domingo, 20 de setembro de 2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 25º DOMINGO COMUM - O FRUTO DA JUSTIÇA - 20.09.2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 25º DOMINGO COMUM – O FRUTO DA JUSTIÇA – 20.09.2015

Caros Leitores:

Na liturgia deste 25º domingo comum, desponta uma temática que está intimamente associada à missão que o Papa Francisco atualmente realiza, na sua viagem internacional a Cuba e aos Estados Unidos. A ideia está resumida na frase da epístola do apóstolo Tiago: “O fruto da justiça é semeado na paz para aqueles que promovem a paz.” (Tg 3, 18) Uma missão quase impossível, que o Papa Francisco tomou para si é essa: reconciliar Cuba e Estados Unidos, que entraram em crise de relações institucionais há 54 anos e agora, com a intermediação do Papa, o diálogo está reiniciando. Será um extraordinário ato de caridade para o povo cubano o resultado dessa negociação, o que representa também um pedagógico exemplo para os demais países latinoamericanos.

De uma forma simbólica muito oportuna, Platão colocou como subtítulo de sua conhecida obra “A República” a expressão “sobre a justiça”, pois desde os tempos mais remotos, os homens de bem sempre entenderam que o fruto da justiça é a paz. N primeira leitura litúrgica, retirada do Livro da Sabedoria, vemos também o tema da justiça, quando o sábio aborda as ciladas dos ímpios contra os justos. O livro da Sabedoria representa a tradição dos sábios do povo de Israel, aqueles ensinamentos consolidados com a prática continuada, que os mais idosos transmitiam para os mais jovens. A presença do justo incomoda o ímpio, porque faz este ver a própria maldade. Mesmo sem dizer palavras, o próprio comportamento do justo causa desconforto às pessoas maldosas que, por isso, buscam tramar contra o justo, armando-lhe ciladas: “Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência.” O justo incomoda o ímpio porque para este, a paz não interessa, e sim a realização dos seus propósitos escusos. Fazendo um paralelo com a visita do Papa, a sua presença no território dos países politicamente adversários deve ser bastante incômoda, isso não apenas no caso atual de Cuba e Estados Unidos, mas também quando ele visitou o Oriente Médio, onde se arrasta o infindável entre judeus e palestinos. Naturalmente, o Papa tem consciência disso, mas ele aproveita exatamente esse fato para “incomodar positivamente”, com o intuito de promover ações que resultem em bons frutos. É preciso ter muita coragem para agir assim, não é uma obra fácil. O Papa Bento esteve em Cuba, alguns anos antes, mas não enfrentou a crise política. O Papa Francisco, agora, aborda diretamente esse ponto super-sensível e, com o superior carisma que ele possui, faz isso com toda autoridade e com todo o reconhecimento do mundo inteiro, não apenas do mundo católico.

Na segunda leitura, o apóstolo Tiago demonstra claramente que a origem da injustiça, dos males sociais, das guerras, da insegurança, da violência que domina a sociedade de hoje, em todos os países, é a equivocada busca pelo poder material, político, financeiro. Diz o apóstolo: qual a origem das desavenças que há entre vós? É porque buscais primeiros os vossos interesses. Vós matais, invejais, maltratais e mesmo assim não conseguis o que quereis. O vosso problema é porque não pedis. Ou melhor, pedis mal, porque quereis somente aquilo que atende aos vossos interesses. Meus amigos, vemos nessa admoestação do apóstolo Tiago que esses equívocos que sufocam a humanidade atual são, na verdade, uma problemática muito antiga. Quando Platão escreveu uma teoria do Estado, colocando como subtítulo “a justiça”, queria ele dizer que a finalidade do poder político é promover a justiça, pois não era isso o que ele via na Grécia do seu tempo, governada por tiranos, mas entendia que esse deveria ser o objetivo a ser alcançado pelo verdadeiro Estado. Cronologicamente, Platão é bem mais antigo do que o apóstolo Tiago, além do que ambos viveram em localidades muito distantes uma da outra. No entanto, ambos tiveram a mesma intuição em relação à necessidade de se praticar a justiça, a fim de que vivamos numa sociedade pacificada. Apesar do decurso temporal de mais de dois milênios, desde que essas lições foram ensinadas, as pessoas que governam os povos ainda não as aprenderam ou delas desdenham.


No evangelho de Marcos, o evangelista continua a narração do episódio do domingo anterior, quando Jesus ia viajando a pé para Cafarnaum, já a caminho de Jerusalém, onde a sua missão iria se consumar, e ele ensinava aos discípulos as últimas lições da sua catequese. Depois daquele puxão de orelhas em Pedro, que foi sugerir a Jesus que não falasse assim, porque os discípulos ficavam embaraçados, Jesus prossegue e repete: é necessário ele eu vá a Jerusalém, onde serei torturado e morto, mas depois de três dias, ressuscitarei. Aí, diz o evangelista, eles não entendiam, mas ficavam com vergonha de perguntar e especulavam sobre a situação deles, como ficaria o grupo sem a presença de Jesus, como seria a hierarquia entre eles. Chegando em Cafarnaum, depois de acomodados em casa (o evangelista não diz de quem era a casa), Jesus puxou o assunto: sobre o que vocês conversavam enquanto estávamos caminhando? Eles ficaram calados e não quiseram responder, com medo do carão, que com certeza viria, pois Jesus sabia muito bem do que eles tinham conversado. Foi quando ele reuniu os doze e repassou a lição: aquele dentre vós que quiser ser o maior, seja o menor; o que quiser ser o primeiro, seja o último. Convenhamos, isso embaralhava ainda mais o entendimento deles. Como é que alguém poderia ser o primeiro, chegando por último? Como poderia ser maior se desvalorizando? Percebendo a confusão na mente deles, Jesus tomou uma criança e colocou no meio deles, para servir de exemplo. Sede como esta criança... Por que Jesus fez comparação com a criança? Ora, naquele tempo, as mulheres e as crianças não tinham vez na sociedade, acentuadamente machista e patriarcalista. Somente os homens adultos tinham direitos, tinham reconhecimento. Ao colocar a criança como exemplo, Jesus estava usando um recurso pedagógico para dizer: o pensamento de vocês está ao contrário. De acordo com a mentalidade dos judeus, uma criança não tinha direito a acolhimento, ela era subjugada ao pai (nem a mãe podia ter qualquer atitude). De acordo com a doutrina romana, que prevalecia na Galiléia naquele tempo, o pai tinha direito de vida e de morte sobre os filhos, sobre a esposa, sobre os servos, sobre os bois e cabritos, todos estavam no mesmo pé de igualdade.

Então, Jesus diz: quem não se tornar igual a uma criança, não terá lugar no Reino do Céu... aquele que acolhe uma criança, acolhe a mim, e quem acolhe a mim, acolhe o Pai que me enviou. Se algum de vós quer ser o primeiro, pois que seja o servo de todos. Ou seja, Jesus estava ensinando que a verdadeira justiça não faz distinção entre grandes e pequenos, ele próprio estava ali se colocando como o menor de todos. Foi o exemplo que ele deu na última ceia, quando passou o avental na cintura e foi lavar os pés de todos. Quando Jesus disse aos discípulos que seria preso, torturado e morto, para depois ressuscitar, ele estava indiretamente ensinando que por mais cruéis que sejam as maldades humanas, elas nunca superarão a justiça, a sua ressurreição seria (e foi) uma prova disso. Fez-me lembrar agora de uma composição de Roberto Carlos, de 1971, na qual ele dizia: “Tanta gente se esqueceu que o amor só traz o bem, que a covardia é surda e só ouve o que convém”, logo em seguida, ele faz um apelo para que Jesus venha ensinar tudo de novo, porque a humanidade ainda não aprendeu. Voltando ao tema da viagem do Papa, eu diria que ele está fazendo isso, ou seja, está ensinando novamente aquilo que Jesus ensinou dois milênios antes, mas as pessoas não aprenderam ou então já esqueceram: que a paz é fruto da justiça.

Para nós, cristãos, a leitura desses textos litúrgicos vem lembrar que, ao vivermos a nossa fé através da realização de boas obras, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus, estaremos contribuindo para neutralizar a ganância do ter em demasia, do poder a qualquer custo. O Papa está fazendo isso. Diversos pontífices, antes dele, escreveram e discursaram sobre a justiça e a paz, mas pouco fizeram. O Papa Francisco não é muito de escrever e discursar, mas de fazer, de demonstrar. Meses atrás, ele convidou os líderes políticos do Oriente Médio e, juntamente com eles, plantou uma oliveira nos jardins do Vaticano. Fazer é muito mais do que falar. Agora, ele está fazendo a visita da paz no Caribe e na América do Norte, em mais uma notória demonstração de que a fé sem as obras não tem valor. Até parece o encontro de São Francisco com o lobo de Gubbio, pacificando a cidade e trazendo tranquilidade aos seus moradores. Que Deus ilumine os seus passos.

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