COMENTÁRIO
LITÚRGICO – 1º DOMINGO DO ADVENTO – O FINAL E O COMEÇO –
01.12.2018
Caros
Confrades,
Antes do
final do ano civil, o calendário da Igreja Católica dá início ao
seu novo ano litúrgico, que costumeiramente coincide com a primeira
semana de dezembro do ano anterior, de acordo com a posição do dia
de Natal no calendário civil, pois o ano litúrgico se inicia quatro
semanas antes do Natal. A organização litúrgica da Igreja Católica
distribui, no período de doze meses, toda a história da salvação,
que historicamente demorou vários séculos, fazendo-nos reviver, a
cada ano, todos os fatos marcantes da intervenção de Deus junto aos
homens. Esta prática de dividir a Bíblia em porções
correspondentes ao número de semanas do ano já existia entre os
judeus, desde os tempos de Esdras, porém o calendário judeu se
limita à Torah. No calendário litúrgico católico, as leituras
litúrgicas abrangem toda a história da salvação, desde a aliança
de Javeh com Abraão até a morte e ressurreição de Cristo e a
vinda do Espírito Santo. Com a liturgia de hoje, 1º domingo do
advento, tem início o ano litúrgico de 2019. De acordo com as
regras da instrução oficial do Secretariado da Liturgia, este ano
litúrgico é identificado com a letra C. Isso porque as leituras
bíblicas são divididas em três grupos temáticos, repetindo-se a
cada três anos.
Neste
primeiro domingo do advento, a liturgia nos leva a refletir sobre as
coisas que hão de vir, ou seja, os fenômenos indicadores do “final
dos tempos” (adventura), bem como sobre o Menino que vai chegar
(adveniens), convidando-nos a preparar o coração para recebê-lo
com espírito renovado. É curioso esse contraponto que a liturgia
faz entre o “final” e o “começo”, colocando as leituras com
temas escatológicos e apocalípticos (evangelho de Lucas) junto da
leitura do profeta Jeremias, anunciando aquele que vai chegar, para
fazer valer a lei e a justiça sobre a terra, isto é, o Messias.
Essa junção de temas conflitantes vem marcar a constante renovação
que deve ocorrer em nossas vidas, demonstrando que o fim pode ser
sempre um novo começo. O advento recorda a primeira vinda de Jesus,
em forma humana e no tempo histórico; as coisas futuras recordam a
segunda vinda de Jesus, não mais como criança nem no plano
cronológico, mas como supremo juiz.
Esse
tema da segunda vinda de Jesus, conforme abordamos em comentários
anteriores, foi muito caro aos primeiros cristãos, que esperavam
isto como algo iminente, de modo que alguns até deixaram de
trabalhar, porque ele estava já chegando. O apóstolo Paulo era um
dos que esperavam ver a segunda vinda de Jesus. Porém com a demora
desse retorno, a compreensão foi mudando de perspectiva e, ao longo
dos tempos, passou por diversos quadros interpretativos. Agora,
muitos séculos depois e com a evolução do conhecimento humano, já
não se deve pensar numa “data” determinada no calendário, nem
mesmo num dia incerto e indefinido, como está escrito no evangelho
(Lc 21, 35). Na minha modesta opinião, sou levado a crer que não
cabe mais pensar num evento de dimensões cósmicas, como consta com
detalhes na narração do evangelho lido neste domingo (Lc 21, 25), e
sim numa circunstância que se realizará na dimensão atemporal, no
plano da eternidade, quando ultrapassarmos o umbral da materialidade.
Quando adentrarmos a dimensão da eternidade, encontraremos o Filho
do Homem sentado sobre as nuvens, com todo o seu poder e glória,
julgando e premiando os seus seguidores de coração sincero.
Na
primeira leitura, o profeta Jeremias diz que “naqueles dias,
farei brotar a semente da justiça que fará valer a lei... e
Jerusalém terá uma população confiante... e será designada como
'o Senhor é a nossa justiça'”. (Jr 33, 15). A Igreja é a
nova Jerusalém, lembrando aquela que um dia foi destruída, mas Deus
a restaurou com o nome de Justiça. Isso ocorrerá 'naqueles dias'
que não se sabe quando serão, mas que, com certeza, será na
Jerusalém celeste. Dizer que o seu nome será “o Senhor é nossa
justiça” significa que devemos considerar que a justiça divina
não tem comparação com a justiça dos homens. A justiça de Deus
é, na verdade, a sua misericórdia, o seu infinito amor para
conosco, porque se Ele fosse nos julgar, do modo como nós costumamos
julgar os nossos semelhantes, coitados de nós.
Então,
no advento, a cada ano, nós reiniciamos a nossa preparação para
esse futuro encontro com o Filho do Homem em seu tribunal da
misericórdia, através dos atos litúrgicos que nos rememoram a vida
histórica de Cristo, para que estejamos sempre vigilantes, como Ele
próprio ensinou. Na segunda leitura, carta de Paulo aos cristãos
Tessalonicenses (1Ts 4,1), o apóstolo os exorta a viverem como foi
ensinado a eles, para agradar a Deus, seguindo as instruções que
lhes foram passadas em nome do Senhor Jesus. Paulo estava preocupado
com os Tessalonicenses, porque em sua visita àquela cidade, houve
uma ríspida discussão entre ele e os judeus, fato que levou Paulo a
fugir da cidade. Depois, ele mandou para ali Timóteo, para sondar o
ambiente e ficou muito feliz com a informação deste de que os
tessalonicenses continuavam fiéis à mensagem cristã. Por isso,
Paulo os exorta a continuarem com aquele mesmo fervor religioso,
preparando-se para o retorno de Cristo que, segundo o entendimento da
época, se daria dentro de pouco tempo.
O
evangelho de Lucas (Lc 21, 25-36) traz a clássica narrativa daqueles
fatos que são indicativos do “final dos tempos”: “Haverá
sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão
angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas.”
Em relação à conduta das pessoas, o texto do evangelho é
assustadoramente dramático: “Os
homens vão desmaiar de medo, só em pensar no que vai acontecer ao
mundo, porque as forças do céu serão abaladas.”
Os cristãos de todas as épocas, mas sobretudo dos primeiros tempos,
tremiam diante dessas leituras e alguns até deixaram de trabalhar,
porque a volta do Senhor estava próxima. Ora, Jesus disse diversas
vezes que somente o Pai sabe esse dia, nem Ele sabia, como é que uns
pobres mortais poderão adivinhá-lo? Por isso, mais importante do
que tremer com a expectativa daquele “dies irae, dies illae”
(como dizia o antigo cântico gregoriano), o que nós devemos fazer é
seguir o que Jesus recomendou: “Tomai
cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa
da gula, da embriaguez e das preocupações da vida, e esse dia não
caia de repente sobre vós; pois esse dia cairá como uma armadilha
sobre todos os habitantes de toda a terra.”
(Lc 21, 34-35). Esse dia é aquele em que iremos nos encontrar diante
do tribunal da misericórdia e desse dia ninguém conseguirá
escapar. Daí que a preocupação de Cristo conosco é para que não
nos deixemos dispersar pelos prazeres materiais e pelas preocupações
da vida, para que a nossa fé esteja sempre atenta. Mais do que
impressionar-se com o abalo das forças celestes, a nossa preocupação
deve estar voltada para a nossa própria conduta, para a nossa
fidelidade com os compromissos do nosso batismo. Cristo sabe o quanto
isso é difícil para cada um de nós, frente a tantas distrações e
encantamentos que a realidade material lança sobre nós. Daí o
conselho que ele nos dá: ficai atentos e orai a todo momento, para
terdes força pra ficar de pé diante do Filho do Homem.
É
curioso como, ao longo do tempo, as pessoas leram essa passagem do
evangelho e se concentraram na descrição dos fenômenos cósmicos,
que na verdade estão fora do nosso controle, e esqueceram dessa
outra parte em que Jesus nos exorta a agir com moderação, sem nos
deixarmos seduzir pelos apelos dos prazeres corporais, pois isso sim
depende de nós. Então, o ensinamento de Cristo para que fiquemos
vigilantes sempre não se refere a um tempo futuro e indefinido, mas
ao nosso tempo existencial. A nossa fé n'Ele deve ser renovada a
cada dia, para que nossa expectativa não se volte para um fim
catastrófico do mundo, mas para um fim sereno dos nossos dias,
porque estes têm um prazo até certo ponto previsível. E será
nesse momento que precisaremos ter forças para ficar de pé diante
do Filho do Homem. A nossa força será medida pela nossa
perseverança. Desse modo, quando o advento nos convida a estar
vigilantes porque não sabemos o dia nem a hora, a nossa atenção
não deve se voltar para “o
Filho do Homem, vindo numa nuvem com grande poder e glória”,
mas para o dia em que cada um de nós deveremos ficar em pé diante
d'Ele.
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