domingo, 8 de junho de 2014

COMENTÁRIO LITÚRGICO - DOMINGO DE PENTECOSTES - 08.06.2014 - UMA NOVA IGREJA

COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE PENTECOSTES – 08.06.2014 – UMA NOVA IGREJA

Caros Confrades,

Dentro do ciclo histórico-catequético do ano litúrgico, celebramos mais uma vez o domingo de Pentecostes. A vinda do Paráclito confirma as promessas de Cristo aos apóstolos e marca o início oficial da 'ekklesia', a comunidade das pessoas de boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar adiante a sua doutrina. A celebração de Pentecostes marca assim o evento inaugural oficial da Igreja de Cristo. Durante a sua catequese com aquele grupo de galileus, por três anos, e em seguida, após a sua ressurreição, com uma reciclagem doutrinal, Jesus criou uma equipe de operários, que iriam disseminar pelo mundo a sua mensagem. No entanto, foi a vinda do Espírito que deu o início oficial da Igreja, com aquela memorável pregação de Pedro, dirigindo-se à multidão que acudiu ao local de onde se ouviu um grande estrondo, conforme está narrado em Atos 2,2. Ali foi uma espécie de aula magna para ouvintes representando os povos de diversas nações, que se encontravam em Jerusalém e, pela ação do Espírito, eles ouviram a pregação de Pedro no seu próprio idioma, funcionando a eloquência do Espírito como um tradutor instantâneo. O escritor de Atos, o evangelista Lucas, com o detalhismo que lhe é peculiar, teve o cuidado de enumerar as nacionalidades dos presentes, conforme consta em Atos 2,9: “partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia,da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; judeus e prosélitos, cretenses e árabes”, em resumo, habitantes de todos as nações que tinham algum contato com os romanos, que na época eram quase todas as regiões conhecidas. Excetuando o extremo oriente (China, Índia, Japão, Mongólia, que eram conhecidas mas não negociavam com os romanos) e as américas (que não eram ainda conhecidas), Lucas faz questão de declarar que todas as nações do mundo estavam presentes naquela ocasião e ouviram a pregação de Pedro.

A vinda do Espírito cumpriu a principal promessa de Jesus, quando enviou os discípulos a pregarem pelo mundo o seu evangelho, qual seja: estarei convosco até o fim do mundo. Desse modo, embora a liturgia celebre a festa de Pentecostes apenas em um domingo do ano, devemos estar cientes de que a vinda do Espírito não foi um fenômeno que aconteceu naquele dia, mas que continua a ocorrer todos os dias, em todas as comunidades cristãs, falando coletivamente, e em cada cristão, falando subjetivamente. Pelo sacramento da crisma, cada cristão celebra o seu Pentecostes particular, recebendo o Espírito já não mais em forma de língua de fogo, mas nem por isso de um modo menos abrasador. Pelo batismo, nós ingressamos na comunidade dos cristãos, mas é pela crisma que nos habilitamos verdadeiramente para o exercício do envio à missão, da mesma forma como aconteceu com os apóstolos, naquele dia de Pentecostes. São Paulo, na epístola aos Coríntios (1Cor 12, 4) diz que há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Então, a missão de cada um dentro da Igreja pode ser diferente, mas nos anima e nos une o mesmo Espírito. Os cristãos ordenados, os clérigos, têm a missão de testemunhar Cristo e de anunciá-lo a todos, pregando a palavra e presidindo os trabalhos, seguindo na frente (esse é o sentido original do verbo latino praesum=presidir). Os cristãos não ordenados, os leigos, têm a missão de testemunhar Cristo e anunciá-lo a todos com o seu exemplo, com as suas obras e atitudes.

Ainda na carta a Coríntios acima citada (1Cor 12,12), Paulo explica e exemplifica essa diversidade de dons, de carismas, de tarefas, através do pedagógico exemplo do corpo: “Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo.” É a conhecida doutrina teológica do “corpo místico de Cristo”, da qual já ouvimos falar tantas vezes, mas é sempre necessário recordá-la, para que nos conscientizemos da função que cada um de nós deve assumir nesse contexto. Não é necessário fazer nenhum esforço, basta deixar agir o Espírito que está em cada um de nós, basta ouvir a voz da nossa consciência, que nos transmite a mensagem vinda do Espírito. Todos sabemos que o exemplo vale mais do que as palavras. Então, o nosso maior testemunho será viver o dia a dia como autênticos cristãos. Há certas pessoas, sobretudo entre algumas denominações cristãs não católicas, que interpretam de forma literal o mandato de Cristo (ide e pregai a todas as criaturas) e nós os vemos, às vezes, em praças e locais públicos com a Bíblia na mão e um equipamento de amplificação de som a fazerem pregações, que em vez de atrairem as pessoas, causam o efeito oposto nelas. Eu soube de um desses pregadores que chegava numa praça de Fortaleza todos os domingos bem cedo da manhã e começava a sua leitura e pregação ali sozinho, num momento em que a praça estava vazia. O seu discurso, ainda que bem intencionado, incomodava os moradores das residências próximas, os quais chamaram a polícia acusando-o de perturbar o silêncio. Ou seja, as suas palavras tiveram nenhum resultado. Por isso, repito que mais do que falar, discursar ou discutir religião com as pessoas, o nosso maior testemunho será com o bom exemplo silencioso, coerente, convicto, esse produz muito mais efeito do que palavras bíblicas ao vento, levadas por aparelhos sonoros.

A festa de Pentecostes deve ser também a festa da unidade dos cristãos ou, mais do que isso, a unidade de todos os povos. Foi o grande desafio lançado por Cristo aos apóstolos: ide e pregai a todos os povos, para que se tornem um só rebanho. Esta profecia de Cristo continua sendo o maior desafio a ser enfrentado e vencido por todos os lideres religiosos, principalmente aqueles que comandam as religiões monoteistas. Faz poucos dias, na viagem do Papa a Jerusalém, ele reuniu e conclamou os líderes do judaísmo e do islamismo para, juntamente com ele, realizarem ações direcionadas para a união dos seus liderados. Hoje, no domingo de Pentecostes, o Papa recebeu em audiência, na sua residência em Roma, esses mesmos líderes dos judeus e dos islâmicos, para tratarem de três temas comuns ao cristianismo, judaísmo e islamismo: o agradecimento a Deus pela criação, a busca do perdão por erros do passado e rezas a Deus para que a paz se restabeleça no Oriente Médio. Enquanto isso, setores internos radicais da própria Cúria Romana torcem o nariz e vociferam contra esses esforços do Papa pela paz entre os povos, acusando-o de abandonar as tradições da Igreja, de protestantizar o Vaticano, de enfraquecer a autoridade eclesiástica com esses gestos que demonstram humildade e fraqueza. No domingo passado, eu já comentei aqui o encontro do Papa com o Patriarca de Constantinopla, ocasião em que eles juntos deram início a uma ação conjunta em preparação para o aniversário de 1.700 anos do Concílio de Nicéia, num outro gesto concreto em busca da união das igrejas cristãs orientais e ocidental.

Meus amigos, nesta festa de Pentecostes, devemos pedir ao Espírito que ilumine e fortaleça o Papa, nessa sua busca tenaz e obstinada por construir uma nova Igreja. O Papa Francisco está seriamente imbuído do mesmo espírito do Seráfico Patriarca de Assis, na tentativa de reconstruir a Igreja, mantendo-se fiel a ela. É do que nós cristãos mais precisamos, nesses tempos conturbados e temerários. O Papa está empenhado em conduzir de volta a Igreja de Cristo para o seu verdadeiro objetivo, que é transformar todos povos no único rebanho de Cristo, contudo as pessoas que ocupam elevados cargos na hierarquia estão mais preocupados com as tradições e com os protocolos, estão mais receosos de perderem seus gordos salários e seus exclusivos privilégios, por isso não querem que o Papa mexa em nada, deixe tudo como está e apenas se mantenha seguindo a burocracia, de olho no Direito Canônico e se autoproclamando como único dono da verdade, foi assim que os Papas fizeram nos últimos séculos. Eu penso que a vontade do Papa seria mesmo destituir todos esses dignitários que ocupam aqueles vetustos escritórios curiais e renovar radicalmente os seus quadros. Mas ele sabe que isso provocaria uma espécie de “guerra civil” no Vaticano e os resultados seriam imprevisíveis, inclusive para ele próprio. Por isso, ele precisa agir com moderação.

Mas não resta dúvida de que o Papa está visivelmente sendo conduzido pelo Espírito Santo, nessa sua tarefa de redesenhar a identidade da Igreja Católica e é realmente dele, mais do que de todos os outros Bispos e Sacerdotes, a responsabilidade por bem conduzir essa missão. Ninguém atualmente duvida que o Papa tem um grande carisma e é isso que o move. Apenas para lembrar que kharisma, em grego, é um substantivo derivado do verbo khairôw, que significa estar alegre, ter motivo de alegria; kharisma é, portanto, obséquio, dom, marca de felicidade. Penso que a palavra carisma, no seu significado original, traduz perfeitamente a personalidade do Papa e o credencia para a realização dessa árdua e difícil tarefa a que ele se propôs. Com toda certeza, ele não está sozinho nessa empreitada, mas o Espírito está com ele e as orações de todos nós, verdadeiros cristãos, são essenciais para o bom êxito das suas ações.

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