COMENTÁRIO LITÚRGICO – 18º DOMINGO COMUM – O PÃO DA VIDA ETERNA – 01.08.2021
Caros Confrades,
A liturgia deste 18º domingo do tempo comum dá prosseguimento à reflexão sobre o tema do pão, convidando-nos a refletir sobre o pão do céu, o pão da vida eterna. Do Antigo Testamento, na leitura de Exodo (16, 2), o texto litúrgico traz a lembrança do maná, que caía do céu e o povo recolhia no deserto todos os dias, precedendo simbolicamente o verdadeiro Pão da vida, deixado a nós por Jesus. O pão nosso de cada dia é importante e necessário, porém se aplica apenas ao corpo material, por isso, é necessário que se busque também o alimento do espírito. E o pão do espírito é fazer a vontade de Deus. Vivemos num mundo onde predominam pessoas famintas do verdadeiro pão, daí a assustadora onda de violência que nos ameaça constantemente. Só o pão do céu traz consigo a benquerença, a tranquilidade e a paz.
Conforme se depreende da primeira leitura (Ex 16), um comportamento característico do povo de Israel em marcha pelo deserto era a infidelidade a Javeh, demonstrada na simpatia para com os ídolos dos pagãos. Por causa disso, Javeh os castigava deixando-os com fome. Quando eles foram se queixar a Moisés, dizendo que era melhor que tivessem ficado como escravos no Egito, onde tinham o que comer, do que passar fome no deserto, expressavam sua desconfiança tanto em Moisés quanto em Javeh. Tiraste-nos do Egito para nos matar de fome no deserto, diziam. Ouvindo as queixas do povo, Javeh respondeu, através de Moisés, que eles comeriam carne ao anoitecer e pão ao amanhecer. Diz o texto bíblico que, ao entardecer, um banco de codornas sobrevoou o acampamento, de modo que eles puderam capturá-las com facilidade e comer carne em abundância; e ao amanhecer, um denso orvalho foi aos poucos se transformando em grãos sólidos, os quais foram usados para fazer pão. Javeh cumprira sua promessa.
Sabemos que, alguns dias depois, o povo foi novamente se queixar a Moisés, porque estavam enjoados de comer aquilo todos os dias, ou seja, o povo estava sempre insatisfeito, sempre a provocar a ira de Javeh, sempre buscando uma desculpa para justificar as suas infidelidades e o seu descumprimento da lei. Se observarmos bem, nos dias de hoje, essa mesma situação ainda se repete, pois muitos cristãos têm esse mesmo comportamento inconstante e interesseiro, só se lembrando dos seus compromissos religiosos quando enfrentam alguma dificuldade. E a misericórdia divina continua a agir sempre perdoando, como foi no passado. Muitas pessoas confundem a vivência religiosa como uma espécie de “comércio” com Deus: oferecem a Deus orações, esmolas e jejuns objetivando receber em troca aquilo a que almejam. Esse modelo religioso baseado na barganha é muito frequente na conduta do nosso povo brasileiro e foi isso que Jesus reprovou no comportamento daqueles que o seguiam somente porque Ele lhes dava o que comer. (Jo 6, 26)
Na leitura do evangelho de hoje (João 6, 24), temos a sequência do milagre da multiplicação dos pães. Após haverem sido saciados com o alimento miraculoso, os seguidores de Jesus saíram em massa a procurar por ele até encontrá-lo do outro lado do mar da Galileia. Ao ver aquela multidão se aproximando, Jesus ficou desconfiado: “estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos” (Jo, 6, 26). Parecia que o povo estava mais interessado na comida do que nos ensinamentos dele. Então, ele fez referência ao fenômeno miraculoso do maná no deserto, cuja descrição era de todos conhecida: “não foi Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu.” (Jo, 6, 32) Jesus faz aí um jogo de palavras, porque o maná também vinha do céu, para depois concluir que Ele é o verdadeiro Pão vindo do céu, antecipando o que iria fazer na última ceia.
Naturalmente, os ouvintes de Jesus não atinaram para o alcance do que Ele estava a anunciar, nem os próprios apóstolos entenderam naquele momento, vindo a compreender somente depois, quando Jesus celebrou a ceia com eles. Os judeus pediram: “Senhor, dá-nos sempre deste pão”, mas o que eles imaginavam mesmo era um pão material, daqueles que se come mastigando e enche o estômago, Porém, Jesus falava-lhes metaforicamente do 'pão da palavra', que Ele estava a distribuir através do seu ensinamento, e do Pão do céu, que era Ele próprio. No entanto, para termos acesso ao verdadeiro Pão do céu, é necessário antes aceitar o pão da palavra e pô-la em prática na nossa vida. É neste sentido que Paulo exorta a comunidade de Éfeso: (Ef 4, 22) Renunciando à vossa existência passada, despojai-vos do homem velho, que se corrompe sob o efeito das paixões enganadoras, e renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. O homem velho é aquele que se lembra apenas do pão material, semelhante ao maná caído no deserto, que alimenta o corpo; o homem renovado é o que busca o pão da palavra e, através deste, o Pão do céu, que é Jesus Cristo, alimento para a alma. Buscar o Pão do céu sem ter-se alimentado antes com o pão da palavra equivale a uma aproximação indigna daquele. E alimentar-se com o pão da palavra não requer simplesmente ler a Bíblia, porque uma simples leitura não surte efeito. Para compreender e poder retirar da leitura bíblica o seu conteúdo próprio é necessário estudá-la teologicamente, seja um estudo individual, seja um estudo acadêmico num curso próprio. Ler a Bíblia como quem lê um livro de contos ou um romance qualquer, visando apenas conhecer as narrações e os personagens, por certo não resultará em alimento do espírito, além de ensejar entendimentos desvirtuados e absurdos.
Ao comentar isso, eu não estou querendo dizer que não se deve ler a Bíblia, mas que uma leitura sem a devida preparação terá um resultado inócuo ou duvidoso. O pão da palavra deve preparar o espírito para ser alimentado com o pão do céu. É por isso que a liturgia da missa é dividida em duas partes: liturgia da palavra e liturgia eucarística. É lamentável observar que alguns católicos escolhem o comparecimento à missa pelo celebrante ou pela “animação” dos cânticos. Evitam as celebrações cujo padre faz um sermão demorado e preferem aquelas celebrações com profusão de instrumentos musicais, porque são mais animadas. Com isso, o verdadeiro objetivo da missa, que é o alimento do espírito com o pão da palavra e o pão do céu, fica totalmente esquecido, fazendo-se a frequência por uma questão de obrigação. E é mais lamentável ainda que os nossos Pastores não se dediquem a instruir os fiéis acerca dessas verdades doutrinárias, contentando-se com uma liturgia burocrática e repetitiva.
Refletindo na mesma linha de raciocínio abordada no domingo passado, acerca da simbologia do pão, lembremo-nos da insatisfação de Cristo com aqueles que o seguiam muito mais por causa dos milagres que ele fazia, do que por causa dos ensinamentos que ele transmitia; mais por causa da merenda que ele dava, do que por adesão à sua mensagem. Por isso, o evangelista João faz questão de colocar, logo após a narração da multiplicação dos pães, o ensinamento de Cristo sobre o pão do céu. Alimentar o corpo é importante e necessário, mas não é bastante. É nesse ponto que muitas pessoas confundem o modelo teológico da opção preferencial pelos pobres com o engajamento político partidário. No passado, viveu-se o tempo em que havia uma supervalorização da religião espiritualista, devocionista, afirmando que tudo o que é corporal deve ser evitado e/ou eliminado, para dar vida ao espírito. Então, passou-se ao outro extremo, isto é, à supervalorização da religião política, inclusive com a inscrição em partidos políticos e defesa pública destes. Não vou citar nomes, porque esses são bem conhecidos. No entanto, o que Jesus Cristo ensinou, ao multiplicar os pães e distribuir aos seus ouvintes, foi que o alimento material é indispensável, mas nós devemos nos esforçar sempre pelo alimento que permanece até a vida eterna. E quando aquelas pessoas pediram: dá-nos desse alimento, ele declarou: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”. E este pão da vida tem dois ingredientes básicos: palavra e eucaristia. A comunhão eucarística só servirá como verdadeiro alimento do espírito se for acompanhada da degustação também espiritual da sua mensagem.
Que o divino Mestre nos ensine e nos ajude a buscar o verdadeiro Pão trazido diretamente por Ele, a mando do Pai, e nos faça sempre mais integrar esses ensinamentos na nossa vida cotidiana.
Cordial abraço a todos.
Antonio Carlos
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