domingo, 14 de janeiro de 2024

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 2ª DOMINGO COMUM - 14.01.2024

 

COMENTARIO LITURGICO – 2º DOMINGO COMUM – A VOCAÇÃO – 14.01.2024


Caros Confrades,

Passado o tempo do natal, a liturgia católica retoma o tempo comum e neste 2º domingo comum, o tema litúrgico é o chamado ou a vocação de cada um. A nossa vocação está associada à nossa missão, ao nosso objetivo de vida. Cada pessoa possui certas habilidades e tendências inatas, próprias do seu caráter e da sua personalidade, que orientam sua ação na sociedade, de modo que realizar a própria vocação corresponderá a descobrir esses talentos que Deus nos dá em maior abundância e fazer uso deles para o maior bem de nós mesmos, dos irmãos, da sociedade, do reino de Deus, para cujo desenvolvimento nós somos convocados a colaborar. A vocação requer escuta e compromisso. Escuta para que cada pessoa possa identificar o que Deus espera dela. Compromisso para que cada um assuma a sua missão com honestidade e com firmeza, na certeza de que a graça divina não deixará de lhe favorecer.


Na primeira leitura litúrgica, retirada do livro de Samuel (3, 10-19), lemos a vocação deste sacerdote e profeta, quando recebeu o primeiro chamado de Javeh. Ele era ainda um jovem e neófito no templo, nunca havia tido contato com o Senhor e por isso não identificou, de início, quem o estava chamando e apresentou-se ao sacerdote Eli, na suposição de seria ele o autor do chamado. Somente depois de ouvir algumas vezes a voz de Deus, instruído por Eli, Samuel conseguiu identificar a origem do chamamento. Isso também pode acontecer conosco, embora, muitas vezes, já não sejamos jovens de idade como o Samuel da leitura, mas nem sempre conseguimos ouvir ou identificar com clareza o chamado que nos chega da parte de Deus. Este chamado em geral não é assim tão nítido e insistente, como aconteceu com Samuel, às vezes, ele é sutil e delicado, como é o caso de quando vem através da voz do irmão necessitado, do próximo que pede a nossa ajuda, por exemplo. Tempos atrás, nós fomos conduzidos até o Seminário, por termos ouvido um “chamado divino” através dos nossos pais, parentes, sacerdotes ou através de situações marcantes, que nos impulsionaram até lá. O fato de termos saído do seminário não significa que nós renunciamos a seguir o chamado, mas apenas que Deus nos mostrou outras alternativas e nos deu outras oportunidades para servi-Lo, que não através da vida religiosa consagrada. Cada um prossegue no atendimento ao chamado, contribuindo para a maior glória de Deus nas tarefas do dia a dia como cidadãos, dando aos irmãos exemplos de vida pessoal e profissional, na fidelidade do seguimento do evangelho de Cristo.


É interessante observarmos que Javeh chamou Samuel enquanto ele dormia. No Antigo Testamento, há diversos exemplos de casos em que Javeh fala diretamente com alguém, não se servindo de um intermediário, um portavoz. E a metodologia dessa mensagem com frequência está associada ao sonho. Era comum que as pessoas escolhidas por Javeh recebessem mensagens divinas através de sonhos. Há vários exemplos na escritura sagrada sobre os sonhos dos “navis” (profetas), que eram uma espécie de revelação que eles recebiam de Deus, assim como aconteceu com Samuel. A palavra “profeta” surgiu na tradução da escritura para a língua grega, quando a palavra hebraica “navi” foi traduzido por “prophaités”, palavra esta derivada do verbo grego “phainow” (falar), então o profeta é aquele que fala em nome de alguém. No Antigo Testamento, o “navi” trazia um recado de Javeh, o qual ele havia recebido geralmente através de um sonho, daí porque foi traduzida por “pro-phaités”. Visto que, no mais das vezes, os fatos abordados se referiam a eventos futuros, gerou-se uma tradição de que profeta é aquele que é capaz de prever acontecimentos, como se fosse um adivinho, sendo esse o significado semântico mais usual. Na verdade, “profetas” somos todos nós quando, através das nossas atitudes, nossas palavras e nosso testemunho demonstramos para os irmãos a nossa característica de cristãos e, mesmo sem proferir discursos ou pregações, somos eloquentes no agir e no fazer.


Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Coríntios (1Cor 6, 13-20), o Apóstolo aborda a vocação matrimonial, advertindo os cristãos de Corinto para não se envolverem com as prostitutas sagradas do templo de Diana, mantendo a fidelidade com os respectivos cônjuges, pois o homem que se une a uma prostituta faz do seu corpo um só com o corpo dela (6, 16) e isso contradiz a união espiritual que o cristão tem com o Senhor. Por isso, diz Paulo: fugi da fornicação. “Ou ignorais que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que mora em vós e que vos é dado por Deus? E, portanto, ignorais também que vós não pertenceis a vós mesmos? De fato, fostes comprados, e por preço muito alto, ” (6, 19-20) ou seja, com a paixão e morte de Jesus. Portanto, continua, usem o seu corpo para a glória de Deus. É mais adiante, nessa mesma carta (cap. 13), que Paulo escreveu o seu belíssimo poema sobre o amor cristão, que é muito conhecido e repetido, e que começa com essa bela comparação: “Eu poderia falar todas as línguas que são faladas na terra e até no céu, mas, se não tivesse amor, as minhas palavras seriam como o som de um gongo ou como o barulho de um sino.” A vocação matrimonial é, talvez, o maior desafio que se coloca para os seres humanos (homem e mulher), quando firmam um compromisso de vida em comum por toda a existência, o que só pode ser conseguido com a assistência permanente da graça divina.


Na leitura do evangelho de João (1, 42), vemos a narração do chamado especial de Cristo dirigido a Pedro. Pelo que se deduz da narrativa joanina, André era discípulo de João Batista e passou a seguir a Cristo, depois que João O identificou como “Cordeiro de Deus”. Após passar um dia na companhia de Jesus, André foi convidar seu irmão Simão para tornar-se também um seguidor, dizendo “encontrei o Messias”. Logo que Simão foi apresentado por André a Jesus, este foi logo dizendo: teu nome é Simão, mas serás chamado Kéfas. Este trecho do evangelho é marcado por digressões explicativas, pelo que se deduz que João escrevia para pessoas que não entendiam as palavras em hebraico. Ele explica que Rabi significa mestre, que Messias significa Cristo e que Kéfas significa pedra.


Observemos alguns aspectos interessantes da análise do vocábulo KÉFAS. No próprio texto do evangelho (1,42), o evangelista João se preocupa logo em traduzir “kéfas”. Lembremo-nos que o evangelho de João foi escrito por volta do ano 100 d.C. e nessa época a figura de Pedro já estava consolidada como chefe da Igreja. No texto latino, diz assim: quod interpretatur Petrus - Petrus está escrito com letra maiúscula (tradução literal: que se interpreta como Pedro). A palavra Kéfas não é grega, mas aramaica, uma variação do hebraico falada por moradores da Galileia, onde estava Cristo. Segundo a internet, kéfas em aramaico significaria 'rochedo esburacado'. Por isso, João disse que Kéfas se interpreta como Petros, ele não disse que era sinônimo de pedra. E João fez isso cerca de 30 anos após a morte de Pedro, certamente lembrando a passagem de Mateus (13, 18). Apenas para recordar, o evangelho de Mateus foi escrito originalmente em aramaico e só depois traduzido para o grego. Portanto, deduz-se que foi através desta passagem de Mateus (13,18 - tu es Petros e sobre esta Petra edificarei a minha igreja)  que a palavra kéfas foi introduzida no idioma grego e deste, transferida para o latim.


Um outro aspecto também interessante da palavra kéfas é que, por não ser grega nem latina, ela foi simplesmente transliterada nos dois idiomas - quero dizer: tanto em grego como em latim, foi copiada a sua pronúncia do aramaico. Mas por uma feliz coincidência, kéfas contém a primeira parte da palavra grega kefalé, que significa 'cabeça', então o chamado de Pedro foi especial porque Jesus o colocou, ao mesmo tempo, como fundamento e como cabeça do grupo. Esse é um polêmico ponto de divergência entre a Igreja Católica ocidental e a oriental, questão que vem se arrastando por vários séculos e que o Papa Francisco está cuidadosamente tentando superar, já tendo realizado diversas visitas e conversas com as Igrejas Orientais, em busca da unidade eclesial. A diferença no tratamento do problema está em que os Papas anteriores se apresentavam como “chefes” a quem todos deveriam manifestar obediência. No caso do Papa Francisco, ele se apresenta como um irmão que tenta reatar os laços de fraternidade com outros irmãos. E isso mesmo ele faz também em relação às outras religiões não cristãs, como o judaísmo e o islamismo, cumprindo a previsão de Cristo de que todos formariam um só rebanho e teriam um só pastor. Esta é a vocação especial que Cristo reservou para ele.


Nesse contexto, cada um de nós é convidado a refletir de que modo, nas nossas vidas, na familia, no trabalho, no lazer, no estudo, na educação dos filhos, na vida social em geral nós prosseguimos com sinceridade sendo fiéis ao chamado que nos foi dirigido por Deus.


Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos

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