COMENTÁRIO LITÚRGICO – SOLENIDADE DE NOSSA SENHORA APARECIDA – 12.10.2025
Caros Confrades,
Neste domingo, 12 de outubro, a liturgia dominical é substituída pela celebração da Solenidade de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Este título mariano é genuinamente nacional, não é celebrado em outros países. Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi oficialmente proclamada como Rainha e Padroeira do Brasil em 1930, pelo Papa Pio XI. A pequenina imagem encontrada por acaso no Rio Paraíba do Sul, em 1717, desde o início do seu achado, vem sendo acompanhada de muitos fatos extraordinários, a começar pelo achado da cabeça, visto que na hora da primeira pesca, a imagem tinha apenas o corpo, sem a cabeça, e logo em seguida, de uma forma surpreendente e inexplicável, a cabeça da imagem foi capturada pela rede dos pescadores. Estes ficaram surpresos com o incidente e mais surpresos ainda com a grande pescaria que fizeram na sequência, visto que haviam passado muitas horas tentando e não tinham pescado nada. Os pescadores adquiriram logo grande devoção pela imagem e iniciaram a sua veneração, a qual foi premiada com diversos outros eventos miraculosos. Dois desses eventos, que me parecem mais significativos, são: um foi o caso do escravo, que rezava perante a imagem estando acorrentado e, de repente, as correntes caíram-lhe das mãos; o outro foi o caso de uma garotinha cega, que a mãe levou para a novena, e enquanto a mãe explicava para ela como era o tamanho e o formato da imagem, a menina de repente falou: estou vendo, mãe. As notícias se espalhavam e a devoção foi crescendo rapidamente.
Passando às leituras litúrgicas do domingo, todas elas evidenciam tarefas importantes realizadas por personagens femininos. Temos na primeira leitura um trecho do Livro de Ester (5,1-2; 7,2-3), a jovem judia que se casou com o rei Assuero, da Pérsia, e num momento de coragem e ousadia, obteve do rei o desmonte de um plano de extermínio dos judeus ali residentes, o qual estava sendo arquitetado por um dos ajudantes do rei. Esclarecendo alguns fatos, o nome Ester é o que lhe foi dado na Pérsia, onde a identidade judaica dela era oculta, mas o seu nome original é Hadassa. Casualmente, o nome do ajudante real inimigo dos judeus era Hamã, nome homônimo do grande inimigo atual dos judeus, o Hamas. A intercessão de Ester junto ao rei Assuero foi decisiva para a proteção do povo judeu naquele tempo e ainda é muito importante, sendo celebrado anualmente numa tradicional festa judaica chamada Purim. É um feriado celebrado com muita festa e alegria, danças e fantasias.
A segunda leitura, colhida no livro do Apocalipse de João (Ap 12, 1), mostra a figura de uma mulher grávida, vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas. Ela estava em trabalho de parto e um dragão aguardava o nascimento do filho, para devorá-lo. Porém, o dragão não conseguiu seu intento, porque o recém-nascido foi levado para junto de Deus. Por isso, ele perseguiu a mulher, gerando um grande rio para afogá-la, mas a terra veio em socorro da mulher e engoliu o rio. O dragão derrotado retirou-se para as profundezas. A imagem dessa mulher forte é, pela tradição, associada à Virgem Maria e há muitos vultos e estátuas com essa representação. Contudo, os biblistas interpretam essa imagem joanina com a figura da Igreja de Cristo, nos tempos iniciais do cristianismo, perseguida pelo império romano, que é representado pelo dragão.
A literatura apocalíptica foi um gênero de escrita que proliferou entre o século I antes de Cristo e o século I depois de Cristo, sendo conhecidos vários textos com esse tipo literário. Na Bíblia, foi incluído apenas o texto de João, mas existem também os apocalipses de Pedro, de Tiago, de Paulo e de Tomé. Antes de Cristo, temos os livros de Daniel, de Ezequiel, de Joel e de Zacarias, que também possuem conteúdo apocalíptico, embora não tenham esse nome. Todos esses contém suas mensagens em forma de linguagem simbólica, representada por visões de seres exóticos e pela narração de fatos catastróficos, como o caso do dragão vomitando um rio, descrito por João. Os estudiosos da Bíblia associam esse gênero literário a períodos de grande tribulação e sofrimento do povo, sendo a literatura uma espécie de válvula de escape e ao mesmo tempo uma forma de transmitir esperança para o povo. Convém lembrar ainda que João escreveu o seu Apocalipse durante o período em que esteve exilado na ilha de Patmos, para onde fora desterrado por ordem de Domiciano, que foi imperador romano do ano 81 a 96. Essa ilha era um território extremamente árido e impróprio para a vida, para lá eram enviados os inimigos mais perigosos e era quase uma pena de morte indireta, porque as condições de sobrevivência eram muito precárias. Não se sabe quanto tempo ele ali permaneceu (segundo alguns, 18 meses; segundo outros, vários anos), tendo sido libertado após a morte de Domiciano. Retornando para Éfeso, João escreveu o seu evangelho nos anos finais do século I.
Na leitura do evangelho, escrito por João (2, 1-11), temos o conhecido episódio do casamento em Caná da Galileia, ocasião em que Jesus fez seu primeiro milagre público. Nesse cenário, a festa do casamento é apenas o pano de fundo, pois o que transparece em primeiro plano é a atuação de Maria, mãe de Jesus, na organização da festa e no atendimento aos convidados. Não se sabe quem eram os nubentes, mas eram provavelmente familiares de Jesus, que ali também estava com todos os seus discípulos. Veio mais gente do que o esperado, então o vinho adquirido foi insuficiente. Nos casamentos da época, faltar vinho era uma vergonha e uma humilhação para o casal. Maria não podia deixar que isso ocorresse. Então, num ato semelhante ao de Ester, que foi interceder junto ao rei para o livramento do povo judeu de ser massacrado pelos persas, Maria foi interceder junto ao rei seu filho, para o livramento da ignomínia daquele casal tão estimado. Apesar da resposta de Jesus em tom enigmático, Maria manteve a esperança e a confiança, recebendo então uma grande recompensa. Essa função intercessora de Maria passou a ser um ícone da devoção popular para com ela, simbolizada na frase muito repetida: peça para a mãe, que ela pede ao filho e ele atende. Essa demonstração de fé em Maria não a coloca acima de Jesus, mas baseia-se na confiança com a qual ela intercedeu em favor dos nubentes de Caná, merecendo a atenção de Jesus.
A Mariologia, que é o tratado teológico acerca de Maria, coloca em grande destaque essa função de Maria como intercessora. Como mediadora, ela sempre coloca o cristão no caminho e na direção da graça divina e da salvação. É bem verdade que a figura de Maria, associada ao estereótipo da figura materna, tão presente na mentalidade do povo, pode muitas vezes colocar Maria num patamar até superior a Jesus Cristo, como se fosse ela a operadora da graça e não sua intercessora. É comum ouvir-se, dentre os pastores protestantes, a imputação de que os católicos são mariólatras, isto é, adoradores de Maria, quando deveriam ser adoradores de Jesus. Pela televisão, com frequência são mostrados episódios de pregadores protestantes quebrando e profanando imagens de Maria, como forma de intimidar e provocar os católicos. Além de ser um ato de intolerância religiosa, trata-se também de uma ação antijurídica, que é vedada pela Constituição Federal (art. 19, I) e pode ser enquadrada no Código Penal Brasileiro (art. 208), o mesmo tipo penal aplicado também a outros símbolos e imagens religiosas de qualquer religião. Mas não podemos desconhecer que a instrução religiosa precária e incompleta de muitos católicos os leva a ter uma atitude de reverência maior diante da imagem de Maria (ou das imagens dos santos) do que diante da Eucaristia, preferem rezar o terço do que participar da Santa Missa (ou ainda, ficam rezando o terço durante a missa, como se aquele tivesse maior valor).
No Brasil, a veneração da Padroeira é muito valorizada, havendo diversos templos católicos em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, mas o maior exemplo dessa devoção está no Santuário Nacional, instalado na cidade de Aparecida-SP, local situado às margens do rio onde a imagem original foi encontrada. O trabalho de divulgação e a atividade pastoral dos Missionários Redentoristas, cuidadores do Santuário, propaga através dos meios de comunicação (rádio, TV, portais eletrônicos) essa devoção, que é mais encontrada no centro sul do Brasil, visto que no nordeste brasileiro, a figura de São Francisco tem uma presença simbólica muito mais forte. Que Nossa Senhora Aparecida esteja sempre iluminando os dirigentes da nossa Pátria, onde ela é rainha e Padroeira.
Cordial abraço.
Antonio Carlos
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