sábado, 20 de janeiro de 2024

COMENTARIO LITURGICO - 3ª DOMINGO COMUM - 21.01.2024

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO 3º DOMINGO COMUM – O TEMPO OPORTUNO – 21.01.2024


Caros Confrades,


Na liturgia deste 3º domingo comum, as leituras se nos convidam a refletir sobre o tema do kairós ou do tempo oportuno. O tempo está chegando, diz o profeta Jonas. O tempo está abreviado, diz Paulo aos Coríntios. O tempo já se completou, diz Jesus aos galileus. Também para nós o tempo é constantemente objeto de preocupação. E por mais que nos pareça algo muito concreto, na verdade, o conceito de tempo é abstrato, está afeito à nossa sensibilidade. Falamos sempre do tempo como se fosse algo corpóreo, contudo, o tempo é apenas uma produção da nossa atividade psicológica, ou seja, é uma forma de conceituarmos essa sensação que captamos diante da evolução dos acontecimentos, numa corrente sucessiva. Para melhor controle, as pessoas aprenderam a medir o tempo, a quantificá-lo ou a dividi-lo em fatias (como diz o soneto de Drummond). Na língua portuguesa, o vocábulo “tempo” é polissêmico, por isso o utilizamos nas mais diversas situações, mas sabemos distinguir mentalmente o seu significado. A título de exemplo, no idioma grego, há duas palavras diferentes para falar do tempo: uma quando a referência é sobre os dias-meses-anos (chrónos) e outra quando a referência é algo indeterminado, um tempo simbólico (kairós), entendido aqui o tempo simbólico como a oportunidade, o momento apropriado, a hora certa de fazer algo, ou como dizem os teólogos, o tempo favorável. É neste último sentido que se deve compreender a alusão ao tempo na liturgia de hoje: o tempo favorável para a ação de Deus na história. Esse tempo não vem com data marcada, nós é que temos de encontrá-lo ou, se for o caso, construi-lo.


Na primeira leitura, o texto traz a lembrança da missão do profeta Jonas, em Nínive (Jn 3, 1-5). Deus mandara que ele pregasse ao povo de Nínive assim: Se não mudardes o vosso modo de vida, dentro de 40 dias, a esta cidade será destruída. O povo se converteu e Deus suspendeu o castigo que iria mandar. Nínive era a capital da Assíria, uma megalópole daquele tempo, talvez maior do que é Fortaleza nos dias de hoje, porque o texto afirma que eram necessários três dias para atravessar a cidade. Era um local de muitas perversidades, como em toda grande cidade. O profeta Naum chamara Nínive de cidade sanguinária, cheia de mentiras e de roubo (Na 3,1), por isso Javeh iria transformá-la num deserto. Mas com a pregação do profeta Jonas, o rei e os cidadãos ninivitas se converteram e fizeram penitência, assim o castigo foi evitado. Evidentemente, essa tarefa de Jonas não deve ter sido assim tão simples e de resultado imediato, conforme a descrição do texto, mas o que a liturgia quer destacar aqui é o tempo favorável, que os ninivitas reconheceram e souberam aproveitá-lo. A população da cidade dirigiu seus ouvidos à pregação do profeta e deu-lhe crédito. Devemos também considerar que havia ali um momento favorável, no sentido de que muitos dos habitantes da cidade ainda se recordavam da derrota do rei de Judá, Ezequias, para o rei de Nínive, Senaqueribe, e da humilhação sofrida pelo povo, por isso tiveram maior sensibilidade para ouvir o profeta.


Na segunda leitura, Paulo exorta os fiéis de Corinto para viverem o seu tempo favorável, cada um de acordo com o seu estado. (1Cor 7, 29-31) Contextualizando a leitura, nos versículos anteriores, Paulo fala sobre a vida dos casados, dos solteiros, das viúvas, dos escravos, dando conselhos a cada grupo para viverem na graça de Deus. A igreja de Corinto era uma comunidade fundada por Paulo e os coríntios entenderam a sua pregação como se a volta de Cristo fosse acontecer logo nos próximos dias. Alguns até não queriam mais nem trabalhar, deixaram tudo de lado só esperando a nova vinda de Cristo. Então, Paulo os adverte a viverem suas vidas cotidianas, na perspectiva da eternidade. Cada um fique no estado em que foi chamado. Quem quiser ser como ele Paulo, que era celibatário, ele acha melhor, mas quem não conseguir viver assim, que procure um cônjuge, porque é melhor casar-se do que abrasar-se (7, 9). Sinceramente, eu não entendo por que a Igreja Católica não segue o conselho de Paulo e continua a exigir dos sacerdotes o celibato obrigatório. Além disso, a tradução oficial da CNBB não reproduz bem o sentido do texto paulino. Diz 'o tempo está abreviado', mas no texto latino, Paulo diz: 'tempus breve est', expressão que, a meu ver, não tem o mesmo sentido. A tradução melhor seria “o tempo é breve”, isto é, passa muito rápido. Tempo abreviado dá um sentido de encurtado, diminuído e não me parece que seja este o sentido expresso no texto paulino. O tempo breve nos conduz à consciência de que é preciso viver com os pés no hoje, mas com os olhos no futuro, porque nós não somos deste mundo e a nossa estadia aqui é passageira.


Na leitura do evangelho de Marcos (1, 14-20), temos a narrativa do chamado dos primeiros apóstolos: Pedro, André, João e Tiago. De acordo com este evangelista, Jesus teria chamado os quatro na mesma ocasião, mas se observamos o evangelho de João, lido no domingo passado, acerca do chamado de Pedro, veremos que não foi bem assim. No texto de Marcos, Jesus estava passeando pela beira do mar da Galileia e viu Simão e André, seu irmão, e os chamou. No texto de João (1, 42), ele diz que André era discípulo de João Batista e viu quando este falou sobre Cristo: eis o Cordeiro de Deus, então André passou a segui-lo e depois apresentou a Ele seu irmão Simão. Não devemos, porém, concluir com isso que o texto de Marcos seja impreciso ou incorreto. Como sabemos, no tempo de Cristo não havia jornalistas documentando fatos nem havia escribas acompanhando seus passos e registrando suas atividades. Ora, o evangelho de Marcos, cronologicamente o primeiro a ser escrito, deve ter sido redigido pelo menos uns 40 anos antes do evangelho de João. Além disso, Marcos não foi testemunha ocular, mas utilizou-se da tradição oral e de textos esparsos que circulavam nas comunidades da região onde ele vivia, os quais por sua vez foram escritos a partir de tradições orais, histórias que passavam de boca em boca entre os primeiros cristãos. Por outro lado, João foi testemunha viva daqueles fatos e escreveu a sua própria experiência, não por ouvir dizer. Marcos e João escreveram em locais distantes entre si e servindo-se de fontes diferentes, de modo que o texto de João, até por ter sido escrito bastante tempo depois, é mais elaborado, mais pesquisado, mais coerente. Apesar das divergências, o que verdadeiramente importa não é se foi na beira do mar, como disse Marcos, ou num lugar qualquer da Galiléia, como disse João, mas o que interessa é que eles atenderam ao chamado, eles aceitaram a proposta de Cristo para mudarem de vida e em vez de ser pescadores de peixes, passaram a ser pescadores de gente. Cada um deles teve o seu tempo favorável de ouvir o chamado e aceitar a missão que lhes foi confiada.


O evangelho de Marcos lido neste domingo também faz referência ao início das atividades públicas de Jesus, o que ocorreu após a prisão de João Batista. Alguns domingos atrás, quando comemorou-se o batismo de Jesus, João Batista dizia ao povo que, após ele, viria alguém de quem ele não seria digno de desamarrar as sandálias. Então, a prisão de João Batista foi o tempo favorável para o início da missão profética que Jesus veio realizar. Jesus não iria fazer concorrência com João Batista, até porque este foi o agenciador da chegada d'Aquele, por isso não seria oportuno que ambos atuassem simultaneamente. Essa oportunidade chegou quando João Batista saiu de cena, abrindo-se o espaço para o anúncio da “boa nova”. E um detalhe significativo é que Jesus começou suas pregações na Galiléia, não foi em Jerusalém, a grande cidade da época. Por que na Galiléia? Porque aquela região era habitada por pessoas de diversas origens étnicas e de diversas nacionalidades. Isso teria ocorrido porque a população primitiva daquela região teria sido levada, em sua maior parte, cativa para a Babilônia e a terra ficou desabitada, passando a ser ocupada por pessoas nômades de outras tribos, durante o tempo em que os hebreus permaneceram no cativeiro. Com o retorno do povo hebreu libertado, os novos habitantes se relacionaram bem com aqueles e por esse motivo o local era um misto populacional de diversas origens, razão porque era chamada de Galiléia das Nações. Então, Jesus escolheu iniciar a pregação do reino de Deus exatamente num local em que a população, além de ser pobre, não era constituída exclusivamente de hebreus, demonstrando logo no início o destino universal dos seus ensinamentos. É essa igreja dos pobres que o Concílio Vaticano II destacou em seus documentos, diferentemente daquela igreja elitizada, como ela passou a ser a partir do seu envolvimento com os imperadores romanos e com os senhores feudais da Idade Média. Esse é o sentido da “opção preferencial pelos pobres”, que tanto o Concílio quanto os documentos oficiais posteriores pretendem resgatar, o que deu origem à doutrina muitas vezes mal entendida e não poucas vezes deturpada chamada “teologia da libertação”.


Esta mensagem acerca do tempo favorável, do momento e da oportunidade nos convida a estar sempre atentos aos “sinais dos tempos”, sempre reavaliando nosso modo de ser, pois Deus está se manifestando a nós de diversos modos nos acontecimentos e às vezes nós não percebemos e deixamos passar aquela oportunidade de praticar o bem.


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

domingo, 14 de janeiro de 2024

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2ª DOMINGO COMUM - 14.01.2024

 

COMENTARIO LITURGICO – 2º DOMINGO COMUM – A VOCAÇÃO – 14.01.2024


Caros Confrades,

Passado o tempo do natal, a liturgia católica retoma o tempo comum e neste 2º domingo comum, o tema litúrgico é o chamado ou a vocação de cada um. A nossa vocação está associada à nossa missão, ao nosso objetivo de vida. Cada pessoa possui certas habilidades e tendências inatas, próprias do seu caráter e da sua personalidade, que orientam sua ação na sociedade, de modo que realizar a própria vocação corresponderá a descobrir esses talentos que Deus nos dá em maior abundância e fazer uso deles para o maior bem de nós mesmos, dos irmãos, da sociedade, do reino de Deus, para cujo desenvolvimento nós somos convocados a colaborar. A vocação requer escuta e compromisso. Escuta para que cada pessoa possa identificar o que Deus espera dela. Compromisso para que cada um assuma a sua missão com honestidade e com firmeza, na certeza de que a graça divina não deixará de lhe favorecer.


Na primeira leitura litúrgica, retirada do livro de Samuel (3, 10-19), lemos a vocação deste sacerdote e profeta, quando recebeu o primeiro chamado de Javeh. Ele era ainda um jovem e neófito no templo, nunca havia tido contato com o Senhor e por isso não identificou, de início, quem o estava chamando e apresentou-se ao sacerdote Eli, na suposição de seria ele o autor do chamado. Somente depois de ouvir algumas vezes a voz de Deus, instruído por Eli, Samuel conseguiu identificar a origem do chamamento. Isso também pode acontecer conosco, embora, muitas vezes, já não sejamos jovens de idade como o Samuel da leitura, mas nem sempre conseguimos ouvir ou identificar com clareza o chamado que nos chega da parte de Deus. Este chamado em geral não é assim tão nítido e insistente, como aconteceu com Samuel, às vezes, ele é sutil e delicado, como é o caso de quando vem através da voz do irmão necessitado, do próximo que pede a nossa ajuda, por exemplo. Tempos atrás, nós fomos conduzidos até o Seminário, por termos ouvido um “chamado divino” através dos nossos pais, parentes, sacerdotes ou através de situações marcantes, que nos impulsionaram até lá. O fato de termos saído do seminário não significa que nós renunciamos a seguir o chamado, mas apenas que Deus nos mostrou outras alternativas e nos deu outras oportunidades para servi-Lo, que não através da vida religiosa consagrada. Cada um prossegue no atendimento ao chamado, contribuindo para a maior glória de Deus nas tarefas do dia a dia como cidadãos, dando aos irmãos exemplos de vida pessoal e profissional, na fidelidade do seguimento do evangelho de Cristo.


É interessante observarmos que Javeh chamou Samuel enquanto ele dormia. No Antigo Testamento, há diversos exemplos de casos em que Javeh fala diretamente com alguém, não se servindo de um intermediário, um portavoz. E a metodologia dessa mensagem com frequência está associada ao sonho. Era comum que as pessoas escolhidas por Javeh recebessem mensagens divinas através de sonhos. Há vários exemplos na escritura sagrada sobre os sonhos dos “navis” (profetas), que eram uma espécie de revelação que eles recebiam de Deus, assim como aconteceu com Samuel. A palavra “profeta” surgiu na tradução da escritura para a língua grega, quando a palavra hebraica “navi” foi traduzido por “prophaités”, palavra esta derivada do verbo grego “phainow” (falar), então o profeta é aquele que fala em nome de alguém. No Antigo Testamento, o “navi” trazia um recado de Javeh, o qual ele havia recebido geralmente através de um sonho, daí porque foi traduzida por “pro-phaités”. Visto que, no mais das vezes, os fatos abordados se referiam a eventos futuros, gerou-se uma tradição de que profeta é aquele que é capaz de prever acontecimentos, como se fosse um adivinho, sendo esse o significado semântico mais usual. Na verdade, “profetas” somos todos nós quando, através das nossas atitudes, nossas palavras e nosso testemunho demonstramos para os irmãos a nossa característica de cristãos e, mesmo sem proferir discursos ou pregações, somos eloquentes no agir e no fazer.


Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 6, 13-20), o Apóstolo aborda a vocação matrimonial, advertindo os cristãos de Corinto para não se envolverem com as prostitutas sagradas do templo de Diana, mantendo a fidelidade com os respectivos cônjuges, pois o homem que se une a uma prostituta faz do seu corpo um só com o corpo dela (6, 16) e isso contradiz a união espiritual que o cristão tem com o Senhor. Por isso, diz Paulo: fugi da fornicação. “Ou ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus? E, portanto, ignorais também que vós não pertenceis a vós mesmos? De fato, fostes comprados, e por preço muito alto, ” (6, 19-20) ou seja, com a paixão e morte de Jesus. Portanto, continua, usem o seu corpo para a glória de Deus. É mais adiante, nessa mesma carta (cap. 13), que Paulo escreveu o seu belíssimo poema sobre o amor cristão, que é muito conhecido e repetido, e que começa com essa bela comparação: “Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e até no céu, mas, se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o som de um gongo ou como o barulho de um sino.” A vocação matrimonial é, talvez, o maior desafio que se coloca para os seres humanos (homem e mulher), quando firmam um compromisso de vida em comum por toda a existência, o que só pode ser conseguido com a assistência permanente da graça divina.


Na leitura do evangelho de João (1, 42), vemos a narração do chamado especial de Cristo dirigido a Pedro. Pelo que se deduz da narrativa joanina, André era discípulo de João Batista e passou a seguir a Cristo, depois que João O identificou como “Cordeiro de Deus”. Após passar um dia na companhia de Jesus, André foi convidar seu irmão Simão para tornar-se também um seguidor, dizendo “encontrei o Messias”. Logo que Simão foi apresentado por André a Jesus, este foi logo dizendo: teu nome é Simão, mas serás chamado Kéfas. Este trecho do evangelho é marcado por digressões explicativas, pelo que se deduz que João escrevia para pessoas que não entendiam as palavras em hebraico. Ele explica que Rabi significa mestre, que Messias significa Cristo e que Kéfas significa pedra.


Observemos alguns aspectos interessantes da análise do vocábulo KÉFAS. No próprio texto do evangelho (1,42), o evangelista João se preocupa logo em traduzir “kéfas”. Lembremo-nos que o evangelho de João foi escrito por volta do ano 100 d.C. e nessa época a figura de Pedro já estava consolidada como chefe da Igreja. No texto latino, diz assim: quod interpretatur Petrus - Petrus está escrito com letra maiúscula (tradução literal: que se interpreta como Pedro). A palavra Kéfas não é grega, mas aramaica, uma variação do hebraico falada por moradores da Galileia, onde estava Cristo. Segundo a internet, kéfas em aramaico significaria 'rochedo esburacado'. Por isso, João disse que Kéfas se interpreta como Petros, ele não disse que era sinônimo de pedra. E João fez isso cerca de 30 anos após a morte de Pedro, certamente lembrando a passagem de Mateus (13, 18). Apenas para recordar, o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em aramaico e só depois traduzido para o grego. Portanto, deduz-se que foi através desta passagem de Mateus (13,18 - tu es Petros e sobre esta Petra edificarei a minha igreja)  que a palavra kéfas foi introduzida no idioma grego e deste, transferida para o latim.


Um outro aspecto também interessante da palavra kéfas é que, por não ser grega nem latina, ela foi simplesmente transliterada nos dois idiomas - quero dizer: tanto em grego como em latim, foi copiada a sua pronúncia do aramaico. Mas por uma feliz coincidência, kéfas contém a primeira parte da palavra grega kefalé, que significa 'cabeça', então o chamado de Pedro foi especial porque Jesus o colocou, ao mesmo tempo, como fundamento e como cabeça do grupo. Esse é um polêmico ponto de divergência entre a Igreja Católica ocidental e a oriental, questão que vem se arrastando por vários séculos e que o Papa Francisco está cuidadosamente tentando superar, já tendo realizado diversas visitas e conversas com as Igrejas Orientais, em busca da unidade eclesial. A diferença no tratamento do problema está em que os Papas anteriores se apresentavam como “chefes” a quem todos deveriam manifestar obediência. No caso do Papa Francisco, ele se apresenta como um irmão que tenta reatar os laços de fraternidade com outros irmãos. E isso mesmo ele faz também em relação às outras religiões não cristãs, como o judaísmo e o islamismo, cumprindo a previsão de Cristo de que todos formariam um só rebanho e teriam um só pastor. Esta é a vocação especial que Cristo reservou para ele.


Nesse contexto, cada um de nós é convidado a refletir de que modo, nas nossas vidas, na familia, no trabalho, no lazer, no estudo, na educação dos filhos, na vida social em geral nós prosseguimos com sinceridade sendo fiéis ao chamado que nos foi dirigido por Deus.


Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos

sábado, 6 de janeiro de 2024

COMENTARIO LITURGICO - EPIFANIA DO SENHOR - 07.01.2024

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – EPIFANIA DO SENHOR – 07.01.2024


Caros Confrades:


Celebramos, na liturgia deste domingo, a festa da Epifania do Senhor, palavra que em grego significa ¹manifestação¹, isto é, a revelação de Jesus aos povos não judeus, na visita dos Magos. A tradição popular sempre se refere a três Reis Magos, porém não há evidências de que eles eram reis e nem de que eram três. O evangelho de Mateus fala apenas que “alguns magos” vieram do Oriente. Talvez pela alusão aos três presentes ofertados, deduziu-se que eram três, no entanto, os presentes fazem parte do simbolismo que o evangelista quis atribuir à pessoa do Messias, a luz das nações. E ainda a expressão “magos” não se vincula à magia, no sentido que hoje se atribui a essa palavra, mas ao fato de que eles seriam estudiosos dos fenômenos cósmicos, a ciência dos astros, algo que no passado se chamava de astrologia, isto é, o conhecimento adquirido através do estudo dos corpos celestes. E foi assim que eles observaram um incomum alinhamento dos planetas e compreenderam que aquilo era o sinal de um grande evento, combinando esse fato com alguns oráculos antigos. A Epifania do Senhor designa a universalidade da salvação trazida por Cristo, isto é, a sua manifestação aos pagãos, aos povos não pertencentes ao povo de Israel. A vinda de Jesus interessa ao mundo todo, não só aos judeus.


No passado, Javeh estabelecera uma aliança com o líder de um povo determinado e fizera-lhe promessas de se disseminarem por toda a terra. No modo de pensar daquele tempo, eles entenderam isso pela ótica da materialidade e da genealogia, contudo, com a chegada do Messias, a promessa se cumpriu e não foi pela trilha da genética e da hereditariedade cromossômica, mas seguiu a rota da vocação à santidade, oferecida a todos os povos, através do evangelho. A presença dos magos vindos do Oriente é o primeiro sinal da universalidade da salvação trazida por Cristo, mesmo antes que os fatos concretos da redenção tivessem ocorrido. O texto bíblico não informa de que cidade eles vieram, mas apenas que vieram de terras distantes no oriente, guiados pela estrela. O evangelho fala somente que os 'magos' seguiram a estrela, a qual lhes teria indicado o local onde encontrariam Aquele de quem as profecias antigas faziam menção. Sim, eles eram pessoas de fé e de ciência, numa época em que essas duas realidades se confundiam numa só. Muito provavelmente, eles eram sacerdotes de uma religião diferente, talvez do zoroastrismo, religião fundada por Zaratustra, cerca de 1.500 anos antes de Cristo e praticada na região da Babilônia, que hoje corresponde ao Irã. Para os propósitos do evangelista Mateus, não interessa efetivamente quem eram nem mesmo se eram aquilo, pois o objetivo é mostrar que o Messias, em primeiro lugar, é aquele a quem os profetas mais antigos se referiram e, em segundo lugar, que a sua vinda não se restringia a um determinado povo ou a pessoas de uma determinada região geográfica, mas alcançaria também gentios e pagãos, realizando a promessa divina de um modo novo e inesperado.


Na primeira leitura, do livro de Isaías (60, 1-6), aparece claramente o sentido da universalidade do Messias, quando o Profeta se refere a Jerusalém como um local onde se congregam povos de diversas origens: “Os povos caminham à tua luz e os reis ao clarão de tua aurora. Levanta os olhos ao redor e vê: todos se reuniram e vieram a ti.” Jerusalém já não é mais a capital apenas do povo hebreu, mas de todas as nações. “Com eles virão as riquezas de além-mar e mostrarão o poderio de suas nações”, desse modo, o Profeta vaticina a transformação de Jerusalém numa cidade onde haverá a confraternização de todos os povos, pois eles se dirigem a ela não com o objetivo de domínio ou de fazer negócios, mas para proclamar a glória do Senhor. Na figura alegórica do Profeta, vislumbra-se a Jerusalém de Judá como a antecipação da Jerusalém celeste, ou seja, a Igreja de Cristo, que se estenderá a todos os povos e a todos os lugares. E se existirem povos inteligentes em outros planetas e em outras galáxias (afirma-se que somente na Via Láctea existem 36 planetas similares à terra), também para eles se destina a missão dada por Cristo: “ide e ensinai a todos os povos”. Da mesma forma que, até a Idade Média, quando não se conheciam as terras do continente americano, pensava-se apenas no mundo europeu, mas logo que se descobriram outras paragens, os missionários trouxeram a mensagem cristã para a nossa região, assim também, quando novas comunidades intergalácticas de seres inteligentes forem encontradas, competirá a nós a tarefa de missionar as novas regiões, cumprindo o mandamento de Cristo.


Vemos, na carta de Paulo aos Efésios (3, 2-6), um testemunho interessante do Apóstolo acerca do “mistério” que lhe foi comunicado por revelação, qual seja, “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho.” Ora, o próprio Paulo não conheceu pessoalmente a Jesus Cristo, não ouviu Seus ensinamentos, não participou do processo pedagógico do grupo de galileus, aos quais Jesus tentou ensinar, durante três anos, a sua mensagem, a sua “nova lei”, recebendo o ensinamento de um modo todo próprio: por revelação.. Ele próprio, Paulo, era um judeu da diáspora, semelhante a um gentio, e a revelação que ele recebeu de Cristo diz respeito exatamente ao fato de que a salvação não está restrita ao povo da antiga aliança, isto é, os pagãos também são chamados para fazerem parte do povo de Deus. Foi isso que os fariseus nunca entenderam na pregação de Jesus, foi por isso que não o reconheceram como o Messias, porque pensavam a salvação apenas em termos nacionalistas e étnicos, porque liam as escrituras de uma forma meramente literal e fechada e isso os impedia de ver, no texto sagrado, um novo sentido mais amplo e mais flexível. Paulo recebeu esses ensinamentos por revelação e tratou de transmiti-los através da sua pregação, do seu exemplo, dos seus escritos, da sua própria vida, devotada ao evangelho. A só presença de Paulo e a sua atividade missionária comprovam essa nova dimensão da antiga aliança, ensinada por Cristo. O evangelho de Mateus fala dos magos vindos do Oriente; as cartas de Paulo se destinam aos gentios do Ocidente; a junção das duas perspectivas nos dá a dimensão maior da envergadura que comporta a mensagem cristã.


Sobre a leitura do evangelho (Mt 2, 1-12), é curioso observar que nem Lucas nem Marcos se referem ao episódio da visita dos “magos”, sobretudo Lucas, que foi o evangelista portador dos maiores detalhes particulares da infância de Cristo. É de se imaginar que a visita de “magos” vindos do estrangeiro nos primeiros dias após o nascimento de Jesus devia ter sido um fato importante, no entanto, Lucas não obteve essa informação. Ademais, se fizermos as contas, a provável chegada desses magos teria encontrado o Menino Jesus já com alguns meses de idade, considerando que a visão da “estrela” teria ocorrido no nascimento e considerando a distância de onde eles se encontravam, uma viagem no lombo de camelos deveria demorar pelo menos uns três meses até Belém. Provavelmente, os magos tiveram de ir até Nazaré para ver o menino. Como se vê, existem muitas incongruências envolvendo essa narrativa da vinda dos magos, de modo que nunca se saberá com certeza o que há de realidade nesses fatos e por isso, mais uma vez, fica evidenciado que não se deve ler e interpretar a Bíblia de forma literal. Mas visto que os evangelhos não são propriamente registros históricos e sim proclamações de fé das comunidades primitivas, o que mais importa nessa narrativa é a doutrina da universalidade da salvação.


O evangelista Mateus tem um propósito deliberado de demonstrar que Jesus é o Messias prometido, aquele de quem falam as profecias. Ele faz todo um esforço para compor a narrativa, unindo os fatos com os textos proféticos, harmonizando-os e integrando-os. Daí que ele vai buscar um texto antigo do profeta Miquéias (Mq 5, 2) e o insere no contexto do diálogo de Herodes com os “magos”, quando os sacerdotes e doutores da lei revelaram a cidade de Belém como a terra natalícia do Messias. Diz o Profeta: “E tu, Belém Efrata, posto que pequena entre os milhares de Judá, de ti me sairá o que governará em Israel.” O codinome “efrata” associado a Belém, de acordo com os estudiosos, é uma referência aos descendentes de Efraim (os efratas), que teriam sido os fundadores da cidade. Efrata era também o nome da esposa de Caleb, um dos líderes do povo de Israel, juntamente com Josué, após a morte de Moisés. De acordo com a tradição judaica, Efrata seria um nome correspondente a Míriam, que é o nome original de Maria, a mãe de Jesus. Gramaticalmente, “efrata” é também um substantivo que significa “terra frutífera”, terra boa de plantar. Por sua vez, a palavra Belém (em hebraico, bait +lehem=casa do pão) indica um local de grande fartura, onde existe alimento em abundância. Verifica-se, desse modo, um grande acúmulo de simbologias, cada qual mais interessante, associado à cidade de Belém, as quais a qualificam como um local privilegiado. Daí porque o Profeta diz que, embora pequena cidade, ela não é menos importante do que as maiores, porque dela sairá aquele que irá governar Israel. Vê-se, com isso, que o evangelista Mateus era também um profundo conhecedor das antigas escrituras.


Meus amigos, no meio de tantas informações, nem sempre coerentes, o que nos interessa é destacar o símbolo da universalidade da mensagem cristã, quando os tempos se completaram e o Verbo se encarnou.


Renovados votos de Feliz Ano Novo e cordial abraço a todos.

Antonio Carlos