COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 29º DOMINGO COMUM –A RIQUEZA DA ORAÇÃO – 20.10.2013
Caros Confrades,
Neste 29º domingo
comum, terceiro do mês de outubro, a Igreja comemora o Dia das
Missões, lembrando e pedindo colaboração material para apoio dos
missionários que viajam pelo mundo afora pregando a palavra de
Cristo. Nas leituras litúrgicas, o tema para a nossa reflexão é a
riqueza da oração. No domingo passado, comentamos sobre a oração
de agradecimento. Neste domingo, Jesus nos fala da importância do
pedido em forma de oração, ensinando-nos que devemos orar sempre e
sem cessar.
O Pai do céu sabe das
nossas necessidades, por que então devemos pedir-lhe algo? Qual o
pai que não está sempre pronto para atender às carências dos seus
filhos, mesmo sem que eles peçam? Então, porque Jesus ensina que o
Pai do céu quer que sempre peçamos e de forma insistente?
Pode parecer uma incoerência no ensinamento de Jesus, mas a verdade
é que, embora Ele
saiba
das nossas necessidades, Deus quer a nossa colaboração, para que
sejamos merecedores. Quando Jesus diz “orai sempre, orai sem
cessar”, isso não significa ficar o dia todo de joelhos, com o
terço na mão ou com um livro devocional recitando coleções de
preces das mais diversas espécies, mas sim que a nossa vida toda
deve ser uma oração. Nós estamos
orando
não apenas quando pronunciamos palavras ou quando as temos no
pensamento, mas a nossa oração se expande para as nossas atividades
rotineiras, quando através das nossas ações, estamos manifestando
aos irmãos elementos
concretos da nossa fé pelo nosso testemunho de vida do evangelho.
Esta é a colaboração que Deus espera de nós. Podemos ver isso nos
textos litúrgicos deste domingo.
Na
primeira leitura, do livro do Êxodo (17, 8-13), lemos o episódio da
batalha dos hebreus com os amalecitas, contando com a participação
ativa de Moisés, à distância. Enquanto as tropas lutavam, as mãos
de Moisés erguidas carreavam a vitória para os israelitas; quando
Moisés abaixava os braços, os amalecitas levavam vantagem. Contudo,
pela idade e pelo longo espaço de tempo, Moisés não conseguia
manter os braços levantados e isso punha em risco o resultado da
batalha. Então, seus auxiliares Ur e Aarão apoiaram os braços de
Moisés, para que ele conseguisse mantê-los erguidos até a vitória
final dos israelitas. Excluindo desse episódio o seu conteúdo
bélico, podemos descobrir no ato de Moisés levantar os braços uma
atitude de oração, que deve ser contínua e persistente. Abaixar os
braços significa fraquejar na oração, o que acontece, muitas
vezes, na nossa vida de pessoas imperfeitas. Daí a necessidade que
Moisés teve de ser ajudado por seus assessores significa a
necessidade que nós temos de buscar apoio e solidariedade na
comunidade dos irmãos. A oração solitária tem seu valor, sem
dúvida, mas para ele ser mais fortalecida, precisa de ser realizada
com a comunidade. Aqui está a importância da oração eclesial, da
missa, das atividades devocionais realizadas no templo. Nos momentos
desta oração eclesial, os nossos braços simbólicos erguidos ao
céu, tal como os de Moisés, são ajudados pela comunidade, para que
as nossas forças sejam multiplicadas. Nesses momentos, ocorre uma
colaboração recíproca: ao mesmo tempo em que os irmãos nos ajudam
a manter os “braços erguidos”, cada um de nós também ajuda o
outro no mesmo sentido. Sem deixar de reconhecer a importância da
oração secreta, individual, interior, devemos também reconhecer a
importância da oração comunitária, como forma de exercer uma
troca recíproca de energias e um ressoar mais forte do nosso brado
orante.
Na
segunda leitura, prosseguindo com o texto da 2a
carta a Timóteo, que vem sendo lida já há vários domingos, temos
hoje o trecho em que Paulo adverte o seu pupilo sobre a importância
de utilizar a Sagrada Escritura como ponto de partida para a oração.
“Toda
a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para
argumentar, para
corrigir e para educar na justiça.”
(2Tim 3, 16) A oração da comunidade
sempre deve ter como referência a Escritura, pois é dela que
retiramos os conteúdos mais próprios para compor a nossa oração e
os ensinamentos mais eficazes para se transformarem em ações na
nossa vida cotidiana. Além disso, a Palavra também tem o dom de
aconselhar diante de situações problemáticas da vida e de
repreender o nosso comportamento, quando ele se distancia daquilo que
Deus quer de nós. Por isso, Paulo exorta a Timóteo: “eu te peço
com insistência – proclama a palavra” (4,1), insiste, admoesta
quer agrade, quer desagrade, usando de toda paciência e doutrina. As
Sagradas Escrituras “têm
o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé
em Cristo Jesus.”
(2Tim 3, 15) Ler a Bíblia ou, melhor dizendo, meditar a Bíblia é a
oração mais produtiva para o direcionamento das nossas práticas de
acordo com a nossa vocação cristã. Eu diria que a leitura do Novo
Testamento será mais indicada, dado o seu conteúdo cristológico
mais explícito.
Na
leitura do evangelho de Lucas (18, 1-8), Jesus recorre à sua
conhecida pedagogia das parábolas para explanar de forma bem
didática a sua doutrina. No caso, temos a parábola do juiz injusto.
O próprio evangelista diz que o objetivo desta parábola é
demonstrar a necessidade de orar sempre e nunca esmorecer. Mas antes
de adentrar nesse conteúdo, eu gostaria de destacar a figura do juiz
injusto, uma contradição em si mesma. Todos sabemos que o objetivo
da tarefa do juiz é distribuir a justiça. Assim pensando, um juiz
injusto seria um antijuiz. Dentro das tribulações de cada dia, é
bem possível que um juiz cometa injustiças, mas certamente isso não
seria intencional, ao menos, não se espera isso de ninguém que
exerça tal função na sociedade. Pois bem, mas prescindindo do
ofício de julgar típico da sociedade organizada, podemos também
considerar que nós, os não juízes de profissão, por vezes nos
tornamos juízes das ações dos
nossos
irmãos,
quando avaliamos e tiramos conclusões sobre o comportamento das
pessoas e podemos até ofendê-las com a falta
de equilíbrio nos nossos julgamentos. Se para um juiz profissional a
prática de atos injustos acarreta uma autocontradição, assim
também para nós, quando nos tornamos juízes inescrupulosos das
atitudes do nosso próximo, estamos contradizendo o significado mais
profundo da fraternidade, que deve ser a marca registrada do cristão.
Passando
agora ao tema da oração sem cessar, através da parábola do juiz
injusto, Jesus nos ensina que devemos orar sempre e nunca perder a
confiança. A viúva retratada na parábola insistiu por muito tempo
com o juiz ímprobo, pedindo que ele lhe fizesse justiça. Por fim, o
juiz resolveu atendê-la, não pelo seu amor à justiça, mas apenas
para livrar-se da importunação. Daí, Jesus conclui: se até um
juiz injusto, diante da insistência de uma viúva, acaba por agir
com justiça, quanto mais o vosso Pai do céu, que é sempre justo,
nunca deixará de fazer justiça aos seus escolhidos. No entanto, o
que Jesus ressalva nesse contexto é o poder que a oração tem para
fazer acontecer o bem na nossa vida. Isso não quer dizer que devamos
todos os dias pedir a Deus para acertar sozinho na mega sena, até
que um dia Deus vai permitir, nem que seja para se livrar da
importunação. Não se trata disso, claro. O que devemos pedir na
oração é para sermos pessoas melhores, para conseguirmos superar
as nossas fraquezas e imperfeições, para sermos sempre fiéis à
nossa vocação de cristãos. A oração de quem simplesmente pede a
Deus que lhe conceda bens materiais não se enquadra no conceito de
orar sempre, que Jesus ensina na parábola do juiz injusto. Para
conseguir obter bens materiais o que é preciso é ter disposição
para trabalhar com afinco e dedicação e, aí sim, vamos pedir a
Deus que abençoe o nosso trabalho, para que os seus frutos sejam
férteis e se multipliquem.
Uma
prática devocional que é também muito corriqueira no nosso povo é
“fazer promessas” aos santos para obter isso e aquilo. É uma
espécie de “comércio” sagrado: dá-me isso que eu te darei
aquilo. Certamente, não é esse o modelo de oração que Jesus
ensina na parábola do juiz injusto. Tal como no caso de Moisés com
os braços elevados ou no caso da viúva que insistia perante o juiz,
o que Deus espera de nós é que façamos a nossa parte. Não se
trata de desafiar Deus com uma promessa, pois Deus não precisa de
nenhum favor nosso, ao contrário, nós é que precisamos dos favores
divinos. Não se trata de fazer o pedido e ficar com os braços
cruzados, esperando que um milagre aconteça simplesmente. O milagre
vai acontecer se nós fizermos a nossa parte com seriedade,
sinceridade e persistência. O milagre vai acontecer na proporção
do tamanho da nossa fé, da qual a oração deve ser a fiel
expressão.
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