sábado, 22 de fevereiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 7º DOMINGO COMUM - 23.02.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 7º DOMINGO COMUM – O AMOR COMO DESAFIO – 23.02.2025


Caros Confrades,

Neste 7º domingo comum, as leituras litúrgicas dão sequência ao tema do domingo anterior, acerca das bem-aventuranças, o famoso “sermão da montanha”, que resume em grandes linhas todo o ensinamento de Jesus Cristo. No domingo de hoje, é como se ele concluísse: vocês ouviram o que eu disse? Eu ouçam mais: é preciso amar o próximo e também os inimigos. Amar os amigos e fazer o bem a quem lhe faz bem, isso não é grande coisa, os pagãos também fazem assim. Para fazer diferente, o cristão deve amar os inimigos e fazer o bem aos que lhe fazem o mal. É este o grande desafio do amor cristão.


Na primeira leitura, do livro do Samuel (1Sam 26, 2-22), é narrada a atitude respeitosa e temente a Deus de Davi, que poupou a vida de Saul, na ocasião inimigo dele, quando poderia tê-lo executado. Para entendermos a situação, vejamos a história. Saul era rei de Israel mas, por sua soberba e arrogância, desrespeito a lei de Moisés e, por isso, Javeh o rejeitou, determinando ao sacerdote Samuel que ungisse a Davi como novo rei. De início, Saul tinha um comportamento amistoso com Davi, apesar de não haver gostado nada de ter sido rejeitado, chegou até a entregar a filha como esposa de Davi. Porém, os sucessos de Davi nos combates contra os inimigos de Israel causaram inveja em Saul, que passou a perseguir Davi, procurando matá-lo. Por causa disso, Davi precisou refugiar-se no deserto com seus soldados, enquanto Saul o perseguia. Certa noite (aqui entra o trecho da leitura de hoje), Davi conseguiu entrar sorrateiramente no acampamento e encontrou Saul dormindo na sua tenda e poderia tê-lo matado com a própria lança real. O guerreiro companheiro de Davi (vers. 8) chegou a dizer: vou dar só um golpe, nem será preciso repetir. Mas Davi o deteve, dizendo: “ninguém pode lançar a mão contra o ungido do Senhor”. E foram embora sem molestá-lo, levando a lança e o cantil, para comprovar o que poderiam ter feito. Ora, numa situação inversa, com certeza Saul teria liquidado Davi. Mas este respeitou o inimigo, vendo nele o “ungido”. Mil anos antes de Cristo, época de Davi, ele já estava realizando aquilo que Jesus futuramente iria ensinar.


Na sequência também da primeira carta aos Coríntios, lida no domingo passado (1Cor 15, 45-49), o apóstolo Paulo continua o paralelo entre Adão e Jesus, dizendo que Adão era um homem material, ou seja, proveniente do limo da terra, enquanto Jesus é um homem espiritual, ou seja, proveniente diretamente do céu. Assim ele diz no versículo 48: “Como foi o homem terrestre, assim também são as pessoas terrestres; e como é o homem celeste, assim também vão ser as pessoas celestes.” A figura de Adão representa o homem velho, aquele que ainda não conheceu a mensagem cristã. Paulo lembra aos cristãos de Corinto que, antes da adesão ao cristianismo, eles também estavam prefigurados na pessoa de Adão, com todas as imperfeições e ambiguidades dos “homens terrestres”, seduzidos pelos bens materiais, pela riqueza, pelos prazeres da carne. Mas, depois de convertidos e depois da adesão à mensagem cristã, esse homem terrestre deve ser transmudado no “homem celeste”, cujo protótipo é a figura de Jesus Cristo. E o que vai se tornar a marca característica desse novo homem, fiel ao ensinamento de Cristo, é a colocação na prática das bem-aventuranças, de acordo com o catálogo de ações de beatitudes ensinadas no sermão da montanha. Essa mesma advertência Paulo faz também na carta aos Efésios (5, 8), nos seguintes termos: “Pois, no passado éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Assim, andai como filhos da luz.”


A leitura do evangelho é também uma continuação da temática do domingo passado, em que Lucas resumiu o sermão das bem-aventuranças (Lc 6, 27-38). Depois de dizer “ai de vós, que agora estás rindo, porque ireis chorar”, Jesus arremata: e a vocês que ouviram o que eu disse, vou dizer mais: “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam.” Eu fico imaginando a expressão nos rostos daqueles ouvintes, depois que Jesus fez esse arremate, como se dissessem: tu estás achando pouco, ainda vais exigir mais? E Jesus, percebendo a cara de espanto deles, complementa: é isso mesmo, se alguém te der um tapa num lado do rosto, oferece também o outro lado; e se alguém te tomar o chapéu, dá também o teu sapato. Se fazes o bem somente a quem também te faz o bem, que novidade há nisso? Os pecadores também fazem assim. Os cristãos devem fazer o bem a quem não lhes faz e dar um objeto sem esperar nada em troca, aqui está a diferença, aqui está o que eu denominei no início de “amor como desafio”.


Esse tipo de atitude parece, para as pessoas do mundo, como algo incoerente, ingênuo, contraditório. Alguém pode pensar: como é que Jesus exige isso dos seus seguidores? Aqui podemos inserir a lição de Paulo aos Coríntios, mencionada acima, com o paralelo entre o homem terrestre e o homem celeste. Se não somos capazes de entender esse pedido de Cristo, é porque ainda estamos impregnados com o pensamento do homem terrestre, a graça de Deus ainda não operou em nós o suficiente para superarmos essa atitude mundana de sempre esperar a retribuição por aquilo que fazemos. Para fazer isso, será necessário antes entender o conteúdo metafísico do ensinamento de Jesus, isto é, a questão não se refere a fazer-se de otário diante dos outros, tornar-se motivo de chacota e padecer humilhações. Jesus seria extremamente malvado se esperasse mesmo essa atitude, por isso, é preciso apreender a sua simbologia. E aqui, para exemplificar, podemos lembrar das atitudes de Mahatma Gandhi, lider indiano, que não era cristão, no entanto, cumpria esse ensinamento de Cristo. Enquanto todos protestavam com armas, ele protestava com uma conduta não-violenta, pregando a cultura da paz. Podemos lembrar também uma famosa frase do britânico John Lennon, conhecido guitarrista da banda Beatles, que escreveu, certa vez: “Não importam os motivos para a guerra, pois a paz será sempre superior a todos eles”. E ele não era cristão. Lamentavelmente, ele morreu assassinado por um fanático (assim como, sem querer comparar, também Gandhi e também Jesus morreram assassinados, porque o bem incomoda demais a maldade), mas os ensinamentos deles continuam a ecoar nos nossos ouvidos. Esses dois exemplos de “pessoas celestes” (usando a terminologia de Paulo), mesmo sem serem cristãos, devem nos incentivar a por em prática o ensinamento de Jesus, até porque, no nosso caso, ainda temos a vantagem de ter conosco a graça de Deus, que nos apóia e fortalece.


Em resumo, portanto, o ensinamento de Jesus sobre o amor como desafio não pode ser entendido como uma ideia de fraqueza, de acovardamento, como se o cristão devesse ter medo dos maus, não reagir aos maus, não enfrentar o malvado. Penso que, quando Cristo aconselhou “oferecer a outra face” para quem te bate no rosto, ele quis dizer: os maus agem de forma agressiva, vocês, porém, não devem tomar esse comportamento como exemplo, façam diferente deles, não por medo, mas por convicção, isto é, não se equiparem aos maus, não repitam suas ações, não se comportem como eles. Esse deve ser, segundo penso, o significado metafórico da recomendação de Cristo sobre “oferecer a outra face”. Se você revidar a um bofete, você estará repetindo o mau exemplo dado por quem lhe ofendeu. Então, não retribua a violência com violência, mas com o amor, isto é amar sem medida, esse é o amor como desafio: amar os amigos e os inimigos, fazer o bem a quem faz o mal. O escritor James C. Hunter, no conhecido livro “O monge e o executivo”, faz uma interpretação interessante desse ensinamento de Cristo. Diz ele que na frase “amar os inimigos”, o significado do verbo “amar” é diferente da frase “amar os amigos”. Explicando melhor, seria assim: em relação aos amigos, amar tem o sentido de sentimento, afeto; em relação aos inimigos, amar tem um sentido puramente comportamental, ético. Então, a frase “amar os inimigos” quer dizer comportar-se de um modo ético mesmo com aquelas pessoas que fizeram algum mal a você, isto é, não exercitar a vingança, não ficar esperando uma ocasião futura para ir à desforra. Amar os inimigos significaria, dessarte, ser ético com todos, tratar as pessoas más da mesma forma como se deve tratar qualquer pessoa, com ética e dignidade, mesmo que intimamente a sua vontade seja de esganar o adversário.


Se passarmos para uma análise do texto grego de Lucas, veremos que o J. Hunter tem certa razão. No texto grego, o verbo que está traduzido por “amai” é “agapate”, verbo com o mesmo radical da palavra “ágape”. Quando eu estudei antropologia teológica, aprendi que os gregos conheciam três significados para o verbo “amar”: 1 – amor erótico (eros); 2 – amor amizade (filia); 3 – amor fraternidade (agape). Esse terceiro sentido se refere à convivência humana, ao modo respeitoso como as pessoas devem tratar umas às outras, independente de quem seja. Então, seguindo o raciocínio de J. Hunter, podemos concluir que a ordem de amar os amigos tem o sentido 2 (amizade), enquanto amar os inimigos tem o sentido 3 (fraternidade, caridade). Eu continuo pensando que a doutrina de Cristo não faz essa distinção, no entanto, pode ser uma forma de atenuar o rigor do desafio que Cristo nos deixou e, assim fazendo, quem sabe, aos poucos chegaremos a encarar o desafio de forma completa. Que o divino Mestre nos socorra com engenho e arte, para conseguirmos colocar em prática os seus ensinamentos.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos



sábado, 15 de fevereiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6 DOMINGO COMUM - 16.02.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO COMUM – BEM-AVENTURADOS – 16.02.2025


Caros Confrades,


Neste sexto domingo do tempo comum, as leituras litúrgicas nos convidam a refletir sobre os efeitos valorativos da confiança que sempre devemos ter no Senhor, os quais se resumem numa palavra: a verdadeira felicidade. O profeta Jeremias compara a atitude de quem confia em Deus a uma planta cujas raízes mantêm-se em contato com a água e, por isso, não teme a chegada do calor. No evangelho, Jesus chama seus fiéis seguidores de bem-aventurados, no seu famoso e carismático “sermão da montanha”, no qual ele inverte a ordem daquilo que o “mundo” considera felicidade e mostra que ser feliz, isto é, ser bem-aventurado é ser santo. Ser fiel nas coisas simples, ser solidário em todas as ocasiões, ser amável e respeitoso só contribui para a melhora geral da vida na sociedade. Sem dúvida, é disso que todos nós mais precisamos, na vida urbana dos nossos dias.


Na primeira leitura, retirada do livro do profeta Jeremias (17, 5-8), vemos uma comparação entre a atitude de quem confia nos homens, de um lado, e quem confia no Senhor, de outro. Confiar “na força da carne humana”, como fiz o Profeta, quer dizer encantar-se com as aparências da sociedade e com as suas pompas ilusórias, representadas no poder, na riqueza, no prestígio, na dissimulação dos bajuladores, esquecendo que a verdadeira fortaleza vem da fé e das garantias proporcionadas a todos pelo cumprimento da lei de Deus. Na época do Profeta, ele se referia especificamente às atitudes levianas do rei de Judá, Ezequias, que fez acordos maliciosos e irresponsáveis com outros reinos vizinhos, com receio das ameaças de povos inimigos, em detrimento da obediência à lei de Moisés e expondo o povo às influências do paganismo e dos deuses estrangeiros e, consequentemente, à idolatria. Em vez de buscar a confiança no Senhor dos exércitos, o rei preferiu abrigar-se à sombra dos soberanos humanos e a consequência para ele próprio e para o povo foi desastrosa. Pouco tempo depois, o reino foi invadido e derrotado pelos assírios, sendo os seus habitantes arrastados cativos para Babilônia. O profeta Jeremias, por muito pouco, escapou dessa mesma sorte, tendo sido protegido por amigos, que o levaram para o Egito, onde refugiou-se. Contra a sua vontade, é bom que se diga, porque o desejo dele era acompanhar os cativos.


Na segunda leitura, retirada da primeira carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 15, 12-20), o apóstolo recorda aos cristãos daquela cidade que a verdadeira salvação está na fé no evangelho de Jesus Cristo, conforme a pregação que ele fizera ali. ‘Lembro a vocês’, diz ele no início deste capítulo 15, ‘que o evangelho que eu preguei e no qual vocês acreditaram, nele se encontra a verdadeira salvação, e não em outras doutrinas que falsos pregadores trouxeram até vocês’. Paulo encontrava-se em Éfeso, na ocasião, e soube através de outros cristãos que em Corinto voltavam a circular doutrinas gregas antigas, pondo em dúvida a fé na eucaristia e na ressurreição dos mortos, por isso o Apóstolo escreveu-lhes esta carta, rememorando os ensinamentos que ele havia ali partilhado, a fim de conduzir a comunidade à verdadeira fé cristã. O trecho da leitura deste domingo aborda apenas o tema da ressurreição dos mortos, mas nos capítulos anteriores Paulo trata também dos outros temas, inclusive o conhecido “hino à caridade” (cap 13), no qual ele tematiza, de modo muito inspirado, as características fundamentais do amor cristão. A inclusão desse trecho no cenário litúrgico deste domingo se coloca na advertência feita pelo Apóstolo para que os cristãos de Corinto não se deixem enganar pelos falsos pregadores e não busquem a felicidade nos bens terrenos, esquecendo as verdades cristãs, dentre estas, a crença na ressurreição. Daí dizer ele, no versículo 19: ‘Se é para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, então nós somos os humanos mais dignos de compaixão’, ou seja, quem pensa assim está totalmente equivocado. Se os mortos não ressuscitam, então, Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, coitados de nós que acreditamos nele. Mas não, completa ele, Cristo ressuscitou, pois assim como entrou a morte no mundo por um homem, também por um homem veio para nós a ressurreição. Então, a fé na mensagem cristã é a fonte da verdadeira felicidade, e não as promessas ilusórias dos embusteiros. Por ser uma realidade de difícil compreensão, sobretudo naquele contexto da sociedade grega, marcada pelo materialismo e pelo imanentismo próprios daquela cultura, Paulo fez um raciocínio bastante didático, no capítulo 13, 12 dessa mesma carta, quando diz que, apesar dessa dificuldade, não é impossível crer, porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas depois veremos face a face: “Videmus enim nunc per speculum in aenigmate, tunc autem facie ad faciem”.


A temática sobre a felicidade que acompanha aqueles que acreditam e colocam em suas vidas a mensagem cristã está representada em sua melhor forma no famoso sermão da montanha, no qual Cristo chama a todos de bem-aventurados. Dizer que somos bem-aventurados é o mesmo que dizer que somos felizes. Em latim, a palavra bem-aventurados se diz 'beati' (plural de beatus) e esta é a mesma palavra que em português se traduz por 'felizes', tanto assim que algumas traduções do evangelho usam esta palavra nos textos: felizes os pobres no espírito, felizes os mansos, felizes os pacíficos, etc. Curiosamente, Cristo chama de bem-aventurados todos aqueles que, pelo status social, seriam pessoas desventuradas. O cap. 3 do Livro da Sabedoria, identifica os conceitos de “justo”, “feliz” e “santo”, quando diz: “Depois de terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, pois Deus os provou e achou dignos de si.” (Sb 3, 5). Aqui se encaixa o conceito de “felizes os que sofrem, porque serão consolados”. A felicidade, a santidade, a bem-aventurança e a justiça estão sempre de mãos dadas. Ser santo não é isolar-se de todos e viver nos desertos, passar o dia rezando e meditando, longe da comunidade. Talvez vivendo sozinho fosse até mais fácil para o ser humano alcançar a santidade. Mas o grande desafio da santidade é ser capaz de aturar as maledicências, as incompreensões, a má vontade de algumas pessoas com quem convivemos e ainda assim mantermos a serenidade, a alegria e o bom humor. Fazendo assim, nem é necessário desfiar as contas do rosário seguidas vezes nem castigar os joelhos no chão em preces contínuas, para alcançar o patamar da autêntica santidade.


O texto do evangelista Lucas sobre as bem-aventuranças é mais sintético do que o de Mateus, isso se explica porque um e outro se dirigiam a leitores de culturas diferentes. Lucas dirigia-se à comunidade grega e enfatiza os aspectos da pobreza, da fome, da perseguição, das injustiças sociais que fazem chorar as pessoas humildes. Em seguida, ironiza com os ricos, que possuem muitos bens, vivem na fartura, têm legiões de bajuladores, porque depois a situação irá inverter-se. Se observarmos bem, o contexto social sugerido pela leitura de Lucas referindo-se à sociedade grega daquele tempo não é muito diferente do mundo de hoje, no qual a enorme dicotomia entre ricos e pobres conduz àquela mesma estratificação: de um lado, pessoas muito ricas, que vivem na abundância e até zombam da miséria alheia, aproveitando-se dela em seu benefício. De outro lado, pessoas extremamente carentes, as quais, em grande número, se desviam para a criminalidade e a violência, como uma medida imediatista e ilusória de tentar superar a sua condição de inferioridade. Mas aqui pode ser colocada a advertência do profeta Jeremias: confiar na força da carne humana é igual a plantar sementes no deserto.


O sermão da montanha, como é popularmente conhecido esse trecho do evangelho, é uma síntese de diferentes ensinamentos e propostas, que Jesus fazia aos seus seguidores. Não necessariamente ele teria dito todas essas “bem-aventuranças” de uma vez só, num local específico, sendo mais provável que os escritores sagrados tenham coletado e reunido num mesmo texto esses, que podem ser considerados como o resumo geral e grandioso de toda a pregação de Jesus em forma de aforismos, concentrando em poucas palavras os temas principais de sua mensagem da salvação. Também podemos imaginar que esses ensinamentos eram transmitidos por Jesus para um grupo de seguidores mais próximos, incluindo os doze, aqueles que lhe eram mais fiéis. Muito embora a expressão “sermão da montanha” sugira que havia uma grande multidão de ouvintes, sabe-se que, nessas ocasiões, Jesus preferia proferir sua mensagem de forma de parábolas, utilizando-se de temas e situações comuns na vida daquelas pessoas. Essa forma mais refinada e concentrada de transmitir sua doutrina em temas deve ter sido adotada para um grupo menor, de pessoas mais comprometidas e fiéis, aos quais ele podia falar de um modo mais direto e contendo uma maior quantidade de exigências. Trazendo para o nosso contexto, o “sermão da montanha” se dirige exatamente a nós, cristãos do mundo de hoje, lembrando-nos dos nossos compromissos decorrentes de nossa adesão à fé cristã pelo batismo. Podemos dizer que hoje nós temos melhor condição de entender as “exigências” da fé cristã do que os doze apóstolos, que ouviram diretamente de Jesus essas palavras. Aqui está o nosso perene desafio: pô-las em prática.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 8 de fevereiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO COMUM - 09.02.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO COMUM – A VOCAÇÃO DE CADA UM – 09.02.2025


Caros Confrades,


Na liturgia deste 5º domingo comum, as leituras mostram três formas diferentes, pelas quais o chamado (vocação) divino foi dirigido a três personagens importantes na história da salvação: o profeta Isaías e os apóstolos Pedro e Paulo. Esses exemplos nos levam a refletir sobre a nossa própria vocação, cada um de acordo com os seus talentos, de modo que possamos dizer, como o profeta Isaías, diante do apelo do Senhor: “aqui estou, envia-me”.


Na primeira leitura, temos assim o relato de Isaías narrando sobre a sua vocação profética (6, 1), onde ele diz que foi no ano da morte do rei Ozias (740 a.C.) que ele recebeu a missão de profetizar. Diz ele que viu o Senhor dos exércitos sentado no trono, rodeado de serafins, que o adoravam dizendo “santo, santo, santo” e ficou com medo, considerando-se indigno de tamanha distinção, porque era apenas um pecador. Caiu por terra e tremeu, porque achava que ali iria morrer, pois de acordo com a tradição hebraica, ninguém tinha visto a Deus e depois continuado vivo. Então Isaías achou que era o momento de sua morte. Foi quando um dos serafins tirou uma brasa do altar, aproximou-se dele e com ela tocou a boca de Isaías, purificando-lhe os lábios para que ele pudesse falar em nome de Javé. Após isso, ele disse ao Senhor: estou pronto, envia-me. Este é, sucintamente, o relato de Isaías e daí podemos fazer algumas considerações.


Em primeiro lugar, destaco o fato de que foi Isaías o profeta que mais se aproximou da realidade do futuro Messias, inclusive sobre o sacrifício da cruz a que ele teria de se submeter, com os poemas sobre o “servo sofredor”. Tanto assim que o texto de Isaías é o mais citado por Jesus nas suas pregações, inclusive no domingo passado lemos aquele texto em que Jesus diz expressamente que “hoje se cumpriu a palavra do profeta”. Mas Isaías, por causa do contexto histórico e político do reino de Judá, onde ele vivia, sempre às voltas com guerras e ameaças por parte dos inimigos, tinha a visão de Javeh como um chefe guerreiro, o Senhor dos exércitos, de modo que as previsões que ele fez do Messias eram também de um destemido guerreiro, que viria expulsar os inimigos. Não é de admirar, portanto, que o povo hebreu tenha resistido em reconhecer a messianidade de Jesus, porque ele não veio na condição de herói, libertador político, conforme havia sido previsto pelos profetas. Quando Jesus veio pregar um reino do amor e da mansidão, eles não viram nele a figura correspondente à sua expectativa histórica, que se formara ao longo de tantos séculos, como de um Messias guerreiro e lutador.


Em segundo lugar, esse trecho de Isaías contém aquela invocação que foi colocada no cânon da missa como parte fixa: o Santo, Santo, Santo (Is 6, 3). que era o canto entoado pelos serafins que ladeavam o trono de Javeh. De princípio, convém explicar algo sob o aspecto gramatical, que não sei se todos sabem. Na língua hebraica, não há uma mudança morfológica na palavra, quando ela se põe no superlativo. Por exemplo, em português, o superlativo de “santo” é “santíssimo”, mas em hebraico, o superlativo da palavra se expressa com a repetição dessa palavra por três vezes. Desse modo, 'santo, santo, santo' (em hebraico: kadosh, kadosh, kadosh) quer dizer: santíssimo. Outro detalhe é que Isaías escreve: Senhor Deus Sabaoth, palavra hebraica que significa exércitos e que não foi traduzida nem para o grego nem para o latim, mantendo-se a grafia original nesses dois idiomas. Quem se recorda da missa em latim, lembra disso: Sanctus, sanctus, sanctus, Dominus Deus Sabaoth. Assim era também em português, mas na reforma litúrgica, a CNBB preferiu alterar a denominação “Deus dos exércitos” por “Deus do universo”, como está hoje no texto oficial.


Outro detalhe interessante é que o serafim apanhou uma brasa do altar com uma tenaz, espécie de alicate, (para não se queimar) e com ela tocou os lábios de Isaías (que não se queimou), ficando com isso purificado para falar em nome de Javeh. É interessante notar essa figura do fogo como símbolo da purificação, que tem presença constante nas imagens bíblicas. A brasa foi retirada do fogo que fora aceso para o sacrifício das vítimas que eram oferecidas ao Senhor. Ora, esse detalhe insinua que Isaías teve esta visão enquanto estava no templo. Isaías teve a árdua missão de denunciar os pecados do povo de Israel, desde os simples fiéis até os governantes, fato que ele fez com muita coragem, mesmo sabendo dos riscos que corria. Não é fato histórico confirmado, mas há uma tradição que afirma que Isaías morreu ao ter seu corpo serrado no meio, por ordem do rei Manassés, que ficou ofendido com as admoestações do profeta.


Na segunda leitura do domingo, o apóstolo Paulo conta, de sua própria pena, a sua vocação, história que todos conhecemos. Mas ele faz alguns complementos interessantes sobre as aparições de Cristo após sua ressurreição, narrativas que estão em certa divergência com os evangelhos. Por exemplo: diz que Jesus apareceu primeiro a Cefas (Pedro) e depois aos doze (2Cor 15, 5); esta aparição a Pedro isoladamente não consta nos evangelhos. Diz depois: mais tarde, apareceu a mais de 500 irmãos de uma vez, depois apareceu a Tiago e depois aos apóstolos todos juntos. Pelas narrativas evangélicas, essas aparições a 500 irmãos e a Tiago também não estão registradas, contudo, não se pode dizer que Paulo esteja faltando com a verdade, pois muitas tradições orais que eram conhecidas em algumas comunidades não eram conhecidas em outras e nem todas foram escritas.


Por fim, em 2Cor 15, 8, Paulo diz que Jesus apareceu também a ele (“como um abortivo”), afirmando não ser merecedor de tamanha honra. Nesse ponto, Paulo está fazendo um discurso de humildade, arrependido do tempo em que foi perseguidor da Igreja. Mas logo depois (vers. 10), ele faz um autoelogio, ao dizer: tenho trabalhado mais do que os outros apóstolos. Talvez como uma espécie de compensação, por ter sido perseguidor, Paulo tenha se dedicado muito mais do que os outros, em viagens e missões por todo o mundo grego, levando o cristianismo até Roma, que era a grande capital do mundo de então. Foi Paulo quem levou Pedro para presidir a comunidade de Roma, para dedicar a ele a honra de ser o líder cristão da cidade mais importante do mundo na época, fato que ainda hoje tem grande repercussão, na pessoa do Papa, bispo de Roma. Aliás, na minha convicção pessoal, a vocação de Paulo é uma das maiores provas da divindade de Cristo, porque se dependesse dos doze apóstolos judeus, dificilmente o cristianismo teria alcançado a expansão que atingiu, em termos de locais habitados naquela época. Com sua formação intelectual e sua pedagogia arrojada, pode afirmar-se que Paulo foi o primeiro teólogo, igualando-se a João em importância na elaboração doutrinária.


O evangelho de Lucas (5, 1-11) expõe a vocação dos primeiros apóstolos: Pedro e seu irmão André, que eram sócios de Tiago e João, filhos de Zebedeu, todos pescadores. Primeiro, Jesus entrou na barca de Pedro e pediu que se afastasse um pouco da margem do Mar da Galileia (ou Lago de Genesaré), para que pudesse pregar para a multidão que estava na praia. Depois, Jesus ordena que Pedro adentre para águas mais profundas, a fim de pescar. Pedro estava meio desanimado, porque na noite anterior, a pescaria tinha sido um fracasso. Foi então que se deu a pesca milagrosa: eram tantos peixes que o peso deles rompia as redes e foi preciso chamar a outra barca (de Tiago e João), para que o auxiliassem. Foi quando Jesus convidou Pedro para ser pescador de gente, estendendo o mesmo convite aos demais.


Pois bem, meus amigos. O que vemos de comum nesses três episódios? É o fato de que Deus se serve de fatos da existência das pessoas para chamá-los a colaborar na Sua missão. Na história de nossas vidas, a vocação cristã nos põe diante desse desafio de identificar e cumprir a nossa missão na sociedade onde vivemos. Assim como Isaías, Pedro, Paulo e todos os apóstolos, se especularmos sobre o nosso passado, iremos encontrar diversos fatos pelos quais Jesus nos chama para dar testemunho dele, sendo essa a nossa missão. Missão é um conceito que se identifica com a nossa vida social, na qual somos chamados a viver de acordo com o evangelho, testemunhando a nossa fé perante a comunidade. Não é necessário ficar o dia todo com o terço na mão nem com a Bíblia embaixo do braço para simbolizar que estamos em missão. Quando cumprimos nossas tarefas com honestidade, convicção, amor ao próximo, alegria, integridade, estamos dando um testemunho muito mais eloquente e eficaz do que se estivéssemos só balbuciando orações em particular ou citando frases da Bíblia. Portanto, nós não precisamos sair da nossa rotina para colocar em prática a nossa vocação, para realizar na nossa vida o que Deus deseja e espera de nós, estejamos nós só na beira da praia ou em águas mais profundas. Em qualquer lugar em que nos encontremos, a missão está ao nosso alcance.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 1 de fevereiro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 4 DOMINGO COMUM - 02.02.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 4º DOMINGO COMUM – FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR – 02.02.2025


Caros amigos,


Neste domingo, a liturgia celebra a festa da apresentação do Menino Jesus no templo, que é também a festa da purificação de Maria. Esta festa é popularmente celebrada com o sugestivo nome de Nossa Senhora das Candeias, pois a liturgia a denomina de festa da luz, portanto, Nossa Senhora da Luz. É interessante notar como a Sagrada Família, seguindo rigorosamente o protocolo da lei de Moisés, dava exemplo de elevado devocionismo judaico. Interessante também notar como Jesus Cristo, em todas as referências que lemos nos evangelhos, sempre cuidou de cumprir a mesma lei mosaica, apenas desviando-se do excessivo literalismo e fundamentalismo dos fariseus, que o criticavam por isso. A festividade apresenta ainda a figura do velho Simeão, aquele que reconheceu o Messias prometido naquele indefeso menino que chegara ao templo.


A festa litúrgica desta data se presta a várias observações sobre costumes e legislações do antigo hebraísmo. Primeiramente uma informação: a distância entre Nazaré e Jerusalém, aonde José e Maria foram para apresentar o Menino Jesus, é de 112 km, aproximadamente a distância entre Fortaleza e Canindé. Conforme a lei mosaica, a apresentação do filho primogênito deveria ocorrer 40 dias após o seu nascimento. Assim, passado o “resguardo”, Maria e José prepararam-se para a viagem de Nazaré a Jerusalém, viagem a pé, naturalmente. As pessoas que fazem romaria a pé para Canindé, saindo de Fortaleza, em geral demoram 3 dias de caminhada. Considerando que José e Maria viajavam com uma criança de colo, essa viagem deve ter durado provavelmente uma semana. O evangelista Lucas não menciona isso, então podemos fazer esse cálculo. Ainda sob o aspecto legislativo, a apresentação do menino no templo corresponde ao que hoje os pais (geralmente, o pai) fazem: o registro do nascimento do filho no cartório. Era também o tempo de conferir a circuncisão do menino (que era feita no oitavo dia após o nascimento) e de cumprir o ritual de purificação da mãe, porque de acordo com a lei, a mulher ficava impura quando engravidava (assim como quando estava menstruada) e precisava fazer o ritual legal para obter a purificação e assim poder voltar a frequentar os locais sagrados. Também sob o aspecto legislativo, os pais deviam levar uma oferenda: os ricos ofereciam novilhos, os menos ricos ofereciam cabritos e os pobres ofereciam um par de pombinhos, foi esta última a oferta da Sagrada Família, o que demonstra a classificação econômica da família de Nazaré. Como se vê, a legislação da época fora cumprida à risca.


Os detalhes minuciosos narrados por Lucas (Lc 2, 22-40) não deixam a menor dúvida de que ele captou essas informações diretamente da fonte, ou seja, Maria revelou isso a ele. Quem mais saberia o que tinha acontecido no templo de Jerusalém, naquele dia? E Maria deve ter tomado o maior susto quando ela e José chegaram ao templo com o menino, porque eles sabiam da “origem” dele, mas aquilo era segredo dos dois. Ela deve ter ficado imensamente perturbada com a reação do velho Simeão, que reconheceu o menino como o Messias esperado e ainda deu a ela o aviso: uma espada traspassará o teu coração. Se Maria ainda não tinha noção do alcance do seu “sim” ao anjo Gabriel, naquele momento, ela viu bem claramente o que a esperava. E certamente ao narrar esses fatos a Lucas, após a morte e ressurreição de Cristo, Maria ainda tinha aquele diálogo bem vivo na sua mente. E a espada já havia sido fincada no coração dela, dando-lhe maior certeza de que aquele velho judeu que encontrara no templo tinha ido até lá impelido pelo Espírito.


E Maria guardou ainda a imagem de Ana, a profetisa, que também reconheceu o menino e cantou os louvores de Javeh. Lucas diz textualmente que Ana era uma profetisa (2, 36), isso não é apenas uma dedução dos biblistas. Vejam, meus amigos, como havia profetisas em Israel, assim como havia as diaconisas nos primeiros tempos do cristianismo. Paulo (Rm 16, 1) fala em Phoebe, da comunidade de Cencreia, certamente havia outras. Lucas fala de Ana, profetisa do templo de Jerusalém, certamente havia também outras. Assim, de um modo bem discreto, observa-se a referência às atividades religiosas das mulheres, tanto no AT quanto no NT, no entanto, hoje em dia, o exagerado clericalismo que se instalou na hierarquia eclesiástica católica coloca tantas dificuldades para o reconhecimento das mulheres nas funções de direção da Igreja. Recentemente, o Papa Francisco nomeou uma mulher para um elevado cargo na Secretaria de Estado do Vaticano, o que deu motivo a muitos elogios e sobretudo muitas críticas dos tradicionalistas.


Ainda na esfera dos costumes, observa-se na narração de Lucas quanto o cristianismo herdou o tabu hebraico acerca da sexualidade. O preconceito aliado ao desconhecimento do fenômeno natural da menstruação feminina faziam com que a mulher fosse considerada impura, havendo prescrições rigorosas para serem observadas tanto pela mulher quanto pelo homem, durante o período do mênstruo. A mulher menstruada ficará imunda por sete dias (Levítico 12,2) e se um homem praticar sexo com ela durante esse período, ele também ficará imundo por sete dias (Levítico 15, 24). Essas noções incipientes e preconceituosas sobre o processo de reprodução humana, dentro da evolução do saber científico, ficaram superadas. Todavia, o tabu e o preconceito reinante na teologia católica acerca da sexualidade continuam fortes e, aparentemente, insuperáveis. A própria regra da obrigatoriedade do celibato dos padres é, ao mesmo tempo, prova disso e possível causa dessa equivocada compreensão. Na realização do Sínodo da Amazônia, em 2020, quando se colocou a possibilidade da ordenação sacerdotal de homens casados, houve tamanha reação dentro da alta cúpula do Vaticano que o Papa achou melhor deixar o assunto esfriar, porque chegou-se até a falar em cisma, o que seria desastroso. Isso só vem confirmar o tamanho do preconceito que ainda prevalece nos meios católicos tradicionalistas, entre clérigos e leigos.


Passando agora para a leitura do profeta Malaquias, o último dos profetas, ele fala numa linguagem que faz lembrar Isaías, acerca do futuro Messias: “ quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata.(Ml 3, 2-3) Um fato curioso é que a liturgia sempre seleciona trechos bíblicos escritos pelos profetas em que eles se referem ao futuro Messias, deixando aquela impressão de que um profeta é alguém que prevê um fato, como é corriqueiro no linguajar popular. No entanto, quando os profetas se referem ao Messias, assim como o faz Malaquias, chamam a atenção para a dissolução dos costumes do povo, a corrupção das autoridades, inclusive dos sacerdotes, a prática da idolatria e o abandono do culto a Javeh. Então, eles sempre dizem: essas pessoas serão devidamente justiçadas quando vier o Messias, enquanto os justos, os cumpridores da lei, estes serão agraciados. É assim que se deve entender as figuras metafóricas utilizadas por Malaquias, no trecho citado. Os maus não irão resistir quando Ele aparecer, Ele será como o fogo da forja (ou seja, o calor que derrete os metais) ou como a barrela dos lavadeiros (ou seja, aquela substância cáustica que se mistura na água, a fim de lavar roupas muito sujas). Na verdade, o profeta Malaquias está denunciando a corrupção do povo e das autoridades e, ao mesmo tempo, anunciando a vinda daquele que vai trazer a justa recompensa para cada um, de acordo com o seu procedimento.


Na segunda leitura, o autor da carta aos Hebreus (que não é o apóstolo Paulo) ensina a doutrina da verdadeira humanidade de Cristo, que se tornou igual a um de nós, a fim de nos purificar e nos dar a salvação, “Pois, afinal, não veio ocupar-se com os anjos, mas com a descendência de Abraão.” (Hb 2, 16) Essa lição teológica da carta aos Hebreus é muito importante para nos confirmar que, desde os primeiros tempos do cristianismo, os fiéis já tinham a convicção de que Jesus era verdadeiramente humano e não um Deus disfarçado de homem, como alguns judeus da época e outros teólogos antigos quiseram afirmar. E vem confirmar também a nova face do Pai, que foi revelada por Cristo, muito diferente do Javeh do Antigo Testamento, que se apresentava como um Deus vingativo e cruel. Cristo vem mostrar a nova feição de Javeh como um pai misericordioso, sempre disposto ao perdão, que se preocupa com os filhos e, longe de querer castigá-los, quer que todos se convertam e se salvem. Cristo não veio ocupar-se com anjos, mas com os descendentes de Abraão, ou seja, com pessoas pecadoras. Por isso, Ele assumiu plenamente a condição humana, para sentir na carne o que os homens sentem, “pois, tendo ele próprio sofrido ao ser tentado, é capaz de socorrer os que agora sofrem a tentação. ” (Hb 2, 18). Mostrando com seu exemplo como se deve enfrentar e vencer o pecado, Cristo, com seu sacrifício, nos dá a certeza de que nós também, servindo-nos dos recursos espirituais que Ele nos deixou, temos condição de alcançar o merecimento da glória que Ele conquistou para nós.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos