COMENTÁRIO LITÚRGICO – 5º DOMINGO DA PÁSCOA – INSERIDOS NA TRINDADE – 28.04.2024
Caros Confrades,
A liturgia deste 5º domingo da Páscoa nos convida a refletir sobre a nossa inserção na Trindade Santa, tendo como motivação a parábola da parreira e seus ramos. Cristo é a parreira, nós somos os ramos e o Pai é o agricultor (Jo 15, 1). Se o ramo não estiver conectado na parreira, vai secando até morrer. Na primeira leitura, retirada do livro dos Atos (At 9, 26), o autor narra os reflexos da conversão de Saulo sobre a comunidade cristã de Jerusalém, mostrando de que modo ele foi inserido no grupo dos discípulos. E a Carta de João nos lembra que é através do Espírito que nós tomamos consciência da nossa inserção em Deus.
A parábola da parreira ou da videira não se encontra nos outros evangelhos, apenas no de João, o que indica que foi uma lembrança que o próprio evangelista guardou e não era conhecida dos outros escribas. Visto que o evangelho de João foi escrito somente no final do primeiro século, o exemplo da parreira reflete também o amadurecimento teológico da doutrina cristã, e se encaixa bem na teologia joanina, exposta nas suas cartas, como se vê no texto da segunda leitura deste domingo (1 Jo 3, 18). Falar na imagem da parreira e dos seus ramos não é algo muito familiar para a nossa cultura regional, pois poucos nordestinos têm experiência própria desse tipo de plantação, a qual é mais comum no sul do Brasil. Mas a imagem bíblica, reiteradamente retratada nas gravuras tradicionais, bem que se assemelha com um grande pé de tomate ou de maracujá, que estende seus ramos sobre as estruturas de apoio, que comumente os agricultores colocam. Mantém-se assim a mesma simbologia da união que deve haver entre os ramos e o tronco, sem o que a produção do fruto é impossível e sem o que o ramo desgarrado resseca e morre. O Cristo judeu é uma videira, mas o Cristo nordestino seria assim um tomateiro ou um maracujazeiro, adaptando a parábola evangélica aos padrões da nossa cultura regional.
Então, Jesus diz que Ele é a parreira (e nós diríamos, o tomateiro) e o Pai é o agricultor. E depois completa: e vós sois os ramos. Assim como é necessário que o ramo permaneça unido ao tronco para que produza frutos, também nós precisamos permanecer unidos a Cristo, para que possamos produzir frutos de santidade. A imagem da parreira, usada por Cristo, portanto, representa a ideia da inserção. Os ramos da planta são a imagem simbólica da comunidade, ensinando-nos que nenhum de nós pode viver a religião de forma isolada. A planta não possui um ramo só e nem esses ramos se espalham isoladamente, mas totalmente entrelaçados. Nenhum de nós pode estar unido a Cristo, se não fizer parte ativa da comunidade eclesial. A inserção na comunidade, por sua vez, se faz através da participação nos momentos celebrativos, em que toda a igreja se reúne para rezar. Ninguém desconhece o valor da oração individual, particular, mas a oração que nos une verdadeiramente a Cristo e, através dele, ao Pai e ao Espírito, alçando-nos à comunhão da Trindade Santa, é a oração coletiva da comunidade em assembleia. É lamentável que alguns católicos considerem que ir à missa é uma obrigação, na verdade, essa mentalidade é fruto da pedagogia religiosa tradicional, que impôs a ideia do preceito dominical, com a pena do pecado. Em vez de ressaltar a importância da oração comunitária, a pedagogia catequética colocava em primeiro plano a missa como uma obrigação, por isso, quanto mais rápida a celebração, melhor. Podemos perceber o volume do efeito prejudicial que esse ensinamento deixou na cultura religiosa do nosso povo.
Pois bem, nós não nascemos já agarrados no tronco da parreira, nós nascemos como ramos desgarrados, que precisam ser enxertados no tronco, donde iremos receber a seiva da vida. É pelo batismo que somos enxertados nesse tronco vivo e é pela vivência do evangelho que nele devemos permanecer para receber a seiva vital. E Cristo, pela boca do evangelista, nos diz textualmente: “Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim. ” (Jo 15,4) Porque todo ramo que, enxertado a Ele, não der fruto, o Pai o arrancará; e aquele que dá fruto, o Pai limpará, para que dê mais fruto ainda. Então, a nossa missão de cristãos é permanecer enxertados no tronco vivo, como ramos produtivos, que o Pai limpa e poda para aumentar sempre mais a produtividade.
Na sua Primeira Carta (3, 24), João complementa o texto do seu evangelho, ao ensinar qual o modo de permanecermos como ramos vivos e produtivos: “Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele.” E a conduta concreta que nos mantém enxertados no tronco da vida, João explica no vers. 18-19: não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração. Portanto, a condição para que nós, ramos, permaneçamos enxertados na parreira e produzindo frutos é uma só: amar de verdade, com ações concretas e não apenas da boca para fora. Para guardar os mandamentos, a única receita é a prática do amor ao próximo, pois o amor faz parte da essência desse mandamento (Jo 3, 23): “Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu. ” Ou seja, meus amigos, a condição para permanecermos atrelados a Cristo-tronco é a fé nEle, que se expressa no amor aos irmãos. Não são duas coisas distintas, são duas atitudes que se complementam e, ao final, se transformam numa só. A fé que não se manifesta em obras é morta, portanto, não basta crer. E todo o que crê em Cristo, ama os irmãos, por quem Ele deu a Sua vida. O João ainda diz mais: como vamos saber se guardando os mandamentos, Deus permanece em nós e nós permanecemos nEle? Resposta de João: é pelo Espírito que sabemos disso. Vemos aqui, portanto, que permanecer unido a Cristo equivale a estar inserido na Trindade Santa.
Aqui podemos encaixar a primeira leitura, que narra a inserção de Saulo na comunidade dos discípulos, depois de sua conversão. Os Apóstolos e demais cristãos da comunidade de Jerusalém ficaram com receio de recebê-lo, porque ele era conhecido como feroz perseguidor do cristianismo. De repente, ele chega querendo se aproximar, a reação natural de todos foi de recusa, porque essa podia ser uma nova estratégia de perseguição. Foi preciso que Barnabé advogasse em favor de Saulo e testemunhasse todo o processo de mudança ocorrido em sua pessoa, para que todos então acreditassem e o aceitassem. Na verdade, Cristo precisava de um pregador da estirpe de Saulo, com formação intelectual e arrojo para enfrentar as dificuldades. Em Atos (9, 19), o escriba fala que ele discutia com os judeus de língua grega, isto é, com os judeus intelectuais, coisa que os outros apóstolos não tinham cacife para fazer e que colocava em risco a sua própria vida, por isso, ele precisou mudar de cidade para não morrer. Sem a competência de Saulo, a propagação do cristianismo na comunidade grega teria sido um fracasso. Para mim, uma das maiores provas históricas da divindade de Cristo é a conversão de Saulo.
Saulo tornou-se companheiro de Barnabé e foi por intermédio deste que decidiu trocar seu nome para Paulo. Os estudiosos não são unânimes na explicação do por que Saulo tomou essa decisão, mas a razão mais provável deve ter sido para que a mudança de nome representasse externamente a sua mudança íntima, a sua conversão, e ele queria que isso ficasse bem notório para todos. O nome Saulo é judeu, o nome Paulo é romano. O nome Saulo tem a mesma raiz do nome do rei Saul, primeiro rei de Israel, que perseguiu Davi. Ora, Cristo era descendente de Davi e Saulo não era mais um perseguidor. Além disso, era costume que os judeus convertidos mudassem seu nome judaico para um nome grego ou romano, assim como nós mudávamos o nome ao entrar no Seminário, como forma de simbolizar uma mudança no modo de vida. A mudança do nome de Saulo para Paulo significou, para ele, concretamente a sua inserção entre o discipulado de Cristo e, por via de consequência, sua inserção na Trindade Santa. E diz Lucas, em Atos (11, 26), que Barnabé e Paulo passaram um ano inteiro pregando e dando assistência à igreja de Antioquia e “Em Antioquia os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o nome de cristãos.” Temos aí também a origem histórica do nome de 'cristãos' atribuída aos seguidores de Cristo.
Que o exemplo de Paulo nos inspire a permanecer unidos à parreira-Cristo, guardando os seus mandamentos e amando os irmãos com ações de verdade.
Com um cordial abraço a todos.
Antonio Carlos
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