COMENTARIO LITURGICO – BATISMO DO SENHOR – 10.01.2021
Neste domingo após a Epifania, celebramos a festa do Batismo do Senhor. Na verdade, Jesus não precisava ser batizado, porque o seu “batismo” oficial se deu quando ele foi apresentado no templo, de acordo com a lei de Moisés. Além disso, o batismo de João tinha por objeto o perdão dos pecados, para aplainar os montes e endireitar as veredas, ou seja, a “metanóia” ou a conversão ou a mudança de vida, sendo o mergulho do batismo o símbolo dessa mudança: o batizado ressurge das águas como um novo fiel, purificado dos seus pecados. Não era esse o caso de Jesus, ele não tinha pecados a purificar. Por isso, penso que o fato de Jesus ter entrado na fila para ser batizado por João, tinha tripla finalidade: primeiro, abençoar as águas do rio Jordão como símbolo de todas as águas da terra, que algum tempo depois seriam utilizadas para o batismo dos cristãos; segundo, dar um caráter oficial àquela catequese preparatória do povo, feita por João, antes que Ele (Jesus) iniciasse a pregação da sua doutrina; terceiro, fazer a sua apresentação pública, pois até então ele vivera anonimamente, e agora seria apresentado oficialmente como Filho de Deus, pois foi nessa ocasião que, pela primeira vez, ocorreu a manifestação da Trindade divina.
O tema do batismo é um dos que
desperta mais polêmica entre a Igreja Católica e as demais igrejas
cristãs, por diversas razões históricas, que todos conhecemos,
porém penso que as querelas mais significativas se concentram em
dois pontos: 1. o batismo de crianças recém-nascidas, fato que não
ocorria no início do cristianismo, tendo sido introduzida como
prática posteriormente; 2. o ritual do batismo por mera aspersão
(derramamento de pouca água na cabeça do batizando) e não por
imersão (mergulho na água), como era o batismo original de João.
Em relação a essa crucial polêmica, o fato histórico é que nem sempre o batismo foi realizado por imersão do fiel. No Novo Testamento, diversos relatos sobre o batismo sugerem uma outra forma de batizar, como por exemplo, em Atos 16, 33, quando Paulo batizou pessoas na prisão, certamente ali não tinha como fazer a imersão dos batizados. O batismo do próprio Paulo por Ananias (Atos 9, 18), realizado na casa de Judas, não deve ter sido por imersão. Do mesmo modo, o episódio ocorrido no dia de Pentecostes (Atos 2, 37-41), quando cerca de 3.000 pessoas foram batizadas após a pregação de Pedro, não deve ter sido por imersão. Ou seja, desde os primeiros tempos do cristianismo, já se praticava o batismo por aspersão, não tendo sido “invenção” dos padres medievais, como insinuou Lutero quando se opôs a essa prática, porque queria retornar ao fundamentalismo do texto. Aliás, Lutero não se opunha apenas ao ritual da aspersão, mas também ao fato de que a Igreja aprovava o batismo de crianças bem pequenas, em vez de batizar apenas os adultos. Embora eu reconheça que há um certo exagero nessa antecipação do tempo batismal para a infância, creio que há razões teológicas que a justificam, entre as quais destaco duas fundamentais: 1. o fato de que a pessoa deve ser purificada do pecado (no caso da criança, o pecado original) o quanto antes possível, ou seja, logo após ao nascer, sem esperar a idade adulta; 2. embora a criança de pouca idade não saiba o que está ocorrendo, a Igreja age como mãe amorosa e faz isso por ser o melhor para o pequeno fiel, assim como toda mãe só quer o bem dos filhos, ficando com os pais e padrinhos a responsabilidade de ensinar a criança e conscientizá-la, quando tiver entendimento. É assim que o catecismo ensina, é assim a doutrina oficial da Igreja Católica.
Saindo dessas polêmicas histórico-doutrinárias e analisando agora sob o aspecto gramatical, o vocábulo batizar deriva do verbo grego BAPTIZÔ, que significa mergulhar, submergir, mas também lavar. Por exemplo, batismo já foi uma espécie de pena de morte, em que se mergulhava o condenado até ele morrer afogado. Em Lucas (11, 38), quando os fariseus se admiraram porque os discípulos de Jesus não lavavam as mãos antes de comer, a frase latina é “quare non baptizatus esset” (liberalmente, “porque não tinham se batizado”) e a frase grega é “ou proton ebaptiste”, demonstrando assim o significado do verbo “baptizô” no sentido de lavar. Ora, para lavar as mãos, não é necessário sempre as mergulhamos em água, muitas vezes apenas derramamos água sobre elas. Ou seja, além dos aspectos puramente doutrinários, há ainda o suporte favorável do estudo linguístico dos termos.
Em algumas igrejas cristãs não católicas que eu conheço, prepara-se uma espécie de piscina ou tanque grande cheio de água para o ritual do batismo por imersão. A meu ver, trata-se de uma prática desvirtuada do sentido original do batismo de João, pois deveria ser realizado em uma fonte de água natural. Isso, sem esquecer os aspectos práticos da água esparramada, das vestes encharcadas, do constrangimento por que passam as pessoas, sobretudo as mulheres, que têm seus corpos expostos desnecessariamente... Ora, se é para seguir o ritual, então, que se o sigamos por completo. Pessoalmente, eu não vejo sentido nesse tipo de ritual, que pode ser simplificado sem perder o seu sentido e a sua finalidade. Em síntese, digo que a forma de realizar o batismo, se por imersão ou por aspersão, não é relevante, e sim a fé que deve motivar o fiel a receber o batismo. No caso de crianças pequenas, a fé é dos adultos que as levam a batizar e que se comprometem a catequizar o batizado na mesma fé que professam.
Acerca das leituras litúrgicas
dessa festa, o evangelho de Marcos (1, 7-11) relata o batismo de
Jesus por João, o qual dizia que depois dele viria alguém bem
maior, de quem ele não era digno nem de desamarrar as sandálias.
Culturalmente, o ato de desamarrar as sandálias era próprio dos
servos, que assim o faziam com o seu amo, e João se colocava desse
modo como inferior a um servo. E diz o evangelista: “Naqueles
dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia,
e foi batizado por João no rio Jordão. E logo, ao sair da água,
viu o céu se abrindo, e o Espírito, como pomba, descer sobre ele.”
A fama de João era conhecida em toda a Judeia, Galileia, Samaria, em
toda aquela região conhecida genericamente como Syria, onde ele
tinha muitos discípulos e seguidores. Então, Jesus saiu de Nazaré
para ter com João propositalmente, para dar continuidade ao trabalho
dele, fez uma espécie de homologação dos seus atos preparatórios
e assumiu dali em diante a tarefa de cumprir a promessa do Pai. O
evangelista Marcos não diz nada a respeito, mas Mateus (13, 14)
relata que João reconheceu Jesus e não queria batizá-lo,
exatamente por causa do seu discurso de acerca da superioridade de
Jesus em relação a ele e só a muito custo concordou em fazê-lo.
Ora, se Jesus tinha tido até então uma vida oculta, como foi que
João soube de quem se tratava? Com certeza, foi o “espírito”
quem lhe indicou isso.
Então, foi no batismo de Jesus o
primeiro momento em que se manifestou a Trindade divina, que “ao
sair da água, viu o céu se abrindo, e o Espírito, como pomba,
descer sobre ele. E do céu veio uma voz: 'Tu és o meu Filho amado,
em ti ponho meu bem-querer'”,
isto é, o início da vida pública de Jesus foi oficialmente
declarado pela presença das três pessoas divinas. Provavelmente,
naquele momento, somente João e Jesus viram a manifestação do
Espírito e ouviram a voz do Pai, ainda não era o momento para que
os convertidos tomassem conhecimento desse mistério. O testemunho de
João deve ter sido a fonte de onde esse fato passou para textos
primitivos que deram origem aos evangelhos, compilados após a
ressurreição de Jesus.
Já por vários anos, tenho
observado que está-se tornando comum o batismo de pessoas adultas,
como era bem no princípio do cristianismo. Por ocasião da
celebração da Vigília Pascal, aqui na nossa Paróquia, há sempre
um grupo de pessoas adultas a receberem o batismo, como parte
integrante da cerimônia. Desenvolve-se uma catequese específica
para preparação do batismo de adultos, tal como era nos primórdios
do cristianismo. Ninguém põe em dúvida que a opção pelo batismo
na idade adulta é muito mais significativa do que o batismo das
crianças, porque tem-se um ato de vontade do próprio fiel e não de
seus pais. Então, aquela antiga polêmica do batismo de crianças já
não tem mais tanta importância nem desperta mais tanta polêmica,
como foi no passado.
Que o divino Espírito nos
inspire a viver o nosso batismo no dia-a-dia da nossa caminhada
existencial, testemunhando diuturnamente, através do nosso
comportamento, o compromisso assumido na pia batismal.
Com um cordial abraço a
todos.
Antonio Carlos
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