domingo, 25 de maio de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 6º DOMINGO DA PÁSCOA - O ESPÍRITO DA UNIDADE - 25.05.2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO DA PÁSCOA – O ESPÍRITO DA UNIDADE – 25.05.2014

Caros Confrades,

Neste 6º domingo da Páscoa, o evangelho de João (14, 15-21) relata a promessa de Cristo aos apóstolos: não vos deixarei órfãos, mandarei sobre vós o Paráclito, o Espírito da verdade. O Espírito é também o sinal da unidade da Igreja. E neste domingo, 25 de maio, um fato histórico e religioso de grande significado mostra, na prática, a ação deste Espírito, manifestado na visita do Papa Francisco à Terra Santa e no seu encontro com o Patriarca de Constantinopla, sua Santidade Bartolomeu, repetindo o mesmo gesto de Paulo VI, cinquenta anos atrás. Associando esse fato às visitas às principais autoridades de judeus, islâmicos e palestinos, a viagem do Papa é um verdadeiro convite aberto para todos os cristãos e não cristãos, na direção do ecumenismo e da unidade do pastoreio de Cristo.

Temos na primeira leitura, do livro dos Atos (8, 5-17), o testemunho da pregação de Filipe na Samaria, convertendo os samaritanos ao cristianismo. Recordemos que os judeus e os samaritanos eram intrigados e, com o episódio do diálogo entre Jesus e a Samaritana, na beira do poço de Jacó, Ele foi convidado a ir até a cidade e ali passou alguns dias pregando e os samaritanos daquela cidade acreditaram nele. O texto da leitura de hoje diz que Filipe foi a uma cidade da Samaria (não diz qual) e lá anunciou o evangelho e fez milagres, conseguindo a adesão da fé daqueles cidadãos. Certamente, a notícia da presença e da pregação de Jesus, no momento anterior, já havia se espalhado por toda a região da Samaria, de modo que a pregação de Filipe não foi exatamente uma “novidade” para aquelas pessoas, mas uma oportunidade a mais para tomarem conhecimento da mensagem cristã e firmarem sua adesão de fé. Quando a notícia chegou a Jerusalém, Pedro e João se dirigiram para lá e, concluindo o trabalho iniciado por Filipe, impuseram as mãos sobre esses novos crentes, para que recebessem o Espírito Santo. Vemos que a liturgia deste domingo já está introduzindo, aos poucos, a presença do Espírito Santo como continuador, protetor, defensor da missão de Cristo. O domingo de Pentecostes ainda está por vir, mas a liturgia já está preparando o terreno para a festa do Espírito.

Na segunda leitura (1Ped 3, 15-18), o apóstolo Pedro continua exortando os judeus convertidos ao cristianismo, animando-os a prosseguirem na fé e na unidade e a não se deixarem esmorecer pelas adversidades. “Pois será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal”. (3, 17) Nesse domingo em que a visita do Papa ao Oriente Médio abre as portas para o diálogo interreligioso, essa recomendação de Pedro se aplica muito bem aos nossos irmãos cristãos da Síria, que estão sofrendo atrozes perseguições pelo governo muçulmano, que condena judicialmente os seus cidadãos que professam a fé cristã, sobretudo aqueles que se converteram recentemente e antes eram islâmicos. Na semana passada, a imprensa internacional noticiou o caso de uma jovem senhora que foi condenada à morte por causa da apostasia. Ela casou-se com um cristão e então converteu-se ao cristianismo. Perante a lei da Síria, esse é um delito gravíssimo punido com pena de morte. Os grupos internacionais se movimentaram para reverter isso, então o caso passa agora por uma nova análise pelo Supremo Tribunal local. Verifica-se que, naquela época com os judeus e hoje com os muçulmanos, os cristãos daquela região do planeta continuam a padecer agruras por causa da sua fé. O discurso de Pedro, portanto, é bastante oportuno nesse contexto do povo cristão da Síria, onde professar a fé em Cristo é um ato de bravura e de grande coragem. Quando refletimos sobre isso, vemos o quanto nós somos, muitas vezes, frouxos e pusilânimes ao deixamos de demonstrar publicamente a nossa fé onde não sofremos nenhuma represália por causa disso. Que os cristãos da Síria sirvam de exemplo para fortalecer nossa vivência na fé. A todos eles, a nossa mais eloquente homenagem.

No evangelho de João (14, 15-21), Jesus faz a promessa de mandar um outro Defensor. Essas duas palavras merecem uma observação. Vejamos o que dizem os textos originais. No texto grego, consta “allon parakleton”; no texto latino da Vulgata tem-se “alium paraclitum”. Em comentário anterior, já tive oportunidade de explicar que o vocábulo grego parákleton significa defensor, advogado, consolador e deriva do verbo grego parakeleuô, que significa dar instruções, aconselhar, instruir, animar. Portanto, devemos compreender o sentido de “defensor”, emtradução do termo grego parakleton, como aquele que dá instruções, que orienta, que aconselha, que anima. No contexto dessa leitura, o termo defensor guarda mais semelhança com a palavra advogado, aquele que instrui, orienta, dá instruções ao cliente sobre como portar-se perante o juiz. Deixemos em segundo plano o sentido de defensor como o que defende, protege, dá segurança. O Paráclito que Jesus prometeu aos apóstolos é o que vem orientar, dar instruções, animar, vivificar. É importante atentar para o significado da raiz verbal de parakaleuô a fim de entendermos de forma mais plena o sentido do Paráclito. No evangelho (vers. 16), Jesus diz que o Paráclito vai permanecer sempre convosco. Ele (Jesus) irá desaparecer dentro de pouco tempo, mas o Paráclito virá e permanecerá com a sua comunidade de fiéis para sempre. De fato, o Paráclito é o Espírito da Verdade e da Unidade, é Ele quem está constantemente assistindo, animando, instruindo, orientando, defendendo, consolando a Igreja de Cristo através dos tempos. É n'Ele que devemos encontrar a confiança de que a mensagem de Cristo seguirá pelo mundo afora, no decorrer dos tempos e que, apesar de eventuais tropeços de seus pregadores, essa mensagem continuará sempre viva e atraente. É o Espírito quem move a Igreja. É o Espírito quem anima o Papa. É o Espírito quem nos impele a vivenciar a nossa fé na vida cotidiana e nos mostra constantemente a melhor forma de agir, basta que estejamos com os “ouvidos” atentos às suas manifestações.

Mas antes de mencionar o Paráclito, o texto do evangelho de João usa o vocábulo “outro” (allon em grego, alium em latim, no mesmo sentido). Por que Jesus fala em “outro” Paráclito? A resposta é fácil. Porque Jesus é também o Paráclito. Diz o versículo 18: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós.” Ora, meus amigos, vejam bem: eu virei a vós, naquele dia, sabereis que eu estou no Pai, vós em mim e eu em vós. Que lição interessante o evangelista João está nos dando sobre a Santíssima Trindade: eu virei a vós, eu estou no Pai, vós estais em mim, ele estará dentro de vós. Juntando as frases, temos aí a afirmação de que a Santíssima Trindade habita em nós e que a presença do Espírito é permanente em nós. Jesus diz bem claramente: eu pedirei e o Pai mandará outro paráclito, que permanecerá sempre convosco. O primeiro paráclito que o Pai enviou foi Jesus Cristo, que veio cumprir a sua missão redentora. Cumprida esta, ele retorna ao encontro do Pai e este mandará o outro Paráclito, que permanecerá conosco para sempre. Ou seja, o Pai, o Cristo, o Paráclito são um só, a Trindade Santa e eles habitam em nós. O evangelista João era um exímio teólogo e sabia expressar as verdades da fé em palavras simples, diferentes dos teólogos posteriores que transformaram a teologia num tratado científico, nos moldes da ciência aristotélica. Nem precisava. Basta ler com atenção e meditar sobre as palavras colocadas por João, de forma simples e direta, para compreendermos o significado do Paráclito e da Trindade. E para sabermos que nós somos o templo onde essa Trindade habita.

Na sua chegada ao Oriente Médio, hoje, o Papa fez um discurso inspirado pelo Espírito, aninando os diversos crentes a se unirem por um motivo comum. Vejamos esse pequeno trecho do seu discurso: “Seguindo os passos dos meus Antecessores, vim como peregrino à Terra Santa, onde se desenrolou uma história plurimilenar e tiveram lugar os principais eventos relacionados com o nascimento e o desenvolvimento das três grandes religiões monoteístas: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo; por isso, ela é ponto de referência espiritual para grande parte da humanidade. Espero, pois, que esta Terra bendita seja um lugar onde não haja espaço algum para quem, instrumentalizando e exacerbando o valor da sua filiação religiosa, se torne intolerante e violento para com a religião alheia.” Vejam, meus amigos, como essas palavras do Papa estão em sintonia com o tema que abordei no comentário do domingo passado, acerca das “muitas moradas”, afirmadas por Cristo aos seus apóstolos. Observemos como o Papa se refere às três grandes religiões monoteístas (judaismo, cristianismo e islamisno) sob uma perspectiva histórica. Mesmo sendo cristão, ele não mencionou em primeiro lugar o cristianismo, o que seria de esperar. Não, ele colocou na primeira posição o judaísmo, porque foi este que primeiro ocorreu. De dentro deste, originou-se o cristianismo e só posteriormente exsurgiu o islamismo. Mas além dessa notável consciência histórica do fenômeno religioso, o discurso do Papa enfatiza o que está presente na essência do ecumenismo: valorizar o que nos une, não o que nos distingue. Foi aquela Terra Santa o berço do nascimento das três maiores crenças religiosas existentes hoje do planeta. Muitas particularidades dessas vertentes religiosas são divergentes, mas importa mais do que isso a motivação da sua unidade, os elementos de sua convergência. Digam se é ou não o Espírito da Unidade falando através das inspiradas palavras do Papa?

Que este mesmo Espírito, que habita em nós e permanece conosco, estimule em nosso íntimo o sentimento da fraternidade, que é a característica fundamental também do franciscanismo.


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