sábado, 25 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 30º DOMINGO COMUM - 26.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 30º DOMINGO COMUM – ORAÇÃO E CONDUTA – 26.10.2025


Caros Confrades,


As leituras da liturgia deste 30º domingo comum nos levam a meditar sobre a coerência que deve existir entre o nosso interior e a nossa conduta externa, principalmente quando oramos. A oração supõe sempre uma confissão de impotência e um sentimento de humildade. A oração do humilde atravessa as nuvens e não passará despercebida pelo Senhor. Ele é um justo juiz, que consegue sondar os nossos sentimentos mais profundos e é inútil tentar camuflar o orgulho e a autossuficiência com palavreados sonoros e encenações caprichosas. Orar somente com os lábios, da boca para fora, sem a humildade do espírito, é igual ao címbalo que tine: faz grande barulho, mas seu interior é oco, sem conteúdo.


Na primeira leitura, extraída do livro do Eclesiástico (35, 15-22), temos a descrição de Javeh como o justo juiz, aquele que não faz distinção entre as pessoas nem usa de parcialidade nos seus julgamentos. O livro do Eclesiástico, cuja autoria é atribuída a Jesus Ben Sirac, foi escrito na época do pós-exílio para ensinar aos hebreus, numa contingência de mudanças sócio políticas, a fidelidade de Javeh contida na Lei de Moisés, que é a verdadeira sabedoria divina. Esta expressão “lei de Moisés” não significa um texto legislativo específico, mas refere-se à aliança e à promessa de Javeh com Abraão e seus descendentes, lembrando ao povo hebreu, vivendo longe de Israel, que eles não podem misturar o judaísmo tradicional com os novos costumes dos povos estrangeiros, porque isso deturpa a aliança celebrada com os antigos patriarcas. Sendo um justo juiz, o Senhor não deixa de atender às preces daqueles que o invocam, sobretudo os excluídos da sociedade (pobres, órfãos e viúvas), os mais humildes. “A prece do humilde atravessa as nuvens: enquanto não chegar não terá repouso; e não descansará até que o Altíssimo intervenha, faça justiça aos justos e execute o julgamento.” (Eclo, 35, 21) O Senhor não se deixa levar pelas aparências, mas perscruta a nossa interioridade, atendendo aos que o procuram com coração sincero e humilde. Esta referência do Eclesiástico irá encontrar eco, tempos depois, na oração do publicano, que Jesus coteja com a oração do fariseu, no trecho do evangelho de Lucas, lido também neste domingo.


A segunda leitura, dando continuidade ao texto da segunda carta a Timóteo, iniciada nos domingos anteriores (2Tim 4, 6-18), é o epílogo da carta, na qual Paulo se despede dizendo que combateu o bom combate, terminou a carreira e guardou a fé. Tendo cumprido a sua missão, recebida de Cristo, ele agora espera apenas o desfecho final de sua vida, sabendo que o seu sacrifício está cada vez mais próximo. E faz sua confissão de fé e confiança no Senhor, justo juiz, que outorgará a coroa da vitória a ele e a todos os que permanecerem firmes na fé. Fala ainda, com tristeza, dos amigos que o abandonaram no seu julgamento perante o tribunal, pedindo que o mesmo justo juiz não leve isso em conta, quando chegar o tempo do julgamento deles. Segundo os historiadores, esta carta teria sido, provavelmente, a última escrita por Paulo, pouco antes de sua morte, na época da grande perseguição dos cristãos pelo imperador Nero, que mandou incendiar a cidade de Roma e colocou a culpa disso nos cristãos, insuflando os romanos a persegui-los. Numa época de grandes arbitrariedades cometidas pelo imperador Nero, que usava os cristãos como bodes expiatórios dos seus próprios desmandos, Paulo aproveita a imagem do sádico imperador para fazer o contraponto com o justo juiz, que é o Senhor, e que dará a coroa a todos os que combatem o bom combate. A queixa de Paulo sobre ter sido abandonado na prisão em Roma, segundo os historiadores, deveu-se ao fato de que, com a grande perseguição, os amigos de Paulo na sociedade romana, que eram cristãos em sigilo, tinham muita dificuldade em ir visitá-lo, por causa dos evidentes riscos que isso acarretava. Pode-se dizer que era uma questão de sobrevivência.


Na leitura do evangelho deste domingo, dando sequência ao evangelista Lucas (18, 9-14), temos a muito conhecida parábola em que Jesus faz a comparação entre a oração do fariseu e a oração do publicano (cobrador de impostos). De acordo com o próprio evangelista, o objetivo que Jesus tinha em mente era ensinar que não se deve confiar nos próprios julgamentos, nem a respeito de si nem a respeito dos outros. A cena descrita é clássica, pois foi reproduzida em inúmeras obras de arte: o fariseu orgulhoso e arrogante reza fazendo autoelogios e, ao mesmo tempo, lançando um ar de desdém para o publicano, pecador público, que estava rezando ao seu lado. Enquanto isso, o publicano, em atitude de humildade, rezava apenas pedindo perdão. Como em diversas outras ocasiões, Jesus toma o exemplo do fariseu para nos ensinar que as ações exteriores não bastam, mas é necessário que essas sejam o reflexo do nosso sentir interior. Os fariseus se consideravam justos e automaticamente salvos, porque cumpriam rigorosamente a lei (“jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de toda a minha renda”), mas faziam assim talvez por medo do castigo divino ou apenas para serem vistos e elogiados pelos outros, ou seja, isso não correspondia a um sentimento íntimo de piedade e de convicção. Era uma conduta de aparência, por isso, tal oração não tinha nenhum valor.


Observemos que Jesus não diz que o fariseu agia mal em cumprir a lei, pois a lei é mesmo para ser cumprida. O problema está no julgamento que o fariseu fazia de si próprio, ou seja, na sua falta de humildade, sua autossuficiência. O livro do Eclesiástico, conforme visto na primeira leitura, já dizia que a prece do humilde atravessa as nuvens e chega até o céu e suas súplicas são sempre atendidas. O fariseu da parábola tinha uma elevada presunção de santidade, segundo a sua própria noção de justiça, não segundo a justiça divina. E com a mesma facilidade com que julgava a si mesmo uma pessoa santa, também arriscava-se a julgar o seu próximo, pecador público, como alguém que não merecia a salvação e o perdão. Ora, diz Jesus, o publicano voltou para casa justificado; o fariseu, não.


Podemos fazer aqui uma ligação com outra parábola na qual Jesus compara a oferta da viúva com a oferta do fariseu (Marcos 12, 43), quando a viúva colocou no cofre apenas duas pequenas moedas, enquanto o fariseu depositou vários dobrões, que tilintavam no fundo do cofre. E Jesus concluiu: a viúva ofertou mais do que o outro, porque ela deu tudo o que possuía. Enquanto o fariseu doava o que lhe sobrava, a viúva doava toda a sua fortuna. Seguindo a mesma linha de raciocínio do parágrafo anterior, Jesus não censura o fariseu por colocar moedas valiosas, mas recrimina o modo como ele se considerava autêntico cumpridor da lei, porque dava o dízimo de toda a sua renda. O problema não está no tamanho da oferta, mas no seu egoísmo e no autojulgamento, isto é, no fato de ele se considerar merecedor da salvação, confiando-se na sua própria justiça e não na justiça divina.


Meus amigos, nesse contexto, devemos nos lembrar da advertência do apóstolo Paulo aos Coríntios (10, 12): aquele que pensa estar de pé, cuide para que não caia. O autojulgamento é uma tentação constante na nossa vida. Nos nossos dias, há muitos cristãos que pensam já estar com a salvação garantida porque vão à missa aos domingos, participam dos sacramentos, rezam o terço, pagam o dízimo, etc., mas fazem isso como uma obrigação formal, como um costume tradicional, uma prática de exterioridade, não colocam o coração junto com a sua oferta, não demonstram na prática ser solidários. Essa atitude do fariseu, reprovada por Cristo na parábola, pode ser uma ameaça velada e constante na nossa prática de cristãos, quando cumprimos nossos deveres religiosos apenas por obrigação e sem refletir sobre o significado eclesial de nossas atitudes, sobretudo quando tais atos são acompanhados do julgamento que fazemos do nosso próximo, com o qual inconscientemente nos comparamos.


Se eu vou à missa dominical e recebo os sacramentos, mas na vida social não pratico a caridade com os irmãos, meus atos religiosos são vazios de significado. A parábola do fariseu e do publicano deve ser permanente motivo de exame de consciência de todos nós, para que evitemos a sempre cômoda atitude de fazer julgamento das atitudes dos outros, valendo-nos do nosso próprio conceito de justiça. Algumas vezes, censuramos o comportamento de outras pessoas e, posteriormente, nos surpreendemos praticando aquelas mesmas atitudes. Daí a oportuna exortação do apóstolo Paulo: quem pensa estar de pé, cuide para que não caia. Antes de observarmos maldosamente as ações do nosso próximo, devemos tentar compreender seus motivos e, se for o caso, ajudá-lo a superar seus defeitos e dificuldades, em vez de criticá-los. Assim, evitaremos julgar pela nossa justiça pessoal, deixando essa tarefa para o justo juiz de todos nós.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 18 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 29 DOMINGO COMUM - 19.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 29º DOMINGO COMUM –ORAR SEM CESSAR – 19.10.2025


Caros Confrades,


Neste 29º domingo comum, as leituras litúrgicas enfocam o tema da oração perseverante. Orar e orar sempre é o ensinamento de Jesus Cristo. Evoluindo nesse tema, a liturgia fala da importância do pedido ao Pai em forma de oração, lembrando-nos de que devemos orar constantemente e sem cessar, como também sem “conceder um prazo” para que Deus nos escute. Com efeito, o recebimento ficará ao desígnio do Pai, que sabe das nossas necessidades e a eventual demora no atendimento não deve nos arrefecer a fé. Tal como Jesus ensinou no “Pai Nosso”, na oração devemos, em primeiro lugar, louvar e agradecer, para em seguida, formular os nossos pedidos.


Todos acreditamos que o Pai do céu sabe das nossas necessidades, então, vem a pergunta: por que devemos pedir-lhe algo, pois ele já sabe que nos falta? Qual o pai que não está sempre pronto para atender às carências dos seus filhos, mesmo sem que eles peçam? Sendo assim, porque Jesus ensina que o Pai do céu quer que sempre peçamos e de forma insistente? Pode parecer uma incoerência no ensinamento de Jesus, mas a verdade é que, embora Deus saiba das nossas necessidades, Ele quer a nossa colaboração, para que sejamos merecedores. Quando Jesus diz “orai sempre, orai sem cessar”, isso não significa ficar o dia todo de joelhos, com o terço na mão ou com um livro de orações, recitando coleções de preces das mais diversas espécies seguindo formulários já prontos, não é isso. Ele quer dizer que todos os atos da nossa vida toda devem representar uma constante oração. Nós estamos orando não apenas quando pronunciamos palavras ou quando as temos no pensamento, mas a nossa oração se expande para as nossas atividades rotineiras, quando através do nosso trabalho, dos nossos relacionamentos, estamos manifestando aos irmãos exemplos concretos da nossa fé, pelo nosso testemunho de vida do evangelho. Esta é a colaboração que Deus espera de nós. Podemos ver isso nos textos litúrgicos deste domingo.


Na primeira leitura, do livro do Êxodo (17, 8-13), lemos o episódio da batalha dos hebreus com os amalecitas, contando com a participação ativa de Moisés, à distância. Enquanto as tropas lutavam, as mãos de Moisés erguidas para o céu carreavam a vitória para os israelitas; quando Moisés abaixava os braços, os amalecitas levavam vantagem. Contudo, pela idade e pelo longo tempo naquela posição, Moisés não conseguia manter os braços levantados por muito tempo e isso punha em risco o resultado da batalha. Então, seus auxiliares Ur e Aarão apoiaram os braços de Moisés, para que ele conseguisse mantê-los erguidos até a vitória final dos israelitas. Excluindo desse episódio o seu conteúdo violento da batalha, podemos descobrir no ato de Moisés levantar os braços uma atitude de oração, que deve ser contínua e persistente. Abaixar os braços significa fraquejar na oração, o que acontece, muitas vezes, na nossa vida de pessoas imperfeitas. Daí a necessidade que Moisés teve de ser ajudado por seus assessores. Isso indica a necessidade que nós temos de buscar apoio e solidariedade na comunidade dos irmãos. O Papa Francisco, num de seus sermões aos peregrinos em Roma, certa vez chamou a atenção para a importância da oração compartilhada. A oração solitária tem seu valor, sem dúvida, mas para ele ser mais fortalecida, precisa de ser realizada com a comunidade. Daí a importância da liturgia, da oração comunitária, da missa, das atividades devocionais realizadas no templo. Nos momentos desta oração eclesial, os nossos braços simbólicos erguidos ao céu, tais como os de Moisés, são ajudados pela comunidade, para que as nossas forças sejam multiplicadas. Nesses momentos, ocorre uma colaboração recíproca: ao mesmo tempo em que os irmãos nos ajudam a manter os “braços erguidos”, cada um de nós também ajuda o outro no mesmo sentido. Sem deixar de reconhecer a importância da oração individual, interior, devemos também reconhecer a importância da oração comunitária, como forma de exercer uma troca recíproca de energias e um ressoar mais forte do nosso brado orante.


Na segunda leitura, prosseguindo com o texto da 2a carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida já há vários domingos, temos hoje o trecho em que o Apóstolo adverte o seu discípulo sobre a leitura orante da Sagrada Escritura: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça.” (2Tim 3, 16) A oração da comunidade sempre deve ter como ponto de referência a Escritura, pois é dela que retiramos os conteúdos mais próprios para compor a nossa oração e os ensinamentos mais eficazes para se transformarem em ações na nossa vida cotidiana. É esse o sentido da liturgia da palavra, que compõe a primeira parte da celebração da missa. Além disso, a Palavra também tem o dom de aconselhar diante de situações problemáticas da vida e de repreender o nosso comportamento, quando ele se distancia daquilo que Deus quer de nós. Por isso, Paulo exorta a Timóteo: “eu te peço com insistência – proclama a palavra” (4,1), insiste, admoesta quer agrade, quer desagrade, usando de toda paciência e doutrina. As Sagradas Escrituras “têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus.” (2Tim 3, 15) Não devemos, contudo, entender essa exortação como a simples leitura da Bíblia ou decorar trechos para ficar repetindo mecanicamente. Mais do que simplesmente ler a Bíblia, deve-se estudar a Bíblia, meditar a Bíblia, compreender a Bíblia, esta é a oração mais produtiva para o direcionamento das nossas práticas cristãs. Eu diria que a leitura do Novo Testamento deve ser preferida, dado o seu conteúdo cristológico mais explícito.


Na leitura do evangelho de Lucas (18, 1-8), Jesus recorre à sua conhecida pedagogia das parábolas para explanar de forma bem didática a sua doutrina sobre a oração. O próprio evangelista diz que o objetivo desta parábola é demonstrar a necessidade de orar sempre e nunca esmorecer. Mas antes de adentrar nesse conteúdo, eu gostaria de destacar a figura do juiz injusto, uma contradição em si mesma. Todos sabemos que o objetivo da função de um juiz é distribuir a justiça. Assim pensando, um juiz injusto seria um antijuiz. Dentro das tribulações de cada dia, é bem possível que um juiz cometa injustiças, mas certamente isso não seria intencional, ao menos, não se espera isso de nenhum juiz. Pois bem, mas prescindindo do ofício de julgar típico da sociedade organizada, podemos também considerar que nós, que não somos juízes por profissão, por vezes nos tornamos juízes das ações dos nossos irmãos, quando avaliamos e tiramos conclusões sobre o comportamento das pessoas e podemos até ofendê-las com a falta de equilíbrio nos nossos julgamentos. Se para um juiz profissional a prática de atos injustos acarreta uma autocontradição, assim também para nós, quando nos tornamos juízes inescrupulosos das atitudes do nosso próximo, estamos contradizendo o significado mais profundo da fraternidade, que deve ser a marca registrada do cristão.


Passando agora ao tema da oração sem cessar, através da parábola do juiz injusto, Jesus nos ensina que devemos orar sempre e nunca perder a confiança. A viúva retratada na parábola insistiu por muito tempo com o juiz ímprobo, pedindo que ele lhe fizesse justiça. Por fim, o juiz resolveu atendê-la, ainda que não pelo seu amor à justiça, mas ao menos para livrar-se da importunação. Daí, Jesus conclui: se até um juiz injusto, diante da insistência de uma viúva, acaba por atendê-la, quanto mais o vosso Pai do céu, que é sempre justo, nunca deixará de atender os pedidos dos seus filhos. Ou seja, Jesus destaca nesse contexto, servindo-se do argumento contrário, o poder da oração para fazer acontecer na nossa vida aquilo do que nós realmente necessitamos. Isso não quer dizer que devamos todos os dias pedir a Deus para acertar sozinho na mega sena, até que um dia Deus vai atender, nem que seja para se livrar da importunação. Não se trata disso, claro. O que devemos pedir na oração é para sermos pessoas melhores, para conseguirmos superar as nossas fraquezas e imperfeições, para sermos sempre fiéis à nossa vocação de cristãos. A oração de quem simplesmente pede a Deus que lhe conceda bens materiais não se enquadra no conceito de orar sempre, que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Para conseguir obter bens materiais o que é preciso é ter disposição para trabalhar com afinco e dedicação na sua labuta profissional e, aí sim, vamos pedir a Deus que abençoe o nosso trabalho, para que os seus frutos sejam férteis e se multipliquem.


Uma prática devocional que é muito corriqueira no meio do nosso povo é “fazer promessas” aos santos para obter isso e aquilo. É uma espécie de “comércio” sagrado: dá-me isso que eu te darei aquilo. Certamente, não é esse o modelo de oração que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Tal como no caso de Moisés com os braços elevados ou no caso da viúva que insistia perante o juiz, o que Deus espera de nós é que façamos a nossa parte. Não se trata de desafiar ou chantagear Deus com uma promessa, pois Deus não precisa de nenhum favor nosso, ao contrário, somos nós que precisamos dos favores divinos. Não se trata de fazer o pedido e ficar com os braços cruzados, esperando que um milagre aconteça simplesmente. O milagre vai acontecer se nós fizermos a nossa parte com fé, seriedade, sinceridade e persistência. O milagre vai acontecer na proporção do tamanho da nossa fé, da qual a oração deve ser a fiel expressão.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

domingo, 12 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - NOSSA SENHORA APARECIDA - 12.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA APARECIDA – 12.10.2025


Caros Confrades,


Neste domingo, 12 de outubro, a liturgia dominical é substituída pela celebração da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Este título mariano é genuinamente nacional, não é celebrado em outros países. Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi oficialmente proclamada como Rainha e Padroeira do Brasil em 1930, pelo Papa Pio XI. A pequenina imagem encontrada por acaso no Rio Paraíba do Sul, em 1717, desde o início do seu achado, vem sendo acompanhada de muitos fatos extraordinários, a começar pelo achado da cabeça, visto que na hora da primeira pesca, a imagem tinha apenas o corpo, sem a cabeça, e logo em seguida, de uma forma surpreendente e inexplicável, a cabeça da imagem foi capturada pela rede dos pescadores. Estes ficaram surpresos com o incidente e mais surpresos ainda com a grande pescaria que fizeram na sequência, visto que haviam passado muitas horas tentando e não tinham pescado nada. Os pescadores adquiriram logo grande devoção pela imagem e iniciaram a sua veneração, a qual foi premiada com diversos outros eventos miraculosos. Dois desses eventos, que me parecem mais significativos, são: um foi o caso do escravo, que rezava perante a imagem estando acorrentado e, de repente, as correntes caíram-lhe das mãos; o outro foi o caso de uma garotinha cega, que a mãe levou para a novena, e enquanto a mãe explicava para ela como era o tamanho e o formato da imagem, a menina de repente falou: estou vendo, mãe. As notícias se espalhavam e a devoção foi crescendo rapidamente.


Passando às leituras litúrgicas do domingo, todas elas evidenciam tarefas importantes realizadas por personagens femininos. Temos na primeira leitura um trecho do Livro de Ester (5,1-2; 7,2-3), a jovem judia que se casou com o rei Assuero, da Pérsia, e num momento de coragem e ousadia, obteve do rei o desmonte de um plano de extermínio dos judeus ali residentes, o qual estava sendo arquitetado por um dos ajudantes do rei. Esclarecendo alguns fatos, o nome Ester é o que lhe foi dado na Pérsia, onde a identidade judaica dela era oculta, mas o seu nome original é Hadassa. Casualmente, o nome do ajudante real inimigo dos judeus era Hamã, nome homônimo do grande inimigo atual dos judeus, o Hamas. A intercessão de Ester junto ao rei Assuero foi decisiva para a proteção do povo judeu naquele tempo e ainda é muito importante, sendo celebrado anualmente numa tradicional festa judaica chamada Purim. É um feriado celebrado com muita festa e alegria, danças e fantasias.


A segunda leitura, colhida no livro do Apocalipse de João (Ap 12, 1), mostra a figura de uma mulher grávida, vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela estava em trabalho de parto e um dragão aguardava o nascimento do filho, para devorá-lo. Porém, o dragão não conseguiu seu intento, porque o recém-nascido foi levado para junto de Deus. Por isso, ele perseguiu a mulher, gerando um grande rio para afogá-la, mas a terra veio em socorro da mulher e engoliu o rio. O dragão derrotado retirou-se para as profundezas. A imagem dessa mulher forte é, pela tradição, associada à Virgem Maria e há muitos vultos e estátuas com essa representação. Contudo, os biblistas interpretam essa imagem joanina com a figura da Igreja de Cristo, nos tempos iniciais do cristianismo, perseguida pelo império romano, que é representado pelo dragão.


A literatura apocalíptica foi um gênero de escrita que proliferou entre o século I antes de Cristo e o século I depois de Cristo, sendo conhecidos vários textos com esse tipo literário. Na Bíblia, foi incluído apenas o texto de João, mas existem também os apocalipses de Pedro, de Tiago, de Paulo e de Tomé. Antes de Cristo, temos os livros de Daniel, de Ezequiel, de Joel e de Zacarias, que também possuem conteúdo apocalíptico, embora não tenham esse nome. Todos esses contém suas mensagens em forma de linguagem simbólica, representada por visões de seres exóticos e pela narração de fatos catastróficos, como o caso do dragão vomitando um rio, descrito por João. Os estudiosos da Bíblia associam esse gênero literário a períodos de grande tribulação e sofrimento do povo, sendo a literatura uma espécie de válvula de escape e ao mesmo tempo uma forma de transmitir esperança para o povo. Convém lembrar ainda que João escreveu o seu Apocalipse durante o período em que esteve exilado na ilha de Patmos, para onde fora desterrado por ordem de Domiciano, que foi imperador romano do ano 81 a 96. Essa ilha era um território extremamente árido e impróprio para a vida, para lá eram enviados os inimigos mais perigosos e era quase uma pena de morte indireta, porque as condições de sobrevivência eram muito precárias. Não se sabe quanto tempo ele ali permaneceu (segundo alguns, 18 meses; segundo outros, vários anos), tendo sido libertado após a morte de Domiciano. Retornando para Éfeso, João escreveu o seu evangelho nos anos finais do século I.


Na leitura do evangelho, escrito por João (2, 1-11), temos o conhecido episódio do casamento em Caná da Galileia, ocasião em que Jesus fez seu primeiro milagre público. Nesse cenário, a festa do casamento é apenas o pano de fundo, pois o que transparece em primeiro plano é a atuação de Maria, mãe de Jesus, na organização da festa e no atendimento aos convidados. Não se sabe quem eram os nubentes, mas eram provavelmente familiares de Jesus, que ali também estava com todos os seus discípulos. Veio mais gente do que o esperado, então o vinho adquirido foi insuficiente. Nos casamentos da época, faltar vinho era uma vergonha e uma humilhação para o casal. Maria não podia deixar que isso ocorresse. Então, num ato semelhante ao de Ester, que foi interceder junto ao rei para o livramento do povo judeu de ser massacrado pelos persas, Maria foi interceder junto ao rei seu filho, para o livramento da ignomínia daquele casal tão estimado. Apesar da resposta de Jesus em tom enigmático, Maria manteve a esperança e a confiança, recebendo então uma grande recompensa. Essa função intercessora de Maria passou a ser um ícone da devoção popular para com ela, simbolizada na frase muito repetida: peça para a mãe, que ela pede ao filho e ele atende. Essa demonstração de fé em Maria não a coloca acima de Jesus, mas baseia-se na confiança com a qual ela intercedeu em favor dos nubentes de Caná, merecendo a atenção de Jesus.


A Mariologia, que é o tratado teológico acerca de Maria, coloca em grande destaque essa função de Maria como intercessora. Como mediadora, ela sempre coloca o cristão no caminho e na direção da graça divina e da salvação. É bem verdade que a figura de Maria, associada ao estereótipo da figura materna, tão presente na mentalidade do povo, pode muitas vezes colocar Maria num patamar até superior a Jesus Cristo, como se fosse ela a operadora da graça e não sua intercessora. É comum ouvir-se, dentre os pastores protestantes, a imputação de que os católicos são mariólatras, isto é, adoradores de Maria, quando deveriam ser adoradores de Jesus. Pela televisão, com frequência são mostrados episódios de pregadores protestantes quebrando e profanando imagens de Maria, como forma de intimidar e provocar os católicos. Além de ser um ato de intolerância religiosa, trata-se também de uma ação antijurídica, que é vedada pela Constituição Federal (art. 19, I) e pode ser enquadrada no Código Penal Brasileiro (art. 208), o mesmo tipo penal aplicado também a outros símbolos e imagens religiosas de qualquer religião. Mas não podemos desconhecer que a instrução religiosa precária e incompleta de muitos católicos os leva a ter uma atitude de reverência maior diante da imagem de Maria (ou das imagens dos santos) do que diante da Eucaristia, preferem rezar o terço do que participar da Santa Missa (ou ainda, ficam rezando o terço durante a missa, como se aquele tivesse maior valor).


No Brasil, a veneração da Padroeira é muito valorizada, havendo diversos templos católicos em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, mas o maior exemplo dessa devoção está no Santuário Nacional, instalado na cidade de Aparecida-SP, local situado às margens do rio onde a imagem original foi encontrada. O trabalho de divulgação e a atividade pastoral dos Missionários Redentoristas, cuidadores do Santuário, propaga através dos meios de comunicação (rádio, TV, portais eletrônicos) essa devoção, que é mais encontrada no centro sul do Brasil, visto que no nordeste brasileiro, a figura de São Francisco tem uma presença simbólica muito mais forte. Que Nossa Senhora Aparecida esteja sempre iluminando os dirigentes da nossa Pátria, onde ela é rainha e Padroeira.


Cordial abraço.

Antonio Carlos

sábado, 4 de outubro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 27 DOMINGO COMUM - 05.10.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 27º DOMINGO COMUM – O TAMANHO DA FÉ – 05.10.2025


Caros Confrades,


Neste 27º domingo comum, as leituras litúrgicas abordam o tema da fé e a sua inserção na nossa vida cotidiana, questionando-nos sobre o tamanho da nossa fé (se é que podemos medi-la). A vivência na fé é um exercício reflexivo permanente, dinâmico, sempre em progresso, aumentando cada vez que somos capazes de perceber e compreender a ação de Deus na nossa vida. O resultado da fé é a justiça. O justo vive pela fé. Observando os fatos da vida cotidiana à luz da fé, podemos descobrir a mão de Deus no comando dos acontecimentos, até nos menores detalhes. Sobretudo em tempos sociais conturbados, mais ainda deverá iluminar-nos a nossa fé.


Na primeira leitura, retirada do profeta Habacuc (trechos dos cap. 1 e 2), vemos o profeta reclamando de Javeh porque grita a ele e não é atendido. Habacuc tem a ousadia de questionar Javeh: “até quando clamarei sem que me atendas?”, o que é uma atitude incomum no Antigo Testamento, onde a figura de Javeh é mostrada como um Deus irado e vingativo, quase intolerante. Interpelar Javeh dessa forma era uma atitude arriscada. Mas o profeta não tinha dúvidas de que fazia a súplica do modo correto e esperava o resultado, no entanto, nada acontecia. Javeh, então, mostrou a Habacuc uma visão desoladora, da qual ele teve muito medo, e Javeh disse: escreve isso em tábuas, para que fique fácil para a leitura pelo povo. Naquela época, poucas pessoas dominavam a leitura, era necessário ter uma grande clareza. Escreve e espera, porque ainda nesta geração, essas coisas acontecerão: “Os infiéis morrerão, mas os justos viverão pela sua fé.” A grande catástrofe que estava por vir contra os infiéis era a derrota pra os exércitos da Babilônia, a destruição de Jerusalém e a condução do povo hebreu como escravos daquele país. O profeta ficou deveras preocupado, porque pedia a Deus um castigo para o povo infiel, mas não imaginava que Ele fosse tão impiedoso. O próprio Habacuc foi levado como escravo para a Babilônia, algum tempo depois, de acordo com a promessa de Javeh. No entanto, sendo justo, ele sobreviveu e foi libertado, também de acordo com a promessa de Javeh.


Na segunda leitura, sequência da carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida nos domingos anteriores, o Apóstolo exorta o discípulo a permanecer firme na fé, “pois Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e sobriedade.” (2Tim 1,7). Paulo escreveu esta carta enquanto estava preso, aguardando julgamento pelo tribunal romano, por causa da sua fé em Jesus Cristo e convida Timóteo a sofrer com ele. Na carta a Filipenses (1, 21), Paulo também escreveu que “para mim, viver é Cristo e morrer é lucro”, porque ele sabia muito bem que a morte não tiraria a sua vida na fé em Cristo, pelo contrário, morrer pela fé apenas abrevia os sofrimentos e introduz o fiel na vida plena. Paulo escreveu diversas cartas enquanto estava preso e, em todas elas, dá o testemunho de sua fé irrestrita, mesmo antevendo as provações que o aguardavam. Ele compreendia muito bem a palavra de Javeh ao profeta Habacuc: o justo vive pela fé.


Na leitura do evangelho (Lc 17, 5-10), vemos exemplos práticos dados pelo próprio Jesus sobre a avaliação que cada um pode fazer da medida da sua fé. É a conhecida passagem: “'Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: `Arranca-te daqui e planta-te no mar', e ela vos obedeceria. ” (Lc 17, 6) Meus amigos, é hora de cada um de nós baixar a cabeça e refletir sobre o “tamanho” da nossa fé. Talvez seja necessário usar uma grande lupa para podermos observá-la. Um grão de mostarda é menor do que um caroço de arroz cru, do que uma semente de gergelim. É óbvio que se trata de um raciocínio metafórico, porque a fé não pode ser comparada a um objeto físico. Mas se alguém fizer uma comparação entre a sua altura e o tamanho de uma semente dessas, verá uma enorme desproporção. Assim também deverá acontecer quando compararmos a altura da nossa soberba com o tamanho da nossa fé. E imaginemos que essa fé, ainda que minúscula, seria capaz de transportar uma montanha. Nem vamos continuar essa linha de raciocínio, para não resultar em desânimo, porque nossa fé é mesmo muito pequena.


Refletindo sobre o tema da fé, vale recordar o evangelho de Mateus, cap. 14, onde lemos aquele conhecido episódio em que os discípulos estavam pescando à noite, com um mar agitado, e viram Jesus caminhando sobre as águas. Pedro, como sempre, impetuoso, disse logo: posso ir também caminhando sobre a água? E Jesus disse: Vem. Mas logo ele começou a afundar. “E Jesus, estendendo a mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt 14, 31). Homens de pouca fé é o que nós também somos. Quantas vezes, nos lamentamos diante de certas ocorrências e até pensamos que Deus se esqueceu de nós. Nesse momento, deve soar no nosso ouvido a advertência de Jesus a Pedro: Homem de pouca fé, por que duvidaste? O justo viverá pela sua fé, ecoa do outro lado a visão do profeta Habacuc.


Acerca da fé, o autor da carta aos Hebreus faz a definição desta virtude, talvez mais perfeita em linguagem humana: “A é uma posse antecipada do que espera, um meio de demonstrar as realidades que não se veem.” (Hb 11,1) Para a teologia cristã, a fé é um estado de espírito no qual a pessoa se envolve irresistivelmente com o objeto de sua crença, convencendo-se da realidade invisível por meio de uma experiência existencial profunda. Em vista de uma melhor compreensão deste fenômeno, ao longo do tempo, os teólogos têm buscado na filosofia um auxílio racional para esclarecer o sentido do enigma que envolve a fé. Os grandes expoentes da filosofia e da teologia medievais foram unânimes em afirmar que não existe oposição, mas uma relação de complementaridade entre a fé e a razão. Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto Magno, sempre defenderam esse ponto de vista, o que vem servindo de apoio logístico para a doutrina teológica até os dias de hoje.


O Papa Francisco, no ano de 2013, publicou uma encíclica, cujo rascunho fora escrito por Bento XVI, mas que o Papa concluiu e publicou em nome próprio. Trata-se da encíclica “Lumen Fidei” (Luz da Fé). No n.º 7 desse documento, ele admite isso: «Estas considerações sobre a fé - em continuidade com tudo o que o magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal - pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo, assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto qualquer nova contribuição». E no número 32, ele prossegue: “O encontro da mensagem evangélica com o pensamento filosófico do mundo antigo constituiu uma passagem decisiva para o Evangelho chegar a todos os povos e favoreceu uma fecunda sinergia entre fé e razão, que se foi desenvolvendo no decurso dos séculos até aos nossos dias.” A antiga formação seminarística, no curso de filosofia, abordava exatamente essas “contribuições” dos filósofos antigos e medievais para o melhor esclarecimento da fé, pois o curso era baseado na filosofia tomista. O curso de filosofia realizado pelos seminaristas de hoje já não segue essa perspectiva, em vez disso, carrega forte acento no pensamento filosófico contemporâneo, gerando um descompasso teórico com o pensamento teológico tradicional católico, totalmente ainda embasado na filosofia medieval. Haja vista os diversos grupos “carismáticos”, onde essa perspectiva medieval tridentina superabunda. Por isso, percebe-se claramente a diferença quando se ouve uma homilia de um sacerdote mais antigo, em comparação com os presbíteros mais modernos, em relação ao fundamento filosófico que cada um demonstra (ou não) possuir.


Nos tempos modernos, a tecnologia e o cientificismo tendem a anular a fé ou mostrá-la como atitude de pessoas fracas e sem argumentos. A fé ficou associada à escuridão, advertia o Papa Francisco. Mister se faz encontrar o seu verdadeiro sentido. Ora, se na época de Cristo, os discípulos pediram para que Ele lhes aumentasse o tamanho da fé, quando mais devemos pedir isso nos tempos atuais. É útil ter sempre em mente a advertência do profeta Habacuc: o justo viverá por sua fé. Uma maneira didática de obter um aumento da fé é buscar sempre descobrir a mão de Deus nos acontecimentos da nossa vida. Assim, estaremos continuamente aumentando o tamanho da nossa fé.


Permitam-me os leitores um breve comentário, dirigido especialmente ao ex-seminaristas de Messejana. Falando em cativeiro da Babilônia, no contexto da primeira leitura, vem logo à mente a bela e conhecida ária de Giuseppe Verdi “Va Pensiero”, na qual o compositor retrata a situação dos hebreus cativos a chorar e a lamentar-se, lembrando de Sião, junto aos rios da Babilônia. O castigo de Javeh foi realmente muito severo e o povo compreendeu o tamanho da sua infidelidade. “Oh mia patria, si bella e perduta... oh membranza si cara e fatal”. Esta bela página musical evoca muitas lembranças e emoções dos Colegas, que embora não estivessem cativos e nem residissem na Babilônia geográfica, de todo modo encontravam-se em autoexílio nas paragens messejanenses, décadas atrás. Va, pensiero, sull'alli dorate, va, ti posa sul Seminario Serafico...


Com um cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

sábado, 27 de setembro de 2025

COMENTARIO LITURGICO - 26 DOMINGO COMUM - 28.09.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 26º DOMINGO COMUM – RICOS E POBRES – 28.09.2025


Caros Confrades,


Nas leituras litúrgicas deste domingo, encontramos uma sequência da mesma temática do domingo anterior: a responsabilidade na administração dos bens materiais. A imagem anterior foi a do infiel administrador com sua elogiável esperteza. Agora, Jesus usa a imagem do rico esbanjador, contando aos fariseus a parábola do homem, em cuja casa abundavam futilidades, fazendo o contraponto com o vizinho pobre, que não tinha nem o básico para viver. Mas Jesus não afirma que o rico deveria repartir os seus bens com o pobre vizinho e nem diz que o acúmulo da riqueza nas mãos de algumas pessoas seja algo intrinsecamente mau. Contudo, adverte que os bens dos mais abastados devem ser postos a serviço dos mais necessitados, pois eles são apenas administradores da riqueza.


A primeira leitura, retirada do Profeta Amós, contém uma advertência que é muito apropriada para os dias atuais, quando a polarização do embate político põe em evidência a disparidade existente entre as classes sociais. Este profeta, que viveu cerca de 800 anos antes de Cristo, era um agricultor, uma pessoa de baixa instrução e experimentou uma situação parecida com a de hoje, em que há grande concentração de riqueza nas mãos de uns poucos, enquanto a grande maioria da população sofre a falta dos bens essenciais. A diferença é que o governo hebreu não distribuía “bolsas” nem tinha “programas” de ajuda financeira para melhorar a situação da pobreza e muitos chegaram a ser escravizados, por não terem como pagar as dívidas. Em tempos passados, a inadimplência podia transformar o devedor em escravo do credor, o que era uma situação desesperadora. Daí a grave advertência do Profeta contra “Os que dormem em camas de marfim, deitam-se em almofadas, comendo cordeiros do rebanho e novilhos do seu gado; os que cantam ao som das harpas, ou, como Davi, dedilham instrumentos musicais; os que bebem vinho em taças, e se perfumam com os mais finos ungüentos e não se preocupam com a ruína de José. ” (Amós 6, 4-6) O reino de Israel (naquela época, o povo hebreu estava dividido em dois reinos – Israel ao norte e Judá ao sul) passava por um momento de prosperidade, tendo vencido os inimigos e auferido grandes riquezas, no entanto, apenas alguns privilegiados usufruíam disso, em detrimento da maioria da população. Por isso, o Profeta dirige sua ira contra a elite dos hebreus os que dormem em camas de marfim e deitam-se nas almofadas para se banquetear, sem tomar conhecimento da carência dos demais cidadãos. Vemos que Amós não condena a riqueza dos israelitas abastados, o que ele recrimina é a falta de solidariedade com os carentes, com aqueles que estavam sendo escravizados por não poderem pagar suas dívidas. Sendo Amós um agricultor, ele conhecia bem a situação dos camponeses. Deus o chamou a profetizar por causa da sua vida justa, mas também por causa do conhecimento que ele possuía sobre a situação dos mais necessitados. Porque sua pregação incomodava as autoridades políticas e religiosas, Amós foi expulso da cidade, não sem antes rogar uma praga no Sumo Sacerdote que o expulsara, além de anunciar a ruína que viria sobre eles.


Na segunda leitura, retirada da primeira carta de Paulo a Timóteo, o Apóstolo continua chamando a atenção do seu discípulo para manter a fidelidade da sua vocação. “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e pela qual fizeste tua nobre profissão de fé diante de muitas testemunhas.(1Tim 6, 12) E acrescenta: “guarda o teu mandato íntegro e sem mancha até a manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo.(vers. 14) Timóteo fora consagrado bispo por Paulo, para cuidar da igreja de Éfeso, que era uma comunidade cheia de muitas tensões, por causa da grande força dos pagãos do lugar. Paulo exorta Timóteo a guardar a coerência das suas atitudes, não se deixando levar pelas pressões que viesse a sofrer da parte dos poderosos. Consta na história que Timóteo terminou os seus dias sendo apedrejado por esses infiéis, por questões religiosas. Fiel a Paulo e a Cristo, ele morreu e não fraquejou na sua fé.


Temos no evangelho de Lucas (16, 19-31) aquela conhecida parábola de Cristo sobre o rico esbanjador frente ao pobre e pestilento mendigo, que esmolava na sua rua. Como de costume, a parábola narrada por Jesus era dirigida aos fariseus e Lucas realça os detalhes, para chamar a atenção dos seus leitores. É interessante observar aqui duas coisas: 1. esta parábola consta apenas no evangelho de Lucas, devendo ter sido colhida numa fonte que os demais evangelistas não conheceram; 2. Jesus não diz o nome do rico, apenas do pobre (Lázaro). É costume mencionar-se o “rico epulão” e isso pode levar alguém a imaginar que este é o nome dele, no entanto, “epulão” significa “comilão”, palavra derivada do verbo latino “epulor” (banquetear-se). São Jerônimo, na sua tradução da vulgata, escreveu que o rico se banqueteava diariamente (dives epulabatur cotidie). Jesus faz um paralelo bem contrastante entre os dois personagens, para chamar a atenção sobre o abismo social que os distanciava. Um deles possuía bens em demasia, enquanto o outro passava fome; o primeiro tinha uma casa luxuosa, o outro era um morador de rua; o primeiro era saudável, alimentava-se bem, já o outro era cheio de úlceras e esquelético de fome. A pedagogia dos contrastes, adotada por Jesus, tinha como objetivo chamar a atenção para a injustiça da riqueza que não é utilizada para atenuar o sofrimento do pobre. Tal como o profeta Amós, muitos séculos antes, Jesus não condenou o rico pelo fato de ele ser rico, mas sim por causa do seu egocentrismo, da sua falta de solidariedade. O pobre desejava pelo menos as migalhas que caíam da sua mesa, mas nem isso lhe davam. (Lc 16, 21) Na época de Jesus, os fariseus eram os ricos do povo, assim como no tempo de Amós, eram os sacerdotes de Israel que faziam parte da classe social mais elevada. Tal como Amós bradava contra o sacerdote Amasias, que terminou por expulsá-lo da cidade, Jesus clamava para que os sacerdotes judeus saíssem da sua redoma de autossuficiência e chegassem mais próximo do povo, que eles dirigiam, deixando-os assim cada vez mais irados. Tanto quanto a pregação de Amós incomodava o rei e os sacerdotes de Israel, também a exortação de Jesus incomodava os sacerdotes e doutores da lei do seu tempo. Por fim, nem os ricos do tempo de Amós se converteram, nem tampouco os fariseus, e ambos tiveram como resultado a destruição das suas cidades pelos inimigos.


Merece uma referência também aqui neste contexto o diálogo “post mortem” do rico com Abraão, junto de quem Lázaro foi morar, e que padecia no local dos tormentos. O rico fez dois pedidos, ambos recusados: 1. manda que Lázaro molhe o dedo e me refresque a língua; 2. manda que Lázaro vá avisar meus irmãos. Quanto ao primeiro pedido, Abraão disse ser impossível, porque há um grande abismo, intransponível entre eles; quanto ao segundo, Ele diz que os irmãos do rico não acreditariam em Lázaro. Aqui nós podemos fazer as seguintes reflexões: a) o rico não cedeu suas migalhas ao pobre, no entanto, queria que este fosse refrescar a sua língua com uma gota d'água, ele se sentia merecedor, sem ter realizado nenhuma ação meritória; b) o rico demonstrou solidariedade com os irmãos dele e queria que Lázaro fosse avisá-los, porém não teve solidariedade com o mendigo em sua porta; c) os fariseus, assim como aquele rico, não davam ouvidos aos profetas e às escrituras, mas criavam suas próprias regras religiosas, enquanto Jesus estava ali (como se fosse Lázaro que veio avisar) e eles não lhe davam qualquer crédito; d) o “lugar dos tormentos” (“inferno”, segundo o texto latino) não é um mar de fogo com o demônio empunhando um tridente, como aparece nas gravuras medievais, mas era a própria consciência do rico, que ardia em arrependimento.


Podemos ainda avançar nessa linha de raciocínio, para concluir o seguinte: Jesus disse que havia um grande abismo entre o local do gozo e o local dos tormentos, mas quanto o rico pediu para que Lázaro fosse avisar aos irmãos ainda vivos, Jesus não disse que isso era impossível, disse apenas que eles não acreditariam. Esticando um pouco essa interpretação, podemos alvitrar que Jesus não se posicionou contrariamente à possibilidade de comunicação entre as pessoas que estão no mundo do além com os viventes, apenas referiu-se à incredulidade destes. “`Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos'.(Lc 16, 31) Isso é apenas um palpite, porque sabe-se que Lucas não escutou as pregações de Jesus, então não se pode dizer que ele tenha ouvido Cristo dizer isso. Considerando, por outro lado, que os evangelhos foram escritos com base em documentos produzidos na comunidade da época (as fontes esparsas), fica impossível afirmar-se com certeza que tenha sido esta a mensagem de Cristo ou se foi o entendimento da comunidade onde o texto original foi escrito. De qualquer forma, podemos concluir que as primeiras comunidades cristãs não viam como impossível a comunicação com o outro mundo, como posteriormente passou a ser afirmado pela doutrina teológica. A cultura grega, dominante no ambiente em que esse texto foi escrito, via essa comunicação entre o mundo dos mortos com o mundo dos vivos como uma possibilidade. Os filósofos gregos órficos faziam “sessões secretas” onde, segundo eles, isso acontecia.


Mas, voltando ao tema básico da liturgia, a lição que retiramos das leituras deste domingo é o uso responsável e caritativo dos bens que Deus nos dá, ou seja, a solidariedade com os mais carentes.


Cordial abraço.

Antonio Carlos