sábado, 25 de janeiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3 DOMINGO COMUM - 26.01.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO COMUM – 26.01.2025 – AUTOPROCLAMAÇÃO


Caros Confrades,


A liturgia deste 3º domingo comum traz um dos textos mais significativos para o reconhecimento de Jesus Cristo como Filho de Deus. Em sua costumeira modéstia e sempre falando por metáforas ou parábolas, raras vezes Jesus se referiu diretamente à sua pessoa como sendo aquele que as escrituras anunciaram. Ao concluir a leitura do texto de Isaías (61, 1), conforme o testemunho do evangelista Lucas, ele complementou: hoje se cumpriu isso que acabastes de ouvir. Mas ele estava na sinagoga de Nazaré, sua cidade natal, e ali todos o conheciam, assim como conheciam seus pais e familiares, então ninguém levou a sério o que ele falou e a sua autoproclamação não surtiu efeito, apesar de outras evidências que ele já apresentara.


Mas a primeira leitura, extraída do livro de Neemias (8, 2-10), contém também um texto interessante que relata uma atividade do sacerdote e escriba Esdras, lendo e explicando ao povo a Lei (Torah), em linguagem acessível, de modo que todos ficaram atentos desde o amanhecer até o meio dia e alguns até se emocionaram, chegando às lágrimas. Observemos o contexto histórico, para compreender melhor o motivo de tanta emoção da parte do povo: Neemias foi o governante que trabalhou na reconstrução das muralhas e do templo de Jerusalém, após o retorno dos hebreus do exílio da Babilônia. Naquela época, poder ouvir a leitura da Torah em Jerusalém era, para os hebreus recém-retornados do exílio, a realização de um sonho que eles acalentaram durante muito tempo e esperaram muito ansiosamente para vivenciá-lo. Para eles, era uma experiência totalmente nova, porque haviam nascido no exílio. Então, voltar a Jerusalém já era, por si só, uma emoção muito forte e poder celebrar seus cerimoniais na cidade reconstruída era algo ainda mais emocionante. Daí porque tanto o governador Neemias quanto o sacerdote Esdras falavam ao povo: “não fiqueis tristes nem choreis”, porque todo o povo chorava ao ouvir a leitura. E o governador instruiu o povo a banquetear-se naquele dia, porque aquela era uma ocasião abençoada: “'Ide para vossas casas e comei carnes gordas, tomai bebidas doces e reparti com aqueles que nada prepararam, pois este dia é santo para o nosso Senhor'.” (8, 10) Um detalhe curioso que chama a atenção nesse texto é que, costumeiramente, os hebreus realizavam suas cerimônias religiosas ao entardecer (por do sol), mas neste caso específico, o ato se deu na parte da manhã (do amanhecer até o meio dia), sugerindo que se tratava de uma celebração não rotineira, em horário não habitual, para comemorar a reconstrução do muro. Na sequência desse texto, diz o escritor sagrado que o povo ergueu cabanas na praça, de acordo com a tradição mais antiga dos hebreus, e habitaram nelas por sete dias, dando origem a uma festa ainda hoje celebrada (festa dos tabernáculos), uma das três mais importantes da religião judaica.


Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Coríntios (ICor 12, 12-30), o Apóstolo apresenta outra versão da sua doutrina sobre os modos de agir do Espírito Santo, desta vez através da imagem do corpo na sua relação com os membros (o corpo místico). “Vós, todos juntos, sois o corpo de Cristo e, individualmente, sois membros desse corpo. ” (12,27) A dialética do corpo e dos membros aponta para a diversidade dos dons com os quais são dotadas as pessoas da comunidade, o que as torna diferentes umas das outras, no entanto, essas diferenças não isolam as pessoas, mas as complementam. E cada uma delas vai agir de acordo com o que o Espírito a inspira: “De fato, todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, fomos batizados num único Espírito, para formarmos um único corpo, e todos nós bebemos de um único Espírito. ” (12, 13) O texto evidencia o grande problema que Paulo enfrentava naquela ocasião, a conhecida questão dos judaizantes (os judeus tinham dificuldade de aceitar os pagãos convertidos). A isso se juntava a questão econômica, porque havia ricos e pobres entre os convertidos. Então, ele explica que, assim como há diferenças de etnias ou de classes sociais na sociedade civil, também na comunidade cristã nem todos são iguais, pois há diferentes ministérios: “em primeiro lugar, os apóstolos; em segundo lugar, os profetas; em terceiro lugar, os que têm o dom e a missão de ensinar; depois, outras pessoas com dons diversos, a saber: dom de milagres, dom de curas, dom para obras de misericórdia, dom de governo e direção, dom de línguas.” (12, 28) Essas diferenças, porém, não devem causar dissensões dentro da comunidade, porque todas elas são formas variadas de ação do mesmo Espírito. E assim como, no corpo, não há membros mais honrosos ou decentes do que outros, pois todos detém igual importância e honorabilidade, assim também entre os fiéis não deve haver inveja, porque uns têm o dom da profecia, enquanto outros tem o dom para o governo e a direção. Com efeito, não poderiam ser todos apóstolos, todos profetas, todos dirigentes, todos intérpretes, então essa diversidade é que produz a riqueza e a complementaridade recíproca dos membros da comunidade, do mesmo modo como os órgãos corporais formam sistemas e se harmonizam. Podemos ver, nessa visão pedagógica paulina, que ele antecipou em vários séculos a teoria dos sistemas, que só surgiu cientificamente no século XIX. Nessa visão teológica de Paulo, o Espírito é o ponto de referência comum, para o qual todos os “sistemas” particulares convergem.


O texto litúrgico escolhido para a leitura do evangelho é da autoria de Lucas e contém duas notas bastante significativas para a nossa informação. Primeiro, no prólogo, ele afirma que “muitas pessoas” já escreveram sobre os acontecimentos que se realizaram entre nós, relatados por aqueles que foram testemunhas oculares, por isso também ele, Lucas, após meditar bastante, decidiu escrever a sua versão. Esse comentário traz, nas entrelinhas, a informação de que havia numerosos escritos (“evangelhos não oficiais”) acerca de Jesus, de seus ensinamentos, de seus feitos miraculosos, os quais teriam sido resumidos ou compilados nos evangelhos oficiais que hoje temos. Não foram apenas os evangelistas a escrever. Lucas diz que resolveu escrever “de modo ordenado”, deixando-nos entender que os outros textos eram dispersos, ou talvez eram textos diversos contendo as mais diferentes histórias e testemunhos. Daí dizer-se que os evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas são “sinóticos”, ou seja, reuniões, compilações de textos diversos reescritos e adaptados por eles. Cada evangelista utilizou esses textos e acrescentou suas próprias notas ou comentários. No caso de Lucas, sabe-se que ele incluiu muitas informações colhidas de sua convivência com Maria, que não haviam sido escritas por ninguém, mas ele as tinha em primeira mão.


Em seguida, o texto da leitura dá um salto para o capítulo 4, relatando a ida de Jesus à sinagoga de sua cidade natal, Nazaré, num dia de sábado, para o culto regular. A essas alturas, Jesus já era famoso, o milagre das bodas de Caná havia sido bastante comentado e Jesus já havia pregado nas sinagoras de outras cidades da Galileia, causando admiração. Mas ali estava ele em Nazaré, sua terra natal, onde as pessoas conheciam a sua origem, seus pais e familiares, todos sabiam que ele não era um escriba ou um levita, muito menos um mestre da Lei. Mas a sua fama já era conhecida e ele se apresentou para fazer a leitura, provavelmente, ele pediu o livro de Isaías, pois sabemos, através de outras passagens, que esse era o Profeta preferido dele. Jesus escolheu deliberadamente o cap. 61, onde diz: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção para anunciar a Boa Nova aos pobres.” Jesus conhecia o texto, ele não abriu casualmente nessa passagem, ele fez de propósito, ele queria dizer aos presentes quem ele realmente era. Diz o escritor sagrado que, após ter lido, ele se sentou e todos ficaram olhando para ele, esperando que ele dissesse algo. Então, ele se declarou abertamente: o Profeta estava falando sobre mim.


O texto litúrgico pára por aqui, mas o discurso de Jesus não se encerrou com isso. Aquelas pessoas tinham ouvido falar dos milagres que ele havia feito em outras cidades e, certamente, esperavam que ele fizesse ali uma “demonstração”, um milagrezinho especial, quem sabe, até pediram isso, porque as palavras posteriores de Jesus foram muito ríspidas com os presentes, a ponto de eles o expulsarem da cidade e o levarem até uma montanha, de onde iriam precipitá-lo, de tão irritados que ficaram. Foi nessa ocasião que Jesus disse: nenhum profeta é bem recebido na sua terra. Aqueles conterrâneos de Jesus, certamente, o provocaram, talvez prevalecendo-se do fato de serem “velhos conhecidos”, tentando receber dele um tratamento privilegiado. Porém, ele quis demonstrar que a sua missão se dirigia a todos sem distinção e, sobretudo, aos mais necessitados, tal como predissera o Profeta. Se trouxermos esse fato para os dias de hoje, podemos observar que algumas pessoas tentam se utilizar da religião para lograr proveito pessoal, promoção social, ações interesseiras, vantagens financeiras. Jesus está ensinando que a fé não se presta para isso, está acima de tudo isso. Não é pelo número de missas assistidas ou pela quantidade de terços rezados que alguém deverá se considerar mais merecedor do que outrem, que não frequenta a missa nem reza o terço. Deus valida o que vai no íntimo de cada um, não aquilo que transparece externamente, muitas vezes sem a necessária convicção.


Que o Divino Mestre nos afaste de praticar uma religião de fachada e nos inspire a prática da fé verdadeira e coerente.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 18 de janeiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO COMUM - 19.01.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2º DOMINGO COMUM – 19.01.2025 – A NOVA JERUSALÉM


Caros Confrades,


A liturgia deste 2º domingo comum destaca um tema de grande significado: o consórcio entre Javeh e Jerusalém, que se restabelece após o cativeiro da Babilônia, fazendo a prefiguração vétero testamentária do enlace amoroso entre Cristo e a Igreja, que se consolidou no Novo Testamento. No evangelho, o episódio das Bodas de Caná retoma a imagem do casamento como a grande festa da família e da sociedade, prestigiada pela primeira demonstração pública do poder miraculoso de Jesus. O apóstolo Paulo, de forma didática e eloquente, ensina as diferentes formas de atuação do Espírito Santo entre os crentes, ilustrando a diversidade dos dons que ele inspira nos fiéis.


Na primeira leitura (Is 62, 1-5), Javeh fala pela boca do Profeta, enaltecendo a glória de Jerusalém, por quem ele declara a sua predileção: “teu nome será Minha Predileta e tua terra será a Bem-Casada, pois o Senhor agradou-se de ti e tua terra será desposada. Assim como o jovem desposa a donzela, assim teus filhos te desposam; e como a noiva é a alegria do noivo, assim também tu és a alegria de teu Deus. Ao retornarem do exílio na Babilônia, os hebreus se dedicam à reconstrução de Jerusalém, adornando-a para o Senhor, assim como a noiva se enfeita para encontrar-se com o noivo, bem como a reconstrução do templo, que havia sido destruído pelos assírios. Javeh não descansará enquanto não surgir em Jerusalém a Justiça, enquanto não se acender nela a tocha da salvação. Esdras foi o grande responsável por essa gigantesca tarefa de reconstruir a cidade e restabelecer o culto.


Importa destacar que, durante o tempo em que os hebreus ficaram cativos na Babilônia, a região da Galileia foi ocupada por povos nômades de diversas etnias, que tentavam escapar do império assírio. Posteriormente, com a vitória de Ciro, tendo sido o império assírio dominado pelos persas, os hebreus foram libertados e retornaram para Canaã. Ao chegarem, ali encontraram aqueles povos, que não mais voltaram para os seus locais de origem e formavam um conglomerado altamente disperso de tipos humanos, um amontoado de línguas, costumes, religiões, culturas, uma população pobre e marginalizada. Então, além do trabalho material de reconstrução da cidade destruída, os hebreus retornados do cativeiro tiveram de enfrentar também essa situação social do encontro com povos diversos, que não conheciam a importância de Jerusalém para o judaísmo. A imagem do casamento tinha, portanto, também essa finalidade de transmitir para os estrangeiros um pouco da história do povo hebreu e sua relação com Javeh.


A liturgia prossegue com o tema do casamento no evangelho de João (Jo 2, 1-11), abordando o conhecido episódio das Bodas de Caná. O evangelista não teve a preocupação de mencionar os nomes dos nubentes, porém deviam ser pessoas próximas da família de José, talvez parentes, visto que Maria também estava presente, assim como Jesus e os discípulos foram convidados. Aquela foi a oportunidade para que Jesus iniciasse a sua missão pública, fazendo a primeira demonstração de sua origem divina. Esse episódio é relatado apenas pelo evangelista João, o qual certamente estava ali presente e testemunhou o fato. Há uma tradição que afirma ser o evangelista Marcos um dos servos que encheu as vasilhas de água, que depois foi transformada em vinho, porém eu presumo que se tal tivesse ocorrido, Marcos certamente teria inserido esse fato no seu texto. Segundo a interpretação generalizada dos biblistas, o fato de ter Jesus escolhido iniciar sua atividade pública numa cerimônia de casamento, significa uma tácita aprovação do matrimônio como instituição amada por Deus. Com toda certeza, isso não foi mera casualidade, porque em toda a sua atividade de pregador, Jesus utilizou-se dos caminhos culturais do povo hebreu para, através destes, ensinar a sua doutrina. Desse modo, a sua presença naquele evento, a sua forma de agir e o impacto causado pela ocorrência entre os presentes tiveram uma consequência bastante significativa. As festas de casamento daquele tempo eram muito prolongadas, podiam demorar até sete dias, havia sempre muitos convidados, inclusive pessoas de outras localidades, como sói acontecer também nos dias de hoje. Então, aquele fato extraordinário foi espalhado por muitos lugares, pelo testemunho dos inúmeros presentes.


Um detalhe intrigante no texto de João, certamente não casual, é o linguajar de Jesus, ao responder à sua mãe, quando ela foi dizer a ele que o vinho havia acabado. A tradução da CNBB até disfarça um pouco a forma rude da fala de Jesus (Mulher, por que dizes isto a mim?) Mas o texto grego, traduzido por São Jerônimo, é mais direto e até grosseira: Mulher, o que eu e tu temos com isso? (Quid mihi et tibi est, mulier?) E o dado mais curioso: Jesus não chama Maria de “mãe” e sim de “mulher”. Há dois momentos no evangelho em que Jesus se refere a Maria com a expressão “mulher”: nesse caso de Caná e na cruz, quando confia Maria aos cuidados de João. Exatamente no início e no final de sua vida de pregador. O simbolismo desse detalhe referido por João deve ser, provavelmente, para indicar que, nesse momento, Jesus estava falando como Filho de Deus, destacando a sua natureza divina, e não propriamente com o seu ser humano. E tanto Maria entendeu isso que não se melindrou, não se intimidou com aquele tratamento com o qual Jesus a ela se dirigiu e simplesmente disse aos empregados: façam tudo o que ele disser. Maria tinha consciência do seu papel e, sobretudo, tinha uma fé acima de qualquer adversidade. E também, nesse momento, ela deve ter sido instruída pelo Espírito Santo, para saber o momento de agir e a forma dessa ação. Não foi, com toda certeza, uma expressão casual e despropositada do evangelista João. Poder-se-ia até supor que seria uma questão de tradução, mas não foi isso, pois João escreveu o seu texto em grego e a palavra escrita é “gýnai”, que significa literalmente “mulher”.


E agora podemos passar para a carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 12, 4-11), na qual ele se reporta às diversas formas de atuação do Espírito. Há uma diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Paulo captou e formulou, de forma profunda e acertada, a doutrina sobre os variados modos de agir do Espírito na comunidade cristã, todas elas em vista do bem comum. Uns têm o dom da sabedoria, outros têm o dom da ciência, outros têm o dom da fé; a uns, é dado o poder de fazer milagres, a outros, o poder de fazer curas; outros são capazes de falar línguas diversas, interpretar palavras, profetizar... tudo isso no mesmo Espírito. Esse texto de Paulo é largamente citado pelos grupos do moderno pentecostalismo, para fundamentar diversas tendências (carismas) religiosos. Há os que se permitem "falar" palavras incompreensíveis, caricaturando o "dom das línguas", como se fosse esse o sentido de falar "línguas estranhas". De fato, o termo "estranho" nesse contexto nada tem a ver com expressões desconexas e vazias de significado, mas tem o sentido de "línguas diversas" (em grego, géni glósson; em latim, genera linguarum). No meu entendimento, Paulo estava se referindo a um fenômeno similar ao ocorrido logo após Pentecostes, quando Pedro fez uma pregação em aramaico e os ouvintes, oriundos de regiões e falantes de linguagens diversas, ouviram o seu discurso, cada qual, como se Pedro estivesse falando em sua própria língua. É uma “arte” do Espírito.


Outra expressão desse texto que é também objeto de compreensão imprópria é quando Paulo fala que o Espírito confere o poder da cura e de fazer milagres, o que poderia ser até uma redundância, porque curar (nesse sentido) já seria fazer um milagre. Contudo, examinando o texto original, verificamos que não é bem assim. As expressões são: karísmata iamáton (São Jerônimo traduziu por "gratia sanitatum", ou seja, o carisma medicinal) e energýmata dynámeon (traduzido por "operatio virtutum", ou seja, realização de maravilhas). Podemos dizer que as nossas rezadeiras do interior e os que administram medicamentos tirados de vegetais têm o carisma medicinal, porque não estudaram a técnica médica, no entanto, possuem a intuição da medicina. De modo semelhante, a ação humana organizada e bem intencionada também produz maravilhas. Há uma tendência comum de mistificar os dons do Espírito, porém penso que devemos procurá-los no nosso dia a dia, nas nossas atitudes rotineiras, nos nossos empreendimentos solidários, na força que é capaz de unir as pessoas em torno de uma causa comum. E mais: que ninguém se sinta desmerecido, porque não percebe em si esses dons extraordinários do Espírito, pois eles acontecem muitas vezes sem que os percebamos. As outras pessoas são as que percebem isso em nós. E eu me arrisco a dizer que aqueles que se autoproclamam detentores desses carismas são, de fato, embusteiros. Desses, temos inúmeros exemplos.


O ensinamento de Paulo deve ser compreendido no sentido da onipresença do Espírito em tudo aquilo que realizamos com fé, com reta intenção, com o coração desapegado. Ninguém precisa sair do seu cotidiano para ser contemplado com essa assistência contínua e extraordinária do Espírito, porque ele faz morada dentro de nós, desde que recebemos os sacramentos da iniciação cristã. Podemos até não perceber a sua atuação, mas em tudo o Espírito se faz presente.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 11 de janeiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - BATISMO DO SENHOR - 12.01.2025

 

COMENTÁRIO LITURGICO – SOLENIDADE DO BATISMO DO SENHOR – 12.01.2025


Caros amigos,


O calendário litúrgico celebra hoje a festa do Batismo do Senhor. Esta cerimônia, realizada no rio Jordão, representa o início da atividade pública e missionária de Jesus. Após ter sido batizado por João, este viu no céu o sinal confirmatório de que Jesus era o Cordeiro de Deus, o Filho bem-amado do Pai. Então, João o apontou para os seus discípulos, instruindo-os a que o seguissem, pois Ele era o que “estava para vir”. Com efeito, poucos dias depois, André aproximou-se de Jesus e perguntou isso a ele, passando então a segui-lo, levando junto também seu irmão Pedro. Porém, Jesus somente começou a pregar após a prisão de João Batista, a mando de Herodes. Jesus entendeu que ali estava o sinal para que ele começasse a sua missão.


Igual a todos os bons judeus, Jesus sempre cumpriu os rituais próprios do judaísmo: comparecimento regular à sinagoga no sábado, jejuns, romarias para a festa da páscoa, festa dos tabernáculos, total observância da lei mosaica. O batismo não fazia parte, propriamente, da Lei, mas passou a ser um ritual de transição entre a antiga lei e a lei nova, através da pregação de João Batista, o último profeta do Antigo Testamento. João conclamava todos os judeus à metanóia (mudança de pensamento – conversão) e ao arrependimento, de modo que o símbolo da adesão a este movimento era o fato de alguém apresentar-se para receber o batismo. Sabemos que, na verdade, Jesus não precisava ser batizado, pois o batismo se destina ao perdão dos pecados, mas Ele quis cumprir todo o protocolo e foi nessa ocasião que, pela primeira vez, ocorreu a manifestação da Trindade divina.


O tema do batismo sempre despertou severas polêmicas entre a Igreja Católica e as demais igrejas cristãs, por diversas razões históricas, que todos conhecemos. Penso que as querelas mais significativas se concentram em dois pontos: 1. o batismo de crianças recém-nascidas, fato que não ocorria no início do cristianismo, tendo sido introduzida como prática muito tempo depois; 2. o ritual do batismo por mera aspersão (derramamento de pouca água na cabeça do batizando) e não por imersão (mergulho na água). Lutero, por exemplo, discordava do batismo por aspersão, insistindo na validade apenas do batismo por imersão, tal qual era realizado por João Batista.

Com efeito, o batismo operado por João era feito por imersão no rio Jordão. Mas isso foi uma novidade trazida por ele, porque os rituais judaicos prescreviam diversas formas de purificação com água, sem necessidade de mergulhar nela. Então, a questão a ser debatida é saber se a imersão é a única forma válida de realizar o batismo.


Para melhor esclarecimento do tema, iniciemos com uma análise gramatical do vocábulo “batizar”, derivado do verbo grego BAPTIZÔ, que significa mergulhar, submergir, mas também significa lavar. Por exemplo, na antiguidade, havia uma espécie de pena de morte, que consistia em mergulhar um condenado até ele morrer sem fôlego. Essa ação era denominada “batismo” e tinha, portanto, o sentido de imersão. Mas em Lucas (11, 38), no episódio em que os fariseus se admiraram porque os discípulos de Jesus não lavavam as mãos antes de comer, a frase latina é “quare non baptizatus esset” e a frase grega é “ou proton ebaptiste” (que significa: sem que antes se batizassem, ou seja, lavassem as mãos), uso gramatical que indica o sentido do verbo “baptizô” como “lavar”. Para lavar as mãos, às vezes, as mergulhamos na água, mas muitas vezes apenas derramamos água sobre elas e assim o verbo “baptizô” não tem como significado único o de imergir. E podemos ainda levar em consideração o aspecto da praticidade. Como batizar por imersão uma pessoa que esteja enferma, sem correr o risco de piorar sua condição de saúde? E mesmo no caso de pessoas sadias, o ritual seria extremamente incômodo pela necessidade de ter de realizar o batismo nos rios, lagoas, açudes, etc., ou em tanques de água preparados dentro dos templos, o que (a meu ver) desvirtua o sentido da imersão de acordo com o batismo de Jesus, que ocorreu numa fonte de água natural. Se é para seguir o ritual, então, que se o siga por completo.


Em relação ao aspecto doutrinário, o batismo por imersão era a prática dominante no Antigo Testamento e o próprio Jesus se submeteu a ela. Contudo, no Novo Testamento, há diversos relatos sobre o batismo que sugerem uma forma diferente da imersão, como por exemplo, em Atos 16, 33, quando Paulo batizou pessoas na prisão. Certamente ali não havia um local com água para imersão. O próprio batismo de Paulo por Ananias (Atos 9, 18), realizado na casa de Judas, não deve ter sido por imersão. Do mesmo modo, o episódio ocorrido após Pentecostes (Atos 2, 37-41), quando cerca de 3.000 pessoas foram batizadas após a pregação de Pedro, não deve ter sido por imersão. De qualquer modo, as duas formas (imersão e aspersão) eram conhecidas desde os tempos cristãos primitivos e ambas eram utilizadas circunstancialmente. Mas a oficialização do batismo infantil e por aspersão ocorreu após as disputas com Lutero, no século XVI. A Igreja adotou a forma de aspersão e as razões teológicas para justificar isso são duas fundamentais: 1. o fato de que a pessoa deve ser purificada do pecado (no caso da criança, o pecado original) o quanto antes possível, ou seja, logo após nascer, sem esperar a idade adulta; 2. embora a criança de pouca idade não saiba o que está ocorrendo, a Igreja age como mãe amorosa e faz isso por ser o melhor para o pequeno fiel, assim como toda mãe só quer o bem dos filhos, ficando com os pais e padrinhos a responsabilidade de ensinar a criança e conscientizá-la, quando tiver entendimento.


Devemos ainda considerar a hipótese da carência da água em quantidade suficiente para a imersão, como ocorre, por exemplo, em certas localidades nordestinas e em outros locais do mundo, onde a água é um bem escasso. Além disso, se as duas formas de realizar o ritual foram sempre aceitas na antiguidade (imersão ou aspersão), o simples fato de que o batismo de Jesus foi por imersão não deve ser adotado para afirmar como modo exclusivo, considerando-se inválida a outra forma. Além do mais, eu diria que o modo de realizar o batismo, se por imersão ou por aspersão, não é isso que realmente importa, e sim a fé que deve motivar o fiel a receber o batismo. No caso de crianças pequenas, a fé é dos adultos que as levam a batizar e que se comprometem a catequizar o batizado na mesma fé que professam.


Atendo-nos agora às leituras litúrgicas, o evangelho de Lucas (3, 15-22) relata o batismo de Jesus por João, no rio Jordão. Evidentemente, Jesus não precisava ser batizado e o próprio João se admirou ao ver a chegada de Jesus. Na verdade, Jesus pediu para ser batizado por João, diante da relutância deste. Com este ato, Jesus estava ensinando o valor do batismo e consagrando a sua importância para o cristão. Podemos concluir que Jesus batizou-se não para converter-se e purificar-se, porque já era totalmente puro, mas para purificar as águas do Jordão, e nestas, simbolicamente, abençoar todas as águas da terra, para conferir a elas o poder de nos purificar pelo batismo na fé da sua doutrina.


Além disso, o batismo de Jesus foi o primeiro momento em que se manifestou a Trindade divina: o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus em forma visível, como pomba. E do céu veio uma voz: Tu és o meu Filho amado… (Lc 3, 21) isto é, o início da missão pública de Jesus foi oficialmente homologado pelas três pessoas divinas. Obviamente, naquele momento, as pessoas que presenciaram o fato não o compreenderam e a voz de Deus soou como um trovão. Somente após a ressurreição de Jesus, quando as comunidades dos primeiros fiéis, recordando o testemunho de João, fizeram a rememoração dos acontecimentos iniciais, de onde provêm os textos primitivos que deram origem aos evangelhos, puderam compreender o alcance dessa sublime manifestação trinitária.


Uma curiosidade que releva tratar aqui é que, do ponto de vista da fé, a data do batismo do cristão deveria ser comemorada assim como se comemoram as datas natalícias, porque essa data representa o nascimento para a comunidade eclesial. Com certeza, todos se recordam de que, desde quando recebíamos a batina no seminário, nós não comemorávamos mais o dia do aniversário, mas o dia do onomástico, isto é, o dia do santo padroeiro do seu nome, numa clara referência a um novo nascimento, que ocorria com a vestição religiosa. Essa mesma ideia bem que poderia ser adotada em relação à data do batismo. Porém, o que mais comumente ocorre é que a maioria dos cristãos não sabe ou não se recorda o dia do seu batismo, como se não atribuísse importância a essa data. As Paróquias mesmo não estimulam os fiéis a essa lembrança, no que fariam muito bem se assim procedessem.


Para finalizar, gostaria de ponderar que o batismo não deve ser um fato longínquo e esquecido na nossa caminhada existencial, mas um fato a ser testemunhado diuturnamente, na nossa vivência de cristãos, seja na família, seja no trabalho, nas relações familiares, nas amizades, na vida social em geral, através do nosso comportamento de pessoas engajadas e comprometidas com a fé assumida no batismo. Que o divino Espírito nos assista constantemente no exercício dessa missão.


Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos

sábado, 4 de janeiro de 2025

COMENTARIO LITURGICO - EPIFANIA DO SENHOR - 05.01.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – EPIFANIA DO SENHOR – 05.01.2025


Caros Confrades:


Neste domingo, de forma antecipada, celebra-se a festa litúrgica da Epifania do Senhor, popularmente conhecida como Dia dos Santos Reis. Esse termo “epifania” é a transliteração da palavra grega que significa “manifestação” e a liturgia comemora a visita que a família de Nazaré recebeu pelos Magos vindos do Oriente. A epifania designa também a universalidade da salvação trazida por Cristo, representada na presença dos dignitários vindos de terras distantes, portanto, de fora do território judaico, não integrantes das tribos de Israel. O texto bíblico não informa a cidade de onde eles vieram, mas apenas que vieram de terras longínquas no oriente, guiados pela estrela. Também não afirma que eram reis nem quantos eles eram, sendo essa designação creditada a tradições muito antigas. Alguns estudos associam a figura da estrela com o cometa de Halley ou talvez um outro astro errante no espaço sideral, contudo não há conclusões definitivas. Este fato é relatado apenas pelo evangelista Mateus, por isso há quem afirme que não é um acontecimento real, mas trata-se de uma história composta pelo evangelista, com o objetivo de enfatizar a profecia de Miqueias e demonstrar a origem familiar de Cristo no clã do rei Davi. Todas, porém, são opiniões que entretem as discussões dos especialistas. Tratemos sobre os Magos.


O evangelho de Mateus fala em 'magos do Oriente', mas também não se deve entender esta palavra no sentido que ela tem hoje, como se eles fossem pessoas dedicadas à magia. Conforme registros históricos muito antigos atribuídos a Heródoto, eram chamados de Magos os sacerdotes eruditos de uma religião que teria existido na região da Mesopotâmia, região terrestre que hoje corresponde ao Irã ou Iraque. Essa religião era, na verdade, uma forma arcaica da ciência astronômica e esses sacerdotes eram pessoas que estudavam os livros sagrados sobre os astros, que costumavam observar no céu, ou seja, eram uma espécie de antigos astrônomos. Com isso se explica o fato de que notaram uma “estrela” diferente e tentaram interpretá-la, com o conhecimento que eles tinham de antigas cartas astrais. Eles eram provavelmente sacerdotes do Zoroastrismo, religião oriental fundada por Zaratustra, cerca de 1.500 anos antes de Cristo e originária da Mesopotâmia, terra de Abraão. Bem, o modo como este fato aconteceu, assim como as motivações envolvidas, fazem parte do universo das polêmicas históricas, sendo mais amparado por antigas tradições do que por documentos escritos. Essa é a abordagem histórica, geográfica, cultural do fato.


Sob o aspecto litúrgico, a festa da Epifania do Senhor, ou seja, a visita dos Magos, é também a data em que as igrejas católicas ortodoxas orientais celebram do Natal do Senhor, pois lá não se comemora o Natal em 25 de dezembro, como na Igreja católica romana. Aliás, este foi um dos motivos que levou ao cisma das igrejas cristãs, em 1054, porque não houve acordo acerca desse e de outros pontos de discussão. Os católicos orientais acusam os católicos europeus (romanos) de terem cedido ao poder do imperador romano Constantino, que estabeleceu o Natal nesta data e forçou autoritariamente os bispos ocidentais a aceitá-la. Com isso, nós concluímos que a festa da Epifania é mais antiga do que a celebração do Natal, como nós temos na Igreja romana; também concluímos que as Igrejas católicas orientais celebram em conjunto as duas festas: o Natal e a Epifania, porque na verdade, elas são uma festa só.


Com efeito, o termo grego “epiphania” é o substantivo derivado do verbo “epiphainow”, que significa aparecer em público, mostrar-se, apresentar-se. A epifania é a festa da manifestação do Salvador, e isso se deu efetivamente no Natal. Ao separar as datas, e portanto, a comemoração em duas festas, a Igreja romana celebra dois Natais: um em 25 de dezembro, o Natal – nascimento de Cristo e outro, nesta data, o Natal – manifestação de Cristo às nações do mundo, representados na pessoa dos “magos” orientais. O governador romano em Jerusalém, Herodes, tinha no palácio um conselho de sacerdotes, adivinhos, magos, que além de chefes religiosos, eram também os cientistas daquele tempo, os que sabiam ler e estudavam os poucos documentos conhecidos. Foi a estes que Herodes recorreu para tentar entender aquela notícia que os magos orientais traziam, acerca do nascimento do rei dos Judeus.


A liturgia da Epifania procura integrar os textos do Antigo e do Novo testamentos, no caso, o livro de Isaías com o evangelho de Mateus. No livro de Isaías (deutero-Isaías), cap. 60, 1, o autor conclama Jerusalém a se alegrar, porque “sobre ti apareceu o Senhor e a sua glória se manifestou”. E diz mais adiante (60, 6): “será uma inundação de camelos e dromedários de Madiã e Efa a te cobrir; virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando a glória do Senhor. ” Por certo, a viagem dos “magos” era acompanhada de uma caravana de camelos e dromedários, pois pela liderança que eles deviam ter e por tratar-se de uma viagem de longa distância, deviam trazer grande séquito. Com grande certeza, eles não viajavam sozinhos, apenas os três cujos nomes são conhecidos.


No evangelho de Mateus (2, 2), se concretiza o que foi dito pelo profeta Isaías: “eis que alguns magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: 'Onde está o rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.' ” Até o Salmista (71, 10), faz coro com essa proclamação, ao cantar: “Os reis de Társis e das ilhas hão de vir e oferecer-lhes seus presentes e seus dons; e também os reis de Seba e de Sabá hão de trazer-lhe oferendas e tributos. ” A escritura está permeada de passagens assemelhadas, nas quais essas referências se reproduzem. O evangelista, que conhecia, como bom judeu, a Lei e os Profetas, trata de integrar as profecias no seu texto, como forma de comprovar que Jesus é o Messias prometido, numa época em que muitos chefes e sacerdotes judeus teimavam e duvidavam em admitir isso. Embora os textos escritos e demais documentos históricos sejam escassos, verificamos que esta é a fé que se construiu desde os primeiros tempos do cristianismo, de modo que a sua credibilidade está no fato de ser uma tradição muitíssimo antiga.


A aliança original de Javé foi com os judeus, mas estes não reconheceram em Jesus o Messias que veio confirmar a promessa, então diante da descrença deles, o evangelho foi pregado aos gentios, ou seja, aos pagãos, àqueles que não descendem dos antigos patriarcas. A figura dos “magos” colocada nesse contexto do nascimento de Jesus faz parte do propósito do evangelho de mostrá-lo como o Salvador de todas as nações, e não apenas do povo de Israel. Foi isso que Jesus ensinou aos discípulos, em diversas ocasiões, ao observar a indiferença e mesmo a hostilidade daqueles que deveriam recebê-lo como Salvador e por isso mandou que os discípulos divulgassem a sua mensagem aos outros povos, porque a aliança proposta por Javé não se limitava a um punhado de israelitas. Mateus quer mostrar que, desde o seu nascimento, Jesus atraiu para si também os povos pagãos, representados pelos magos.


Esta universalidade da salvação trazida por Cristo é o tema da carta de Paulo aos Efésios (3, 2-6), onde ele retoma a ideia da recusa dos judeus e o anúncio do evangelho aos gentios: “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.” Sabemos, pelos estudos históricos, que foi nas colônias gregas do império romano onde o cristianismo começou a ganhar corpo como religião, foi lá onde se fundaram as primeiras comunidades e se ergueram as primeiras igrejas formalmente organizadas, aquelas que hoje nós chamamos de “Igrejas orientais”. Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Filipos, Éfeso, Galácia, Colossos, Esmirna, Tessalônica, Constantinopla, só bastante tempo depois, o cristianismo finalmente chegou a Roma e de lá espalhou-se pela Europa, vindo depois para a América, onde atualmente estão localizados os católicos em maior profusão no mundo todo. Sem deixar de mencionar o grande número de fiéis das diversas igrejas cristãs não católicas e ainda daqueles homens e mulheres de boa vontade que, mesmo sem professarem abertamente a fé cristã, no entanto, realizam em suas vidas o ensinamento de Cristo contido nos evangelhos. O Papa Francisco já proclamou, em diversas ocasiões, que também os ateus que seguem retamente a sua consciência estão no caminho da salvação, porque ao praticarem o autêntico humanismo, estão em sintonia com o pensamento cristão.


Curioso notar que nem Lucas nem Marcos se referem ao episódio da visita dos “magos”, deixando-nos a cogitar se eles não tinham conhecimento desses fatos ou se não consideraram suficientemente importantes para incluí-los nos seus textos. O mais provável, conforme explicam os exegetas, é que esta fonte era conhecida apenas por Mateus e provavelmente não chegou ao conhecimento dos outros dois evangelistas. Uma prova disso seria que os evangelhos de Lucas e Marcos foram escritos na língua grega, portanto, na região das colônias gregas do império romano, enquanto o evangelho de Mateus teria sido escrito originalmente em aramaico, a mesma língua falada por Jesus, e só depois traduzido para o grego. Isso justificaria o fato de que, no local onde Marcos e Lucas moravam, essa tradição dos magos não era conhecida e, por isso, não foi mencionada por eles. Nos evangelhos apócrifos, encontramos a descrição de outras tradições antigas, que não constam nos textos dos Evangelhos oficiais.


Mas independentemente dessas polêmicas históricas e literárias, o que nos interessa é destacar na epifania o símbolo da universalidade da mensagem cristã, quando os tempos se completaram e o Verbo se encarnou. A nossa fé é o maior testemunho dessa universalidade, pois é graças a isso que chegou até nós a mensagem da salvação.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos