domingo, 30 de outubro de 2022

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 31º DOMINGO COMUM - 30.10.2022

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 31º DOMINGO COMUM – CORRIGIR COM CARINHO – 30.10.2022


Caros Confrades,


A liturgia deste 31º domingo nos convida a refletir sobre a atitude que devemos ter para com aqueles irmãos que erram, aqueles que procedem mal e isso acarreta transtornos e dificuldades nas relações interpessoais. Na antiguidade, havia duas categorias de pessoas, que eram consideradas pecadores públicos e todos os evitavam: as prostitutas e os cobradores de impostos. De acordo com a tradição do povo hebreu, essas pessoas estavam irremediavelmente condenadas e nem podiam disfarçar as maldades que cometiam. No entanto, Jesus mostrou com suas atitudes uma outra maneira de nos relacionarmos com os irmãos 'pecadores', como é exemplificativo o episódio do seu encontro com Zaqueu, narrado no evangelho.


Na primeira leitura, extraída do livro da Sabedoria (Sb 11,22 – 12-2), vemos uma imagem de Javeh misericordioso, que de todos tem compaixão, que fecha os olhos para os pecados dos homens, a fim de que se arrependam. Diz o escritor sagrado: “A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida… É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor.” (11,26-12,2) Este livro, escrito em Alexandria, após o retorno dos judeus do cativeiro da Babilônia, reproduz a histórica cultura desse povo numa época de grande influência do pensamento grego materialista e imanentista no ambiente dos judeus residentes naquela cidade de língua grega (embora situada no Egito), muitos dos quais renegavam as suas origens para aderirem à nova cultura. O que se observa de mais curioso na leitura deste livro é a imagem de Javeh compassivo, diferente daqueloutra figura transmitida em outros textos antigos, mostrando um Deus irritado e vingativo. O autor sapiencial destaca a misericórdia de Javeh e o cuidado especial que ele dedica aos que se desviam do bom caminho, numa alusão antecipada da conduta que Cristo praticaria com aqueles mais desprezados da comunidade judaica. E o hagiógrafo justifica essa atitude misericordiosa de Javeh da seguinte maneira: “Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa não a terias criado.” (11, 24) Jesus Cristo, tempos depois, faz uma outra afirmativa nesse mesmo sentido, quando explica: “Os sãos não necessitam de médico, mas os enfermos, sim. “(Mt 9, 12) As pessoas que, por algum motivo, vieram a desviar-se dos seus compromissos cristãos não devem ser alijados e evitados, mas atraídos de novo para o núcleo do rebanho.


Na segunda leitura, retirada da carta 2 de Paulo aos Tessalonicenses (1,11 – 2,2), o apóstolo exorta delicadamente os cristãos daquela cidade sobre certas inverdades que ali foram divulgadas, numa espécie de carta que por ali circulou e foi a ele atribuída, contendo informações duvidosas acerca da vinda de Cristo, fato que perturbou alguns fiéis e os levou até a abandonarem os trabalhos só esperando a vinda de Cristo. Assim, ociosos, dedicavam à maledicência e à preguiça. O Apóstolo chama a atenção deles para que prossigam regularmente com as suas atividades, porque a vinda de Cristo deve ser aguardada como um fato da vida ordinária, não se justificando o afastamento das atividades próprias de cada um, pois isso tramaria contra os ensinamentos do próprio Cristo. Na comunidade de Tessalônica, havia um grande contingente de judeus adversários de Paulo e do cristianismo, que espalhavam notícias falsas e conseguiam convencer muitos cristãos de fé vacilante. Porém, Paulo sabia que não podia adotar críticas drásticas, pois isso contribuiria para uma maior divisão interna dos fiéis. Por isso, ele usa palavras bem cordiais para advertir os mais incautos e desse modo reconquistar-lhes a confiança. Diz ele, no cap. 3, 14-15 (não incluído na leitura de hoje): “Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, marquem-no e não se associem com ele, para que se sinta envergonhado; contudo, não o considerem como inimigo, mas chamem a atenção dele como irmão.” O nosso povo sertanejo tem um ditado popular, que bem se encaixa nesse contexto: “quem quer pegar a galinha, não diz xô”. A advertência ao irmão que errou não pode chegar ao ponto de distanciá-lo ainda mais do verdadeiro caminho.


Na leitura do evangelho de Lucas (19, 1-10), essa atitude de perdão compassivo da parte de Jesus está exemplarmente mostrada no episódio envolvendo Zaqueu, o cobrador de impostos de Jericó. Os publicanos, como eram chamados esses profissionais, eram odiados pela população das cidades judaicas dominadas pelos romanos, porque os consideravam traidores do povo, visto que estavam a beneficiar o inimigo com suas cobranças, além de eventualmente praticarem a extorsão e até de se apropriarem do que recolhiam. A figura do cobrador de impostos é escarnecida em todas as épocas históricas, como exemplo de arrogância, ganância, insensibilidade, desfaçatez, arbitrariedade, todos os tipos de maldades. Zaqueu não foi o único desses profissionais aos quais Jesus deu uma atenção especial. Mateus também era publicano e Jesus o interpelou de forma inapelável: segue-me! E ele se tornou um dos doze discípulos. No caso de Zaqueu, a iniciativa foi deste ao querer conhecer Jesus.


Há uma curiosidade etimológica a ser destacada aqui, em relação ao nome de Zaqueu, que se escreve em hebraico “zakkay” e significa puro, justo. Contraditoriamente à sua profissão, o seu nome indicava as virtudes que ele devia possuir, embora estas ficassem obscurecidas pela sua atividade rotineira. Mas Jesus sabia o que se passava na sua alma, quando ele subiu na figueira, para poder vê-Lo, já que era de baixa estatura e havia grande multidão ao redor de Jesus, naquela sua passagem por Jericó. Zaqueu não podia perder aquela oportunidade, pois não sabia quando isso iria acontecer novamente, porém jamais esperava vê-Lo assim tão de perto, tencionava olhar de cima da figueira e passar despercebido de Jesus e da multidão. Qual não foi o seu espanto, quando Jesus parou embaixo da árvore e o chamou pelo nome e ordenou que descesse. Como Jesus sabia o nome dele, pois nunca o tinha visto? E a sua surpresa maior ainda estava ainda por vir, quando Ele falou: hoje vou hospedar-me na tua casa. Zaqueu tinha consciência má fama associada à profissão que ele exercia e não se sentia digno de aproximar-se de Jesus, quanto mais de recebê-lo na própria casa. O autoconvite de Jesus para visitar a casa de Zaqueu desmontou totalmente as suas estruturas psicológicas: eu não sou digno disso, vou ter que fazer algo para merecer, algo em retribuição a tamanha distinção. E então declarou: vou distribuir metade dos meus bens para os pobres e retribuir em quádruplo para quem eu tenha fraudado. E Jesus arrematou: hoje entrou a salvação nesta casa, porque também este homem é filho de Abraão.


Meus amigos, a imagem de Zaqueu simboliza o arrependimento do pecador diante da misericórdia de Deus. Se Jesus tivesse aplicado a ele uma repreensão, como provavelmente os fariseus esperavam, quando Jesus mandou que ele descesse, a reação de Zaqueu teria sido de distanciamento e de raiva. No mundo religioso hipócrita dos fariseus, não havia espaço para um pecador público. Eles deviam pensar que, naquela cidade, havia tantas pessoas boas, honradas e dignas, que poderiam muito bem hospedar Jesus e se sentiriam sumamente prestigiadas com isso. Porque Jesus vai escolher a casa de um publicano para visitar e hospedar-se? Pois é, dentro da lógica humana (e do próprio Zaqueu, que não imaginava que isso fosse acontecer), ele estaria excluído dos “bem-aventurados” referidos no sermão da montanha, mas dentro da lógica de Cristo, a ele foi ofertada a salvação e ele muito que aceitou.


O Papa Francisco, num sermão para os fiéis que estavam na Praça de São Pedro, ao referir-se a este evangelho fez o seguinte comentário: Não existe profissão ou condição social, não há pecado ou crime de qualquer gênero que possa cancelar da memória e do coração de Deus um filho sequer. “Deus recorda, sempre, não esquece nenhum daqueles que criou; Ele é Pai, sempre à espera vigilante e amorosa de ver renascer no coração do filho o desejo de retornar à casa. E quando reconhece este desejo, mesmo que simplesmente manifestado, e tantas vezes quase inconsciente, imediatamente põe-se a seu lado, e com o seu perdão lhe torna mais leve o caminho da conversão e do retorno.O convite que Jesus fez a Zaqueu, ignorando que ele era um pecador público e, como filho de Abraão, era também digno da salvação, enche de esperança a todos nós, que ainda estamos na “grande tribulação” e, portanto, sujeitos às maiores adversidades no cumprimento fiel à nossa vocação cristã. A atitude de Cristo é a certeza de que, em qualquer circunstância, ele não levará em consideração as nossas fraquezas, mas a intensidade da nossa fé.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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