COMENTÁRIO LITÚRGICO – 33º DOMINGO
COMUM – A PARUSIA – 18.11.2018
Caros Leitores,
No 33º domingo comum, aproximando-se o
final do ano litúrgico, a liturgia nos convida a refletir sobre o
final dos tempos, a parusia, a segunda vinda de Cristo, que virá
para julgar os vivos e os mortos. Esses tema foi muito explorado
pelos artistas medievais, que deixaram registrada, em magníficas
pinturas, cada um ao seu modo, a interpretação que fizeram das
palavras do evangelho de Marcos, acerca do dia do juízo: o sol
escurecerá, a lua não mais dará sua luz, as estrelas cairão...
Com os conhecimentos científicos de atualidade, constata-se que se
trata de uma visão alegórica do final dos tempos, todavia, ainda
paira na mentalidade de grande parte da nossa população a imagem
dessa gigantesca hecatombe, de modo que cada desastre natural que
ocorre facilmente é associado a essa profecia. Precisamos, pois,
repaginar o nosso entendimento sobre essas coisas futuras.
Na leitura da profecia de Daniel (Dn
12, 1-3), aparece a figura imponente de Miguel, o defensor que virá
resgatar todos aqueles cujos nomes se acharem inscritos no livro, os
quais brilharão como estrelas por toda a eternidade, os justos,
aqueles que foram sábios e ensinaram aos outros o caminho da
virtude. Os que não tiverem procedido corretamente em vida, serão
lançados no opróbrio eterno. Alguns trechos do livro de Daniel são
classificados, pelos biblistas, como literatura apocalíptica, isso
ocorre também com passagens do livro de Ezequiel, possibilitando a
interpretação alegórica. Podemos constatar que Jesus se serve
dessas mesmas expressões na sua catequese ao povo, em forma de
parábolas, para explicar aos seus ouvintes acerca do juízo final.
Sempre foi uma grande curiosidade dos seres humanos, em todas as
épocas, saber o que acontecerá após a morte ou no fim dos tempos.
Em verdade, é o caso de perguntarmos: haverá mesmo um final dos
tempos objetivamente falando? Na filosofia, Kant já explicou, de
forma incontestável, que o tempo não existe fora de nós, sendo uma
percepção subjetiva humana. Então, a expressão final dos tempos
deve ser entendida como fim do mundo ou o final do universo. Ocorre
que com a indizível e imensurável dimensão que o universo se
apresenta para os astrônomos e astrofísicos, pode-se colocar em
dúvida se o universo realmente se extinguirá, ainda que num futuro
distante. A ciência comprova que o universo se encontra em constante
expansão, ou seja, em evolução contínua e dando origem a novos
corpos celestes, de modo que falar em ‘fim do mundo’ é algo
incabível na concepção científica atual. Só por essa breve
referência ao problema, já se pode avaliar a complexidade da ideia
que envolve a expressão “final dos tempos”.
No evangelho de Marcos (Mc 13, 24-32),
lemos aquela descrição assustadora e detalhada de Jesus aos
discípulos, sobre as coisas futuras, palavras que sempre foram, ao
longo da história, entendidas literalmente. Porém, se nós as
lermos com uma mentalidade serena, à luz do que hoje se conhece
acerca do universo, mesmo quem não for especialista no assunto
perceberá que se trata de eloquente alegoria. “O sol
escurecerá...” quando eu era aluno do curso ginasial (isso já tem
uns bons 50 anos), eu li uma matéria que dizia assim: daqui a dois
milhões de anos, o sol esfriará. Nunca esqueci disso. Essa deve ser
a tendência natural, se imaginarmos que o sol é um corpo celeste
que realiza intensa reação atômica, a tendência é que, com o
passar do tempo (muito tempo mesmo), sua energia irá regredindo
progressivamente. Mas sabe-se, por outro lado, que o nosso sol é
apenas uma estrela de quinta grandeza e que existem inumeráveis sóis
no universo, o que significa que se, acaso, o nosso sol escurecesse,
em termos siderais, isso não faria grande diferença. Pura alegoria,
portanto.
“As estrelas começarão a cair do
céu...” essa era a concepção cosmológica dos povos antigos, que
entendiam o firmamento como uma semiesfera, onde estariam penduradas
as estrelas. Nos dias de hoje, nem uma criança do ensino fundamental
pensa mais assim. Os riscos que, teoricamente, existem são de
eventuais colisões de corpos celestes. “A lua não mais
brilhará...” é outra frase que não resiste à mínima crítica,
porque todos sabemos que a lua não tem luz própria, mas reflete a
luz solar. Ora, essas frases só podem ser compreendidas
metaforicamente. Eu fico boquiaberto quando ouço pessoas que,
publicamente, afirmam que a Bíblia está cheia de erros, por causa
dessas passagens. Essas pessoas não conseguem pensar alegoricamente
e nem percebem que as expressões bíblicas reproduzem uma
mentalidade e um conhecimento científico de diversos séculos antes
de nós e que precisam ser devidamente aculturados para fazerem
sentido na nossa época.
Agora, passando para as outras
expressões contidas nesse mesmo contexto, no evangelho de Marcos,
obrigatoriamente também concluiremos que elas devem ser entendidas
metaforicamente: “vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens”...,
“enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos
de Deus de uma extremidade a outra...”, “essa geração não
passará até que isso aconteça”... São frases que precisam ser
relidas e reinterpretadas no seu significado cultural e religioso, na
mesma proporção em que fizemos com as afirmações de conteúdo
cosmológico. Com certeza, Jesus não aparecerá sentado numa nuvem,
os anjos não tocarão trombetas ensurdecedoras para despertarem os
mortos e os reunirem aos vivos, pois se forem somadas as quantidades
de seres humanos de todas as épocas, veremos que não haveria espaço
físico suficiente na terra para conter tanta gente. A geração que
não passará não é a geração cronológica, mas a “gens”
humana. E aqui está a afirmação mais grave. Eu entendo aqui que a
ganância dos seres humanos vai terminar por inviabilizar a vida
terrestre. No ritmo que as coisas estão acontecendo, isso parece que
não vai demorar muito. A sucessão de desastres ecológicos
provocados pela irracionalidade e a ambição de alguns
irresponsáveis irá, isso é certo, por um fim na humanidade. E aí
sim, teremos o “final dos tempos”. Não do modo literal como está
descrito no texto do evangelista Marcos, mas no sentido de que, com a
extinção dos seres humanos, o tempo realmente se extinguirá,
porque não haverá mais seres humanos com consciência e
racionalidade para reconhecê-lo e contabilizá-lo.
Importa aqui assinalar também que
Jesus, naquela ocasião e de forma profética, se referia à
destruição de Jerusalém, por causa da infidelidade do povo judeu e
pelo fato de não o terem reconhecido como o Messias esperado. A
Jerusalém histórica, com efeito, foi destruída pelo exército
romano no ano 70 anos depois de Cristo. A “grande tribulação” a
que Jesus se referiu no seu discurso metafórico se reportava, em
primeiro lugar, à profanação do templo de Salomão pelos romanos,
o que iria causar (como de fato causou) grande comoção para os
judeus. Mas após a destruição dessa Jerusalém de pedras e
tijolos, ergueu-se outra Jerusalém simbólica, atemporal e
espiritual, que é a Igreja de Cristo, que veio substituir e
firmar-se sobre as ruínas do templo salomônico.
Aqui nesse contexto se encaixa o texto
da segunda leitura, da carta aos Hebreus (Hb 10, 11-12): “Todo
sacerdote se apresenta diariamente para celebrar o culto, oferecendo
muitas vezes os mesmos sacrifícios, incapazes de apagar os pecados.
Cristo, ao contrário, depois de ter oferecido um sacrifício único
pelos pecados, sentou-se para sempre à direita de Deus.”
Os cultos ofertados no templo de Salomão não têm comparação com
a oferenda de Cristo, que foi única e definitiva. A redenção
operada por ele transformou aquela Jerusalém de pedras e tijolos em
um templo imperecível, que não está mais situado num espaço
geográfico, mas no coração de todos aqueles que creem. E os salvos
não estão mais inscritos “num Livro”, como disse o profeta
Daniel, mas estão espalhados por todos os confins da terra, reunidos
sob a presença mística de Cristo, que afirmou: onde houver dois ou
mais reunidos em meu nome, eu estarei ali presente. Não é mais
necessário se deslocar até uma Jerusalém geográfica ou até o
templo físico, porque a Jerusalém celeste e o templo espiritual
estão onde estiverem os cristãos unidos em sua fé. Essa é a
grande diferença. Essa é a verdadeira realidade que representa o
conjunto das coisas futuras.
Se observarmos bem, o discurso de
Cristo é fundamentalmente de cunho ecológico, bem atualizado para a
linguagem do nosso mundo atual. O céu e a terra passarão, mas as
minhas palavras não passarão. Aquela concepção cosmológica de
céu e terra não faz mais nenhum sentido para a mentalidade moderna.
São céu e terra passados. Mas essa geração não passará até que
tudo isso aconteça. Infelizmente, estamos presenciando, sob diversas
formas de condutas de pessoas sem escrúpulo da geração humana,
ações devastadoras que nos induzem a pensar que “as folhas da
figueira da parábola estão ficando verdes e os frutos não
demorarão a aparecer”. Que Deus dê a essas pessoas a chance de se
conscientizarem disso, antes que seja tarde demais.
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