COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 27º DOMINGO COMUM – A VIDA NA FÉ – 06.10.2013
Caros Confrades,
Neste 27º domingo
comum, as leituras litúrgicas abordam o tema da fé e a sua inserção
na nossa vida cotidiana. A vivência na fé é um exercício
reflexivo permanente, para perceber e compreender a ação de Deus na
nossa vida. O produto da fé é a justiça. O justo vive pela fé.
Na primeira leitura,
retirada do profeta Habacuc (trechos dos cap. 1 e 2), vemos o profeta
reclamando de Javeh porque clama e não é atendido. Habacuc tem a
ousadia de questionar Javeh: “até quando clamarei sem que me
atendas?”, o que é uma atitude incomum no Antigo Testamento, onde
a figura de Javeh é mostrada como um Deus irado e vingativo, quase
intolerante. O profeta não tinha dúvidas de que fazia a súplica do
modo correto, no entanto, nada acontecia. Javeh, então, mostrou a
Habacuc uma visão desoladora, da qual ele ficou com muito medo, e
Javeh disse: escreve isso em tábuas, para que fique fácil para o
povo ler. E espera, porque ainda nesta geração, essas coisas
acontecerão. Os infiéis morrerão, mas os justos viverão pela sua
fé. A grande catástrofe que estava por vir era a invasão dos
exércitos da Babilônia, a destruição de Jerusalém e a captura do
povo como escravos daquele país. O profeta ficou deveras preocupado,
porque pedia um castigo de Deus para o povo infiel, mas não
imaginava que Ele fosse tão impiedoso. O próprio Habacuc foi levado
como escravo para a Babilônia, algum tempo depois, de acordo com a
promessa de Javeh. No entanto, sendo justo, ele sobreviveu e foi
libertado, também de acordo com a promessa de Javeh.
Falando em cativeiro da
Babilônia, vem logo à mente aquela conhecida ária de Giuseppe
Verdi “Va Pensiero”, na qual o compositor retrata a situação
dos hebreus cativos a chorar e a lamentar-se, lembrando de Sião. O
castigo de Javeh foi realmente muito severo e o povo compreendeu o
tamanho da sua infidelidade. “Oh mia patria, si bella e perduta...
oh membranza si cara e fatal”. Esta bela página musical evoca
muitas lembranças e emoções dos Colegas, que embora não
estivessem cativos e nem na Babilônia geográfica, de todo modo
encontravam-se em auto exílio nas paragens messejanenses, décadas
atrás. Va, pensiero, sull'alli dorate, va, ti posa su Seminario
Serafico...
Na segunda leitura,
continuando a carta de Paulo a Timóteo, que vem sendo lida nos
domingos anteriores, o Apóstolo exorta o discípulo a permanecer
firme na fé, “pois
Deus não nos deu um espírito de timidez mas de fortaleza, de amor e
sobriedade.” (2Tim 1,7).
Paulo escreveu esta carta enquanto estava preso, aguardando
julgamento pelo tribunal romano, por causa da sua fé em Jesus
Cristo. Nesse contexto, ele convida Timóteo a sofrer com ele, Paulo,
prisioneiro, fortificado pelo poder de Deus. Na carta a Filipenses
(1, 21), Paulo também escreveu que “para mim, viver é Cristo e
morrer é lucro”, porque ele sabia muito bem que a morte não
tiraria a sua vida na fé em Cristo, pelo contrário, morrer pela fé
apenas abrevia os sofrimentos e introduz o fiel na vida plena. Paulo
escreveu diversas cartas enquanto estava preso e, em todas elas, dá
o testemunho de sua fé irrestrita, mesmo antevendo as provações
que o aguardavam. Ele compreendia muito bem a palavra de Javeh ao
profeta Habacuc: o justo vive pela fé.
Temos na leitura do
evangelho de hoje (Lc 17, 5-10) exemplos práticos dados pelo próprio
Cristo sobre a avaliação que cada um pode fazer da medida da sua
fé. É a conhecida passagem: “'Se
vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda,
poderíeis dizer a esta amoreira: `Arranca-te daqui e planta-te no
mar', e ela vos obedeceria.
” (Lc 17, 6) Meus amigos, é hora de cada um baixar sua cabeça e
refletir sobre o “tamanho” da sua fé. Talvez seja necessário
usar uma grande lente para podermos observá-la. Um grão de mostarda
é menor do que um caroço de arroz cru, do que uma semente de
gergelim. É óbvio que se trata de um raciocínio metafórico,
porque a fé não pode ser comparada a um objeto físico. Mas se
alguém fizer uma comparação entre a sua altura e o tamanho de uma
semente dessas, verá uma enorme desproporção. Assim também deverá
acontecer quando compararmos a altura do nosso orgulho com o tamanho
da nossa fé. E imaginemos que essa fé, ainda que minúscula, seria
capaz de transportar uma montanha. Nem vamos continuar essa linha de
raciocínio...
Ainda sobre o tema da
fé, vale recordar o evangelho de Mateus, cap. 14, onde lemos aquele
conhecido episódio em que os discípulos estavam pescando à noite,
com um mar agitado, e viram Jesus caminhando sobre as águas. Pedro,
como sempre, impetuoso, disse logo: posso ir também? E foi bem no
início, mas logo começou a afundar. “E logo Jesus, estendendo a
mão, segurou-o, e disse-lhe: Homem de pouca fé, por
que duvidaste?” (Mt 14, 31). Homens de pouca fé é o que nós
todos somos. A atitude de Pedro simboliza um comportamento comum em
todos nós, seres humanos inseguros, perpassados pela dúvida.
Quantas vezes, nos lamentamos diante de certas ocorrências e até
pensamos que Deus se esqueceu de nós. Homem de pouca fé, por que
duvidaste? Continua Jesus a dizer para nós. O justo viverá pela sua
fé, ecoa do outro lado a visão do profeta Habacuc.
O autor da carta aos
Hebreus (foi comprovado pelos biblistas que não é da autoria de
Paulo) faz a definição talvez mais perfeita da fé em linguagem
humana: “A fé é uma posse
antecipada do que espera, um meio de demonstrar as
realidades que não se veem.” (Hb 11,1) Para
a teologia cristã, a fé é um estado de espírito
no qual a
pessoa
se envolve irresistivelmente com o objeto de sua crença,
convencendo-se da realidade invisível por meio de uma experiência
existencial profunda. Em vista de uma melhor compreensão deste
fenômeno, ao longo do tempo, os teólogos têm buscado
na filosofia um auxílio racional para esclarecer o sentido do enigma
que envolve a fé. Os grandes expoentes da filosofia e teologia
medievais foram unânimes em afirmar que não existe oposição, mas
uma relação de complementaridade entre a fé e a razão. Santo
Agostinho, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, Santo Alberto
Magno, sempre defenderam esse ponto de vista, o que vem servindo de
apoio logístico para a doutrina teológica até os dias de hoje.
Faz pouco tempo, o Papa
Francisco veio a publicar uma encíclica, que na verdade foi escrita
pelo Papa Bento XVI, mas que o Seráfico Papa burilou segundo seu
estilo e publicou em seu nome. Trata-se da encíclica “Lumen Fidei”
(Luz da Fé). No n.º 7desse documento, o Papa escreveu: «Estas
considerações sobre a fé - em continuidade com tudo o que o
magistério da Igreja pronunciou acerca desta virtude teologal -
pretendem juntar-se a tudo aquilo que Bento XVI escreveu nas cartas
encíclicas sobre a caridade e a esperança. Ele já tinha quase
concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé.
Estou-lhe profundamente agradecido e, na fraternidade de Cristo,
assumo o seu precioso trabalho, limitando-me a acrescentar ao texto
qualquer nova contribuição». Quanta humildade e sabedoria ao Papa
Francisco. No número 32, ele continua: “O encontro da mensagem
evangélica com o pensamento filosófico do mundo antigo constituiu
uma passagem decisiva para o Evangelho chegar a todos os povos e
favoreceu uma fecunda sinergia entre fé e razão, que se foi
desenvolvendo no decurso dos séculos até aos nossos dias.”
Nem todos os Colegas
que me leem tiveram a oportunidade de estudar o curso de filosofia no
Seminário, no qual se estudava basicamente a filosofia tomista. Por
um privilégio com que Deus me favoreceu, eu não apenas tive a
oportunidade de estudar filosofia em Guaramiranga, de acordo com o
modelo do pensamento tomista, como depois vim a cursar filosofia em
faculdade convencional, donde me vem a possibilidade de comparar os
dois estilos. Enquanto alguns colegas simplesmente procuraram validar
seus estudos seminarísticos, eu tomei a iniciativa de fazer o curso
completo de filosofia, desde o semestre inicial, o que foi bastante
enriquecedor para a minha formação. Nestas linhas, procuro repartir
com vocês um pouco do que aprendi.
Voltando ao tema
inicial, observamos que na sociedade contemporânea, a tecnologia e o
cientificismo tendem a anular a fé ou mostrá-la como atitude de
pessoas fracas e sem argumentos. Nos tempos modernos, a fé ficou
associada à escuridão, adverte o Papa. Mister se faz encontrar o
seu verdadeiro sentido. É quando podemos nos lembrar do profeta
Habacuc: o justo viverá por sua fé. Os motivos da fé não devem
ser buscados no mundo exterior, mas no íntimo de cada um de nós.
Assim, encontraremos a fé que vivifica. E junto com os apóstolos,
digamos: Aumenta-nos a fé.
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