domingo, 6 de setembro de 2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 23º DOMINGO COMUM - AOS DESANIMADOS - 06.09.2015

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 23º DOMINGO COMUM – AOS DESANIMADOS – 06.09.2015

Caros Leitores,

Neste 23º domingo comum, a mensagem do profeta Isaías se dirige aos desanimados: criai ânimo, não tenhais medo. Esta exortação do Profeta aos israelitas, que aguardavam a sua libertação do cativeiro da Babilônia, bem se aplica aos nossos conturbados tempos. O panorama geopolítico, tanto no nível nacional quanto no internacional, causa-nos grande apreensão e medo. Quem será o portador da recompensa, que vem de Deus, prometida pelo Profeta? As ondas migratórias, na Europa e na América Latina, deixam-nos em dúvida quanto à eficiência dos modelos políticos e administrativos aplicados nos países subdesenvolvidos, desafiam a nossa crença na recuperação da humanidade.

O profeta Isaías, na primeira leitura (35, 4-7), procura animar os desiludidos israelitas, vencidos pelo cansaço de um cativeiro que já demorava vários anos, e se entregavam às lamentações e aos impropérios contra Javeh, que os tinha abandonado: até quando teremos de suportar tal castigo? por onde anda o Messias prometido? E o Profeta os consolava: “Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar”. De fato, pouco tempo depois, o messias político esperado para libertá-los chegou: foi o rei Ciro, da Pérsia, que derrotou o rei da Babilônia, Nabucodonosor, e libertou os judeus, que assim puderam retornar à sua terra. E diz mais o profeta Isaías:“Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos …  brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo.” Assim aconteceu, quando eles retornaram para a terra de Israel. Só que este messias-Ciro apenas de muito longe lembrava a figura do futuro Messias, que iria libertar não só o povo judeu, mas todo a raça humana da escravidão do pecado e da morte. Por isso, naquela ocasião, dizia o Profeta: 'criai ânimo' porque logo logo virá a recompensa de Deus, que nos vem salvar. A Bíblia tem sempre um sentido histórico e outro transistórico, e assim, no primeiro momento, a profecia se referia ao messias-Ciro da Pérsia, mas no sentido do futuro, ao Messias-Cristo. Ciro não tinha o poder de devolver a visão aos cegos nem a deambulação aos coxos nem de soltar a língua dos mudos, mas o Profeta previu que isso aconteceria quando viesse o Messias verdadeiro. E sucedeu realmente como ele previra.

Na leitura do evangelho de Marcos (7, 31), temos a concretização da profecia de Isaías na ação histórica do verdadeiro Messias, através da narração do episódio da cura de uma pessoa surda e gaga. Ele colocou os dedos nos ouvidos moucos dele e com Sua saliva, molhou a língua trôpega do felizardo, e depois pronunciou a palavra forte “ephatá”, a qual o próprio evangelista explica que significa 'abre-te'. E logo aquele que era surdo e gago transformou-se num incontrolável falante/ouvinte. E quanto mais Cristo pedia para que ele se calasse, mais ele falava e proclamava as maravilhas realizadas nele. Esta palavra foi escrita por São Jerônimo, no texto latino, como 'ephphetha', enquanto no texto grego está escrito “effathá”, certamente por isso a tradução da CNBB utiliza o termo 'efatá' e eu estou usando com o símbolo antigo do F=PH, para distinguir com um sentido especial.

Meus amigos, este ephatá pode ser entendido de múltiplos modos. No sentido próprio utilizado por Cristo na ocasião do milagre, significou para o surdo-gago o abrir-se fisiológico dos seus ouvidos e da sua glote, para que ele pudesse articular sons e ouvi-los. Mas no sentido figurado, que se refere a nós, o ephatá se dirige à nossa mente, ao nosso coração, à nossa vontade, ao nosso intelecto. Cristo está nos dizendo 'abre-te' para que possamos compreender melhor a nossa missão e assim podermos melhor testemunhar a nossa fé. Esse seria o significado intelectual do ephatá. Saber interpretar com maior clareza a palavra de Cristo dentro dos desafios que a vida social nos coloca a cada dia, em meio a tantas e tão variadas dissensões, alternativas, exigências, falsas promessas e diversas quimeras que nos rodeiam. Abrir a nossa mente para compreendermos de que modo o nosso viver pode dar testemunho de que somos a Igreja de Cristo no meio do mundo, com a maior naturalidade e sem afetação. Nesse contexto, vale aqui uma referência ao grande problema mundial das migrações, tanto na Europa quanto na América Latina. Pessoas que deixam tudo por motivos de guerra ou por motivos econômicos e partem em busca de novos horizontes. Uma parte deles tem sorte e consegue chegar ao seu destino; outros terminam suas vidas nessa rota de travessia, ao enfrentarem os mais variados desafios. Nessa última semana, correu pelo mundo a imagem de um menino sírio, que morreu afogado ao tentar chegar à Europa, junto com sua família, que conseguiu salvar-se. O Papa Francisco, numa demonstração de profetismo contemporâneo e de inigualável solidariedade cristã, apelou para que cada diocese e cada paróquia da Europa aceitasse dar amparo a uma família em processo migratório, pois as autoridades locais estão simplesmente fechando-lhes todas as portas. Inclusive, amanhã (7/9), o Papa escolheu para ser um dia de orações e jejum pela paz na Síria, paz no Oriente, paz no mundo, e ainda pela receptividade do povo sírio, que se desloca pelo mundo. O ephatá do evangelho de Marcos vem nos alertar para, ao menos no plano espiritual, abrirmos o nosso entendimento e o nosso coração em prol desses irmãos desafortunados.

Um outro sentido que podemos descobrir no comando ephatá, associado ao anterior, é o volitivo, quando a mensagem cristã nos convida a ser solidários com os que nos estão mais próximos. E aqui eu trago à colação a segunda leitura, retirada da carta de São Tiago (2, 1), que vai direto ao assunto, sem rodeios, dando um exemplo que até parece estar se referindo aos dias de hoje: “ imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de ouro no dedo e bem vestida, e também um pobre, com sua roupa surrada, e vós dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: 'Vem sentar-te aqui, à vontade', enquanto dizeis ao pobre: 'Fica aí, de pé', ou então: 'Senta-te aqui no chão, aos meus pés'.” Mais direto, impossível. Quantas vezes, isso pode ter acontecido conosco, por não estarmos com a mente aberta para perceber além das aparências, além das etiquetas sociais. Um pobre que bate à nossa porta pedindo um pouco de alimento tem a mesma dignidade como pessoa do q ue um profissional liberal que nós recebemos na nossa casa de portas abertas. Não estou dizendo que se deva deixar entrar em sua casa qualquer pessoa desconhecida, pois a cautela também faz parte da vida do cristão. Refiro-me à atitude de falta de respeito humano com que, muitas vezes, vemos as pessoas mais humildes serem tratadas por outros e até por nós mesmos. Infelizmente, há cristãos que se orgulham de ser católicos de carteirinha (até mesmo sacerdotes) e tratam mal as pessoas de vestes maltrapilhas ou surradas, usando a expressão do apóstolo Tiago. Daí a exortação dele: “a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas”, isto é, não deve permitir que sejamos injustos com pessoas menos favorecidas, exatamente aquelas mais precisadas.

Num terceiro sentido, que eu chamaria de afetivo, o conceito de ephatá nos leva a refletir sobre a nossa abertura interior para compreender a nossa missão, o que Deus quer de nós. Estar aberto à graça divina é condição indispensável para que esta graça opere em nós. Deus não nos obriga, não nos impõe, não vem a nós em qualquer condição, mas apenas quando encontra a porta da nossa alma aberta para recebê-Lo. Os teólogos, desde S. Tomás de Aquino, sempre foram acordes em reconhecer que Deus dá a sua graça a todas as pessoas, no entanto, para que esta graça seja eficaz, é necessário que estejamos abertos, disponíveis, atentos, desejosos de recebê-la. Deus nos dá a graça da salvação, porém, sem a nossa colaboração, sem a nossa disponibilidade, sem que façamos a nossa parte, esta graça não operará seus efeitos em nós. Estar aberto à graça divina é condição indispensável para que ela penetre em nós e nos faça verdadeiros filhos d'Ele.

Na terça feira próxima, dia 8 de setembro, tínhamos no Seminário a festividade de Nossa Senhora do Brasil, na ocasião também comemorávamos o onomástico do Frei Mariano, que na minha época, foi Diretor ali. Que a Nossa Mãe do Brasil fortaleça na fé todos os que por lá passaram e nos ajude a manter sempre a nossa mente e o nosso espírito disponíveis à graça divina, assim como Ela fez e que tornou possível a nossa redenção.

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