aparecer é porque a primavera está chegando. Da mesma forma que o nosso sertanejo tem também as suas 'experiências' para adivinhar se haverá muita chuva ou seca na próxima estação.

Os biblistas afirmam que quando Jesus afirmou esta geração não passará até que tudo isto aconteça (Mc 13,30), Ele estava se referindo à destruição de Jerusalém, que veio a ocorrer alguns anos após a morte dele, prognosticando Jesus mais um grande castigo para o povo de Israel por não terem acreditado que ele era o Messias. Portanto, meus amigos, não devemos nos deixar impressionar com os sinais das grandes tribulações, que a todo momento alguns 'profetas' dos tempos atuais estão a apregoar. A próxima, conforme amplamente divulgado, estaria por acontecer no próximo mês de dezembro. Ora, o evangelho de Marcos diz (e isso não estava nas profecias do AT): Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai. (Mc 13,32) Esta afirmação é até contraditória, pois como é que o Filho, sendo Deus, não saberia? A interpretação dessa passagem, pelos biblistas, é no sentido de que essa verdade não fazia parte da revelação do Pai que ele veio trazer aos homens, isso continua sendo um segredo divino.

Nesse contexto, fecha o raciocínio o texto da carta aos Hebreus, que está na segunda leitura: Todo sacerdote se apresenta diariamente para celebrar o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, incapazes de apagar os pecados. Cristo, ao contrário, depois de ter oferecido um sacrifício único pelos pecados, sentou-se para sempre à direita de Deus. (Hb 10, 11-12) Vejam bem o que está escrito: Cristo sentou-se para sempre à direita de Deus, ou seja, com a sua morte e ressurreição, ele encerrou as suas atividades temporais no tempo humano, daí em diante, prevalece o tempo de Deus. Daí porque Ele não podia revelar o dia e a hora, porque esse tempo não tem dia nem hora, ele já está acontecendo, só que isso ocorre em outra 'moradia', aquela que existe junto do Pai, onde se encontram os eleitos de Deus, aqueles cujo nome está escrito no 'livro' eterno dos “que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude,” (Dn 12, 3), dos 144 mil assinalados, de que fala João no Apocalipse. O sacerdote comum se apresenta diariamente no templo para celebrar o culto (e nós vamos dele participar), porque estamos no tempo finito. Mas quando penetrarmos no tempo de Deus, o infinito, não será mais necessária essa repetição, porque Cristo já fez isso uma vez por todas.

Em suma, a mensagem que devemos retirar das leituras deste domingo é a de que nós devemos estar sempre atentos e firmes na nossa fidelidade ao evangelho de Cristo, fortalecidos na fé e praticando as nossas obras de caridade, pois é isso que Ele espera de nós. Se permanecermos assim, todas as tribulações que possam advir não nos abalarão pois, como disse o profeta Daniel, se levantará Miguel, o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo (Dn 12,1) e nada nos afetará. Que para tanto nos ilumine o Seu Santo Espírito.


domingo, 11 de novembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – A OFERTA E O CORAÇÃO – 11.11.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO COMUM – A OFERTA E O CORAÇÃO – 11.11.2012

Caros Confrades,

Neste 32º domingo comum, a liturgia traz para nossa reflexão dois episódios envolvendo viúvas: uma do tempo do profeta Elias e outra do tempo de Cristo. Em ambos os casos, Deus se manifesta de forma extraordinária, fazendo multiplicar a oferta delas, que é dada com o coração. Na Paróquia da Glória, da qual eu faço parte, esta semana foi dedicada à conscientização da comunidade sobre a importância do dízimo, como gesto concreto de participação na Igreja local. Suponho que nas demais paróquias também deve ter havido movimento idêntico.

Na primeira leitura, retirada do Livro dos Reis (1Rs 17, 10-16), temos o episódio miraculoso protagonizado pelo profeta Elias, numa época de grande seca na região do Sinai, onde se encontrava estacionado o povo hebreu, levando o povo a passar grandes necessidades de abastecimento. Ao chegar na cidade de Sarepta, o Profeta pediu pão a uma mulher que colhia lenha, ao que ela respondeu que só tinha um pouco de farinha e de azeite, pra fazer o último pão que comeriam, ela e o filho, porque depois disso iriam passar fome até morrer. E Elias pediu que ela fizesse aquele último pão para ele, assegurando que Deus não deixaria que faltasse o necessário para ela e o filho, até que sobreviesse novamente a fartura.

Se aquela não fosse uma mulher de fé, ela não teria acreditado no Profeta, teria negado a ele aquele último pão, com o qual iria saciar a fome provisória dela e do filho, encaminhando-se em seguida para a inanição. Mas, não. Ela acreditou no Profeta e deu a ele o seu último alimento. E aconteceu o milagre, conforme Elias predissera: sua farinha era reposta e seu azeite era renovado a cada dia, e assim ela teve alimento por muitos dias além. O Profeta comeu e seguiu o seu caminho, mas a promessa de Deus foi cumprida, porque a viúva fez a sua oferta de coração puro.

Situação semelhante é narrada pelo evangelista Marcos (Mc 12, 41-44), numa ocasião em que Jesus se encontrava no templo e observava as ofertas que os judeus faziam, de acordo com o costume de doar o dízimo para o templo. Os ricos depositavam moedas grandes e pesadas, que faziam eco ao caírem no fundo do cofre. Provavelmente, havia o costume de o ofertante dizer em voz alta o 'quantum' estava doando. Logo depois, chegou aquela mulher pobre e colocou só duas moedinhas, que nem fizeram barulho ao cairem no cofre. Mas havia ali duas grandes diferenças, ressaltadas por Jesus em comentário com os discípulos: primeiro, que os ricos doavam o que lhes sobrava, enquanto a mulher doava tudo o que possuía; segundo, que os ricos faziam aquilo de forma ostensiva e com alarde, pelo cumprimento da obrigação legal, enquanto a viúva fazia a doação com humildade e discrição, não tanto por obrigação, mas por devoção, doava de coração o próprio coração. E Jesus completou: a oferta dessa mulher com duas moedinhas sem valor foi muto maior do que a dos anteriores, que fizeram tanto barulho, porque Deus não olha a quantidade mas a qualidade da nossa oferta.

O evangelista não menciona este fato, mas com certeza Deus proveu aquela pobre mulher com maiores bênçãos e retribuições, assim como deve ter recusado as ofertas dos outros fanfarrões, os quais, nas palavras do próprio Jesus “receberão a pior condenação” (Mc 12, 40). A liturgia do dízimo utiliza o exemplo da viúva para fortalecer a convicção de que todos os paroquianos são responsáveis pela manutenção do templo e dos serviços religiosos, evitando-se a 'cobrança' de espórtulas para celebração dos sacramentos, como é o caso da Paróquia da Glória, fazendo doações espontâneas e regulares. Apenas os casamentos requintados, que são na verdade muito mais acontecimentos sociais do que cerimônias religiosas, são taxados aos que os requisitam.

Uma questão que se coloca nesse contexto é acerca do valor a que deve corresponder o dízimo. De acordo com a norma vigente no tempo dos fariseus, o dízimo era a décima parte das colheitas e dos ganhos auferidos. No entanto, o comentário que Jesus faz acerca da oferta da viúva nos revela que, mais importante do que a quantidade é a qualidade da oferta que cada um faz. Muitos pregadores das organizações eclesiais ditas evangélicas aproveitam-se dessa norma veterotestamentária para cobrar dos fiéis os 10% do salário e muitos contribuem assim mesmo de forma crédula e ingênua, supondo estarem adquirindo um 'terreninho' no céu. Como se o céu fosse um local geográfico e estivesse loteado para venda por bens materiais. O dízimo é a sua contribuição para o serviço do templo, que não precisa se expressar em valor monetário apenas, mas pode também ser ofertado em forma de serviço ou de colaboração com as atividades paroquiais. Em todas as comunidades, há as equipes que desenvolvem atividades diversas, onde cada um pode cooperar, de acordo com os seus talentos. Na concepção atual, a palavra dízimo foi desassociada do seu étimo de corresponder à décima parte dos bens para significar o tamanho do seu coração. De nada valeria entregar para a sua Paróquia matematicamente dez por cento das suas rendas, se aquilo não fosse uma atitude de fé, diferente de mera obrigação.

Lembremo-nos da grave advertência que Jesus fez contra os fariseus: “'Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. ” Devemos nos vigiar continuamente para que essa repreensão não se dirija também a nós. As pessoas que nos conhecem observam muito o nosso comportamento, como que a conferirem se a nossa fé é testemunhada por nossas ações, ou se somos daqueles que dizem e não fazem. Por diversas vezes, Jesus recriminou o comportamento estereotipado dos fariseus, que agiam de forma mecânica e ritual, mas suas atitudes não eram acompanhadas com o coração. Por diversas vezes, ele escarneceu: de que adianta guardar o sábado, de que adianta fazer longos jejuns, de que adianta cobrir a cabeça de cinzas e vestir roupas esfarrapadas? O Pai não olha pra isso, ele vê o que se passa no íntimo.

E aqui entra também a advertência que Paulo fez aos Gálatas e continua fazendo a todos nós: Não se deixem enganar: de Deus não se zomba. Pois o que o homem semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua carne, da carne colherá destruição; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá a vida eterna. (Gálatas 6:7-8) Infortunadamente, vemos às vezes alguns cristãos que são assíduos frequentadores dos tempos e dos ofícios religiosos, no entanto, as suas atitudes no dia a dia fora do templo contradizem aquelas fervorosas demonstrações de fé. Infelizmente, percebemos nos ambientes religiosos indesejáveis picuinhas e 'disputas de territórios', que só contribuem para dividir, em vez de unir. Não podemos deixar que se aplique a nós aquele outro lamento de Jesus: esse povo me louva com os lábios, mas tem o coração longe de mim.

Examinemos, portanto, atentamente qual a relação que está ocorrendo entre a nossa oferta e o nosso coração, para que não nos advenham frutos destrutivos, mas sementes de eternidade.


domingo, 4 de novembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – COMEMORAÇÃO DE TODOS OS SANTOS – 04.11.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – COMEMORAÇÃO DE TODOS OS SANTOS – 04.11.2012

Caros Confrades,

A liturgia deste domingo abre espaço para a comemoração de Todos os Santos, que ordinariamente se faz no dia 1 de novembro, associado à comemoração dos fiéis defuntos, no dia 2. As duas datas comemorativas são propositalmente colacionadas pela liturgia em dias vizinhos, porque a união das duas celebra o dogma religioso da 'comunhão dos santos', que nós rezamos no Credo. Pela lógica litúrgica, a comemoração de todos os santos devia anteceder a dos fiéis defuntos, mas pelo nosso calendário litúrgico pátrio, terminaram as datas se invertendo.

É o caso de refletirmos sobre o sentido dessa lógica litúrgica e também sobre o significado do termo 'santos'. São Paulo, na carta aos Romanos (8, 32) utiliza o termo 'santos' para designar os cristãos. Os cristãos são santos porque foram santificados pelo sangue de Cristo, na Sua morte e ressurreição. A teologia ensina que a principal vocação do cristão é à santidade, nós todos nos encontramos neste caminho de busca da santidade. A tradição cultural de denominarmos 'santos' somente aqueles que foram elevados às honras dos altares tende a fazer um paradoxo entre eles e nós: eles, os santos; nós, os pecadores. Em verdade, teologicamente, não é assim. Aqueles que foram 'canonizados', isto é, tiveram suas virtudes reconhecidas oficialmente pela Igreja, são os santos-modelos, são aqueles que a Igreja coloca como exemplos para que nós sigamos. Mas todos nós conhecemos pessoas vivas ou já falecidas que exalam o odor da santidade, mesmo sem terem o reconhecimento oficial. Apenas para dar um exemplo, faz poucas semanas, nos lembramos aqui neste espaço do exemplo do Frei Serafim de Viana. Eu não conheço uma só pessoa que tenha convivido com o Frei Serafim que discorde do seu exemplo de santidade.

Então, a lógica litúrgica da comemoração das duas festividades em dias vizinhos é para nos lembrar que todos estamos em comunhão (comum união): nós que ainda somos peregrinos, aqueles que tiveram seus méritos reconhecidos oficialmente pela Igreja e os fiéis defuntos todos, dos quais somente Deus conhece o íntimo e pode avaliar. Antigamente, a liturgia fazia alusão também “às almas do purgatório”, expressão hoje propositalmente omitida, porque se trata de um tema teológico controverso. Conforme expressei no comentário que fiz anteontem, por ocasião da celebração dos fiéis defuntos, não é válido pensar que alguém 'passe 'x' anos no purgatório', porque quando ultrapassamos a barreira da materialidade, lá não se contam dias nem meses nem anos. Certamente, o Justo julgador divino providencia para todos um ritual de purificação, que não nos é dado conhecer como é, mas também por certo esse ritual não tem nada que ver com fogo ou com uma tal ou qual duração.

A comunhão dos santos é, portanto, um conceito equivalente ao que Paulo expressa nas suas cartas com o nome de 'corpo místico de Cristo', do qual a Igreja é a cabeça. Este corpo místico engloba todos os fiéis aos mandamentos de Cristo, de antes, de hoje e de depois, todos formando uma unidade na diversidade dos carismas, mas mantendo-se unidos no Espírito. É nesse contexto que devemos entender também a primeira leitura, retirada do Apocalipse de João, onde ele fala no número dos que foram marcados na fronte (Ap 7, 4) para serem salvos, cujo quantitativo era de cento e quarenta e quatro mil. Aqui está outro exemplo de que não podemos interpretar literalmente o texto sagrado. Talvez, na época de João, cento e quarenta e quatro mil fosse um número grande demais para ser pensado, porém nos dias de hoje tornou-se um número insignificante.

Além disso, João se refere a doze mil de cada uma das doze tribos de Israel para chegar a esse total. Talvez, naquela época, ele tivesse a esperança de que os judeus todos fossem aderir à mensagem de Cristo, o que de fato não ocorreu. Mas ele previu também (Ap 7, 9) uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar. Nós estamos nessa multidão incontável de seguidores de Cristo, que João nem teve coragem de quantificar, e nem poderia. E todos também marcados para serem salvos, uma vez que “Estavam de pé diante do trono e do Cordeiro;
trajavam vestes brancas e traziam palmas na mão. Todos proclamavam com voz forte: "A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro".
” (Ap 7, 9-10) Todos igualmente santos, se trouxermos para este contexto a expressão de São Paulo.

O mesmo apóstolo João, na sua primeira carta (1Jo 3,2) usou uma expressão semelhante à de Paulo para dizer que todos somos santos: o de sermos chamados filhos de Deus. Ora, como poderia um filho de Deus não ser santo? Daí ele afirmar: “Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos!” Ou seja, nós já somos e ainda nem sabemos como é ser isso, pois nós só sabemos disse agora enquanto mistério revelado por Cristo. Assim, pela fé, nós já somos, embora sem sabermos com clareza do que somos, pois isso somente se manifestará totalmente quanto O virmos face a face, quando então Ele será tudo em todos. A teologia tem uma expressão interessante para explicar isso: já e ainda não. Nós já somos, mas ainda não sabemos como é isso. Mas já somos. Isso só é possível para quem tem fé. Daí João ter escrito em 1Jo 3,1: este é o grande presente de amor que o Pai nos deu, o de podermos ser incluídos no rol dos seus filhos já desde agora, quando Ele ainda não se manifestou plenamente para nós.

A riqueza litúrgica da festa da comunhão dos santos se completa com o famoso sermão da montanha, no qual Cristo chama a todos de bem aventurados. Dizer que somos bem aventurados é o mesmo que dizer que somos santos. Em latim, bem aventurados = 'beati' (plural de beatus), que é a mesma palavra que em português se traduz por 'felizes', tanto assim que algumas traduções do evangelho usam esta palavra nos textos. Curiosamente, Cristo chama de bem aventurados todos aqueles que, pela aparência social, seriam pessoas desventuradas. Havia um entendimento tradicional entre os judeus do farisaísmo de que as pessoas abençoadas por Deus (portanto, bem aventuradas) já recebem logo neste mundo os Seus dons de forma abundante. Assim, perante essa visão farisaica, bem aventurados eram os ricos, os poderosos, os belos, os vencedores, os beneficiados pela sorte e pela esperteza. Os demais eram considerados pessoas amaldiçoadas, esquecidas por Deus, que desde logo já estavam sofrendo um castigo que continuariam a sofrer na outra vida.

Contrariando esse ponto de vista, Jesus por diversas vezes ressaltou as virtudes dos pobres e humildes, em contraposição à arrogância e ao orgulho dos ricos. Cito somente dois casos: do rei que preparou o banquete e os convidados não compareceram, tendo ele convidado os maltrapilhos e os sem-teto para se refestelarem. E ainda o caso da pecadora que lavou os pés d'Ele com lágrimas na presença dos fariseus (não confundir com a figura de Maria Madalena, esta foi de quem Ele expulsou sete demônios – Lc 8, 2). No sermão da montanha (Mt 5), ele vai dizer que são bem aventurados: os pobres, os aflitos, os mansos, os famintos, os misericordiosos, os puros, os pacíficos, os perseguidos, os injuriados, todos aqueles a quem a tradição social excluía como os mais desprezíveis. E arremata: alegrai-vos e exultai porque grande será a vossa recompensa.

Caros amigos, vejamos então a nossa responsabilidade de cristãos enquanto chamados, vocacionados à santidade. Não importa se um dia teremos nossas virtudes reconhecidas e seremos colocados num altar, servindo como exemplo para os demais cristãos. Isso nem é necessário, porque o que nós somos e fazemos apenas a Deus interessa. Ocorre, porém, que devemos ter consciência de que nós já somos, mas ainda não chegamos lá. Isso significa que toda a nossa vida é um aprendizado, um treinamento contínuo, um exercício interminável na tentativa de superarmos nossas deficiências e nos livrarmos dos nossos pecados. O Padre Manfredo Ramos, no sermão da missa de hoje, disse uma definição de Santo Agostinho sobre o pecado que eu achei perfeita: pecado é aquilo que falta em nós para conseguirmos praticar a caridade na medida certa. O que Deus quer e espera de nós é que vivamos constantemente na busca dessa parte que nos falta. E o modo de irmos nos aproximando disso é praticando continuamente a caridade e o amor ao próximo.

Que nós sejamos fiéis ao ensinamento de Cristo e possamos nos aproximar sempre mais da perfeição que conduz à santidade.


sexta-feira, 2 de novembro de 2012

DIA DE FINADOS - 02.11.2012


REFLEXÕES A PROPÓSITO DO DIA DE FINADOS

Caros Confrades,

A comemoração dos fiéis defuntos, celebrada nesta sexta feira, nos remete a um tema que o antigo catecismo chamava de 'novíssimos': morte, juízo, inferno, paraíso. O evangelho lido na missa de hoje é aquela conhecida narração de Mateus, ilustrando a vinda gloriosa de Jesus, no final dos tempos, rodeado de anjos e ao som de trombetas, mandando todos fazerem fila, uns à direita (as ovelhas) e outros à esquerda (os cabritos).

Esta narrativa foi visualizada por diversos artistas, ao longo dos tempos, sob as mais variadas formas em obras de arte memoráveis, todas buscando retratar o juízo final segundo o relato evangélico. No entanto, é o caso de perguntarmos: será realmente assim com essa forma teatral o julgamento final da humanidade? Ou será que cada um que chega ao final do bom combate, como diz São Paulo, vai logo se encontrando com o divino Julgador e recebendo sua sentença? Será esse julgamento realizado logo em seguida à morte ou teremos de aguardar por 'um dia em que Jesus há de voltar' e mandar todos os mortos saírem das sepulturas?

Ao meu ver, a resposta as essas indagações dependerá do modo como compreendemos a eternidade. Há um costume cultural de se tentar descrever as realidades eternas com o mesmo esquema espacio-temporal das realidades terrenas. É o que eu chamo de visão antropomórfica da eternidade. Mas se nós imaginarmos que a eternidade é o oposto da temporalidade, iremos perceber que o eterno está fora do tempo e assim na eternidade não se passam dias, meses e anos, como acontece na dimensão temporal. Eternidade é o presente permanente, não há nem passado nem futuro. Na vida terrena, nós temos o antes, o agora e o depois; na eternidade, tudo é agora, sempre agora. É impossível imaginar como seria esse agora permanente, mas o fato é que, ultrapassado o portal da matéria, o tempo não mais existe.

Se nós raciocinarmos assim, iremos concluir que a narrativa do evangelista Mateus é uma descrição metafórica de uma realidade sobrenatural, que não pode ser interpretada literalmente. O que está ali descrito representa um modo cultural de repassar a ideia do julgamento a que cada um irá se submeter, ao terminar o seu curso terreno, quando deverá prestar contas dos talentos recebidos. Não significa um 'roteiro' antecipado do que irá suceder. Alguém poderia contestar dizendo que foi Jesus quem afirmou aquilo. Ora, na verdade, Jesus falou tudo o que está nos evangelhos, é o que a Igreja crê, e Jesus não poderia falar diferentemente, porque aquelas pessoas não iriam entender. Mas Jesus também disse que falava sempre em parábolas, portanto, devemos compreender essas afirmações parabolicamente.

Vamos imaginar como seria este episódio conforme está escrito, literalmente. Jesus virá em sua glória sentado no seu trono. Em que local ele iria aparecer? Na Palestina, onde ele veio um dia? Na Europa, onde está o Papa? No Brasil, a maior nação católica do mundo? Em qualquer lugar que seja, como será possível fazer filas com tanta gente? E as pessoas que residem em outras localidades, como iriam se deslocar? A população atual da terra é da ordem de 6 bilhões de pessoas e está sempre crescendo. Se isso fosse hoje, contando ainda com os mortos que iriam sair dos sepulcros, haveria espaço para caber tanta gente? Só por essas breves indagações, dá pra perceber que é inviável a realização do juízo final exatamente da forma como está descrito no evangelho, ou seja, a narrativa de Mateus é simbólica, não fatual. Então, temos que imaginar alternativas de como será esse 'dia'.

Seguindo a linha de raciocínio que expus acima, no sentido de que a eternidade é o oposto da temporalidade, então devemos imaginar que o julgamento final não ocorrerá num 'certo dia no futuro', como o texto bíblico literalmente dá a entender. Isso porque na eternidade, não há hora, nem dia, nem mês, nem ano, portanto, o mais razoável de se pensar é que logo em seguida à morte, cada um se apresenta diante de Deus e recebe a sua sentença, pois Deus já nos terá julgado, como de fato, Ele nos julga constantemente. Não há 'um dia' para isso, pois essa expressão, nesse contexto, deve ser compreendida como o agora permanente da eternidade.

Há ainda outra consideração a fazer, uma reflexão feita pelo Padre que celebrou a missa hoje na Igreja da Glória (Padre Julio César), com a qual em concordo plenamente. Lembremo-nos das referências sobre os critérios de julgamento, quando Jesus disse: eu tive fome e me deste (ou não me deste) de comer; eu tive sede e me deste (ou não me deste) de beber, etc... e conclui: todas as vezes que fizestes (ou deixastes de fazer) isso a um desses pequeninos, foi a mim que fizeste (ou que negaste), dependendo se está se referindo às ovelhas ou aos cabritos. Sobre isso, disse o Padre: Deus não vai perguntar quantas missas você assistiu, quantos terços você rezou, quantas vezes você comungou, quantas orações por dia você fez, quantas confissões você fez, etc... todas essas práticas são ótimas e recomendadas, no entanto, elas devem se complementar com a prática da caridade. Em resumo, Deus vai nos perguntar como foi a nossa caridade para com o próximo. Isso significa que milhares de missas, milhares de comunhões, milhares de terços e orações rezadas durante a vida, se não forem acompanhadas da ação caritativa, de nada adiantaram.

Meus amigos, isso é muito sério, isso nos põe um questionamento sobre o 'modelo' de prática religiosa que adotamos. Estamos olhando apenas para o alto? A nossa religião é exclusivamente uma comunicação com Deus? Ou olhamos para a frente e vemos Deus nos irmãos, e nos comunicamos com Deus através dos irmãos? Houve uma prática pedagógica religiosa do passado, que ainda está na cabeça de muitas pessoas que se dizem católicas, que compreende a religião apenas como uma devoção a Deus, a Maria, aos santos, aos anjos e arcanjos e termina por aí. A piedade só existe dentro do templo, a religião só é vivida individualmente, eu e Deus e isso basta. Vejamos bem que Jesus foi muito duro quando os 'cabritos' perguntaram: Mestre, quando foi que te vimos com fome e não te demos de comer, com sede e não te demos de comer, enfermo e não te visitamos? E ele respondeu: foi quando deixastes de fazer isso com os irmãos.

Portanto, meus amigos, esqueçamos essa teatralização do juízo final, procurando descobrir a verdadeira mensagem de Cristo transmitida através dessa encenação simbólica, pois o que Ele nos diz pode ser resumido em duas verdades: 1. Todos irão prestar contas ao Pai daquilo que receberam e do modo como fizeram uso disso. 2. O critério pelo qual nós seremos julgados é exatamente aquilo que Ele ensinou no novo mandamento, a saber, amar a Deus e aos irmãos. Nós seremos julgados pela medida do amor. Se vai haver um troar de trombeta no céu, se Ele vai aparecer brilhante e majestoso, se os mortos sairão das tumbas, se haverá duas grandes filas, etc... tudo isso é a roupagem metafórica da verdade mais elevada que Ele quis transmitir: o julgamento pela medida do amor. Ou seja, ele já disse qual é a Lei suprema e todos nós já a conhecemos. Não haverá surpresas de última hora, não haverá improvisações ou enganações. Tudo já está estabelecido.

A nossa grande esperança é que o Pai, conhecendo as nossas fraquezas, como justo Juiz irá avaliar não o que dizemos e fazemos, mas a nossa consciência, a nossa personalidade mais profunda. Nós até podemos enganar os outros, mas a Deus ninguém engana. E na Sua infinita misericórdia, Ele saberá atribuir a cada um a merecida recompensa. Certo dia, eu li uma mensagem escrita por um Padre, a qual me trouxe uma luz intelectual muito importante. Ele disse que a Igreja afirma que existe o inferno, mas não afirma que existe alguém lá, porque isso é mistério que só a Deus cabe conhecer. Já disse São Paulo: onde abundou o pecado, superabundou a graça (Rm 5, 20). Por que haveríamos de temer Aquele que sabe tudo de nós desde sempre? A incerteza é apenas da nossa parte, porque para Ele, tudo já está perfeitamente esclarecido.