domingo, 27 de junho de 2021

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 13 DOMINGO COMUM - 27.06.2021

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 13º DOMINGO COMUM – DEUS DA VIDA – 27.06.2021


Caros Confrades,


As leituras deste décimo terceiro domingo do tempo comum trazem como destaque o zelo da palavra de Deus pela vida. Deus não quer a morte, ele criou todas as coisas para que existissem placidamente, não há o veneno da morte nas criaturas, assim diz o Livro da Sabedoria (1, 13). O apóstolo Paulo exorta os cristãos de Corinto, cidade onde viviam pessoas mais prósperas financeiramente, sobre a necessidade de promoverem a ajuda das comunidades mais necessitadas, repartindo com estas aqueles bens que possuem com fartura (2Cor 8, 9). Por sua vez, Jesus realiza duas ações miraculosas de grande efeito para a restauração da saúde e da vida, conforme narra o evangelista Marcos (5, 21). Nesses domingos do tempo comum, sempre a liturgia passeia pelos temas fundamentais da religião cristã, sendo este domingo reservado para a celebração do Deus que dá e protege a vida de todos os entes de sua criação.


O Livro da Sabedoria é, cronologicamente, o último livro do Antigo Testamento, tendo sido escrito no final do Séc. I A.C., após o retorno do exílio da Babilônia, por um sábio judeu residente em Alexandria. No passado, atribuía-se a autoria deste livro ao rei Salomão, porém, estudos técnicos comprovaram que é um compêndio mais recente. Este livro é chamado “deuterocanônico”, isto é, não faz parte da Bíblia original dos judeus, que por isso não o reconhecem como um dos seus livros sagrados. Mas a Igreja Católica o referendou, tendo em vista a grande credibilidade que este escrito possuía nas comunidades judaicas do pós-exílio, considerando-o verdadeiramente inspirado. O autor, cujo nome é desconhecido, estampa nesta obra uma síntese refinada de toda a sabedoria judaica, herdada de séculos de tradições de seus anciãos, repassando-a para as novas gerações, numa época em que a cultura grega ampliava sua influência sobre a religião judaica. Daí a importância que o seu autor atribui às origens da sabedoria, que provém de Javeh, não da idolatria nem dos filósofos gregos pagãos. Por isso, logo no início, o autor relembra os judeus de que Javeh é o Deus da vida, ele não fez a morte, ele não tem prazer na destruição dos seres vivos. “Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua própria natureza; foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo” (2, 23). Essa é a autêntica tradição hebraica presente na Torah e em toda a tradição judaica, mas esta crença fundamental corria risco diante das ameaças das doutrinas alienígenas. Por isso, o autor sapiencial enfatiza com outras palavras aquilo que diz o Gênesis, quando afirma que Deus contemplou a sua obra e viu que tudo era bom (Gen 1, 31). Até o salmista (Ps 29, 2) participa dessa ideia de louvação ao Deus da vida, quando diz: “Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes, e não deixastes rir de mim meus inimigos! Vós tirastes minha alma dos abismos e me salvastes, quando estava já morrendo!”


Nesta mesma linha de pensamento sobre a valorização da vida e do bem-estar das pessoas, o evangelista Marcos (5, 21) narra dois episódios entrelaçados, mostrando a realização por Jesus de uma importante cura e da ressurreição de uma pessoa morta. A cura de uma mulher que sofria, há muitos anos, de uma hemorragia incurável (provavelmente um tipo de câncer) é um dos exemplos mais emblemáticos da divindade de Jesus. Narra o evangelista que essa mulher (não declina seu nome) já tinha gasto todos os seus bens com tratamentos médicos e sempre piorava, em vez de melhorar. Na sua humildade e extraordinária fé, ela acreditou que se apenas tocasse nas vestes de Jesus ficaria curada. E fez isso de forma tão suave e sem que ele visse, de modo que não chamasse a sua atenção. Faz até lembrar aquele episódio da cura do servo do centurião romano, cujas palavras passaram a fazer parte do cânon da missa: “Senhor, eu não sou digno de que vás à minha casa, basta dizer uma palavra daqui mesmo.” (Mt 8, 5). A mulher acreditou ainda mais: nem seria preciso Jesus proferir palavra alguma, bastaria que ela o tocasse. Porém, Jesus percebeu que “uma força saíra dele” (Mc 5, 30). Quem me tocou? Perguntou ele. Algum discípulo (provavelmente Pedro, o que tinha a língua mais solta) até o repreendeu por aquela pergunta, pois no meio de um grupo de pessoas que se comprimiam ao redor de Jesus, ele deveria estar sempre topando em alguém. Mas Jesus diz: não é isso, foi um toque “diferente”, podemos dizer, um toque de fé, um raio invisível de fé que atraiu outro raio invisível, esse de cura. E a mulher, tremendo de medo por haver “usurpado” algo de Jesus, prostrou-se diante dele pedindo perdão. Talvez a mulher tivesse receio de que Jesus voltasse atrás na graça concedida, mas Ele queria apenas cientificá-la de que havia captado a força da sua fé. Eu considero essa cura uma das mais “extraordinárias” realizadas por Jesus, na realidade, todas são extraordinárias, mas sempre são antecedidas de algum pedido da pessoa interessada ou de alguma palavra de Jesus. Neste caso, vemos que tanto Jesus como a mulher curada vieram a se manifestar somente após o evento, para nos mostrar que a fé não depende de palavras.


Segundo o evangelista Marcos, Jesus estava a caminho da casa de Jairo, um chefe da sinagoga, para atender a um pedido deste objetivando a cura da filha dele. Aqui nós podemos observar um detalhe interessante: Jairo era um “chefe de sinagoga”, ou seja, era um fariseu, doutor da lei, uma pessoa instruída na religião judaica, que presidia as reuniões do culto e fazia a leitura e a explicação das escrituras. Em outras palavras, era uma espécie de sacerdote dos dias de hoje. Acho importante destacar isso porque, em geral, os fariseus eram, em geral, inimigos de Jesus, não acreditavam que ele fosse o Messias, discutiam com ele publicamente e o rejeitavam. Trata-se, pois, de uma atitude oposta aquela realizada por Jairo, ao pedir a Jesus que lhe curasse a filha. Ele acreditava em Jesus, doutro modo, não teria feito aquele pedido. E ele era uma pessoa importante na comunidade, tanto que seu nome foi conservado pela tradição oral, chegando até ao conhecimento do evangelista. São raros os nomes de pessoas beneficiadas pelos milagres de Jesus, cujos nomes estão escritos nos evangelhos. Uma outra informação curiosa nesse contexto é o termo “synagoga”, que é de origem grega. No tempo de Jesus, esse termo não existia, pois os judeus referiam-se ao local das reuniões (assembleia) como “beit-knesset” (casa de reunião). A palavra sinagoga provém do grego “syn” (com) e “agogê” (ensinar, educar), isto é, assembleia onde os fiéis aprendiam a palavra de Deus. Etimologicamente, syn-agoge está relacionada com uma palavra muito comum nos nossos dias: paidós-agoge (pedagogia), literalmente, ensino das crianças.


Pois bem, enquanto Jesus dava atenção à mulher com a doença hemorrágica, vieram os vizinhos informar a Jairo que a filha dele havia morrido, ou seja, Jesus chegaria tarde demais para realizar a cura. No entanto, podemos considerar que a demora de Jesus foi proposital, para mostrar àquele povo incrédulo que ele tinha poder maior do que realizar uma cura, tinha poder para restituir a vida a quem a houvesse perdido. E assim aconteceu. Alguns dos presentes até zombaram quando ele disse “a menina não morreu, está apenas dormindo”, pois eles tinham visto a menina morrer. Eu fico imaginando a cara deles quando viram a menina caminhar até a cozinha da casa, para fazer uma refeição. O Deus da vida provou que tem poder sobre a morte e todo aquele que nele crer não morrerá para sempre. O evangelho não relata os fatos posteriores à ressurreição da filha de Jairo operada por Jesus. Mas, pode-se deduzir que ele, assim como toda a sua família, e certamente também parte daqueles “assistentes” imbuídos de boa fé acreditaram na sua filiação divina e tornaram-se discípulos.


Em sintonia com esse pensamento favorável à vida saudável e feliz está a epístola de Paulo dos cristãos de Corinto. Não se trata, neste caso, de cura nem de ressurreição, mas de manutenção da vida humana em condições dignas. A cidade de Corinto era o local onde ficava um porto marítimo muito movimentado, o principal porto do Mar Egeu, cidade populosa e de grande atividade comercial. Paulo morou vários anos em Corinto, onde pregou o evangelho e criou uma fervorosa comunidade entre a população de maioria grega, mas também composta de muitos estrangeiros ali residentes, todos de cultura grega. Ao sair dali a fim de continuar a sua missão, Paulo encontrou outras comunidades mais pobres, onde as pessoas eram trabalhadoras e fiéis ao evangelho, porém, passavam necessidades de ordem material, carência de bens, dificuldades de alimentação. Por isso, na segunda carta escrita aos cristãos de Corinto, após exortá-los acerca da manutenção da fé, Paulo lembra a eles acerca da partilha, da distribuição dos bens, que eles possuíam em abundância, para as outras comunidades onde havia mais necessidade e carência. Apela, então, para a generosidade da qual Jesus deu grande exemplo, e que faz parte dos requisitos existenciais de todo cristão. Diz ele: “Não se trata de vos colocar numa situação aflitiva para aliviar os outros; o que se deseja é que haja igualdade. Nas atuais circunstâncias, a vossa fartura supra a penúria deles e, por outro lado, o que eles têm em abundância venha suprir a vossa carência.” (2Cor 8, 13-14) .


A partilha nos tempos de penúria é a grande mensagem de Paulo na liturgia deste domingo. Nos dias atuais, em que todos sofrem com a pandemia, acontece uma situação similar àquela descrita por Paulo: algumas pessoas se encontram num modo de vida mais estável, enquanto outros amargam necessidades, que independem de sua vontade e do seu engenho. A fé cristã nos desafia a ser solidários, na medida das possibilidades de cada um. O modo de fazer isso não é um padrão a ser proposto ou ensinado, mas uma intuição que cada um de nós, na oração e perante a sua consciência, poderá encontrar para cumprir a sua vocação de autêntico cristão.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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