domingo, 13 de junho de 2021

COMENTARIO LITURGICO - 11 DOMINGO COMUM - 13.06.2021

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 11º DOMINGO COMUM – PEDAGOGIA DAS PARÁBOLAS – 13.06.2021


Caros Confrades,


Neste 11º domingo comum, a liturgia nos demonstra com detalhes a metodologia adotada por Jesus Cristo para ensinamento a respeito do reino de Deus, explicando-o através de parábolas, nas quais se serve de figuras e situações bem conhecidas por seus ouvintes. As teorias pedagógicas mais modernas explicam que, para haver uma melhor aprendizagem por parte dos alunos, o professor deve buscar inserir os conceitos novos aproveitando os conhecimentos prévios dos estudantes. Grande novidade! Há mais de dois mil anos, Jesus Cristo já inaugurara essa pedagogia, quando utilizava parábolas para explicar sua doutrina, e os pedagogos de hoje pensam que estão descobrindo o mapa da mina. Para nós, cristãos, essa metodologia foi, desde o início, a preferida tanto por Cristo quanto pelos seus apóstolos.


Na primeira leitura litúrgica, temos um trecho do livro de Ezequiel. Ele profetizou na época do cativeiro da Babilônia, tendo falecido nessa cidade. Ele teve curiosas “visões” sobre as ações de Javeh em forma de castigo para o seu povo infiel, falando sempre em linguagem muito dura, para despertar no povo o reconhecimento da própria culpa e o arrependimento. Na leitura de hoje, ele faz uma imagem simbólica muito interessante sobre o “novo reino” que haveria de vir, depois que aquele período do cativeiro terminasse, o novo reino que Javeh estava preparando para o seu povo. Diz isso usando também uma espécie de parábola: “Assim diz o Senhor Deus: 'Eu mesmo tirarei um galho da copa do cedro, do mais alto de seus ramos arrancarei um broto e o plantarei sobre um monte alto e elevado. Vou plantá-lo sobre o alto monte de Israel. ” Podemos ver nessa imagem descritiva do “broto arrancado do mais alto dos seus ramos” e plantado sobre o monte de Israel como a prefiguração de Cristo, numa simbologia análoga à que Jesus usaria depois, com a imagem da videira. Logo adiante, diz o Profeta: “Ele produzirá folhagem, dará frutos e se tornará um cedro majestoso. Debaixo dele pousarão todos os pássaros, à sombra de sua ramagem as aves farão ninhos. ” Tempos depois, Jesus repetirá essa mesma parábola, ao dizer que “eu sou a videira e vós sois os ramos” (Jo 15, 5), quem permanece em mim e eu nele, esse dará muito fruto. Os profetas, de um modo geral, utilizaram de recursos simbólicos, aproveitando os conhecimentos e vivências do povo para lhes repassarem a mensagem de Javeh.


No evangelho de Marcos, lido neste domingo (Mc 4, 26-34), Jesus lança mão de duas parábolas semelhantes, ambas relacionadas com árvores e sementes, materiais que eram comuns e amplamente conhecidos daquelas pessoas a quem ele se dirigia. A imagem da semente tem uma forte simbologia relacionada com o fenômeno da multiplicação que está a ela associada e que encerra no seu conteúdo o próprio milagre da vida. A semente é pequena, inerte, simples, mas quando plantada, cresce, se torna dinâmica, fecunda e se multiplica em incontáveis partes, que configurarão um novo ser. É interessante como ele explica que a semente possui uma capacidade autopoiética extraordinária, ou seja, ela se reproduz com suas próprias forças, não é necessário que o plantador faça nada especial, além do simples plantio, bastando inseri-la no solo fértil. “A terra, por si mesma, produz o fruto: primeiro aparecem as folhas, depois vem a espiga e, por fim, os grãos que enchem a espiga. (Mc 4, 28) A energia presente na semente é tão intensa que basta ser lançada no local adequado para desencadear o seu processo produtivo. Além disso, tem ainda o aspecto da multiplicação da forma. A semente tem uma pequenina dimensão, mas se transforma em uma árvore grandiosa e com enormes potencialidades de sustentação da vida de outros seres, que dela dependem. É o autêntico milagre reprodutor da vida, que continua a ocorrer incessantemente e está acessível a todos que se dispuserem a cumprir esse ritual de semear.


Assim também acontece com a Palavra de Deus, semente da vida no espírito, que ao ser semeada, começa o seu processo de produção de energias espirituais no coração de quem a acolhe, de modo que transforma não apenas a vida daquela pessoa diretamente, mas tem repercussão também sobre as demais pessoas que com esta convivem. O nosso comportamento de cristãos, a colocação em prática dos mandamentos de Cristo nos atos da nossa vida cotidiana, o nosso testemunho diante das pessoas do nosso convívio na família, no trabalho, na sociedade, são os atos e atitudes pelos quais nos tornamos lançadores da semente da Palavra. E Jesus ainda nos anima querendo dizer que não precisa fazer grandes pregações, nem grandes sacrifícios, nem enfrentar grandes desafios, mas mesmo nas pequenas coisas isso acontece. É o que Ele pedagogicamente ensina quando fala da semente de mostarda, ao dizer que é a menor semente das hortaliças, no entanto, é aquela que produz a leguminosa mais corpulenta, que serve até de pouso e arcabouço de ninho para os pássaros. Pequenas sementes que produzem grandes árvores, assim acontece também conosco, mesmo que a semente lançada seja de tamanho apoucado.


Em diversas outras ocasiões, Jesus utilizou a parábola da semente, para tornar compreensíveis os fatos relacionados com a sua missão. Por exemplo, no evangelho de João (Jo 12, 24), Jesus faz outra alusão à semente, em outro contexto, referindo-se à sua ressurreição, quando diz: se o grão de trigo não morrer, fica só; mas se morre, produz muito fruto. A imagem da semente associa-se tanto à paixão e morte de Jesus, como também à morte do homem pecador e à sua ressurreição através da graça, tanto no sentido da nova vida trazida pelo batismo, quanto no sentido da outra vida, que virá depois que deixarmos esta morada. E aqui o tema do evangelho se interliga com o texto da segunda leitura, retirada da carta de Paulo a Coríntios 2: “enquanto moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor; pois caminhamos na fé e não na visão clara ” (2Cor 5,6) Ao deixar a morada do corpo, iremos morar junto do Senhor. Portanto, neste primeiro momento, a imagem da semente se refere a nós, cristãos, que temos a oportunidade de, pelo batismo, fazer morrer em nós o ser pecador, para fazer viver o ser humano da graça. E através dos demais sacramentos, vamos passando por um processo de contínuo aperfeiçoamento do nosso ser para, depois, com a morte corporal, termos a ressurreição prometida por Cristo, da qual Ele já deu o exemplo.


A propósito dessa passagem da 2ª Carta a Coríntios, quando Paulo diz: “enquanto moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor”... e depois diz “preferimos deixar a moradia do nosso corpo para ir morar junto do Senhor”, eu gostaria de destacar aqui uma demonstração da cultura grega que Paulo possuía. Está muito evidente, nesses trechos, a visão dualista dos filósofos gregos Platão e Aristóteles, esse confronto entre o mundo material e o mundo espiritual, que encontramos em Sócrates e em seus discípulos na Grécia antiga, e que Paulo absorveu, e depois essas mesmas ideias foram retomadas pelos Padres da Igreja do século IV, sobretudo por Santo Agostinho, e mais adiante, no século XIII, por Santo Tomás de Aquino. Aliás, era impossível que o cristianismo se disseminasse no território grego sem ser influenciado pela cultura deste povo, que era predominante e bem mais elaborada do que as demais culturas daquele tempo.


Esse fato teve um aspecto positivo e historicamente inevitável, mas também gerou consequências indesejáveis de longo prazo, como as que nós observamos hoje na religião tradicional, individualista e devocionista. As primeiras comunidades, onde ainda havia grande influência da cultura judaica, tinham mais a ideia da coletividade, da comunhão, da solidariedade, que foram aos poucos sendo substituídas pelos conceitos gregos, os quais se tornaram hegemônicos. Junto com a cultura grega e sua inserção no cristianismo, portanto, desenvolveu-se esse modelo individualista da religião, que não existia nas primeiras comunidades cristãs, onde todos tinham tudo em comum (Atos 4, 32). O “tudo” em comum não deve ser entendido apenas como os bens materiais, mas sobretudo a partilha dos bens espirituais da amizade, do amor mútuo, da solidariedade em todos os sentidos. Nos dias atuais, a teologia tenta resgatar o verdadeiro sentido da palavra comunidade (comum+unidade), que não pode ficar restrita à reunião de uma multidão no templo durante a celebração, onde as pessoas nem se conhecem entre si e muitas vezes nem se cumprimentam. Devemos nos vigiar para que, involuntariamente, não venhamos a contribuir com esse modelo religioso individualista, que ainda predomina na nossa religião.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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