domingo, 23 de fevereiro de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 7º DOMINGO COMUM - SANTUÁRIOS VIVOS - 23.02.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 7º DOMINGO COMUM – SANTUÁRIOS VIVOS – 23.02.2014

Caros Confrades,

Neste 7º domingo comum, a liturgia nos recorda que somos santuários vivos de Cristo, que habita em nós. O apóstolo Paulo esclarece isso na primeira carta aos Coríntios: vós todos sois de Cristo e Cristo é de Deus. Portanto, nós todos somos templos vivos do Espírito Santo, este é o fundamento do amor ao próximo pregado pelo cristianismo, pois todos temos e somos essa mesma prerrogativa.

Na primeira leitura, do livro do Levítico (19, 1-18), Moisés transmite ao povo o recado dado por Javé: sede santos assim como eu sou santo e, recordando o primeiro mandamento, repete o refrão da santidade: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Anos depois, Cristo irá dizer aos discípulos que este é o primeiro e o maior mandamento. Mas a lei de Moisés ainda era muito restritiva em relação a este amor ao próximo, pois considerava o próximo apenas os compatriotas, os amigos, permitindo o ódio aos inimigos. Como sabemos, Cristo veio ampliar o conceito do próximo, estendendo-o inclusive aos “inimigos”, como é o caso famoso da parábola do Bom Samaritano. Aqui está a grande e essencial diferença entre a lei antiga e a nova lei, entre o cumprimento restrito da lei e o cumprimento desta com sabedoria, conforme tema abordado no comentário do domingo passado e que terá continuidade na leitura do evangelho deste domingo, nas próximas linhas.

Paulo diz novamente, na primeira carta aos Coríntios (1Cor 3, 16-23), continuando o ensinamento já abordado no comentário do domingo anterior, que os cristãos não se devem deixar levar pela sabedoria das coisas do mundo, mas pela sabedoria que provém de Deus. E como isso será possível? Porque nós somos santuários de Deus e o Espírito de Deus habita em nós. Aquele que se inebria com a sabedoria mundana é um insensato e destrói em si próprio esse templo onde Deus habita, tornando-se habitação do mal. Assim ele diz no versículo 18: “Ninguém se iluda: Se algum de vós pensa que é sábio nas coisas deste mundo, reconheça sua insensatez, para se tornar sábio de verdade.” Quem não abomina essa sabedoria insensata e fugaz, fundada apenas em conceitos e experiências materiais, ao contrário, a cultua, fecha a porta ao Espírito de Deus e não será capaz de compreender a sabedoria verdadeira. Portanto, nós somente seremos templos vivos do Espírito Santo quando tivermos a mente aberta para aceitar e colocar em prática aquilo que Cristo ensinou, isto é, o verdadeiro cumprimento da lei, o cumprimento desta com sabedoria.

Prosseguindo na mesma temática do domingo passado, temos no dia de hoje a sequência do evangelho de Mateus (5, 38-48), na parte onde Cristo está ensinando com todo o seu engenho pedagógico, o verdadeiro cumprimento da lei, que Ele não veio abolir, mas aperfeiçoar. Neste domingo, Ele nos traz dois novos exemplos, que se somam aos que já comentamos antes.

No primeiro exemplo de hoje, diz Ele: “ouviste o que foi dito aos antigos: olho por olho e dente por dente” (Mt 5, 38). Esse preceito multimilenar está presente em todas as culturas antigas e simboliza o conceito mais antigo de justiça que os seres humanos formularam, isto é, a justiça proporcional ou vingança controlada. Os estudiosos apontam que essa regra do “olho por olho, dente por dente” veio do Código de Hamirábi, um rei que governou a Babilônia cerca de dois mil anos antes de Cristo. Esse preceito foi incorporado nas culturas da época, observando-se referências a ele entre os hebreus, gregos e romanos. Na primeira lei romana, conhecida como Lei das XII Tábuas, essa regra já fora inserida, determinando que uma pessoa não podia “cobrar” da outra mais do que o prejuízo causado, dando início assim ao conceito de equidade, que foi reconhecido posteriormente como sendo o cerne de todos os direitos. Jesus faz referência, portanto, a um preceito bastante conhecido e certamente praticado pelos judeus.

Pois bem, diz Jesus: os antigos ensinaram isso – olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: “não tomem como modelo as pessoas más”. É dessa forma que eu traduzo a frase que está em Mt 5, 39. O original grego transliterado é: “mê antistenai tô ponero”, frase que São Jerônimo traduziu em latim como “non resistere malo”. A tradução da CNBB para esse texto não me parece bem apropriada: “não enfrenteis quem é malvado”. Aqui entre nós, parece-me que São Jerônimo teve um entendimento inadequado do verbo grego “antistenai” e traduziu por “resistire”, que em português seria “resistir”. Mas, pelo meu entendimento, o verbo grego tem o sentido de “não vos compareis” com os maus, isto é, não façais igualmente aos maus, não imitem o comportamento deles. Da forma como está traduzido (não façais resistência aos maus) dá uma idéia de fraqueza, de acovardamento, como se o cristão devesse ter medo dos maus, não reagir aos maus, não enfrentar o malvado. Então, o conselho de “oferecer a outra face” para quem te bate no rosto transmite uma idéia de fraqueza, de não reação. Parece-me que Cristo quis dizer outra coisa: os maus agem assim, vocês, porém, não devem tomar esse comportamento como exemplo, façam diferente deles, não por medo, mas por convicção. Em resumo, não se equiparem aos maus, não repitam suas ações, não se comportem como eles. Esse deve ser, segundo penso, o verdadeiro significado da recomendação de “oferecer a outra face”. Se você revidar um bofete, você estará repetindo o mau exemplo dado por quem lhe ofendeu. Então, não retribua a violência com violência, mas com o amor.

Esta mesma lição nós encontramos em Paulo aos Romanos (12, 20), quando ele diz: “se teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber, assim amontoarás brasas sobre a sua cabeça”. Fora do contexto bíblico, Pelé ensinava aos jogadores mais jovens: quando algum adversário te empurrar, não faça resistência, caia e ele cairá junto contigo. Porque ele espera que você resista, então ele será surpreendido. Em todas essas situações, o ensinamento é o mesmo, ou seja, não tomem como exemplo o adversário, façam o oposto, faça o que ele não espera, surpreenda-o e assim você terá uma atitude superior, uma atitude de bem, um testemunho de ser verdadeiro seguidor do ensinamento de Cristo.

Complementa esta lição o outro exemplo dado por Cristo, na sequência do evangelho de Mateus (5, 43): os antigos diziam – ama teu próximo e odeia teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, orai pelos que vossos perseguidores. Meus amigos, com essa, Cristo pegou pesado e nos colocou o maior desafio do evangelho. Amar os amigos e odiar os inimigos é fácil. Mas assim, que diferença haverá entre o cristão e o não cristão? Os pagãos também fazem assim, os pecadores, idem. O cristão tem que ser diferente: amar os amigos e os inimigos, fazer o bem a quem faz o mal. O escritor James C. Hunter, no conhecido livro “O monge e o executivo”, faz uma interpretação interessante desse ensinamento de Cristo. Diz ele que na frase “amar os inimigos”, o significado do verbo “amar” é diferente da frase “amar os amigos”. Explicando melhor, seria assim: quanto aos amigos, amar tem o sentido sentimental, afetivo; quanto aos inimigos, tem o sentido puramente comportamental, ético. Então, a frase “amar os inimigos” quer dizer comportar-se de um modo ético mesmo com aquelas pessoas que fizeram algum mal a você, portanto, não exercitar a vingança, não se aproveitar de uma ocasião futura para ir à desforra. Amar os inimigos significaria, dessarte, ser ético com todos, tratar as pessoas más da mesma forma como se deve tratar qualquer pessoa, com ética e dignidade, mesmo que sentimentalmente a sua vontade seja de esganar o adversário.

Parece-me que ele tem certa razão. No texto grego, o verbo que está traduzido por “amai” é “agapate”, donde provém a palavra “ágape”. Quando eu estudei antropologia teológica, aprendi que os gregos conheciam três significados para o verbo “amar”: sentido 1 – amor erótico; sentido 2 – amor amizade; sentido 3 – amor fraternidade. Esse terceiro sentido se refere à convivência humana, ao modo respeitoso como as pessoas devem tratar umas às outras, independente de quem seja. Então, seguindo o raciocínio de J. Hunter, podemos concluir que amar os amigos tem o sentido 2, amar os inimigos tem o sentido 3. Eu continuo pensando que a doutrina de Cristo não faz essa distinção, no entanto, pode ser uma forma de atenuar o rigor do desafio que Cristo nos deixou e, assim fazendo, quem sabe, aos poucos chegaremos a encarar o desafio de forma completa. Que o divino Mestre nos socorra com engenho e arte, para conseguirmos colocar em prática os seus ensinamentos.


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