sábado, 27 de dezembro de 2025

COMENTÁRIO LITÚRGICO - FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA - 28.12.2025

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA – 28.12.2025


Caros amigos,


No domingo do que medeia entre o Natal e o Ano Novo, a liturgia celebra a festa da Sagrada Família de Nazaré, apresentando-a para as famílias cristãs como o modelo e o exemplo a ser seguido, encerrando assim o ano civil com um incentivo à reflexão sobre a situação das nossas famílias, local onde a humanidade se perpetua, não apenas no aspecto biológico, mas e principalmente, no aspecto cultural, social, valorativo, religioso, ético, atingindo a personalidade inteira das pessoas. Não é por outro motivo que vivemos em num mundo repleto de desajustes em todos os sentidos, ou seja, a falta de estrutura e segurança no ambiente familiar produz adultos insatisfeitos, imaturos, violentos, egoístas e despreparados para a vida, contribuindo para a desigualdade e para a insegurança da sociedade.


Desde o final do século XX, a organização familiar vem passando por um período de turbulência conceitual nunca antes verificado. Com efeito, o modelo familiar tradicional, constituído por um homem, uma mulher e seus filhos, está agora competindo com outras modalidades familiares que não existiam no passado, quais sejam, as famílias “de fato”, nas quais não há vínculo formal entre pai e mãe, as famílias resultantes de uniões homoafetivas, com filhos adotados, e ainda as famílias monoparentais: pai e filhos de diferentes mães, mãe e filhos de diferentes pais. A religião católica tem bravamente resistido a essas mudanças, que são consequências diretas da maior assimilação dos comportamentos sexuais alternativos na nossa sociedade, os quais se tornam cada vez mais frequentes e gozam de reconhecimento jurídico pelo Estado. Não pretendo fazer aqui um juízo de valor sobre o tema, deixo isso para a consideração de cada um. A análise que faço é apenas para destacar que a instituição social mais antiga que se conhece, que é a família tradicional, vem passando por uma transformação substancial, com reflexos dentro e fora da religião, como consequência de adaptações legislativas realizadas pelos órgãos governamentais, com o objetivo de amparar situações novas no âmbito dos relacionamentos humanos.


Voltando ao tema inicial, a liturgia deste domingo coloca a família de Nazaré como o modelo a ser seguido da família perfeita, até mesmo com as eventuais vicissitudes que ocorrem em todos os grupos familiares: por exemplo, o 'pito' que Maria deu no menino Jesus, depois da estressante procura por Ele, na ocasião do retorno de Jerusalém, depois da Páscoa. Um puxão de orelhas educativo (agora proibido pela lei dos castigos corporais) nunca fez mal a ninguém, desde os tempos bíblicos.


Na primeira leitura, temos um trecho do livro do Eclesiástico (Eclo, 3, 3-17), livro este também conhecido como Ben Sirac ou Sirácide, em alusão ao seu escritor. Este era um judeu chamado Jesus Ben Sirac, que escreveu uma meditação sobre a felicidade, partindo da sabedoria tradicional do povo hebreu, numa época em que a cultura grega se espalhava entre os judeus. O autor quis reforçar os valores hebraicos tradicionais, que não devem ser substituídos pela cultura alienígena, detalhando-os para ensinamento dos mais jovens. Este livro não fazia parte da antiga bíblia judaica, sendo por isso considerado deuterocanônico. Ele foi incluído no cânon da Bíblia Católica após muitas discussões sobre a pertinência disso, porque nem todos os Padres da Igreja antiga assim o consideravam. Foi um dos motivos do protesto de Lutero, que não concordava com a sua inclusão na Bíblia, por isso, esse livro não consta na bíblia protestante..


Dentro do tema geral do livro, que trata da felicidade, a leitura escolhida pela liturgia traz conselhos aos filhos sobre o respeito aos pais, que tem a aprovação e a bênção de Javé. O cuidado dos filhos com os pais idosos, mesmo quando já estão sem lucidez, além de ser uma obrigação moral deles, torna-se também motivo de santificação, para perdão dos pecados, cuja recompensa será devolvida por Javé. O conteúdo do texto se aplica perfeitamente na nossa sociedade, como aliás se aplicou em todas as épocas, porque a relação pais e filhos foi sempre um dos pontos fundamentais de sustentação da sociedade e as admoestações da sabedoria antiga são, podemos dizer, perenes e supra culturais.


A segunda leitura, de Paulo aos Colossenses (Cl 3, 12-21), exorta os membros daquela comunidade ao exercício da caridade, da tolerância e do amor fraterno, como regra básica para a harmonia que deve marcar a vivência dos cristãos. Paulo escreveu esta carta quando estava na prisão em Roma e soube de algumas desavenças que ocorriam entre os cristãos de Colossos. Conclama as esposas a serem solícitas com os maridos e estes a amarem as esposas e não ser grosseiros com elas. Depois, admoesta os filhos para obedecerem aos pais, até parece que Paulo procura complementar ou atualizar a leitura do Sirácide, texto que ele devia muito bem conhecer.


No evangelho de Mateus (Mt 2, 13-23), temos a narrativa do episódio da fuga da Sagrada Família de Nazaré para o Egito, a fim de escapar da perseguição pelo perverso rei Herodes. Diz o evangelista que, logo após a visita dos Magos, que tinham vindo do Oriente, o anjo do Senhor apareceu a José em sonho, exortando-o a sair da Judeia e ir refugiar-se no Egito, porque o Menino corria perigo. Com efeito, Herodes havia ficado intrigado com a informação recebida da parte dos Magos, dando conta do nascimento do novo rei dos judeus. Ora, o rei ali era ele, Herodes, e a mulher dele não estava grávida, o que signficava aquela mensagem trazida por sábios estrangeiros? Herodes era o representante do imperador romano na região da Judeia e a sua missão política era zelar pelo bem do império na região, impedindo e coibindo movimentos de rebeldia e de libertação, que ocorriam vez por outra no meio dos judeus. Era como se os Magos tivessem revelado um “segredo”, que ninguém na sua corte sabia. E mais indignado ainda ele ficou quando compreendeu que havia sigo enganado pelos Magos, que não retornaram para confirmar a notícia, assim como ele havia recomendado a eles. Deu, então, ordem aos soldados para que eliminassem todos os recém-nascidos na região de Belém, já que não tinha condições de identificar o provável “novo rei”. Este foi só mais um de seus comportamentos insanos e paranoicos.


Convém destacar, nesse contexto, um fato que não consta nos evangelhos canônicos, encontrando-se apenas os evangelhos apócrifos. Todos se recordam da visita de Maria a sua prima Isabel, que estava grávida no mesmo período e Maria foi auxiliá-la nas tarefas de amparo ao recém-nascido João. Fazendo as contas, João era mais velho do que Jesus aproximadamente três meses, portanto, ele era uma das crianças incluídas na chacina determinada por Herodes. Ocorre que Isabel, tomando conhecimento do fato, fugiu para as montanhas indo refugiar-se em casa de parentes, resguardando assim a vida de João. No entanto, Zacarias, marido dela, que era sacerdote no templo e estava na sua escala de serviço, não acompanhou Isabel na fuga. Os soldados foram, então, abordá-lo no templo, perguntando pelos “meninos”, pois sabiam que a esposa dele havia tido um filho em data recente e sabiam também do parentesco de Isabel com Maria. Zacarias respondeu que não sabia onde estavam, porque ele realmente não sabia o destino de ambos, contudo os soldados não acreditaram nele e pensaram que ele os estava enganando. Por isso, mataram Zacarias. Foi mais um inocente na relação dos santos inocentes vítimas de Herodes.


Os evangelhos apócrifos também relatam detalhes inusitados da fuga da Sagrada Família de Nazaré para o Egito. Citarei apenas dois fatos. Durante a viagem, eles se hospedaram numa casinha à margem da estrada, onde havia uma mulher com uma doença incurável. Sabendo disso, Maria deu à dona da casa uma das fraldas usadas pelo Menino Jesus, para que ela pusesse sobre a cabeça da doente. Ao fazer isso, ela ficou imediatamente curada. Em outro trecho do caminho, estavam todos com fome e ainda estava longe o próximo povoado. Na região desértica, eles se sentaram para descansar na sombra de uma tamareira. A árvore era alta e estava carregada de frutos, porém eles não alcançavam para retirá-los. Então, o Menino Jesus fez um gesto com a mão e a tamareira se inclinou, permitindo que eles colhessem os frutos e assim saciassem a fome. Há diversas outras ocorrências curiosas.


Meus amigos, os episódios da infância de Jesus, narrados pelos evangelhos, revelam a intimidade da Família de Nazaré e demonstram que a rotina de José, Maria e Jesus era similar à de todas as famílias, com as vicissitudes próprias da vida cotidiana, porque Jesus quis ter uma família igual a todos nós, sem se prevalecer de sua condição e natureza divinas. O exemplo de fidelidade ao projeto de Deus e de harmonia familiar é o grande legado que devemos aprender da Sagrada Família de Nazaré, não apenas para as famílias tradicionais, mas também pelos modelos familiares alternativos, para que sempre se orientem no sentido dos verdadeiros ensinamentos cristãos.


Cordial abraço a todos. Efusivos votos de Feliz Ano Novo.

Antonio Carlos

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