COMENTÁRIO LITÚRGICO – 32º DOMINGO
COMUM – O ÓBULO DA VIÚVA – 11.11.2018
Caros Leitores,
Neste 32º domingo comum, a liturgia
traz para nossa reflexão dois episódios envolvendo viúvas: uma do
tempo do profeta Elias e outra do tempo de Cristo. Em ambos os casos,
observa-se a mesma atitude, que representa um louvável exemplo de
generosidade e de desprendimento. A liturgia reúne esses dois fatos
marcantes, ocorridos em épocas históricas bem distantes uma da
outra, chamando a nossa atenção também para a superação do
preconceito, que naquela época era forte contra as viúvas, enquanto
no nosso tempo adquire formas diversificadas. Somos convidados a
vencer o preconceito, não apenas pelo aspecto jurídico e legalista,
porque este só alcança a conduta exterior, mas e principalmente
pelo aspecto caritativo-cristão, que parte do íntimo do nosso
coração.
Na primeira leitura, retirada do Livro
dos Reis (1Rs 17, 10-16), temos o episódio protagonizado pelo
profeta Elias, numa época de grande seca na região do Sinai, onde
se encontrava estacionado o povo hebreu, levando a população a
passar grandes necessidades de abastecimento de alimentos. O Profeta
percorria a região, a mandado de Javeh, a fim de exortar o povo
contra a idolatria, que o contaminava facilmente, quando estavam em
contato com os povos do deserto. Ao chegar na cidade de Sarepta, o
Profeta pediu pão a uma mulher que colhia lenha, ao que ela
respondeu que só tinha um pouco de farinha e de azeite, pra fazer o
último pão que comeriam, ela e o filho, porque depois disso não
teriam mais o que comer e o único jeito era esperar a morte. Elias
pediu que ela fizesse aquele último pão para ele, assegurando que
Javeh não deixaria que faltasse o necessário para ela e o filho,
até que sobreviesse novamente a fartura. Assim aconteceu.
Se aquela não fosse uma mulher de fé,
ela não teria acreditado no Profeta, teria negado a ele aquele
último pão, com o qual iria saciar a fome provisória dela e do
filho, encaminhando-se em seguida para a inanição. Mas, não. Ela
acreditou no Profeta e deu a ele o seu último alimento. E aconteceu
o milagre, conforme Elias predissera: sua farinha era reposta e seu
azeite era renovado a cada dia, e assim ela teve alimento por muitos
dias além. O Profeta comeu e seguiu o seu caminho, mas a promessa de
Deus foi cumprida, porque a viúva fez a sua oferta de coração
sincero.
Tempos depois, um episódio semelhante
envolvendo outra viúva é narrado pelo evangelista Marcos (Mc 12,
41-44), numa ocasião em que Jesus se encontrava no templo e
observava as ofertas que os judeus faziam, de acordo com o costume de
doar o dízimo para o culto. Os ricos depositavam moedas grandes e
pesadas, que faziam eco ao caírem no fundo do cofre. Provavelmente,
havia o costume de deixar o dobrão cair subitamente, para chamar a
atenção dos transeuntes sobre o tamanho da oferta. Daí a pouco,
chegou uma pobre viúva que colocou só duas moedinhas, que nem
fizeram barulho ao cair no cofre. Jesus observava os doadores e logo
ressaltou para os discípulos a diferença entre as ofertas: os
primeiros, os ricos, doavam o que lhes sobrava, enquanto a viúva
doara tudo o que possuía; os ricos faziam a oferta de forma
ostensiva e com barulho, destacando o cumprimento da sua obrigação,
enquanto a viúva fazia a doação com humildade e discrição, não
por obrigação, mas por devoção, doava de coração o próprio
coração. E Jesus completou: a oferta dessa mulher com duas
moedinhas sem valor foi muto maior do que a dos anteriores, que
fizeram tanto barulho, porque Deus não olha a quantidade, mas a
qualidade da nossa oferta.
O evangelista não relata os eventos
futuros relacionados a este fato, mas com certeza Deus proveu aquela
pobre mulher com maiores bênçãos e retribuições, assim como deve
ter recusado as ofertas dos outros fanfarrões, os quais, nas
palavras do próprio Jesus “receberão a pior condenação” (Mc
12, 40). A teologia do dízimo utiliza o exemplo da viúva para
fortalecer a convicção de que todos os paroquianos são
responsáveis pela manutenção do templo e dos serviços religiosos,
fazendo doações espontâneas e regulares, evitando-se a 'cobrança'
de espórtulas para celebração dos sacramentos, como era a prática
tradicional. Apenas os casamentos requintados, que são na verdade
muito mais acontecimentos sociais do que cerimônias religiosas, são
taxados aos que os requisitam.
O direito canônico não estipula
valores para o dízimo, assim como não imprime qualquer tipo de
sanção para os fiéis nesse sentido. No Antigo Testamento, havia o
entendimento de que o dízimo seria a décima parte das colheitas e
dos ganhos auferidos. No entanto, pelo comentário que Jesus faz
acerca da oferta da viúva, podemos concluir que, mais importante do
que a quantidade da oferta do dízimo é a qualidade da oferta que
cada um faz. Muitos pregadores das organizações eclesiais ditas
evangélicas aproveitam-se dessa norma veterotestamentária para
cobrar dos fiéis os 10% do salário de cada um e muitos contribuem
assim mesmo, de forma crédula e ingênua, supondo estarem adquirindo
um 'terreninho' no céu. Outras pessoas criticam as ofertas e
contribuições feitas pelos católicos, alegando que a Igreja é
muito rica e devia vender suas propriedades e distribuir aos pobres a
arrecadação. Com certeza, essas pessoas não conhecem os serviços
de assistência popular realizados nas paróquias, os quais não
seriam possíveis sem estruturas materiais e sem suporte monetário.
O dízimo é uma contribuição para o serviço do templo, que não
precisa se expressar apenas em valor financeiro, mas pode também ser
ofertado em forma de serviço ou de colaboração com as atividades
paroquiais. Esse serviço voluntário é essencial para que o
trabalho evangelizador possa atingir um número maior de pessoas,
sobretudo os mais necessitados. Na concepção atual, a palavra
dízimo foi desassociada do seu étimo de corresponder à décima
parte dos bens para significar o tamanho do seu coração. De nada
valeria entregar para a sua Paróquia matematicamente dez por cento
das suas rendas, se aquilo não fosse uma atitude de fé, diferente
de mera obrigação.
Na segunda leitura, extraída da carta
aos Hebreus (Hb 9, 24-28), o hagiógrafo faz referência à oferta
que Cristo fez de si próprio e que se diferencia completamente
daquelas que eram historicamente feitas pelos sacerdotes do Antigo
Testamento. Estes precisavam entrar no templo todos os anos e repetir
suas preces rituais, oferecendo a Javeh o sangue alheio, ou seja, as
oferendas dos animais sacrificados, que eram os “dízimos”
apresentados pelos mais abastados. Porém, Cristo entrou no
tabernáculo apenas uma vez e ofereceu o seu próprio sangue, por
isso, ele não precisará mais repetir a oferta, porque esta é
completa e definitiva. “Foi
agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se
manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo.”
(9, 26) A liturgia faz o contraponto entre as ofertas dos sacerdotes
do Antigo Testamento com a oferta de si próprio por Cristo, na mesma
linha de raciocínio que Jesus fez o contraponto entre a oferta feita
pelos fariseus no templo e a oferta da viúva pobre: aqueles fizeram
uma oferta imperfeita (o que lhes sobrava) e não agradável a Javeh,
mas estoutra fez a oferenda perfeita (o próprio coração). O autor
da carta aos Hebreus inspirou-se, certamente, no comentário que
Jesus fez aos discípulos acerca da oferenda da viúva: “'Em
verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros
que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto
ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver'.”
A personagem singela e discriminada da
viúva, exaltada por Jesus, nos leva a refletir sobre as
discriminações que a sociedade também faz a algumas pessoas, nos
tempos atuais. Na antiguidade, as viúvas pertenciam à classe mais
baixa da sociedade, porque os direitos dos povos antigos não lhes
garantiam nenhuma participação nos bens hereditários, que eram
distribuídos entre os herdeiros diretos do falecido (filhos, netos,
parentes consanguíneos), as viúvas eram excluídas da partilha. Por
isso, elas eram as pessoas mais pobres da sociedade, fato que
associado à condição feminina daqueles tempos as colocava em
singular estado de miséria. Ao exaltar a contribuição da viúva,
que ofertara tudo o que tinha para sobreviver e seria recompensada
por Deus, Jesus nos ensina a respeitar e valorizar as pessoas,
independentemente de sua condição social.
****
Nenhum comentário:
Postar um comentário