COMENTÁRIO LITÚRGICO – 6º DOMINGO
DA PÁSCOA – AMIGOS DO PAI – 10.05.2015
Caros Leitores,
Neste 6º domingo da Páscoa, as
leituras nos revelam o quanto somos privilegiados: não fomos nós
que escolhemos o Pai, mas foi o Pai quem nos escolheu. E Jesus Cristo
nos ensina como é que devemos fazer para merecer tão grande
distinção nessa escolha: se guardardes os meus mandamentos,
permanecereis em mim, assim como eu guardo os mandamentos do Pai e
permaneço nele. E o mandamento de Cristo, todos nós já sabemos: é
o mandamento do amor. E não há ocasião melhor para falar sobre
esse assunto do amor do que no dia em que se comemora a festa das
mães.
Na primeira leitura, do livro dos Atos
(At 10,25), podemos perceber o amadurecimento da idéia da salvação
trazida por Cristo no meio dos apóstolos, através do discurso de
Pedro perante os gentios de Cesaréia, liderados por Cornélio, que
era um centurião romano convertido ao cristianismo e que
influenciara a conversão de muitas pessoas daquela cidade, porém
ainda não foram batizados. Nos versículos anteriores (Atos 10,
10-14), Pedro se vira numa situação embaraçosa, que foi a
seguinte: estava com fome e teve uma visão de um grande lençol que
descia do céu cheio de animais e aves, e o anjo lhe disse para
escolher a comida. Pedro se recusou, porque havia ali animais que os
judeus consideravam impuros, então o anjo disse: não tenhas por
impuro aquilo que Deus purificou. Foi quando Pedro recebeu a visita
dos emissários de Cornélio, que foram convidá-lo para ir até a
casa deste e Pedro foi. Ao chegar lá e vendo grande quantidade de
gentios convertidos, Pedro pronunciou um discurso que hoje seria
denominado de ecumênico: “estou compreendendo que Deus não faz
distinção entre pessoas, pelo contrário, Ele aceita quem o teme e
pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença”.
Este discurso é significativo porque dá a entender que, até então,
Pedro ainda tinha dúvida sobre o modo de apresentar a mensagem de
Cristo aos gentios, porque havia aquela famosa discussão se os
pagãos deviam aceitar os costumes judeus como condição para a sua
conversão. Mas naquela ocasião, ele declarou que afinal tinha
compreendido que isso não era necessário, pois Deus havia
purificado os pagãos da mesma forma que purificara os alimentos
considerados impuros pelos judeus. E diz o texto de Atos (10, 44) que
Pedro ainda estava falando, quando o Espírito Santo desceu sobre
todos os que ouviam a palavra. Isso veio corroborar o que Pedro
acabara de afirmar, isto é, o Espírito Santo confirmou o discurso
de Pedro perante todos os presentes. E continua o texto de Atos (10,
45) afirmando que os “judeus” ficaram admirados ao verem o
Espírito Santo descendo também sobre os pagãos, eles que se
consideravam os autênticos seguidores de Cristo, por serem judeus
convertidos e pensavam ser necessário que os pagãos primeiro se
tornassem judeus (pela circuncisão), para depois se tornarem
cristãos.
Com efeito, o texto latino traduzido
pela CNBB usa aqui a palavra 'judeus', mas o texto original de São
Jerônimo diz 'circuncisione fideles', ou seja, os que eram leais ao
judaísmo, que acreditavam na circuncisão. Nesse contexto, ficou
então decidida a polêmica, confirmando-se que a circuncisão não
seria necessária, passando a prevalecer o entendimento de que não
deve haver distinção entre judeu, grego, romano ou asiático ou de
qualquer outra nação, circunciso ou incircunciso, pois o Espírito
de Deus foi derramado sobre os pagãos na presença dos judeus. Na
verdade, o que deve prevalecer entre os discípulos de Cristo não é
a nacionalidade ou a herança genética, mas a observância do seu
mandamento do amor.
Na segunda leitura, da carta de João
(1Jo 4, 7-10), o apóstolo repete o tema que lhe é tão caro em
todos os seus textos: amemo-nos uns aos outros, porque todo aquele
que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. E então, ele confirma que
nós fomos escolhidos, nós não escolhemos: “Nisto
consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que
nos amou e enviou o seu Filho
” (1Jo 4, 10). Esta afirmação de João guarda total sintonia com
o discurso de Pedro, referido na primeira leitura, razão pela qual a
mensagem cristã chegou até nós. Os judeus pensavam que eles eram
os escolhidos, porque eram os herdeiros da antiga aliança. Mas os
judeus recusaram a aceitar Cristo como o Messias, então Jesus
mandou os apóstolos a pregarem a sua mensagem a todos os povos da
terra. E confirmou isso com demonstrações extraordinárias, como o
fato narrado na leitura dos Atos 10, referida acima, em que os fiéis
judeus viram o Espírito Santo descer sobre os gentios convertidos,
antes mesmo que estes fossem batizados. Foi quando Pedro falou:
“'Podemos,
por acaso, negar a água do batismo a estas pessoas que receberam,
como nós, o Espírito Santo?' E mandou que fossem batizados em nome
de Jesus Cristo. ”
(At 10, 47-48). A descida do Espírito Santo era a confirmação de
que o Pai havia escolhido aqueles gentios e retirou da mente de Pedro
qualquer dúvida que ele ainda tinha acerca da universalidade da
salvação.
Na leitura do evangelho de João (Jo
15, 9-17), aparece este mesmo ensinamento, agora colocado na boca de
Cristo: “Não
fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi
” (Jo 15, 16). Jesus falava isso para os apóstolos, mas a escolha
se estende a todos nós, cristãos. Deus nos amou primeiro e nos
escolheu, ou seja, nos deu o privilégio de sermos seus amigos. E
mandou o Filho para nos revelar isso e nos ensinar como devemos
proceder para permanecermos nessa divina amizade. Em Jo 15, 14 Jesus
diz que vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mandei. E o
que foi que ele mandou? Isso todos já sabem: “Este
é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei.
” (Jo 15, 12) E explica: “Se
guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como
eu guardei os mandamentos do meu Pai e permaneço no seu amor.
” (Jo 15, 10) Então, meus irmãos, a única exigência para
permanecermos amigos do Pai é esta e está dita com todas as letras,
não há como não compreender. No vers. 15,15 essa amizade está
mais do que confirmada: “Já
não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor.
Eu
vos chamo amigos,
porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai.
” Pensemos bem nesse tão grande privilégio com que o Pai nos
distinguiu: ser amigos dele. E a condição é também totalmente
acessível a qualquer pessoa: amar o próximo.
Nesse domingo dedicado às mães, não
teríamos melhor contexto para falar do amor na sua forma
incondicional. Uma empresa colocou um anúncio de contratação de
empregados, que deviam ter as seguintes qualificações: entender de
medicina, psicologia, economia, gastronomia; estar disponível para
trabalhar 24 horas por dia e 7 dias por semana, sem descanso e sem
horário para dormir, monitorar constantemente os seus subordinados e
acompanhá-los mesmo durante a noite; não há férias, não há
salário, não há aposentadoria. E os pretendentes faziam cara de
estupefação: isso não é emprego, é escravidão, é impossível
alguém aceitar esse encargo. Então, o entrevistador dizia que
aquela função era ser mãe e todos, sem exceção, concordavam que
essas qualificações são todas reais em todas as mães. E o mais
notável e incompreensível de tudo isso é que, mesmo sabendo com
antecipação de que a situação é assim, todas as mulheres querem
ser mães. E aqui deixem-me puxar um pouco a brasa para a sardinha
dos pais, porque a maternidade é compartilhada com a paternidade. O
Monsenhor Manfredo, na missa deste domingo, dizia que tanto a
paternidade quanto a maternidade vêm de Deus e têm a mesma
dignidade.
Pois bem. O Pai nem exige tanto de nós
para continuarmos na condição de amigos dele, e se pensarmos que
mães e pais se dispõem a tanta dedicação quando decidem gerar um
filho, podemos concluir que não é muito o que Deus nos pede para
sermos amigos dele. Se as pessoas são capazes de tanta abnegação e
disponibilidade por uma causa oriunda da natureza, é só direcionar
esse mesmo comportamento para o bem dos irmãos, por uma causa
oriunda do espírito, e assim estaremos sendo fiéis ao mandamento de
Cristo e nos dignificando para merecermos a sublime honra de sermos
amigos do Pai.
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