COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA PÁSCOA – 31.03.2024 - RESSURREXIT
Caros Confrades,
O
calendário litúrgico nos conduz novamente ao domingo da Páscoa.
Neste ensejo, completam-se treze anos que comecei a escrever esses
comentários sobre a liturgia dominical, somando mais de quinhentos
textos. Comecei no domingo da Páscoa de 2011. De lá até hoje, a
cada domingo, surge para mim uma nova oportunidade de refletir em
união com vocês os textos sagrados selecionados pela Igreja para
compor um tema bíblico destinado à formação religiosa permanente
das diversas comunidades dos fiéis. É também momento propício
para rever estudos que realizei nos anos 70, quando cursei teologia
no Seminário da Prainha. Ponho aqui uma referência especial e um
agradecimento sincero ao Padre Luiz Uchoa, que foi o meu professor de
Bíblia, através de quem aprendi muitas coisas das que publico aqui.
Sou igualmente grato aos caros Confrades que me dão a honra de ler
essas reflexões que escrevo, maxime quando declaram que o fazem com
proveito pessoal, o que muito me honra. Peço a Deus que sempre me
ilumine para proporcionar aos leitores o crescimento e amadurecimento
da fé de cada um.
Neste domingo da Páscoa, a palavra
chave, palavra de ordem, poderosíssima é uma só: Ressurrexit -
Ressuscitou. Meus amigos, esta é uma palavra muito forte, a mais
poderosa que qualquer um de nós pode pronunciar. Ressuscitar
significa vencer a morte, esta força contra a qual nenhum poder
humano resiste. E no entanto, Jesus ressuscitou e nos deu a promessa
certa de que ressuscitaremos com Ele. E aqui, parafraseando o
apóstolo Paulo, em 1 Cor 15, 14: se Cristo não ressuscitou, inútil
é a nossa fé, somos as pessoas mais miseráveis deste mundo, por
acreditarmos numa fantasia. Mas não, diz ele, Cristo realmente
ressuscitou e é por isso que nós estamos aqui, e é por isso que
nós cremos e mantemos a certeza de que nós também venceremos a
morte, da mesma forma como Ele fez.
Na noite de ontem
(sábado), tivemos a solene festa da Vigília Pascal, a cerimônia
mais longa de toda a liturgia católica, porque evoca toda a história
da nossa salvação. É sempre uma cerimônia longa, mas é com
grande entusiasmo que dela participamos, porque nela estão resumidos
os principais mistérios da fé cristã. Os atos litúrgicos são tão
ricos e simbólicos, quando nos concentramos neles, de modo que nem
percebemos a sua duração. O canto do Exultet (Proclamação da
Páscoa), as leituras que vão desde a narração da criação até
as profecias de Isaías e Baruc e depois o evangelho, que narra a
chegada das mulheres e dos discípulos ao túmulo e encontram a pedra
removida... eu fico imaginando a cara de espanto, preocupação e
perplexidade de todos eles quando encontram a pedra afastada, as
faixas de linho deixadas no chão e o lençol o que estivera sobre a
sua cabeça estava enrolado na lateral. E o anjo que anunciou: Ele
não está mais aqui, ressuscitou como havia dito. Então, como se
diz no popular, 'caiu a ficha' deles, pois até então eles não
tinham muita certeza de que isso aconteceria. E ficaram pensando: ah,
foi por isso que ele falou tal coisa... foi isso que ele quis
dizer... Eu li um comentário explicando que o verbo grego traduzido
por 'deixados de lado', quando o texto fala que os panos estavam
deixados, quer dizer que o tecido que recobria o corpo de Cristo
estaria com a forma produzida pelo Seu corpo, mas sem nada por baixo,
oco, conservando apenas o aspecto figurativo de um corpo deitado. Ou
seja, na ressurreição, Cristo se levantou milagrosamente sem
afastar o lençol, diferente de cada um de nós quando se levanta da
cama, puxando o lençol para um lado. Ele simplesmente 'saiu' daquele
ambiente sem desmanchar o envólucro. Seu corpo físico, podemos
dizer, se desintegrou quimicamente sem alterar o estado do lençol
que o recobria. Talvez seja essa a origem da imagem do Santo Sudário.
Nessa 'desintegração' atômica, o corpo do Senhor deixou no lençol
a marca indelével de sua figura, que ainda hoje é motivo de estudos
e debates por crentes, não crentes, cientistas e curiosos.
Merece
um destaque especial a participação de Maria Madalena neste
episódio, conforme é narrado por João. Ela chegou ainda de
madrugada, com escuro, e vinha preocupada pensando em como fazer para
afastar aquela enorme pedra da entrada. De longe, ela olhou e viu que
a pedra já tinha sido afastada e se assustou, nem continuou, mas
voltou para dizer isso a Pedro e João, que ainda estavam no caminho.
Então, João e Pedro saíram correndo pra conferir isso, e João por
ser mais jovem correu mais e chegou primeiro, e viram que de fato a
pedra não estava no lugar. Receberam o aviso do anjo e ficaram ali a
matutar sobre o caso. Maria afastou-se do local e caiu no choro,
parecia que não tinha acreditado no anjo. (Jo 20, 15). Enquanto
chorava, Maria ouviu uma voz a lhe perguntar: "Mulher, por que
choras? A quem procuras?” Ela, julgando que fosse o jardineiro,
respondeu-lhe: “Senhor, se tu o levaste, dize-me onde o puseste, e
eu o buscarei.” Disse-lhe Jesus: Maria! Ela, virando-se, disse-lhe
em hebraico: “Raboni! - que quer dizer, Mestre.”
Imaginemos a cara de Maria Madalena nessa hora, um misto de surpresa,
medo e felicidade. E agora imaginemos a cara de 'ciúme' dos
apóstolos quando ela chegou para eles e disse: "Vi o Senhor"
(Jo 20, 18). Jesus apareceu a Maria Madalena antes deles...
percebamos que grande privilégio o dela.
Aqueles teólogos e fiéis que afirmam
que não pode haver sacerdotisas no catolicismo porque Cristo só
escolheu homens como apóstolos é porque, com toda certeza, nunca
refletiram sobre a importância e o privilégio de Maria Madalena.
Sem falar nas outras mulheres que acompanharam Jesus de perto em toda
a via sacra, exatamente no momento em que os discípulos (os homens)
tinham fugido e se escondido. Mas elas estavam lá, até o fim. No
cap. 20 de João, acima referido, ele fala apenas em Maria Madalena.
Mas no cap. 16, 1 de Mateus, lêem-se os nomes de outras mulheres:
“Quando passou o sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago,
e Salomé, compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus.” Podemos
deduzir que havia no grupo um número bem maior de mulheres do que o
rol de nomes que consta no texto bíblico. E as mulheres também
estavam no Cenáculo, juntamente com Maria Mãe de Jesus, quando
desceu o Espírito Santo. Portanto, meus amigos, a tradição
católica tem uma grande dívida de reconhecimento dessas valorosas
mulheres que acompanharam toda a trajetória de Jesus, sendo fiéis
até os instantes finais e mesmo depois da Sua morte, e bem assim
como todo o trabalho que elas desenvolveram nas primeiras comunidades
cristãs. Segundo os evangelhos não incluídos no cânon bíblico,
Maria Madalena era líder de uma fervorosa comunidade cristã
primitiva e tinha uma liderança reconhecida por todos, o que era
motivo de picuínhas e caras feias por alguns apóstolos,
especialmente Pedro e Paulo. Mas isso é uma outra
história.
Voltemos à palavra chave da festa pascal: Ele
Ressuscitou ! Santo Atanásio, que foi bispo de Alexandria no séc.
IV, dizia: a Páscoa não é celebrada apenas no domingo da
ressurreição, mas repete-se em todos os 7 domingos do período
pascal. Não se diz 2º domingo depois da páscoa, 3º domingo depois
da páscoa, etc, mas 2º domingo da páscoa, 3º domingo da
páscoa..., os sete domingos formam uma só e grande páscoa. De
fato, a Páscoa é uma festividade de uma dimensão tal que teria sua
importância diminuída se ficasse reduzida a apenas um domingo
celebrativo. Se observarmos bem, a páscoa é a memória central que
se celebra em todos os domingos do ano, sendo que neste período tem
uma referência especial.
Todos os anos, nós celebramos a
festa da Páscoa e este é sempre um momento forte de recarregar a
nossa fé e a nossa esperança, sobretudo nesse tempo carregado de
sombras e incertezas. No século XIX, os exegetas racionalistas
protestantes tentaram fazer uma “interpretação” científica da
Bíblia, retirando todas as referências sobrenaturais do texto
acerca de milagres, procurando encontrar explicações científicas
para estes. Jesus poderia ter sido um grande mágico, um grande
prestidigitador, um grande parapsicólogo, um grande físico ou
químico ou biólogo, etc... mas essa tentativa esbarrou num fato
inexplicável: a ressurreição. Nunca, em tempo ou lugar algum, se
ouviu qualquer notícia ou testemunho de algo semelhante, ou seja, de
alguém que tivesse morrido verdadeiramente e depois, pelas suas
próprias forças, tivesse voltado a viver. E ficaram num dilema: ou
afirmariam que todas aquelas pessoas que testemunharam esses fatos
eram loucas (o que seria absolutamente irrazoável e insensato) ou
então acreditariam que eles falaram a verdade. E pararam o trabalho
por aí.
Meus amigos, vale lembrar aqui o que Cristo disse
a Tomé: tu acreditaste porque viste; bem-aventurados os que não
viram e, no entanto, creram. Jesus está nos chamando de
bem-aventurados. Poderia haver elogio maior? principalmente se
considerarmos de quem esse elogio partiu? Ora, só temos motivos e
mais motivos para nos alegrarmos com todas essas realidades que a fé
cristã nos traz e que a pura razão ou a mais elevada ciência
jamais conseguirá alcançar. Celebremos, portanto, de verdade a
nossa páscoa com o nosso testemunho sincero nas labutas do dia a
dia.
Renovados votos de Feliz Páscoa a todos.
Antonio
Carlos