COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO
COMUM – O PECADO ETERNO – 07.06.2015
Caros Leitores,
Terminado o ciclo litúrgico de
comemoração da Páscoa, retornamos neste domingo ao tempo comum,
que se prolongará até o Advento. As leituras da liturgia de hoje
trazem diversos temas interessantes, dos quais destacarei dois para
comentar, tomando como referência o evangelho de Marcos (Mc 3, 20):
o pecado eterno e os irmãos de Jesus.
A narrativa tem início com o
evangelista dizendo que Jesus voltou para casa com seus discípulos
(3, 20). É o caso de perguntarmos: que casa? Desde que Jesus iniciou
sua vida de pregador, ele saíra da casa de José e Maria e não
tinha um local onde morar. Provavelmente, seria a casa de algum dos
discípulos ou de algum admirador dele, o narrador não se preocupa
com esse detalhe. E continua dizendo que lá juntou tanta gente que
eles (Jesus e os discípulos) nem sequer podiam comer. A fama de
Jesus atraía a atenção de todos, em qualquer lugar onde ele
chegasse, de modo que causava grande importunação, mas ele não
podia simplesmente mandar o povo embora, pois isso fazia parte da sua
missão. É também interessante que se trata de uma das raras vezes
em que o evangelho se refere a uma refeição feita por Jesus, o que
era bastante natural, porque ele como pessoa humana precisava se
alimentar. No entanto, quase sempre essa particularidade é omitida
nas narrativas evangélicas.
Pois bem, os fariseus Mestres da Lei,
que estavam constantemente vigiando Jesus, o viram expulsando
demônios e, por não acreditarem no seu poder divino, não
encontraram outra forma de justificar, a não ser dizendo que ele
estava possuído por Belzebu e era por isso que Ele conseguia
expulsar os demônios. Esse boato preocupou os parentes de Jesus, que
o procuraram para oferecer-lhe ajuda. Encontraram-no, pois, rodeado
pela multidão, enquanto ele argumentava contra os fariseus: como é
que satanás vai expulsar satanás? Como é que o demônio estaria
agindo contra si próprio? A acusação dos Mestres da Lei era
totalmente incoerente, porque se um grupo passa a se digladiar
internamente, será o seu fim. Se numa família, levantar-se irmão
contra irmão, será a desagregação daquela família. Sob o aspecto
humano, social, o boato espalhado pelos fariseus não tinha qualquer
sustentação. Porém, sob o aspecto da fé, a situação era muito
mais grave. Atribuir os milagres de Jesus ao poder do mal significava
ver em Jesus o próprio demônio e isso ele fez questão de
esclarecer, além de reprovar.
Foi nesse contexto que Jesus fez uma
ameaça terrível àqueles incrédulos: (Mc 3, 28) “tudo será
perdoado aos homens, todo pecado e toda blasfêmia, mas quem
blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, será
culpado de um pecado eterno”. Meus amigos, o que significa
blasfemar contra o Espírito Santo? Por que isso é tão grave e
nunca será perdoado? Ora, Jesus sempre afirmou que não agia
sozinho, ele agia sempre como Trindade, em união com o Pai e o
Espírito Santo. Então, dizer que ele estava possuído por um
espírito do mal equivalia a não acreditar no Espírito Santo e,
portanto, não acreditar na Trindade divina. Não acreditar que Jesus
é filho de Deus e age em união com o Espírito Santo, portanto,
negar a Trindade é excluir-se da obra redentora que Jesus veio
realizar. Mais grave do que afirmar que Jesus expulsa os demônios
por obra de Belzebu é a motivação interior de quem faz essa
afirmação, é a recusa de receber a graça divina, é voltar as
costas para o amor de Deus, por isso, é uma atitude imperdoável. E
se a pessoa que assim age não reconsidera seu ponto de vista e
mantém-se na rejeição do perdão, então o seu delito se tornará
eterno, ou seja, eternamente imperdoável. Ora, sendo o mistério da
Trindade o centro da fé cristã, a recusa de aceitar qualquer uma
das pessoas divinas será um daqueles pecados retidos, a que fez
referência o evangelho do domingo anterior.
Diz Marcos (3, 21) que os parentes de
Jesus saíram em sua defesa para agarrá-lo, porque ele parecia estar
fora de si. Certamente, o discurso de Jesus nessa ocasião não foi
tranquilo e sereno, como era de costume, mas ele deve ter-se exaltado
com o maldoso boato espalhado pelos fariseus. Isso faz lembrar aquele
outro memorável acontecimento em que Ele tomou um chicote e saiu
dando surra nos vendedores que estavam ocupando os espaços do
templo, dizendo que a casa do Pai é casa de oração, não um covil
de ladrões. São as duas vezes em que o evangelho fala de atitudes
ríspidas e violentas de Jesus, exatamente quando a descrença dos
judeus se voltava contra a Trindade. No caso do templo, em relação
ao Pai; no caso da expulsão dos demônios, em relação ao Espírito
Santo. Nesses casos, Ele foi tomado por uma 'santa ira', a ponto de
ficar fora de si.
Quando os parentes de Jesus chegaram
onde ele estava, havia tanta gente reunida que eles não conseguiram
se aproximar. Então, mandaram recado pra Ele informando que estavam
ali. É quando o evangelho cita aquela famosa frase que é motivo de
divergência entre católicos e não-católicos há séculos: (Mc 3,
32) Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. O texto
latino de S. Jerônimo assim diz: “mater tua e fratres tui foris
quaerunt te”. Todos nós sabemos que 'mater' é mãe e 'fratres' é
irmãos, a tradução literal é inevitável. Comparemos com o texto
grego original, transliterado para o nosso idioma: ê mater auton kai
oi adelphoi auton = a tua mãe e os teus irmãos. Vemos que a
tradução latina é literal do grego. A discussão aqui está no
significado do vocábulo 'adelphoi', plural de 'adelphos' que na
língua grega significa “irmão”, tanto no sentido de filho dos
mesmos pais, quanto no sentido de um familiar com parentesco próximo.
Esta palavra vem do radical grego 'adelph', que é comum às palavras
relacionadas com irmandade, fraternidade. Naquela época, era comum
que as famílias congregassem sob o mesmo teto pessoas até o sétimo
grau de parentesco. Comparando com os dias de hoje, seria como se
juntassem as diversas gerações desde o tataravô até o tataraneto,
com respectivos cônjuges e agregados, todos eram tidos como uma
família no sentido mais extenso. Genericamente falando, eram irmãos
entre si. Este é o argumento teológico do catolicismo para
justificar que Jesus é filho unigênito de Deus. Porém, não
resolve a questão de que Maria pode ter tido outros filhos, que não
foram concebidos pelo Espírito Santo, e neste caso, seriam irmãos
de Jesus somente pela 'carne', não pelo Espírito. No entanto, a
Igreja Católica, desde os primeiros tempos, sempre afirmou que Jesus
é único filho de Maria e com base nesta tradição, a doutrina
teológica mantém esta afirmação. Não há evidências, nem na
história nem na tradição, de que Maria tenha tido outros filhos,
além de Jesus.
A resposta que Jesus deu aos seus
interlocutores, nesse momento, não poderia ser mais desconcertante:
minha mãe? meus irmãos? Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?
E diz Marcos (3, 34): olhando para os que estavam sentados ao seu
redor disse: aqui estão minha mãe e meus irmãos... quem faz a
vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe. Esta
afirmação de Jesus, colocada no contexto do seu ensinamento, não
deve ser entendida no sentido negativo, como se Jesus estivesse
rejeitando os seus familiares, ao contrário. A frase deve ser vista
no sentido positivo, ou seja, Jesus estava afirmando que aquelas
pessoas que o ouviam e aceitavam faziam parte da sua familia, tanto
quanto os seus parentes pelo ramo familiar. Ele estava colocando no
mesmo nível de importância os irmãos da família humana e os
irmãos na fé em sua doutrina. Além de não estar desprezando seus
familiares, Jesus estava elevando os seus seguidores ao mesmo nível
de irmandade que eles. Fazendo um contraponto dialético com a
afirmação anterior de que quem não crê no Espírito é réu de um
pecado eterno, esta nova afirmação de que 'quem faz a vontade de
Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe', é como se Ele
estivesse afirmando: quem crê na Trindade está comigo,
transforma-se em meu irmão, minha irmã, minha mãe, meu familiar,
meu parente, é a grande família humana que se reúne em torno dele.
Meus amigos, nós, os cristãos de
hoje, desfrutamos desse inefável privilégio de sermos considerados
irmãos, irmãs, pai e mãe de Jesus, se cumprirmos o seu mandamento.
Essa é a sua promessa e o resultado só depende de nós.
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