COMENTÁRIO LITÚRGICO – EPIFANIA DO
SENHOR – 07.01.2018
Caros Confrades:
Celebramos, na liturgia deste domingo,
a festa da Epifania do Senhor, cuja data original é 6 de janeiro. A
tradição popular sempre se refere a três Reis Magos, porém não
há evidências de que eles eram reis e nem de que eram três. O
evangelho de Mateus fala apenas que “alguns magos” vieram do
oriente. Talvez pela alusão aos três presentes ofertados,
deduziu-se que eram três, no entanto, os presentes fazem parte do
simbolismo que o evangelista quis atribuir à pessoa do Messias, a
luz das nações. E ainda a expressão “magos” não se vincula à
magia, no sentido que hoje se atribui a essa palavra, mas ao fato de
que eles seriam estudiosos dos fenômenos cósmicos, algo que no
passado se chamava de astrologia, isto é, o conhecimento adquirido
através do estudo dos astros. E foi assim que eles observaram um
incomum alinhamento dos planetas e compreenderam que aquilo era o
sinal de um grande evento, combinando esse fato com alguns oráculos
antigos. A epifania do Senhor designa a universalidade da salvação
trazida por Cristo, a sua manifestação aos pagãos, ou seja, aos
povos não pertencentes ao grupo da promessa.
No passado, Javeh estabelecera uma
aliança com o líder de um povo determinado e fizera-lhe promessas
de se disseminarem por toda a terra. No modo de pensar daquele tempo,
eles entenderam isso pela ótica da materialidade e da genealogia,
contudo, com a chegada do Messias, a promessa se cumpriu e não foi
pela trilha da genética e da hereditariedade cromossômica, mas
seguiu a rota da vocação à santidade, oferecida a todos os povos,
através do evangelho. A presença dos magos vindos do oriente é o
primeiro sinal da universalidade da salvação trazida por Cristo,
mesmo antes que os fatos concretos da redenção tivessem ocorrido. O
texto bíblico não informa de que cidade eles vieram, mas apenas que
vieram de terras distantes no oriente, guiados pela estrela. O
evangelho fala somente que os 'magos' seguiram a estrela, a qual lhes
teria indicado o local onde encontrariam Aquele de quem as profecias
antigas faziam menção. Sim, eles eram pessoas de fé e de ciência,
numa época em que essas duas realidades se confundiam numa só.
Muito provavelmente, eles eram sacerdotes de uma religião diferente,
talvez do zoroastrismo, religião fundada por Zaratustra, cerca de
1.500 anos antes de Cristo e praticada na região da Babilônia, que
hoje corresponde ao Irã. Para os propósitos do evangelista Mateus,
não interessa efetivamente quem eram nem mesmo se eram aquilo, pois
o objetivo é mostrar que o Messias, em primeiro lugar, é aquele a
quem os profetas mais antigos se referiram e, em segundo lugar, que a
sua vinda não se restringia a um determinado povo ou a pessoas de
uma determinada região geográfica, mas alcançaria também gentios
e pagãos, realizando a promessa divina de um modo novo e inesperado.
Na primeira leitura, do livro de Isaías
(deutero-Isaías, cap 60, 1-6), aparece claramente o sentido da
universalidade do Messias, quando o Profeta se refere a Jerusalém
como um local onde se congregam povos de diversas origens: “Os
povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora. Levanta
os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti.”
Jerusalém já não é mais a capital apenas do povo hebreu, mas de
todas as nações. “Com
eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas
nações”,
desse modo, o
Profeta vaticina a transformação de Jerusalém numa cidade onde
haverá a confraternização de todos os povos, pois eles se dirigem
a ela não com o objetivo de domínio ou de fazer negócios, mas para
proclamar a glória do Senhor. Na figura alegórica do Profeta,
vislumbra-se a Jerusalém de Judá como a antecipação da Jerusalém
celeste, ou seja, a Igreja de Cristo, que se estenderá a todos os
povos e a todos os lugares. E se existirem povos em outros planetas e
em outras galáxias, também para eles se destina a missão dada por
Cristo: “ide e ensinai a todos os povos”. Da mesma forma que, até
a Idade Média, quando não se conheciam as terras do continente
americano, pensava-se apenas no mundo europeu, mas logo que se
descobriram outras paragens, os missionários trouxeram a mensagem
cristã para a nossa região, assim também, quando novas comunidades
de seres inteligentes forem encontradas, competirá a nós a tarefa
de missionar as novas regiões, cumprindo o mandamento de Cristo.
Vemos, na carta de Paulo aos Efésios
(3, 2-6), um testemunho interessante do Apóstolo acerca do
“mistério” que lhe foi comunicado por revelação, qual seja,
“os
pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são
associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.”
Ora, o próprio Paulo não conheceu a Jesus Cristo, não ouviu Seus
ensinamentos, não participou do processo pedagógico do grupo de
galileus, aos quais Jesus tentou ensinar, durante três anos, a sua
mensagem, a sua “nova lei”. Ele próprio, Paulo, era um pagão,
um gentio, e a revelação que ele recebeu de Cristo diz respeito
exatamente ao fato de que a salvação não está restrita ao povo da
antiga aliança, isto é, os pagãos também são chamados para
fazerem parte do povo de Deus. Foi isso que os fariseus nunca
entenderam na pregação de Jesus, foi por isso que não o
reconheceram como o Messias, porque pensavam a salvação em termos
nacionalistas e étnicos, porque liam as escrituras de uma forma
meramente literal e fechada e isso os impedia de ver, no texto
sagrado, um novo sentido mais amplo e mais flexível. Paulo recebeu
esses ensinamentos por revelação e tratou de transmiti-los através
da sua pregação, do seu exemplo, dos seus escritos, da sua própria
vida, devotada ao evangelho. A só presença de Paulo e a sua
atividade missionária comprovam essa nova dimensão da antiga
aliança, ensinada por Cristo. O evangelho de Mateus fala dos magos
vindos do oriente; as cartas de Paulo se destinam aos gentios do
ocidente; a junção das duas perspectivas nos dá a dimensão maior
da envergadura que comporta a mensagem cristã.
Sobre a leitura do evangelho (Mt 2,
1-12), é curioso observar que nem Lucas nem Marcos se referem ao
episódio da visita dos “magos”, sobretudo Lucas, que foi o
evangelista portador dos maiores detalhes particulares da infância
de Cristo. É de se imaginar que a visita de “magos” vindos do
estrangeiro nos primeiros dias após o nascimento de Jesus devia ter
sido um fato importante, no entanto, Lucas não obteve essa
informação. Ademais, se fizermos as contas, a provável chegada
desses magos teria encontrado o Menino Jesus já com alguns meses de
idade, considerando que a visão da “estrela” teria ocorrido no
nascimento e considerando a distância de onde eles se encontravam,
uma viagem no lombo de camelos deveria demorar pelo menos uns três
meses até Belém. Provavelmente, os magos tiveram de ir até Nazaré
para ver o menino. Como se vê, existem muitas incongruências
envolvendo essa narrativa da vinda dos magos, de modo que nunca se
saberá com certeza o que há de realidade nesses fatos e por isso,
mais uma vez, fica evidenciado que não se deve ler e interpretar a
Bíblia de forma literal. Mas visto que os evangelhos não são
propriamente registros históricos e sim proclamações de fé das
comunidades primitivas, o que mais importa nessa narrativa é a
doutrina da universalidade da salvação.
O evangelista Mateus tem um propósito
deliberado de demonstrar que Jesus é o Messias prometido, aquele de
quem falam as profecias. Ele faz todo um esforço para compor a
narrativa, unindo os fatos com os textos proféticos, harmonizando-os
e integrando-os. Daí que ele vai buscar um texto antigo do profeta
Miquéias (Mq 5, 2) e o insere no contexto do diálogo de Herodes com
os “magos”, quando os sacerdotes e doutores da lei revelaram a
cidade de Belém como a terra natalícia do Messias. Diz o Profeta:
“E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de
Judá, de ti me sairá o que governará em Israel.” O codinome
“efrata” associado a Belém, de acordo com os estudiosos, é uma
referência aos descendentes de Efraim (os efratas), que teriam sido
os fundadores da cidade. Efrata era também o nome da esposa de
Caleb, um dos líderes do povo de Israel, juntamente com Josué, após
a morte de Moisés. De acordo com a tradição judaica, Efrata seria
um nome correspondente a Míriam, que é o nome original de Maria, a
mãe de Jesus. Gramaticalmente, “efrata” é também um
substantivo que significa “terra frutífera”, terra boa de
plantar. Por sua vez, a palavra Belém (em hebraico, bait +lehem=casa
do pão) indica um local de grande fartura, onde existe alimento em
abundância. Verifica-se, desse modo, um grande acúmulo de
significados, cada qual o mais interessante, associado à cidade de
Belém, os quais a qualificam como um local privilegiado. Daí porque
o Profeta diz que, embora pequena cidade, ela não é menos
importante do que as maiores, porque dela sairá aquele que irá
governar Israel. Vê-se, com isso, que o evangelista Mateus era
também um profundo conhecedor das antigas escrituras.
Meus amigos, no meio de tantas
informações, nem sempre coerentes, o que nos interessa é destacar
o símbolo da universalidade da mensagem cristã, quando os tempos se
completaram e o Verbo se encarnou.
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