sábado, 26 de abril de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA MISERICÓRDIA - 27.04.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DA PÁSCOA – DIVINA MISERICÓRDIA – 27.04.2025


Caros Confrades,


Neste segundo domingo da Páscoa, a liturgia celebra o “domingo da misericórdia”, dia consagrado a essa festa, que é nova no devocionismo católico, pois só passou a ser prestigiada no final do pontificado do Papa São João Paulo II. A exaltação da misericórdia divina é o reconhecimento das revelações particulares recebidas por Santa Faustina Kowalska, uma freira polonesa, falecida aos 33 anos, em 1938, e que deixou registradas, no seu diário, inúmeras visões em que Cristo aparece a ela com raios fulgindo do coração e pedindo-lhe a divulgação da sua misericórdia pela humanidade. A própria palavra “misericórdia” resume outras duas palavras latinas: miserere (ter compaixão) e cordis (do coração). O Papa Francisco, em 2022, dirigindo-se aos peregrinos, no Vaticano, assim definiu essa virtude: “A misericórdia é, antes de mais nada, a proximidade de Deus ao seu povo. Uma proximidade que se manifesta principalmente como ajuda e proteção.” Foi em virtude de sua misericórdia que Deus se fez um de nós, concluiu o Papa, o que torna esta solenidade totalmente alinhada com as festividades pascais.


Na primeira leitura, dos Atos dos Apóstolos (At 5, 12-16), lemos diversos testemunhos narrados por Lucas (autor do texto) da grande adesão de novos cristãos, mediante a pregação dos Apóstolos e os milagres realizados por eles. Inicialmente, escondidos e trancados em casa por medo das perseguições que lhes ocorreram depois da morte de Cristo, no entanto, após a ressurreição, houve uma transformação no comportamento deles e no seu modo de agir. Diz o texto que acorriam multidões das cidades próximas de Jerusalém, para ouvir a pregação dos Apóstolos e traziam seus doentes para serem curados. Colocavam os doentes nos locais por onde eles deviam passar e esperavam que ao menos a sua sombra os alcançasse, porque isso era garantia de cura. Com efeito, pelos relatos de Atos, os Apóstolos fizeram grande quantidade de milagres, os quais não foram todos conservados nas narrações, até porque isso seria impossível, dada a sua profusão. Os milagres feitos por intermédio dos Apóstolos tinham uma força probante muito eficiente, porque demonstravam nas pessoas destes o poder e a divindade de Jesus. O poder de convencimento que os Apóstolos exerciam eram fortíssimo, ocasionando grande quantidade de conversões em Jerusalém e nas cidades próximas. Nessa época, a mensagem ainda era dirigida apenas aos judeus, chegando aos gentios somente mais tarde. Diz Lucas (At 2, 41) que, num único dia, mais de três mil judeus se converteram e receberam o batismo.


Na segunda leitura, lemos um trecho do Apocalipse de João, na qual ele relata algo que passou, quando esteve exilado na ilha de Patmos, e declara que alguém, semelhante ao filho do Homem, afirmou para ele que havia morrido, mas agora está vivo para sempre, mandando ainda que ele escrevesse a visão que estava presenciando. O testemunho de João é valiosíssimo, porque ele convivera com Cristo em vida terrestre e O viu depois de ressuscitado, por diversas vezes. Associando-se isso ao fato de que João foi o Apóstolo que teve vida mais longa e, portanto, acompanhou todo o desenvolvimento do cristianismo nascente, tinha um conhecimento privilegiado de todos esses fatos e por isso a sua reflexão tinha aquela grande autoridade de cofundador do cristianismo. Um outro aspecto interessante do escrito de João é que podemos perceber ali (Ap 1, 11) um conceito da inspiração dos livros sagrados: o agiógrafo observa os fatos e os relata, de acordo com a sua percepção. Não podemos, pois, pensar que a palavra de Deus escrita, isto é, a Bíblia, tenha sido uma espécie de “ditado divino” ou um texto psicografado, como em algumas épocas anteriores assim se afirmava, para dar maior credibilidade aos textos. A mensagem é divina, mas a escrita é humana e a palavra de Deus é uma síntese dessas duas realidades, que nos compete interpretar.


O trecho do evangelho de hoje (Jo 20, 19-31) é o conhecido episódio da incredulidade de Tomé, um dos textos mais conhecidos do cristianismo antigo, porque ali João usava a imagem do apóstolo reticente para reforçar na fé os novos cristãos, ao dizer: bem-aventurados os que creram sem terem visto Jesus. E observemos que, embora Tomé tivesse dito antes que só acreditaria se pusesse o dedo nos locais das feridas de Jesus, quando se viu frente a frente com ele, ficou tão envergonhado de sua falta de fé que não teve outra iniciativa, senão a de prostrar-se e confessar soluçante a sua crença: Meu Senhor e meu Deus!. Podemos imaginar a cena em que Tomé teve sua arrogância inicial de incrédulo totalmente desmontada pelo chamado de Jesus: vem aqui e olha essas feridas… põe o dedo… ora, Jesus sabia do que Tomé havia dito e nem havia falado com ele antes. Desmoronou por completo a sua dúvida. Jesus teve uma atenção especial com Tomé, porque ele teve dificuldade de permanecer unido com o grupo, após a morte de Jesus, assim como aconteceu também com os discípulos que iam para Emaús, abandonando o grupo. E podemos concluir daí também que João narrou esse episódio com riqueza de detalhes exatamente porque, em algumas comunidades primitivas, ainda havia incertezas e interrogações acerca da humanidade real de Jesus, acerca da sua paixão e ressurreição, e João fora testemunha ocular de tudo aquilo, o que lhe garantia uma confiabilidade total nas suas narrativas. Certamente por isso é que esse episódio da incredulidade de Tomé foi narrado apenas pelo evangelista João, não se encontrando nos demais evangelhos. João tinha conhecimento do fato por experiência própria, por ter sido um dos que estavam presentes no momento, enquanto os outros autores dos evangelhos escreveram apenas pelo que ouviram ou leram a respeito. E João ainda diz mais que Jesus havia realizado muitas outras maravilhas, que não foram escritas naquele livro, as que estão escritas são apenas uma amostra de tudo o que Ele havia feito.


Quero fazer uma referência, neste contexto, a outro trecho dos Atos dos Apóstolos que foi lido na liturgia de ontem, sábado, acerca da pregação dos Apóstolos e da adesão em massa dos judeus ao cristianismo, causando preocupação aos chefes dos Sacerdotes e aos anciãos do povo. Estes sabiam que aqueles Apóstolos eram os mesmos que haviam seguido Jesus e sabiam que eles eram homens de pouca instrução, daí não conseguirem entender o motivo de eles terem ficado tão sábios e eloquentes da noite para o dia, fazendo milagres que eles não podiam negar, eles mesmos presenciaram os fatos. (At 4, 14). Mandaram prendê-los, mas logo depois os soltaram, com receio de uma reação por parte da multidão, que os estimava e defendia. E ficaram a discutir sobre o que fazer para frear o avanço do cristianismo nascente, para que “a coisa não se espalhe ainda mais entre o povo” (At 4. 17). Então, chamaram Pedro e João e os proibiram de ensinar e pregar o nome de Jesus, ameaçando-os. Eles simplesmente disseram que não obedeceriam aquela ordem e os fariseus não puderam fazer nada, por causa do grande apoio popular que os Apóstolos tinham.


Observa-se, meus amigos, como foi impactante o resultado da pedagogia de Cristo usada durante a sua missão de pregador, quando lemos sobre os fatos ocorridos após a sua morte. Os fariseus e os sumos sacerdotes fizeram uma manobra política para conseguir a condenação de Jesus à morte, na expectativa de que, com isso, seus discípulos se dispersassem e a coisa se acabasse por ali. Assim já havia acontecido com outros “revolucionários” e havia dado certo, pensavam eles que com Jesus seria a mesma coisa. Só que com Jesus a situação foi outra, porque Ele ressuscitou, isso fez toda a diferença. Desse modo, a grande massa ao ver os milagres operados pelos Apóstolos, em nome de Jesus ressuscitado, tiveram a certeza do seu poder e da sua origem divina, contrariando os prognósticos dos sacerdotes. O resultado disso é que a adesão à nova fé entre os judeus se apresentou em tal profusão que os sacerdotes ficaram sem saber o que fazer. Aquela estratégia imaginada com a sua condenação estava surtindo o efeito contrário do pretendido, ou seja, Jesus morto (mas ressuscitado), se tornara ainda mais poderoso do que antes de morrer. Essa é a grande mágica da loucura da cruz, de que fala o apóstolo Paulo (1 Cor 1, 18): “Porque a palavra da cruz é loucura para os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” Os chefes dos sacerdotes, ao apresentarem Jesus como um louco perante a multidão e o submeterem ao máximo suplício, pensavam que haviam exterminado a sua pregação e a sua influência. Não demorou nada e aquela suposta loucura estava se transformando em extraordinário poder, contra o qual os seus algozes não tinham mais nenhum controle.


Meus amigos, neste segundo domingo pascal, acompanhemos as homenagens que são feitas à nova devoção cristã da misericórdia divina, compreendendo que a misericórdia divina é a nova imagem pela qual se apresenta a face de Jesus ressuscitado.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

segunda-feira, 21 de abril de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DA PÁSCOA - 20.04.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA PÁSCOA – 20.04.2025 – PÁSCOA SEM FIM


Caros Confrades,

A Páscoa, a festa mais antiga da humanidade, é sempre uma ocasião inspiradora de novas esperanças, oportunidade para renovar compromissos e, principalmente, reacender a fé, porque esta é que nos mantém firmes na caminhada. A cada ano, rememoramos a gloriosa ressurreição de Jesus Cristo, fonte e sustentáculo permanentes de nossa fé, no entanto, esta festa não pode ser vista apenas como uma repetição de fatos já conhecidos, senão uma soprada de vento nas cinzas que cobrem o braseiro de nossa vivência religiosa, a fim de tornar vivo o fogo subjacente. Enquanto tivermos fé, teremos energias para seguir adiante. Se ela fraquejar, tudo o mais também desmoronará. Portanto, a maior mensagem que a ressurreição de Cristo poderá nos trazer é a firmeza na nossa fé.


Aqui está, com efeito, o ponto central da nossa fé cristã: a ressurreição de Cristo. Jesus não inventou a Páscoa, mas sendo conhecedor da história humana, ele escolheu esta significativa data para realizar nela a sua ressurreição, isso não foi por mero acaso, tenho plena convicção de que houve a ação divina para que esses fatos tenham se encaminhado para uma realização conjunta. Foi tudo meticulosamente planejado desde o início. Jesus, por diversas vezes (relatam os evangelistas), em anos anteriores, se dirigira a Jerusalém para celebrar a Páscoa. Era assim que todos os judeus faziam e Jesus era judeu plenamente. Até então, a Páscoa rememorava, para eles, a libertação da escravidão do Egito, fato que já era considerado o ponto central da fé israelita: a conquista da liberdade perante um adversário muito mais poderoso e bem equipado, tudo conduzido por Javeh, numa demonstração de predileção por aquele povo e provando Sua fidelidade com a aliança tratada com os antigos patriarcas. Mas, naquela ocasião, a Páscoa passaria a ter um significado diferente, que nós conhecemos como a Nova Aliança.


Com efeito, os pesquisadores não sabem a origem da festa da páscoa, porque essa é uma tradição que se perde no tempo. Estima-se que a páscoa começou a ser celebrada desde que os seres humanos começaram a formar grupos estáveis em determinados locais, onde passaram a plantar e criar animais, deixando assim de ser nômades, como eram os primeiros grupos humanos. Ou seja, a festa da páscoa originalmente estaria integrada com o próprio surgimento da sociedade humana. Esse tempo geográfico que, no hemisfério norte, corresponde à primavera e coincide com o tempo em que as árvores iniciam a brolhar após o frio do inverno, começando a produzir os primeiros frutos da terra, passou a ser festejado como o tempo da primeira colheita, tempo de fartura e da prosperidade, celebrando a paz entre a natureza e os seus habitantes, tempo em que os animais também acasalam e a vida sobre a terra se renova. Este seria o sentido primitivo da páscoa, festejada desde tempos imemoriais.

A páscoa, portanto, desde os primórdios, já tinha um significado especial para a espécie humana, mesmo antes de alguns acontecimentos importantes terem ocorrido nessa época do ano, vindo a trazer um sentido renovado para essa festa, dentro da tradição judaico-cristã. Assim é que a fuga dos hebreus do Egito, onde eles viviam como escravos, se deu por ocasião da páscoa. A narração epopeica do Êxodo reproduz a fé dos judeus no Deus de seus ancestrais, permeada de intervenções divinas poderosas, protegendo o povo contra o inimigo perseguidor. Porém, divergindo disso, teorias de alguns historiadores acreditam que ocorreu, de fato, uma fuga em massa de escravos, dentre eles, os hebreus, liderados por Moisés. Tudo fora combinado para que aproveitassem os festejos da páscoa, porque os egípcios também estariam festejando, e assim os fugitivos teriam mais chance de não serem percebidos ou de pensarem que aquela fuga alguma forma celebrativa e isso os faria ganhar tempo e dianteira, antes que o exército do Faraó se pusesse a caminho para recapturá-los. Assim foi que o grupo de fugitivos somente foi alcançado quando já haviam atravessado o Mar Vermelho, portanto, já fora dos limites territoriais do Egito. Só que os hebreus conseguiram atravessar o mar com a maré baixa, porém quando os soldados do Faraó chegaram, a maré já estava enchendo e assim eles ainda tentaram alcançar os fugitivos, mas o mar os impediu. No livro do Êxodo (14, 21) há uma referência a isso, quando diz que Moisés estendeu a mão sobre o mar e durante toda a noite soprou vento forte, dividindo as águas. Segundo essa versão não bíblica da história, não houve uma “divisão” das águas em colunas (como aparecem nas versões cinematográficas), mas os fugitivos aguardaram na beira-mar o vento siroco que fazia a maré recuar, a ponto de conseguiram atravessar até a outra margem, com água rasa. Quando os egípcios chegaram, aquele vento forte havia cessado e eles tentaram seguir pelo mesmo caminho, mas então a profundidade da água não permitiu que eles atravessassem, e com isso os israelitas puderam seguir seu caminho. Aquela narração clássica bíblica do Êxodo, com uma linguagem carregada de símbolos, que já foi artisticamente representada nos filmes, fazia parte da catequese rabínica, para exaltar diante dos jovens judeus, que não haviam passado por aqueles momentos de aflição, a proteção de Javeh para com o seu povo.


Para os hebreus, portanto, a Páscoa lembrava essa trajetória heroica dos seus antepassados, o início de sua história como povo livre, e desse modo a Páscoa era a festa da liberdade reconquistada, era (e ainda é) a principal festa do povo hebreu. Tanto assim que os chefes dos sacerdotes queriam “resolver” a situação de Jesus antes da Páscoa, porque se entrasse o período festivo, as pessoas iriam se dedicar à festa e não haveria mais clima favorável ao julgamento pretendido por eles. Porém, o que eles não sabiam é que tudo isso já estava no plano salvífico divino. Ao chamar os apóstolos para irem com ele a Jerusalém, para aquela páscoa especial, Jesus fez tudo diferente: uma entrada triunfal, montado num jumento, aclamado pela população. Quantas vezes Jesus já havia ido a Jerusalém para a Páscoa e não tinha feito assim. Mas aquela Páscoa iria ganhar um significado novo, aquela iria ser a Sua páscoa e, com isso, a nossa Páscoa verdadeira e definitiva. As primeiras comunidades cristãs, de início, não perceberam isso e continuaram celebrando o dia do Senhor no sábado, como era a tradição hebraica. Mas depois foram percebendo que, com a ressurreição de Cristo, a Páscoa tinha ganho um novo sentido e aquela antiga tradição sabática precisava ser superada pela celebração dominical, porque Jesus havia ressuscitado no primeiro dia da semana, que passou a ser chamado de Dia do Senhor (dies dominica). O novo significado da Páscoa, como festa da vida renovada, da vida plena e definitiva, da vida que supera a morte devia ser comemorada como uma nova festa, com um novo simbolismo, essa devia ser a nova referência para as festividades pascais.


O evangelho deste domingo (Jo 20, 1-9) relata os eventos da madrugada daquele domingo, de acordo com o testemunho ocular de João: a pedra da entrada do túmulo estava fora do lugar e o defunto havia sumido. A narrativa joanina é bastante sóbria, porque outros escritos da época (chamados apócrifos) trazem detalhes bem mais interessantes. Os chefes dos fariseus, com receio de que os seguidores de Jesus fossem retirá-lo do túmulo, pediram a Pilatos que colocasse guardas armados protegendo a entrada do sepulcro. E lá estavam eles, certamente se embriagando naquela noite enluarada de sábado (lua cheia), quando de repente um clarão forte os assustou e eles viram dois homens com vestes de luz que chegaram e removeram a pedra da entrada do sepulcro. A luz que veio lá de dentro foi ainda mais intensa, de modo que eles ficaram aterrorizados e fugiram, abandonando a guarda. Esses mesmos homens de roupa luminosa aguardaram a chegada de Myrian de Mágdala e das outras piedosas mulheres, para anunciar a elas que Ele, aquele a quem elas buscavam, não estava mais ali, pois havia ressuscitado. Sem entender muito bem aquilo, Myrian continuou a procurar pelos arredores, até ser encontrada pelo próprio Raboni em pessoa. Que sublime e maravilhosa distinção Jesus fez com aquela que era a sua discípula mais devotada e sincera. Ela foi não apenas a primeira testemunha da ressurreição, como foi também a portadora da boa nova (evangelion) aos apóstolos.


Neste domingo de Páscoa, e nos domingos que seguem, pois a festa da Páscoa se estende por sete domingos, até a “festa das semanas” (Shavuot, dos hebreus), como se todos fossem um único domingo estendido, aproveitemos para refletir sobre tão grandioso mistério, buscando integrá-lo com as atividades do nosso dia a dia, pois a Páscoa é aquela festa que se renova em cada domingo, a cada vez que celebramos a eucaristia. Não faz sentido celebrar a Páscoa apenas com o Círio aceso, os ovos de chocolate e os cumprimentos formais, mas no nosso recinto interior, essas festividades devem encontrar eco e ressonância perceptíveis em todas as nossas atitudes.


Renovados votos de Feliz Páscoa a todos.
Antonio Carlos


sábado, 12 de abril de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE RAMOS - 13.04.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – O SERVO SOFREDOR – DOMINGO DE RAMOS - 13.04.2025


Caros Confrades,


A liturgia do Domingo dos Ramos traz uma leitura clássica da profecia de Isaías acerca do servo sofredor. É oportuno lembrar que Isaías era o profeta preferido nas citações de Cristo, quando em discussão com os fariseus referia-se à sua pessoa. É realmente desconcertante observar que, com cerca de 700 anos de antecedência dos fatos, a visão profética de Isaías tenha sido tão perfeita e fiel em relação ao que sucedeu com o Messias. Outro relato profético de grande precisão foi a profecia de Miqueias, acerca do nascimento de Jesus em Belém (Mq 5, 2). Mas os relatos de Isaías são muito mais impressionantes e com grande riqueza de detalhes. Após a ressurreição de Jesus, os apóstolos e os primeiros cristãos começaram a perceber uma grande harmonia entre o livro de Isaías e a paixão de Jesus, tornando-se esse livro uma grande fonte de referência para a composição dos evangelhos.


É também oportuno mencionar que a festa da Páscoa, no tempo de Cristo, era celebrada na noite da lua cheia, pois eles seguiam o calendário lunar. Esse fato podia acontecer em qualquer dia da semana, sendo considerado um “shabat” especial. Somente a partir do século XVI, com a adoção do Calendário Gregoriano, a festa da Páscoa teve sua data fixada para um domingo. Ainda hoje, os judeus seguem o calendário lunar e as igrejas católicas ortodoxas também se baseiam na lua, por isso celebram a Páscoa em datas diferentes da Igreja Romana.


Na condição de judeu convicto, Jesus foi diversas vezes a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Nessa vez, que ele sabia que seria a última, ele fez de propósito uma chegada diferente, montado num jumento e aclamado pela multidão. Essa entrada especial se deu em cumprimento ao preceito mosaico (Ex 12, 3), onde está escrito que Javeh mandou que o “cordeiro a ser sacrificado” seria escolhido no décimo dia daquele mês, e no décimo quarto dia, à tarde, o cordeiro seria imolado. Jesus, cordeiro de Deus, quis proceder integralmente como diz a lei de Moisés, a qual ele não veio revogar, mas cumprir. A mudança da celebração pascal para o domingo, ocorrida posteriormente, foi um modo de a tradição cristã homenagear a ressurreição de Cristo, que se deu no primeiro dia da semana, e também para indicar uma nova regra celebrativa, diferente dos costumes antigos dos patriarcas, pois Cristo afirmou, por diversas vezes, que viera trazer um novo mandamento, uma nova proposta religiosa, um novo estilo de adorar o Pai. Essa é a justificativa teológica oficial. Mas no meu ponto de vista pessoal, opino que foi uma deliberação imprópria, pois devia ter-se mantido a festa sabática, de acordo com a mais vetusta tradição, sem prejuízo do destaque que sempre foi dado à ressurreição de Jesus. Obviamente, a essas alturas da história ocidental, não faz mais sentido retornar ao antigo costume, todavia registro o meu voto de desacordo com essa mudança. A Páscoa já existia antes do cristianismo, pois é a festa mais antiga da humanidade e continua regida pelo calendário lunar, sendo este mais um motivo para não ter sido alterada a sua data comemorativa sabática.


Passando às leituras, a primeira, do profeta Isaías, (Is 50, 4-7) assim descreve a imagem do servo sofredor: aquele que não foge diante dos castigos, que oferece a outra face a quem lhe bateu e não se afasta diante de bofetões e cusparadas. E complementa: “o Senhor Deus é meu Auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado.” O texto de São Jerônimo, traduzido literalmente, é mais enfático: por isso, expus o meu rosto como pedra duríssima, pois sei que não ficarei desconcertado. O servo sofredor era a imagem oposta da figura do Messias que os fariseus esperavam, visto que eles o imaginavam um cavaleiro real, altivo e indomável, brandindo a espada e expulsando os romanos do território deles. Decepcionaram-se. Ainda hoje, os judeus radicais consideram que o Messias não veio, porque essas “promessas” de realeza não se cumpriram em Jesus.


Temos, na segunda leitura, outro conhecido texto de Paulo à comunidade de Filipos, a sua preferida. Falando sobre o sacrifício de Cristo, diz que ele não fez da sua condição divina um privilégio para evitar os sofrimentos. Eu não gosto da tradução oficial do texto da CNBB, que usa o vocábulo “usurpação” (não fez do ser igual a Deus uma usurpação – Fl 2, 6). A meu ver, modifica totalmente o sentido da mensagem paulina. Paulo estava afirmando que Jesus sofreu realmente os castigos que lhe foram impostos, ele abriu mão de sua condição divina em preferência à condição humana, a fim de nos redimir de todos os pecados e nos dar a salvação. Em tempos passados, alguns cristãos, inclusive bispos e padres, defenderam a tese de que Jesus não havia sofrido de verdade, pois ele era Deus e podia evitar o sofrimento, assim toda a sua paixão teria sido uma encenação de sofrimento, espécie de fingimento, mas não real. Paulo afirma exatamente o oposto. Cristo não escapou do sofrimento, porque ele quis assim. Esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo (Fl 2, 7), se ele não tivesse feito assim, a sua paixão não teria valor nenhum e dela nós não teríamos proveito dela para a nossa salvação. Pela sua obediência ao plano do Pai, ele foi exaltado acima de todos e assim conquistou a redenção em nosso favor. Esse é o grande mistério que os judeus até hoje não compreenderam e não aceitaram. Para os judeus atuais, Jesus foi apenas mais um profeta famoso.


Na leitura do evangelho de Lucas (22, 14), o evangelista descreve a condenação e crucifixão de Jesus, juntamente com outros dois réus. Há um trecho interessante, que reproduz o momento em que o 'mau ladrão' com Ele crucificado, o provoca dizendo: “salvou os outros, salva agora a ti mesmo”. A resposta para esta provocação está na passagem de Isaías acima e também está explicada na carta de Paulo aos Filipenses. Se Jesus tivesse utilizado o seu poder miraculoso para se livrar da cruz, o plano do Pai teria fracassado. Daí a queixa humana de Jesus: “Pai, por que me abandonaste?” E depois, a entrega: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Jesus veio para o mundo humano a fim de cumprir a missão que o Pai lhe destinou, então não seria Ele próprio o gestor desta empreitada, e sim o Pai que O enviou. As diversas manifestações miraculosas realizadas em outras pessoas tinham como finalidade levar aquelas pessoas a acreditarem n'Ele, na Sua missão, na Sua divindade, na Sua entrega total ao cumprimento da promessa. Vejamos o grande testemunho contido nos versículos 47 e 48 do cap. 23 de Lucas: “O oficial do exército romano viu o que acontecera e glorificou a Deus dizendo: 'De fato! Este homem era justo!' E as multidões, que tinham acorrido para assistir, viram o que havia acontecido, e voltaram para casa, batendo no peito.” O sacrifício de Cristo começou a produzir seus efeitos logo logo, de modo imediato, após o “consummatum est”. Nem foi preciso esperar a Sua miraculosa ressurreição nem a vinda do Paráclito para que os resultados pudessem ser notados.


Consta nas narrações dos evangelistas que a crucifixão de Jesus teria sido por volta da hora sexta (meio dia) e que se fizeram trevas no local até a hora nona (3 da tarde), cf. Lucas, 23, 44, quando Jesus entregou o espírito ao Pai. Especulando sobre esse fenômeno, pergunta-se: o que teria provocado tal escuridão? Talvez um eclipse? Bem, a festa da Páscoa, desde tempos imemoriais, está sempre associada à ocorrência da primeira lua cheia da primavera (isso, para os europeus; pois para nós, seria a primeira lua cheia do outono). Eu nunca li nada a respeito de um provável eclipse do sol associado à morte de Cristo, mas eu arriscaria essa probabilidade, pois o evangelista Lucas é bastante cuidadoso na produção do seu texto e bastante criterioso na citação dos detalhes, portanto, essa referência a um horário de trevas não teria sido inventada. O sol parou de brilhar e a cortina do templo partiu-se ao meio. A inauguração da vida missionária de Jesus deu-se com o evento miraculoso da aparição do Espírito juntamente com a voz do Pai. A sua finalização na cruz também merecia, certamente, ser marcada com eventos miraculosos provocados na natureza, isso me parece coerente. Por outro lado, é bem verdade que os relatos dos evangelhos não podem ser entendidos como “atas” dos acontecimentos ou “reportagens” de profissionais, mas sim como relatos de testemunhas e expressões de fé das primeiras comunidades, as quais são críveis exatamente porque estão situadas temporalmente bem próximas dos fatos. Isso nos ajuda a ultrapassar dúvidas infundadas e questionamentos desnecessários. A nossa fé deve estar adiante e acima desses detalhes.


Devemos também estar cientes de que a comemoração da Páscoa não deve ter seu foco apenas na paixão de Cristo, mas sempre nos lembrarmos que os sofrimentos de Cristo são a transição para a Sua glória, pois não há como falar em ressurreição sem falar em morte, no entanto, o que deve ser ressaltado nas comemorações da semana santa há de ser muito mais a ressurreição do que a paixão. As encenações teatrais da Paixão de Cristo formam uma tradição mundial, até filmes já exploraram exaustivamente o tema, no entanto, não é esse sentimentalismo e essa consciência de culpa que deve nos servir de estímulo, e sim o resultado final disso tudo, ou seja, o triunfo de Cristo sobre o pecado e a morte. O sacrifício de Cristo não se esgota na paixão, mas se corrobora na ressurreição. Os sofrimentos são constantes na nossa vida, mas Jesus nos ensina a não nos concentrarmos neles nem nos deixarmos sucumbir por eles, porque Ele nos deu o maior exemplo de que todo sofrimento será superado e toda morte será vencida, e o que nos coloca nesta perspectiva é a nossa fé sempre viva e produtiva. Fé sem obras não existe.


Portanto, meus amigos, vivamos e comemoremos as festividades desta semana santa dentro do espírito da verdadeira 'parasceve', isto é, a preparação para a Páscoa do Senhor, que nos conduz à verdadeira vida. E, para não perder a tradição que aprendi no Seminário, sugiro que rezemos diante do altar a jaculatória: Adoramus te, Christe, et benedicimus tibi, quia per sanctam crucem tuam redemisti mundum.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 5 de abril de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 5º DOMINGO DA QUARESMA - 06.04.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA QUARESMA – FALSIDADE X VIRTUDE – 06.04.2025


Caros Confrades,


Neste 5º domingo da quaresma, a liturgia traz para nossa reflexão um episódio narrado pelo evangelista João e bastante conhecido pelo grande público, que é o caso da mulher flagrada em adultério a qual, conforme a Lei de Moisés, deveria ser apedrejada, destacando a sabedoria de Jesus para atropelar o preconceito e a hipocrisia dos fariseus. A prudente e corajosa atitude de Jesus, enfrentando os mestres da Lei e o povo por eles insuflado, além de demonstrar a infinita misericórdia divina, passou-lhes no rosto que certas tradições legalistas não significam cumprimento do mandamento de Deus; além do que, ao que se sabe, muitas vezes, tais acusações eram forjadas e fundadas em testemunhos de pessoas sem escrúpulo, subornadas para tal fim. Em suma, falsidade travestida de virtude. Esse é um tema recorrente também nos tempos modernos.


Na primeira leitura, o projeta Isaias (43, 18) nos dirige um recado bem apropriado para esse tempo quaresmal de renovação espiritual: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis?” Pois é, será que nós também não somos capazes de reconhecer as coisas novas que Deus nos faz constantemente? O grande acesso a diversos meios de comunicação virtual, antes resumido ao jornal, ao rádio e à TV, possibilita uma visão muito mais ampla e detalhada da realidade, sob os mais diversos aspectos (inclusive, os falaciosos divulgados como “fake news”, que também precisam ser habilmente reconhecidos), favorecendo a uma melhor análise da realidade social. A consciência da cidadania e o exercício responsável da civilidade faz parte da nossa vida de cristãos, inclusive o cuidado responsável com a ecologia integral (tema da Campanha da Fraternidade), independente da opção partidária que cada um possa ter. O acompanhamento dos fatos sociais e a equilibrada análise deles é uma das formas mais concretas da vivência da nossa fé em Jesus Cristo. Esse tema de Isaías foi utilizado também por Paulo naquela polêmica levantada pelos cristãos judaizantes, que queriam restabelecer a obrigação da circuncisão como complemento do batismo, ao que Paulo argumentou: deixem de olhar o passado e mirem os fatos futuros pois, em Cristo, Deus fez novas todas as coisas.


Na segunda leitura, da carta aos Filipenses (3, 8-14), Paulo prossegue nessa mesma linha de raciocínio, acerca das novidades, quando ele diz que perdeu tudo por causa de Cristo. O que Paulo sacrificou para aderir plenamente à missão que Cristo lhe confiou não consistiu apenas em bens e benefícios, mas no abandono de si mesmo pela causa do evangelho. Ele não tinha mais família, nem casa, nem emprego, nem salário, sua vida era viajando de um lugar para outro, a pregar o evangelho, a converter pessoas e a constituir novas comunidades. Paulo foi o verdadeiro herói da difusão do cristianismo na Europa, desde as comunidades gregas até Roma e, desta, até os confins da América. A própria comunidade de Roma foi fundada por Paulo, aquela onde Pedro foi exercer sua missão episcopal posteriormente, transformando-a na Diocese central do cristianismo mundial. Pedro era antes o patriarca da igreja de Antioquia, onde pela primeira vez os seguidores de Cristo foram chamados de cristãos, vindo a transferir-se para Roma a convite de Paulo, tendo em vista a grande adesão de gentios ali conseguida em resposta à sua pregação do evangelho. Paulo diz que considera lixo tudo aquilo que ele sacrificou, comparado à glória de estar unido a Cristo, em comunhão com seus sofrimentos, tornando-se semelhante a Ele na sua morte. No mesmo sentido da mensagem de Isaías, na primeira leitura, Paulo também afirma que “Uma coisa, porém, eu faço: esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus. ”(Fl 3, 13) Veremos como, de forma indireta, essa temática do esquecer o passado e olhar para a frente está também presente na leitura do evangelho.


No evangelho (Jo 8, 1-11), o apóstolo João mostra a sabedoria de Jesus ao resolver magistralmente uma autêntica enrascada em que lhe colocaram os fariseus e os mestres da lei, que estavam sempre à procura de apanhá-lo em contradição. Antes de abordar o conhecido episódio da mulher adúltera, detenhamo-nos em alguns detalhes da leitura, que são também significativos. Diz João, no início deste capítulo 8, que Jesus havia ido ao monte das Oliveiras para orar e, voltando de lá, foi direto para o templo. É interessante observarmos essa informação, porque João está testemunhando que Jesus ia frequentemente orar no monte das Oliveira, não foi apenas naquele dia da Última Ceia, por isso Judas sabia que o encontraria lá, quando acompanhou os soldados. Essa oração noturna de Jesus, por diversas vezes referenciada nos evangelhos, inspirou os monges medievais para os ofícios divinos durante as madrugadas, costume que perdurou entre nós até os anos 60, tendo sido abandonado após as modificações litúrgicas decorrentes do Concílio Vaticano II. João diz mais que Jesus saiu de lá ainda na madrugada e foi direto para o templo, onde já encontrou pessoas, que queriam escutá-lo. Foi quando chegaram os fariseus, arrastando a mulher apanhada em adultério.


Outro ponto acessório a destacar no contexto deste episódio é o da discriminação que pesava sobre a mulher na sociedade hebraica, como na sociedade patriarcal em geral, muito forte e presente em todos os povos daquela época (e ainda persistente na sociedade atual), associada à hipocrisia masculina. A mulher, se fosse flagrada em adultério, deveria ser apedrejada até a morte, conforme a lei de Moisés, todavia, todos sabemos que uma mulher não pode adulterar sozinha, para isso ela devia ter uma companhia masculina. Jesus, na sua perspicácia, foi direto ao ponto crucial da problemática: se a mulher foi flagrada em adultério, o seu parceiro também o foi e bem provavelmente era um dos que estavam ali com pedras na mão, sem deixar ainda de observar que, certamente, aqueles acusadores ali agrupados já tinham também cometido adultério e estavam impunes. Quanta desfaçatez e quanta hipocrisia, quantas mulheres aquele grupo já teria apedrejado, valendo-se da cobertura que a sociedade dava para a conduta masculina. O evangelista não registrou o nome daquela mulher e, ao que eu saiba, a tradição também não traz essa informação, mas certamente, ela era uma daquelas mulheres piedosas, que depois acompanharam o trajeto de Cristo a caminho do calvário e choraram por Ele, uma das santas mulheres seguidoras de Jesus.


A estratégia dos fariseus e mestres da lei era poderosa e eles pensavam que haviam colocado Jesus contra a parede, deixando-o numa situação sem saída, qualquer que fosse a sua resposta. “Moisés, na lei, mandou apedrejar essas mulheres, que dizes tu?” Ora, se Jesus concordasse com isso, sua pregação sobre o amor e o perdão estaria desmoralizada e a sua palavra se tornaria sem qualquer valor, levando a sua legião de seguidores ao descrédito e inviabilizando o seu projeto do novo reino de amor. Se discordasse, seria pior ainda, pois estaria infringindo a lei de Moisés na presença de dezenas de testemunhas, e isso seria suficiente para ele ser acusado de delito legal e ser condenado no pretório. Uma cilada tão bem arquitetada só podia ser resolvida de modo favorável por alguém que possuía uma mente especial, mesmo prescindindo da natureza divina de Cristo. Ele não se abalou com a indisfarçável má-fé dos fariseus e serenamente passou a escrever no chão com o dedo. O evangelho silencia a respeito das palavras que Ele estava escrevendo. Embora a tradição afirme que seriam os pecados dos que estavam ali presentes, na minha opinião, Jesus não escrevia nada propriamente, ele fez aquele gesto como uma contra-estratégia para provocar a curiosidade dos fariseus. Obviamente, eles não foram lá perto tentar ler o que ele escrevia, mas ficaram curiosos e se sentiram intimidados. Talvez fosse os nomes deles… Certamente, tiveram até medo de olhar ou perguntar, pois talvez a intimidade deles estivesse ali exposta, pois embora duvidando da divindade de Jesus, eles sabiam da sua fama de realizar milagres e de ter um poder sobrenatural. Então, apenas insistiram na pergunta: o que dizes sobre isso?


Jesus percebeu nessa insistência deles um sinal de indecisão e fraqueza, a arrogância deles havia se transformado em temor e aquela pergunta reiterada foi forçada por Jesus, que já a esperava. A resposta não poderia ter sido mais magistral: Façamos o seguinte: quem de vocês aí nunca cometeu nenhuma infração, pode começar a jogar pedra, porque só tem moral para reclamar dos pecados alheios aquele que não os tem. Então, diz o evangelista, Jesus se inclinou novamente e voltou a rabiscar no chão, enquanto eles foram se retirando um a um, a começar pelos mais velhos. A pobre mulher, tremendo e temendo pelo que poderia ocorrer, foi a única que não correu, bem que poderia ter fugido quando os seus acusadores se afastaram. Mas não, ela esperou pelo perdão de Cristo, ali naquele momento, ela passou por uma profunda conversão, e foi o que Jesus percebeu quando lhe disse: vai e não tornes a pecar. Isto é, esquece o passado, olha pra frente, daqui em diante farei novas todas as coisas na tua vida. O perdão de Jesus fez daquela mulher uma discípula fiel e deixou ainda mais furiosos os fariseus dissimulados. Estes nunca conseguiram compreender as “coisas novas” e o seu apego ao passado foi a sua derrota até o fim.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos