COMENTÁRIO LITÚRGICO – DOMINGO DA PÁSCOA – 04.04.2021 - RESSURREXIT
Caros Confrades,
O
calendário litúrgico nos traz novamente o domingo da Páscoa. Neste
ensejo, completam-se dez anos que comecei a escrever esses
comentários sobre a liturgia dominical, somando mais de quinhentos
textos. Comecei no domingo da Páscoa de 2011. De lá até hoje, a
cada domingo, surge para mim uma nova oportunidade de refletir em
união com vocês os textos sagrados selecionados pela Igreja para
compor um tema bíblico destinado à formação religiosa permanente
das diversas comunidades dos fiéis. É também momento propício
para rever estudos que realizei nos anos 70, quando cursei teologia
no Seminário da Prainha. Ponho aqui uma referência especial e um
agradecimento sincero ao Padre Luiz Uchoa, que foi o meu professor de
Bíblia, através de quem aprendi muitas coisas das que publico aqui.
Sou igualmente grato aos caros Confrades que me dão a honra de ler
essas reflexões que escrevo, maxime quando declaram que o fazem com
proveito pessoal, o que muito me honra. Peço a Deus que sempre me
ilumine para proporcionar aos leitores o crescimento e amadurecimento
da fé de cada um.
Neste domingo da Páscoa, a palavra
chave, palavra de ordem, poderosíssima é uma só: Ressurrexit -
Ressuscitou. Meus amigos, esta é uma palavra muito forte, a mais
poderosa que qualquer um de nós pode pronunciar. Ressuscitar
significa vencer a morte, esta força contra a qual nenhum poder
humano resiste. E no entanto, Jesus ressuscitou e nos deu a promessa
certa de que ressuscitaremos com Ele. E aqui, parafraseando o
apóstolo Paulo, em 1 Cor 15, 14: se Cristo não ressuscitou, inútil
é a nossa fé, somos as pessoas mais miseráveis deste mundo, por
acreditarmos numa fantasia. Mas não, diz ele, Cristo realmente
ressuscitou e é por isso que nós estamos aqui, e é por isso que
nós cremos e mantemos a certeza de que nós também venceremos a
morte, da mesma forma como Ele fez.
Na noite de ontem
(sábado), todos assistimos pela TV a solene festa da Vigília
Pascal, a cerimônia mais longa de toda a liturgia católica, porque
evoca toda a história da nossa salvação.Ontem, demorou cerca de
duas horas e meia, mas é com grande entusiasmo que dela
participamos, porque nela estão resumidos os principais mistérios
da fé cristã. Os atos litúrgicos são tão ricos e simbólicos,
quando nos concentramos neles, de modo que nem percebemos a sua
duração. O canto do Exultet (Proclamação da Páscoa), as leituras
que vão desde a narração da criação até as profecias de Isaías
e Baruc e depois o evangelho de João, que narra a chegada das
mulheres e dos discípulos ao túmulo e encontram a pedra removida...
eu fico imaginando a cara de espanto, preocupação e perplexidade de
todos eles quando encontram a pedra afastada, as faixas de linho
deixadas no chão e o lençol o que estivera sobre a sua cabeça
estava enrolado na lateral. E o anjo que anunciou: Ele não está
mais aqui, ressuscitou como havia dito. Então, como se diz no
popular, 'caiu a ficha' deles, pois até então eles não tinham
muita certeza de que isso aconteceria. E ficaram pensando: ah, foi
por isso que ele falou tal coisa... foi isso que ele quis dizer... Eu
li um comentário explicando que o verbo grego traduzido por
'deixados', quando o texto fala que os panos estavam deixados, quer
dizer que o tecido que recobria o corpo de Cristo estaria com a forma
produzida pelo Seu corpo, mas sem nada por baixo, oco, conservando
apenas o aspecto figurativo de um corpo deitado. Ou seja, na
ressurreição, Cristo se levantou sem afastar o lençol, como é
comum cada um de nós fazer quando se levanta da cama, puxando o
lençol para um lado. Ele simplesmente 'saiu' daquele ambiente, Seu
corpo físico, podemos dizer, se desintegrou quimicamente sem alterar
o estado do lençol que o recobria. Talvez seja essa a origem da
imagem do Santo Sudário. Nessa 'desintegração' atômica, o corpo
do Senhor deixou no lençol a marca indelével de sua figura, que
ainda hoje é motivo de estudos e debates por crentes, não crentes,
cientistas e curiosos.
Merece um destaque especial a
participação de Maria Madalena neste episódio. Ela chegou ainda de
madrugada, com escuro, e vinha preocupada pensando em como fazer para
afastar aquela enorme pedra da entrada. De longe, ela olhou e viu que
a pedra já tinha sido afastada e se assustou, nem continuou, mas
voltou para dizer isso a Pedro e João, que ainda estavam no caminho.
Então, João e Pedro saíram correndo pra conferir isso, e João por
ser mais jovem correu mais e chegou primeiro, e viram que de fato a
pedra não estava no lugar. Receberam o aviso do anjo e ficaram ali a
matutar sobre o caso. Maria afastou-se do local e caiu no choro,
parecia que não tinha acreditado no anjo. A leitura do evangelho de
hoje termina no vers.9 do cap 20. Mas vejamos o que está escrito um
pouco adiante (20, 15). Enquanto chorava, Maria ouviu uma voz a lhe
perguntar: "Mulher, por que choras? A quem procuras?” Ela,
julgando que fosse o jardineiro, respondeu-lhe: “Senhor, se tu o
levaste, dize-me onde o puseste, e eu o buscarei.” Disse-lhe Jesus:
Maria! Ela, virando-se, disse-lhe em hebraico: “Raboni! -
que quer dizer, Mestre.” Imaginemos a cara de Maria Madalena nessa
hora, um misto de surpresa, medo e felicidade. E agora imaginemos a
cara de 'ciúme' dos apóstolos quando ela chegou para eles e disse:
"Vi o Senhor" (Jo 20, 18). Jesus apareceu a Maria Madalena
antes deles... percebamos que grande privilégio o dela. Aqueles
teólogos e fiéis que afirmam que não pode haver sacerdotisas no
catolicismo porque Cristo só escolheu homens como apóstolos é
porque, com toda certeza, nunca refletiram sobre a importância e o
privilégio de Maria Madalena. Sem falar nas outras mulheres que
acompanharam Jesus de perto em toda a via sacra, exatamente no
momento em que os discípulos (os homens) tinham fugido e se
escondido. Mas elas estavam lá, até o fim. No cap. 20 de João,
acima referido, ele fala apenas em Maria Madalena. Mas no cap. 16, 1
de Mateus, lêem-se os nomes de outras mulheres: “Quando passou o
sábado, Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago, e Salomé,
compraram perfumes para ungir o corpo de Jesus.” Podemos deduzir
que havia no grupo um número bem maior de mulheres do que o rol de
nomes que consta no texto bíblico. E as mulheres também estavam no
Cenáculo, juntamente com Maria Mãe de Jesus, quando desceu o
Espírito Santo. Portanto, meus amigos, a tradição católica tem
uma grande dívida de reconhecimento dessas valorosas mulheres que
acompanharam toda a trajetória de Jesus, sendo fiéis até os
instantes finais e mesmo depois da Sua morte, e bem assim como todo o
trabalho que elas desenvolveram nas primeiras comunidades cristãs.
Segundo os evangelhos não incluídos no cânon bíblico, Maria
Madalena era líder de uma fervorosa comunidade cristã primitiva e
tinha uma liderança reconhecida por todos, o que era motivo de
picuínhas e caras feias por alguns apóstolos, especialmente Pedro e
Paulo. Mas isso é uma outra história.
Voltemos à
palavra chave da festa pascal: Ele Ressuscitou ! De acordo com Santo
Atanásio, que foi bispo de Alexandria no séc. IV, ele dizia: a
Páscoa não é celebrada apenas no domingo da ressurreição, mas eu
todos os 7 domingos do período pascal. Não se diz 2º domingo
depois da páscoa, 3º domingo depois da páscoa, etc, mas 2º
domingo da páscoa, 3º domingo da páscoa..., os sete domingos
formam uma só e grande páscoa. De fato, a Páscoa é uma
festividade de uma dimensão tal que teria sua importância diminuída
se ficasse reduzida a apenas um domingo celebrativo. Se observarmos
bem, a páscoa é a memória central que se celebra em todos os
domingos do ano, sendo que neste período tem uma referência
especial.
Todos os anos, nós celebramos a festa da Páscoa
e este é sempre um momento forte de recarregar a nossa fé e a nossa
esperança, sobretudo nesse tempo carregado de sombras e incertezas.
No século XIX, os exegetas racionalistas protestantes tentaram fazer
uma “interpretação” científica da Bíblia, retirando todas as
referências sobrenaturais do texto acerca de milagres, procurando
encontrar explicações científicas para estes. Jesus poderia ter
sido um grande mágico, um grande prestidigitador, um grande
parapsicólogo, um grande físico ou químico ou biólogo, etc... mas
essa tentativa esbarrou num fato inexplicável: a ressurreição.
Nunca, em tempo ou lugar algum, se ouviu qualquer notícia ou
testemunho de algo semelhante, ou seja, de alguém que tivesse
morrido verdadeiramente e depois, pelas suas próprias forças,
tivesse voltado a viver. E ficaram num dilema: ou afirmariam que
todas aquelas pessoas que testemunharam esses fatos eram loucas (o
que seria absolutamente irrazoável e insensato) ou então
acreditariam que eles falaram a verdade. E pararam o trabalho por
aí.
Meus amigos, vale lembrar aqui o que Cristo disse a
Tomé: tu acreditaste porque viste; bem-aventurados os que não viram
e, no entanto, creram. Jesus está nos chamando de bem-aveuturados.
Poderia haver elogio maior? principalmente se considerarmos de quem
esse elogio partiu? Ora, só temos motivos e mais motivos para nos
alegrarmos com todas essas realidades que a fé cristã nos traz e
que a pura razão ou a mais elevada ciência jamais conseguirá
alcançar. Celebremos, portanto, de verdade a nossa páscoa com o
nosso testemunho sincero nas labutas do dia a dia.
Renovados
votos de Feliz Páscoa a todos.
Antonio Carlos
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