COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DE
PENTECOSTES – 15.05.2016 – O PARÁCLITO
Caros Confrades,
Mais uma vez, o ano litúrgico nos traz
a celebração do domingo de Pentecostes. Encerrando o ciclo pascal,
a vinda do Espírito confirma as promessas de Cristo aos apóstolos e
marca o início oficial da 'ekklesia', a comunidade das pessoas de
boa vontade, que acreditam n'Ele e se responsabilizam por levar
adiante a sua doutrina. Naquele dia, a cidade de Jerusalém estava
cheia de visitantes, de peregrinos das mais diversas regiões, porque
a vinda do Espírito coincidiu com uma grande festividade judaica,
chamada de 'Festa dos Tabernáculos', na qual os judeus celebram o
tempo de sua passagem pelo deserto, libertados do Egito, conduzidos
por Moisés. O escritor de Atos dos Apóstolos, o evangelista Lucas,
com o detalhismo que lhe é peculiar, teve o cuidado de enumerar as
nacionalidades dos presentes, conforme consta em Atos 2,9: “partos,
medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da
Capadócia, do Ponto e da Ásia,da Frígia e da Panfília, do Egito e
da parte da Líbia próxima de Cirene, também romanos que aqui
residem; judeus
e prosélitos, cretenses e árabes”,
em resumo, habitantes de todo o mundo judaico e grego, desde o
Oriente Médio, passando pelo norte da África, até a ilha de Creta.
A Festa dos Tabernáculos fazia parte do calendário anual das
peregrinações dos judeus a Jerusalém, juntamente com a Festa da
Páscoa. É um agradecimento a Deus por ter suprido o povo com água
no deserto, para que não viessem a morrer de sede.
É interessante observarmos de que modo
Deus conduziu a história da nossa redenção, fazendo coincidir as
duas datas mais importantes da economia da salvação com as festas
religiosas já existentes, de modo a deixar bem caracterizada a
passagem do Antigo para o Novo Testamento. Assim é que temos a
Páscoa cristã na data da Parasceve, a páscoa judaica, e o
Pentecostes na data da Sukkot, a festa dos tabernáculos. Esses
eventos confirmam o ensinamento de Cristo, quando disse que não veio
mudar a lei, mas cumpri-la com perfeição. A celebração de
Pentecostes vem substituir a festa dos Tabernáculos, marcando assim
o evento inaugural oficial da Igreja de Cristo. Com a vinda do
Espírito, naquela tarde de festa, causando um grande barulho, o fato
chamou a atenção dos visitantes, que acorreram ao local para verem
o que acontecera, sendo ali o início oficial a Igreja de Cristo, com
aquela memorável pregação de Pedro, que está narrada em Atos 2,2.
Ali foi uma espécie de aula magna para convidados especiais,
representando os povos de diversas nações e que, pela ação do
Espírito, eles ouviram a pregação de Pedro no seu próprio idioma,
funcionando a eloquência do Espírito como um tradutor instantâneo.
A leitura do texto diz que os apóstolos passaram a falar em línguas
diversas, mas na minha opinião, eles falavam a língua comum deles,
o aramaico. O resultado, conduzido pela ação do Espírito, fazia
com que os ouvintes, mesmo sendo povos falantes de outros idiomas,
conseguiam ouvir a pregação de Pedro como se ele estivesse falando
em suas próprias línguas. Foi esse o milagre operado pelo
Paráclito, naquele dia memorável.
A presença do Espírito é que dá
vida e sustentação à ação da Igreja de Cristo. Desse modo,
embora a liturgia celebre a festa de Pentecostes apenas em um domingo
do ano, devemos estar cientes de que a vinda do Espírito não foi um
fenômeno que aconteceu só naquele dia, mas que continua a ocorrer
todos os dias, em todas as comunidades cristãs, falando
coletivamente, e em cada cristão, falando subjetivamente. Pelo
sacramento da crisma, cada cristão celebra o seu Pentecostes
particular, recebendo o Espírito já não mais em forma de língua
de fogo, mas nem por isso de um modo menos abrasador. Pelo batismo,
nós ingressamos na comunidade dos cristãos, mas é pela crisma que
nos habilitamos verdadeiramente para o exercício do envio à missão,
da mesma forma como aconteceu com os apóstolos, naquele dia de
Pentecostes. São Paulo, na epístola aos Coríntios (1Cor 12, 4) diz
que há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Então, a
missão de cada um dentro da Igreja pode ser diferente, mas nos anima
e nos une o mesmo Espírito. Os cristãos ordenados, os clérigos,
têm a missão de testemunhar Cristo e de anunciá-lo a todos,
pregando a palavra e “presidindo” os trabalhos, seguindo na
frente (esse é o sentido original do verbo latino praesum=presidir,
ir na frente). Os cristãos não ordenados, os leigos, têm a missão
de testemunhar Cristo e anunciá-lo a todos com o seu exemplo, com as
suas obras e atitudes.
Ma mesma carta a Coríntios (1Cor
12,12), Paulo explica e exemplifica de maneira bem didática essa
diversidade de dons, de carismas, de tarefas, através da analogia
com o corpo humano: “Como
o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros
do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também
acontece com Cristo.”
É a conhecida doutrina teológica do “corpo místico de Cristo”,
da qual já ouvimos falar tantas vezes, mas é sempre oportuno
recordá-la, para que nos conscientizemos da função que cada um de
nós deve assumir nesse contexto. Não é necessário fazer nenhum
esforço, basta deixar agir o Espírito que está em cada um de nós,
basta ouvir a voz da nossa consciência, que nos transmite a mensagem
vinda do Espírito. Todos sabemos que o exemplo vale mais do que as
palavras. Então, o nosso maior testemunho será viver o dia a dia
como autênticos cristãos. Mais do que pregar, discursar ou discutir
religião com as pessoas, o nosso maior testemunho será com o bom
exemplo silencioso, coerente, convicto, que produz muito mais efeito
do que certas pregações de palavras bíblicas ao vento, levadas por
aparelhos sonoros.
Há um pequeno trecho do evangelho de
hoje (Jo 14, 16), que eu considero bastante significativo: “...e
eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que
permaneça sempre convosco.”
Nesta frase, eu destaco a expressão “outro defensor”. Em grego,
temos “allon parákliton”, que São Jerônimo traduziu em latim
para “alium paraclitum”. Primeiramente, consideremos a palavra
“parákliton”. Essa palavra, em grego, deriva do verbo
“parakaléô”, que significa 'convidar para ir junto'. Vamos aqui
recordar uma praxe comum das culturas antigas grega e romana, na
época em que não havia ainda os advogados. Uma pessoa, que fosse
chamada para ir a um tribunal, podia chamar um amigo para “ir
junto” a fim de ajudar na defesa. Esse é o sentido etimológico de
“paráclito”. Então, a tradução simples de “defensor” não
diz todo o sentido que a palavra original possui. O paráclito é o
que vai com o amigo, que fica ao lado, que dá apoio e também
defende, ou seja, é muito mais do que apenas um defensor. Agora,
consideremos que o Espírito é o “outro paráclito”. O que
podemos concluir daí? Que o primeiro paráclito é o próprio
Cristo, que mesmo sem ser convidado, veio para ficar junto, para nos
dar apoio e incentivo e também para nos defender. Mas a sua missão
foi concluída, e agora virá ou “outro paráclito”, cuja missão
é dar continuidade em modo permanente à missão do anterior. A
missão do “outro paráclito” é perene, por isso diz o
evangelista: “para que permaneça sempre convosco”.
Meus amigos, que grande dádiva e que
grande conforto é saber que o outro Paráclito vai permanecer para
sempre conosco, nos inspirando, nos incentivando, nos defendendo. Na
linguagem contemporânea, existe uma palavra inglesa que se usa até
sem tradução em português, o termo “coaching”, que tem de
certo modo essa tarefa, sob o aspecto profissional. Pois bem, o
Espírito é o nosso “coaching” espiritual, que nos acompanha na
missão do dia a dia. E a pessoa que é mais assistida, porque é
também a que mais necessita desse ajuda, é o nosso Papa Francisco,
obstinado por construir uma nova Igreja. Na semana passada, a
imprensa internacional deu destaque a um discurso do Papa durante uma
reunião com Madres Superioras de diversas Congregações Religiosas,
que estavam reunidas em Roma. Durante a assembléia geral, duas
religiosas questionaram o Papa perguntando por que a Igreja Católica
ainda faz discriminação com as mulheres e não permite que elas
sejam diaconisas, como já foram nos primeiros tempos do
cristianismo. O Papa, com a sinceridade e a simplicidade que lhe são
características, topou imediatamente o desafio e disse mais ou menos
assim: aí está uma boa idéia, nós precisamos compreender melhor
com era a missão das diaconisas na igreja primitiva, eu vou designar
uma Comissão especial para fazer um estudo sobre esse tema. A
repercussão foi imediata e recebida com entusiasmo no meio feminino.
Eu me recordo que, quando cursava teologia, nos anos 70, o Papa era
Paulo VI, nos anos imediatos que se seguiram ao Concilio Vaticano II,
dizia-se que o outro Papa que viesse após ele iria defender a
ordenação das mulheres como sacerdotisas. Havia duas freiras, que
estudavam na nossa turma, e nós dizíamos que elas seriam as
primeiras a receber a ordenação aqui. Lamentavelmente, o Papa que
veio depois (João Paulo II) adotou procedimentos bem conservadores e
tradicionais, não era o que se esperava.
Que nós saibamos reconhecer e dar
ouvidos às mensagens de apoio e incentivo que o nosso Paráclito
está diuturnamente a nos soprar. Apuremos os ouvidos do coração
para conseguir isso.
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