COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA
ASCENSÃO - A ELEVAÇÃO DE JESUS– 17.05.2015
Caros Leitores,
Neste domingo, celebramos a festa da
Ascensão do Senhor. Convém lembrar que o dia litúrgico próprio é
na quinta feira passada, dia 15, quando se completaram os 40 dias
após a ressurreição. Segundo o testemunho de Lucas, nos Atos (1,
3): Durante
quarenta dias, apareceu-lhes falando do Reino de Deus.
E convém sempre lembrar também que a simbologia do número 40,
repetida em diversas passagens da Escritura, não significa que a
ascensão de Jesus tenha sido exatamente 40 dias de calendário após
a ressurreição. Na verdade, Jesus passou um tempo fazendo uma
espécie de reciclagem com os apóstolos, recordando as lições
transmitidas na sua pregação e confirmando com prodígios perante
eles, de modo a fortalecer-lhes sempre mais a fé. Jesus sabia que
eles eram homens rudes e não tinham assimilado bem a catequese
estudada no período de três anos. Por isso, foi necessário esse
“reforço escolar”, como se faz com os alunos que têm
dificuldade de aprendizagem.
Na primeira leitura, temos o relato de
Lucas, nos Atos dos Apóstolos, contando detalhadamente a ocorrência
da despedida de Jesus. Depois daqueles dias de aulas de reforço,
Jesus compreendeu que estava concluída a sua missão e pediu para os
apóstolos que não se afastassem de Jerusalém, porque em breve eles
iriam ser batizados com o Espírito, conforme a promessa do Pai. Eu
fico imaginando a sua decepção quando um dos apóstolos ainda
perguntou se era agora que ele irá restaurar o reino em Israel...
Acho que foi por isso que Jesus resolveu chamar Saulo e operar o
milagre de sua conversão. Com aquele grupo de pescadores, a pregação
do evangelho não teria ido muito além de algumas cidades do Oriente
Médio. Jesus Cristo respondeu a essa ingênua pergunta de forma
gentil e ao mesmo tempo enigmática: não vos cabe saber o dia nem a
hora que o Pai determinou. E novamente confirmou a promessa da vinda
do Espírito, que lhes traria o verdadeiro 'conhecimento' da
doutrina, tal como dirá depois Paulo, na carta aos Efésios, que
está na segunda leitura de hoje (Ef 1, 17): o
Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito
de sabedoria
que vo-lo revele e faça verdadeiramente
conhecer.
Foi exatamente isso que ocorreu com os apóstolos.
Junto com a confirmação dessa
promessa do Pai, Cristo reafirmou aos apóstolos o motivo para o qual
tinham eles sido chamados para o convívio mais próximo com Ele:
(Atos 1, 8): para
serdes minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e na
Samaria, e até os confins da terra'.
Na ocasião, eles provavelmente estavam em Jerusalém e foi lá
também que aconteceu o Pentecostes poucos dias depois. Mas é digna
de nota a citação da Judéia e da Samaria, pelo seguinte: a Judéia
foi onde Jesus desenvolveu a sua catequese, andando por diversas
cidades da região. E a Samaria era aquele grupo de judeus
dissidentes, que eram inimigos do pessoal da Judéia. Um judeu mudava
de lado da rua, se viesse ao encontro dele um samaritano. Mas Jesus
foi lá, conversou com a mulher na beira do poço, aceitou o convite
de ir até a cidade dela e realizou ali muitas conversões. Se nós
trouxermos essa rivalidade para os dias de hoje, podemos interpretar
que Jesus estaria se referindo aos cristãos dissidentes, que formam
outras igrejas e também se reúnem em nome de Cristo. Tal como era
no tempo de Cristo, a religião nem sempre é uma atividade que
congrega, algumas vezes também desagrega. Mas é preciso ir em
busca, não relegar, mas conviver, tal como Jesus deu o exemplo na
sua convivência com os samaritanos. E a referência aos confins da
terra certamente diz respeito a nós, que não somos nem judeus nem
samaritanos, mas fomos convidados e aceitamos participar da boa nova
da salvação.
Na segunda leitura, da carta aos
Efésios (1, 17-23), Paulo repete uma lição que está presente nos
evangelhos e que denota ser expressão comum nas comunidades cristãs
primitivas: depois de concluir sua missão, Jesus voltou para se
assentar à direita do Pai, bem acima de toda autoridade e potência.
Era o costume nas sociedades antigas que o lugar à direita do rei
era o da maior confiança e dava a idéia de igual poder. Todos nós
sabemos que, na dimensão da eternidade, não há tempo nem lugar, de
modo que sentar à direita ou à esquerda, ou atrás ou na frente,
não faz qualquer sentido. Mas essa simbologia demonstra que a fé
dos cristãos em Jesus, desde os primeiros tempos, era de que ele
tinha idêntica situação com o Pai e idêntico poder. E nesta mesma
carta, Paulo ensina a sua doutrina do corpo místico, que é a
Igreja, da qual Cristo é a cabeça e está ao lado do Pai. Em
verdade, Jesus não mandou os apóstolos fundarem uma igreja
(ekklesia=comunidade), isso foi uma decorrência natural da
necessidade de organização das atividades para as quais Jesus lhes
havia enviado em missão. A questão é que, com o passar do tempo e
sob a influência da cultura medieval, a comunidade tornou-se uma
entidade cheia de burocracia... mas isso é outra história. Retorno
ao tema inicial.
No evangelho de Marcos lido neste
domingo (Mc 16, 15-20), está a mesma imagem de Jesus sentado à
direita do Pai: “Depois
de falar com os discípulos, o Senhor Jesus foi levado ao céu, e
sentou-se à direita de Deus.
” Aqui há um outro conceito que eu pretendo explicitar, além de
sentar-se à direita, que é a imagem da elevação de Jesus. De
acordo com a tradição, a elevação de Jesus teria sido em
Jerusalém, onde existe até uma capela erguida no local do fato.
Porém, no evangelho de Lucas, consta que teria sido em Betânia:
“Ele os levou até Betânia e, levantando as mãos, os abençoou.
Enquanto os abençoava, apartou-se deles e foi elevado ao céu. Eles,
tendo-o adorado, voltaram para Jerusalém com grande gozo».
(Lucas 24, 50-52) Nos outros, não há referência ao local, Contudo,
o mesmo Lucas, em Atos 1, 12, diz: “Então voltaram para Jerusalém,
do monte chamado das Oliveiras, o qual está perto de Jerusalém, à
distância do caminho de um sábado”, sugerindo que a elevação se
deu no monte das Oliveiras, aonde Jesus gostava de ir com os
discípulos. Não deixa de ser curioso que o mesmo escritor (Lucas),
em duas narrações distintas, refira-se a lugares diferentes, dando
a entender que ou ele não conhecia a região ou não teve o devido
cuidado de organizar os textos que lhe serviram de fonte. Deve ser a
primeira hipótese, pois Lucas era um médico grego, natural de
Antioquia, provavelmente ele não conhecia mesmo os locais por onde
Jesus havia passado.
Em verdade, esse é apenas um detalhe
de pouca importância. A grande verdade que se extrai dessa narrativa
é que Jesus, ao elevar-se para o céu com um corpo visível, elevou
com ele a sua condição humana, isto é, a nossa humanidade que ele
assumiu também foi sentar-se à direita do Pai. Com a ascensão de
Jesus, restaurou-se a união entre Deus e os homens, rompida pelo
pecado, união esta simbolizada nas duas naturezas de Cristo. Ao
elevar-se e assentar-se à direita
do Pai, Jesus levou consigo a humanidade redimida, dando-nos uma
visão antecipada daquilo que ocorrerá com todo aquele que crer
nele. Esta promessa está descrita assim no evangelho de Marcos (16,
16): Quem
crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado.
Não devemos entender nessa afirmação, como querem alguns, que
basta ser batizado para ser salvo, nem também o oposto, isto é,
quem não for batizado estará condenado. Na verdade, crer em Jesus
não é uma decisão momentânea
e isolada, apenas para
receber o batismo, mas é uma atitude que se renova a cada dia,
quando damos testemunho da nossa fé nas nossas vivências sociais,
nas obras que realizamos. Então, a fé será superior ao batismo, na
medida em que este é a confirmação externa daquela. A salvação
está prometida para aquele que crê na prática, não apenas na
teoria, pois o simples batismo não conduz automaticamente à
salvação, se não for confirmado com as obras coerentes e
exemplares. Isso quer dizer que o batismo é um ritual para o crente
ser admitido na Igreja, mas isso não significa que o não batizado
estará ipso facto fora da salvação. O Papa Francisco,
recentemente, reconheceu oficialmente o Estado Palestino, dentro do
seu esforço de aproximação do catolicismo com os povos do Oriente
Médio. Ao meu ver, isso representa a superação de uma antiga
doutrina de que fora da Igreja Católica não há salvação. A fé
religiosa deve ficar acima das denominações religiosas, porque um
só é o rebanho e um mesmo é o Pastor.
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