COMENTÁRIO LITÚRGICO – 3º DOMINGO DO ADVENTO – O ÚLTIMO PROFETA – 17.12.2023
Caros Confrades,
Na liturgia deste 3º domingo do advento, o tema predominante é o refrão “Alegrai-vos, Ele está bem perto”, sendo por isso denominado o domingo “laetare” (alegrar-se). No evangelho, os fariseus questionam sobre a identidade de João Batista, porque multidões a ele acorriam: “quem és tu, afinal?”, perguntavam-lhe. E ele, humildemente, negava ser o Messias ou um profeta, definindo a si próprio como “a voz que clama no deserto”. Porém, Jesus irá dizer dele, em outra ocasião (Mt 11,11) que João Batista é muito mais do que um profeta e, dentre os nascidos da raça humana, ninguém é maior do que ele. Com efeito, João Batista foi o último profeta, aquele que anunciou que o Messias já está no meio de nós. Com o Batista, encerrou-se o ciclo do Antigo Testamento, pois o Novo já estava chegando.
A primeira leitura, do profeta Isaias (61, 1-11), contém aquela passagem que está repetida em Lucas (4, 18), quando Jesus foi convidado para fazer a leitura na sinagoga de Nazaré e se autodeclarou para os presentes de forma inequívoca: este, de quem o profeta fala, sou eu. O trecho é o seguinte: “O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos; para proclamar o tempo da graça do Senhor.” (Is 61, 1) Quando Jesus foi convidado para fazer a leitura na sinagoga, em Nazaré, onde ele comparecia aos sábados, como todos os bons judeus, Ele escolheu propositalmente esse trecho de Isaías e, ao final, completou: hoje se cumpriu aquilo que foi dito pelo profeta. Jesus havia há pouco iniciado suas pregações e aquela era a primeira vez que ele ia a Nazaré, sua terra natal, após o início de sua vida pública. Ao proclamar-se abertamente que Ele era o ungido, os nazareenses presentes na sinagoga ficaram se entreolhando e se perguntando: mas, esse não é o filho de José? Não foi ele que vimos nascer e crescer aqui? (Lc 4, 22) Ou seja, entre surpresos e incrédulos, os habitantes de Nazaré não souberam reconhecer naquele “filho do carpinteiro” o Messias, filho de Deus, fato que levou Jesus a dizer: nenhum profeta é bem recebido na sua pátria (Lc 4, 23), o que deixou aqueles seus conterrâneos irritados, a ponto de quererem lançá-lo do precipício. A escolha desse trecho para a leitura demonstra o quanto Jesus era conhecedor das escrituras, em especial, do profeta Isaías, o seu livro predileto.
Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Tessalonicenses (1Ts 5, 16-24), o Apóstolo exorta os cristãos daquela cidade a estarem preparados para a vinda de Cristo, afastando-se de toda maldade. Estai sempre alegres e rezai sem cessar, recomendava Paulo. O conselho dele acerca da alegria na espera do Senhor está em sintonia com o tema deste terceiro domingo: a alegria da espera. Falando aos peregrinos presentes no Vaticano, o Papa Francisco assim comentou essa carta de Paulo: “Neste terceiro domingo, a liturgia nos propõe outra atitude interior para viver a espera do Senhor, ou seja, alegria. Mais uma vez São Paulo na liturgia de hoje nos indica as condições para ser "missionários da alegria": orar sem cessar, sempre dar graças a Deus, seguir o seu Espírito, buscar o bem e evitar o mal. Nunca se ouviu falar de um santo triste ou de uma santa com cara fúnebre, nunca se ouviu, seria uma contradição.” (sermão publicado no site www.zenit.org)
Essa afirmação do Papa me faz lembrar uma frase que o Frei Higino costumava repetir: um frade triste é um triste frade. São Francisco era o protagonista da alegria, isso está documentado nos escritos dos seus contemporâneos. A vocação cristã não é um convite à tristeza e ao isolamento, pelo contrário, é como disse o Papa, uma convocação para sermos missionários da alegria. Em outro trecho do seu sermão, o Papa diz assim: “Não é só uma alegria esperada ou deslocada para o paraíso, ‘aqui na terra estamos tristes, mas no paraíso estaremos alegres’, não, não é isso. Mas, de uma alegria já real e que já é possível sentir agora, porque o mesmo Jesus é nossa alegria, é nossa casa.” O paraíso não é uma situação futura, mas uma realidade que já se faz presente. Nesse contexto, aquela narração bíblica da “queda” de Adão e Eva deixa de ter um sentido de perda para adquirir um significado de conquista. Nós não fomos expulsos do paraíso, nós estamos a caminho de lá e a simples expectativa da chegada ali já nos deixa alegres. O reino de Deus, que Jesus veio anunciar, é uma experiência antecipada, na vida terrena, daquilo que nos está prometido para uma vida futura. Ou seja, nós não precisamos esperar que isso aconteça algum dia, pois pelo batismo, nós fomos colocados no umbral do paraíso e já podemos antever o que ocorre naquela dimensão transcendental.
No evangelho de João (Jo 1, 6-28), lemos um episódio em que os enviados dos fariseus vão até João Batista a fim de indagarem sobre a sua identidade. A fama de João Batista se espalhara na região e os líderes judeus queriam certificar-se de quem era ele e, para isso, mandarem mensageiros a indagar-lhe. Quem és, afinal, para que possamos informar os que nos enviaram? João Batista, então, serviu-se das palavras do profeta Isaías para falar de si próprio: eu sou a voz que clama no deserto – aplainai os caminhos do Senhor. E ao afirmar que ele não era o Messias, acrescentou que “no meio de vós, está aquele que virá depois de mim”, isto é, eu não sou o Messias, mas Ele já está no meio de vós. João tinha consciência plena da sua missão preparatória, conforme ele mesmo proclamou em outra ocasião: é preciso que Ele cresça e eu desapareça. (Jo 3, 30) Ou como ele diz no evangelho de hoje: eu não sou digno nem de desamarrar as correias das Suas sandálias. (Jo 1, 27)
Os fariseus estranharam, porque João batizava sem ser um profeta. Aqui, podemos considerar dois aspectos. Primeiro, Jesus mesmo disse que João era mais do que um profeta. Etimologicamente, a palavra “profeta” deriva do grego “pro+fainô”, isto é, falar por alguém, falar em nome de alguém. Essa palavra surgiu, portanto, com a tradução da escritura hebraica para a língua grega, conhecida como a tradução dos Setenta ou Septuaginta. A palavra correspondente, em hebraico, é NAVI (ou NABI), que significa “aquele que tem uma antevisão dos fatos”, o que ocorria geralmente com as manifestações de Javeh em sonhos para certas pessoas. Então, João Batista era mais do que isso, porque ele não falava em nome de alguém, mas em nome próprio, porque ele foi a primeira testemunha da chegada do Messias; e ainda porque ele não recebera nenhuma antevisão através de sonhos, como acontecera com os profetas anteriores. Os teólogos consideram João Batista o último profeta do Antigo Testamento, e de fato, ele foi um profeta especial, um profeta-testemunha, enquanto os outros eram apenas porta-vozes. A maior profecia de João Batista, na verdade, a sua maior revelação, foi a de dizer para aqueles que iam ouvi-lo na margem do Jordão, onde ele batizava: o Messias já está no meio de vocês.
Um outro fato a merecer destaque era o batismo trazido por João, donde lhe advém o cognome de Batista. Os outros profetas não batizavam. Os judeus ficaram intrigados com isso. Como é que ele batiza e nem profeta ele é. De fato, os judeus praticavam um ritual (tevilah) de purificação com água, que era adotado sobretudo pelas mulheres, após o ciclo menstrual ou após o parto, para poderem novamente frequentar a sinagoga. João utiliza esse ritual, dando a ele um significado novo, a “tevilah” de arrependimento, a mudança de vida, preparando o caminho para a chegada do Messias. O ritual feito por João era praticado através da imersão do corpo todo no rio, significando que ao emergir, o fiel estaria renascendo, abandonando a sua vida de pecados para reviver purificado. Jesus também se submeteu a esse ritual, conforme sabemos pelas narrativas evangélicas, embora Ele não necessitasse de arrependimento. Mas o fato de Jesus ter-se associado a esse ritual é uma amostra de que Ele estava aprovando aquilo e reconhecendo o valor daquele rito simbólico. Com a tradução pra o grego, a palavra hebraica “tevilah” passou para “baptizô” (ou baptismô), que significa também lavar, derramar, aspergir, tendo essa palavra grega assumido todos os significados da “tevilah” hebraica, inclusive as abluções que os judeus faziam (lavagem das mãos) antes das refeições. João deu um significado mais amplo e profundo para a “tevilah” (ou baptismô), que deixou de ser um ritual simples e repetitivo para tornar-se uma atitude única de mudança de comportamento, de assunção de um novo modo de vida, de maneira que não haveria mais necessidade de ser repetido. Aqui está mais uma razão para ele ser considerado o último profeta e “mais do que um profeta”, porque depois dele, não haveria mais nenhum outro, e sim a manifestação do próprio Deus, em Jesus Cristo.
Cordial abraço a todos.
Antonio Carlos