sábado, 10 de dezembro de 2022

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 3º DOMINGO DO ADVENTO - 11.12.2022

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DO ADVENTO – O ÚLTIMO PROFETA – 11.12.2022


Caros Confrades,


O 3º domingo do Advento, denominado domingo “gaudete” (alegrai-vos), celebra a alegria da comunidade diante da próxima chegada do Senhor. O refrão latino antigo dizia: gaudete in Domino, iterum dico, gaudete. Alegrai-vos no Senhor, outra vez eu digo, alegrai-vos. Na composição do ato litúrgico celebrativo, neste domingo é acesa a vela da cor lilás, símbolo da alegria. Este é o tema dominante desta liturgia, que traz na leitura do evangelho o elogio que Jesus faz a João Batista: ele é muito mais do que um profeta, dentre os nascidos, ninguém é maior do que ele. E, nesse contexto, Jesus indiretamente se autodeclara o Messias, quando afirmou que foi sobre João que o profeta Isaías disse: eis que mando o meu mensageiro para preparar-te o caminho.


A primeira leitura, do profeta Isaias (35, 1-10), texto escrito no período final do cativeiro da Babilônia, expressa a alegria dos cativos ao serem libertados e retornarem a Jerusalém: “Dizei às pessoas deprimidas: 'Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar'. Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos. Os que o Senhor salvou, voltarão para casa.” (Is 1, 4-10) Esta alegria do retorno dos cativos para casa é comparada com a alegria da Igreja pela chegada do Senhor, que se avizinha. A liturgia relembra a festa dos hebreus celebrando a sua libertação do cativeiro babilônico, fazendo alusão com o júbilo que deve tomar conta de todo o mundo cristão, com a chegada da libertação trazida por Cristo. Se aquela libertação política foi motivo de tão grande regozijo para os hebreus, então para nós, que recebemos de Cristo a salvação eterna, a alegria deve ser muito maior. A parte final do versículo 10 é bem sugestiva: “Eles virão a Sião cantando louvores, com infinita alegria brilhando em seus rostos: cheios de gozo e contentamento, não mais conhecerão a dor e o pranto.” Sião, a Jerusalém terrestre, é a manifestação prévia da Igreja de Cristo, da qual nós fazemos parte. A ela, nós nos dirigimos cantando louvores e com intensa alegria brilhando nos nossos rostos, tal como os hebreus libertados. O livro de Isaías, ao mesmo tempo em que descreve a tristeza do povo cativo, do meio para o fim, passa a retratar o grande contentamento daqueles que puderam voltar à sua terra. É uma leitura recorrente no tempo do advento, era também uma leitura preferida por Cristo, quando comparecia aos cultos na sinagoga e lhe era dada a palavra.


Na segunda leitura, retirada da carta de Tiago (Tg 5, 7-10), ele exorta os cristãos sobre a vinda do Senhor, que está próxima. Sabemos que, naquele tempo, tanto os apóstolos quanto as comunidades primitivas esperavam para “os próximos dias” o retorno de Jesus. Ao subir aos céus, ele havia prometido que retornaria “em breve”, então, a interpretação que os primeiros cristãos davam a essa passagem bíblica era totalmente literal: ele vai voltar dentro de poucos dias. No caso da exortação de Tiago, esta espera tinha outro sentido daquela referida pelo profeta Isaías, pois no tempo deste Profeta, o Messias ainda não havia vindo, portanto, ele se refere à sua chegada original. Mas na carta de Tiago, a espera é pelo seu retorno, para julgar o mundo. Daí percebermos uma certa ingenuidade e singeleza nas palavras de Tiago, no versículo 9: “Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está às portas. Essa era uma compreensão recorrente entre os judeus convertidos, pois essa era também a maneira como os apóstolos haviam compreendido as palavras de despedida de Cristo, na Ascensão. Esta carta de Tiago não é dirigida a uma comunidade de gentios nem de uma determinada localidade, mas a todos os judeus da diáspora, especialmente aos judeus cristãos. A diáspora, ou dispersão dos judeus, ocorreu logo após a destruição de Jerusalém pelos romanos, levando-os a se espalharem por diferentes territórios da Ásia, África e sul da Europa. Em alguns destes locais, já existiam igrejas cristãs, sobretudo aquelas fundadas por Paulo, tendo sido até motivo de atritos. Na verdade, os judeus ficaram sem um território próprio e isso perdurou por vários séculos, pois eles somente voltariam a ter um local geográfico com a criação do Estado de Israel, após a segunda guerra mundial. Pois bem, a carta de Tiago reflete assim aquela ideia que era comum entre os primeiros cristãos, acerca da iminente volta de Cristo, para julgar os vivos e os mortos. Ficai calmos, porque o juiz está chegando, ninguém queira julgar uns aos outros.


No evangelho de Mateus (Mt 11, 2-11), lemos o episódio em que João Batista, encontrando-se preso por ordem de Herodes, ouviu falar de Cristo e enviou a ele alguns dos seus discípulos, a fim de recolher informações: “és Tu o que esperamos ou devemos esperar por outro?” Lembremos que João Batista já havia batizado Jesus no rio Jordão, portanto, já o conhecia, inclusive foi naquela ocasião em que o Espírito Santo apareceu, ou seja, João Batista tinha conhecimento da existência de Jesus, que era também seu parente. Mas, mesmo assim, visto que estava preso e não podia fazer isso pessoalmente, enviou seus discípulos para se certificarem do fato. Não deixa de ser curiosa essa referência do evangelho à inquietação de João Batista sobre o Messias. Por certo, ele queria ter certeza do término de sua missão preparatória. João Batista tinha discípulos e era preciso que estes tivessem essa certeza também. Quiçá, o objetivo maior era tranquilizar os discípulos, pelo fato de encontrar-se preso. Portanto, eu interpreto esse fato de João Batista enviar mensageiros para irem ter com Jesus como uma forma de dizer a eles algo assim: pronto, a minha carreira terminou, de agora em diante, vocês devem ficar com Ele. Sabemos que alguns discípulos de João Batista passaram a seguir Jesus Cristo. Um destes foi André, irmão de Simão Pedro. Daquela prisão onde se encontrava, João Batista não mais saiu, vindo a ser decapitado a pedido da concubina de Herodes, como forma de vingar-se dele, que havia censurado a sua vida marital com Herodes, por ser uma união ilegítima. A vingança da imperatriz não demorou a acontecer.


É interessante a atitude de Jesus diante das perguntas dos discípulos de João. Ele não respondeu de forma direta, mas apenas indiretamente, ao afirmar: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados.” (Mt 11, 4-5) Se observarmos bem, Jesus estava mandando o recado para João Batista mais ou menos nesses termos: vejam só, estão acontecendo aquelas coisas que o profeta Isaías dissera que iriam acontecer com a chegada do Messias. Isto é, para um bom entendedor (e João conhecia as escrituras), ali estava uma resposta claríssima. João deve ter, então, se despedido dos seus discípulos, porque a sua missão tinha sido encerrado e, certamente, os encaminhou para o seguimento de Jesus.


Mas o evangelista Mateus prossegue (11, 9) a história, contando o que Jesus falou aos seus ouvintes, após a saída dos discípulos de João: Vocês lembram de João, aquele que pregava no deserto? Vocês pensavam que ele era um profeta, pois eu vos afirmo que ele é mais do que um profeta. Aqueles que ouviam Jesus conheciam os Profetas da Israel e os reverenciavam, assim Jesus quis dar a eles uma noção da importância de João Batista. E citando o seu profeta preferido, Isaías, completou: “É dele que está escrito: 'Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o teu caminho diante de ti'.” (Mt 11, 10) Com essa autodescrição, Jesus está, ao mesmo tempo, afirmando que João é o último Profeta e que Ele, Jesus, é o Messias. Em outra ocasião, Jesus havia utilizado outra passagem de Isaías para se identificar na sinagoga, perante os rabinos e os chefes do povo, quando foi convidado para fazer a leitura e escolheu um trecho de Isaias, conforme está relatado no evangelho de Lucas (4, 16). Após a leitura na qual Isaías falava sobre as qualidades do futuro Messias, Jesus disse: hoje se cumpriu essa escritura. Foi como se dissesse: Isaías estava falando a meu respeito. E complementando o elogio que fazia a João Batista, assim terminou o seu discurso: “de todos os homens que já nasceram, nenhum é maior do que João Batista. (Mt 11,11) Vejam que Jesus exclui a si próprio dessa referência, fazendo assim uma alusão velada à sua divindade. Ele nunca falava de si mesmo diretamente, mas sempre de forma indireta. Porém, logo depois, Jesus faz um surpreendente elogio a todos nós, cristãos: “No entanto, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.” Ou seja, Jesus coloca os seus seguidores (quer dizer, nos coloca) acima de João Batista, porque ele não chegou a ver a revelação e a salvação, que nós conhecemos através dos seus ensinamentos e a eles aderimos através do nosso batismo.


Que nós realmente façamos por onde sermos dignos desse escancarado elogio que Jesus nos fez.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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