COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO
COMUM – O TEMPO CHEGOU – 25.01.2015
Caros Confrades,
Na liturgia deste 3º domingo comum, as
leituras possuem um tema comum: o tempo. Por mais que nos pareça
algo muito concreto, na verdade, o conceito de tempo é abstrato.
Falamos sempre do tempo como se fosse um objeto, algo corpóreo,
contudo, o tempo é apenas uma produção da nossa atividade
psicológica, é uma forma de conceituarmos essa sensação que nos
vem acompanhada da evolução dos fatos numa corrente sucessiva. Para
melhor controle, as pessoas aprenderam a contar o tempo, a
quantificá-lo ou a dividi-lo em fatias (como diz o soneto de
Drummond). Na língua portuguesa, o vocábulo “tempo” é
polissêmico, por isso o utilizamos nas mais diversas situações,
mas sabemos distinguir mentalmente o seu significado. A título de
exemplo, no idioma grego, há palavras diferentes para falar do tempo
cronológico (chrónos) e do tempo simbólico (kairós), entendido
aqui o tempo simbólico como a oportunidade, o momento, a hora certa
de fazer algo, ou como dizem os teólogos, o tempo favorável. É
neste último sentido que compreendo a alusão ao tempo na liturgia
de hoje: o tempo favorável para a ação de Deus na história. Esse
tempo não vem com hora marcada, nós é que temos de encontrá-lo
ou, se for o caso, construi-lo.
Na primeira leitura, o texto traz a
lembrança da missão do profeta Jonas, em Nínive (Jn 3, 1-5). Deus
mandara que ele pregasse ao povo de Nínive assim: Se não mudardes o
vosso modo de vida, dentro de 40 dias, a esta cidade será destruída.
O povo se converteu e Deus suspendeu o castigo que iria mandar.
Nínive era a capital da Assíria, uma megalópole daquele tempo,
talvez maior do que é Fortaleza nos dias de hoje, porque o texto
afirma que eram necessários três dias para atravessar a cidade. Era
um local de muitas perversidades, como em toda grande cidade. O
profeta Naum a chamara de cidade sanguinária, cheia de mentiras e de
roubo (Na 3,1), por isso Javeh iria transformá-la num deserto. Mas
com a pregação do profeta Jonas, o rei e os cidadãos se
converteram e fizeram penitência, assim o castigo foi evitado.
Evidentemente, essa tarefa de Jonas não deve ter sido assim tão
simples e de resultado imediato, conforme a descrição do texto, mas
o que a liturgia quer destacar aqui é o tempo favorável, que os
ninivitas reconheceram e souberam aproveitá-lo. A população da
cidade dirigiu seus ouvidos à pregação do profeta e deu-lhe
crédito. Devemos também considerar que havia ali um momento
favorável, no sentido de que muitos dos habitantes da cidade ainda
se recordavam da derrota do rei de Judá, Ezequias, para o rei de
Nínive, Senaqueribe, e da humilhação sofrida pelo povo, por isso
tiveram maior sensibilidade para ouvir o profeta.
Na segunda leitura, Paulo exorta os
fiéis de Corinto para viverem o seu tempo favorável, cada um de
acordo com o seu estado. (1Cor 7, 29-31) Contextualizando a leitura,
nos versículos anteriores, Paulo fala sobre a vida dos casados, dos
solteiros, das viúvas, dos escravos, dando conselhos a cada grupo
para viverem na graça de Deus. A igreja de Corinto foi uma
comunidade fundada por Paulo e os coríntios entenderam a sua
pregação como se a volta de Cristo fosse acontecer logo naqueles
dias. Alguns até não queriam mais nem trabalhar, deixaram tudo de
lado só esperando a nova vinda de Cristo. Então, Paulo os adverte a
viverem suas vidas, na perspectiva da eternidade. Cada um fique no
estado em que foi chamado. Quem quiser ser como ele Paulo, que era
celibatário, ele acha melhor, mas quem não conseguir viver assim,
que procure um cônjuge, porque é melhor casar-se do que abrasar-se
(7, 9). Sinceramente, eu não entendo por que a Igreja Católica não
segue o conselho de Paulo e continua a exigir dos sacerdotes o
celibato obrigatório. Além disso, a tradução oficial da CNBB não
reproduz bem o sentido do texto paulino. Diz 'o tempo está
abreviado', mas no texto latino, Paulo diz: 'tempus breve est',
expressão que, ao meu ver, não tem o mesmo sentido. A tradução
melhor seria “o tempo é breve”, isto é, passa muito rápido.
Tempo abreviado dá um sentido de encurtado, diminuído e não me
parece que seja este o sentido expresso no texto. O tempo breve nos
conduz à consciência de que é preciso viver com os pés no hoje,
mas com os olhos no futuro, porque nós não somos desde mundo e a
nossa estadia aqui é passageira.
Na leitura do evangelho de Marcos (1,
14-20), temos a narrativa do chamado dos primeiros apóstolos: Pedro,
André, João e Tiago. De acordo com este evangelista, Jesus teria
chamado os quatro na mesma ocasião, mas se observamos o evangelho de
João, lido no domingo passado, acerca do chamado de Pedro, veremos
que não foi bem assim. No texto de Marcos, Jesus estava passeando
pela beira do mar da Galiléia e viu Simão e André, seu irmão, e
os chamou. No texto de João (1, 42), ele diz que André era
discípulo de João Batista e viu quando este falou sobre Cristo: eis
o Cordeiro de Deus, então passou a segui-lo e depois apresentou a
Ele seu irmão Simão. Não devemos, porém, concluir com isso que o
texto de Marcos seja impreciso ou incorreto. Como sabemos, no tempo
de Cristo não havia jornalistas documentando fatos nem havia
escribas acompanhando seus passos e registrando suas atividades. Ora,
o evangelho de Marcos, cronologicamente o primeiro a ser escrito,
deve ter sido redigido cerca de 40 anos antes do evangelho de João.
Além disso, Marcos não foi testemunha ocular, mas utilizou-se da
tradição oral e de textos esparsos que circulavam nas comunidades
da região onde ele vivia, os quais por sua vez foram escritos a
partir de tradições orais, histórias que passavam de boca em boca
entre os primeiros cristãos. Por outro lado, João foi testemunha
viva daqueles fatos e escreveu a sua própria experiência, não por
ouvir dizer. Marcos e João escreveram em locais distantes entre si e
servindo-se de fontes diferentes, de modo que o texto de João, até
por ter sido escrito bastante tempo depois, é mais elaborado, mais
pesquisado, mais coerente. Apesar das divergências, o que
verdadeiramente importa não é se foi na beira do mar, como disse
Marcos, ou num lugar qualquer da Galiléia, como disse João, mas o
que interessa é que eles atenderam ao chamado, eles aceitaram a
proposta de Cristo para mudarem de vida e em vez de ser pescadores de
peixes, passaram a ser pescadores de gente. Cada um deles teve o seu
tempo favorável de ouvir o chamado e aceitar a missão que lhes foi
confiada.
O evangelho de Marcos lido neste
domingo também faz referência ao início das atividades públicas
de Jesus, o que ocorreu após a prisão de João Batista. Alguns
domingos atrás, quando comemorou-se o batismo de Jesus, João
Batista dizia ao povo que, após ele, viria alguém de quem ele não
seria digno de desamarrar as sandálias. Então, a prisão de João
Batista foi o tempo favorável para o início da missão profética
que Jesus veio realizar. Jesus não iria fazer concorrência com João
Batista, até porque este foi o agenciador da chegada d'Aquele, por
isso não seria oportuno que ambos atuassem simultaneamente. Essa
oportunidade chegou quando João Batista saiu de cena, abrindo-se o
espaço para o anúncio da “boa nova”. E um detalhe significativo
é que Jesus começou suas pregações na Galiléia, não foi em
Jerusalém, a grande cidade da época. Por que na Galiléia? Porque
aquela região era habitada por pessoas de diversas origens étnicas
e de diversas nacionalidades. Isso teria ocorrido porque a população
primitiva daquela região teria sido levada, em sua maior parte,
cativa para a Assíria e a terra ficou desabitada, passando a ser
ocupada por pessoas nômades de outras tribos, durante o tempo em que
os hebreus permaneceram no cativeiro. Com o retorno do povo hebreu
libertado, os novos habitantes se relacionaram bem com aqueles e por
esse motivo o local era um misto populacional de diversas origens,
razão porque era chamada de Galiléia das Nações. Então, Jesus
escolheu iniciar a pregação do reino de Deus exatamente num local
em que a população, além de ser pobre, não era constituída
exclusivamente de hebreus, demonstrando logo no início o destino
universal dos seus ensinamentos. É essa igreja dos pobres que o
Concílio Vaticano II destacou em seus documentos, diferentemente
daquela igreja elitizada, como ela passou a ser a partir do seu
envolvimento com os imperadores romanos e com os senhores feudais da
Idade Média. Esse é o sentido da “opção preferencial pelos
pobres”, que tanto o Concílio quanto os documentos oficiais
posteriores pretenderam resgatar, o que deu origem à doutrina muitas
vezes mal entendida e não poucas vezes deturpada chamada “teologia
da libertação”.
Esta mensagem acerca do tempo
favorável, do momento e da oportunidade nos convida a estar sempre
atentos aos “sinais dos tempos”, sempre reavaliando nosso modo de
ser, pois Deus está se manifestando a nós de diversos modos nos
acontecimentos e às vezes nós não percebemos e deixamos passar
aquela oportunidade de praticar o bem.
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