domingo, 11 de junho de 2023

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 10º DOMINGO COMUM - 11.06.2023

 

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 10º DOMINGO COMUM – OBRAS DE MISERICÓRDIA – 11.06.2023


Caros Confrades,


Terminado o tempo pascal, o ciclo litúrgico retoma o seu planejamento catequético padrão, com as leituras deste 10º domingo comum, que nos propõem para reflexão o tema “quero misericórdia, não sacrifícios”, conforme advertiu o profeta Oseias, na primeira leitura. No evangelho de Mateus, este evangelista narra a sua própria vocação, contando detalhes sobre as circunstâncias em que Jesus o chamou para fazer parte do grupo dos doze. Mateus era publicano, isto é, cobrador de impostos, um tipo de gente que (assim como as prostitutas) eram considerados pecadores públicos e, como tais, excluídos dos serviços religiosos do templo. Rebatendo os fariseus, que criticavam a atitude de Jesus que, além de ter chamado Mateus, ainda foi visto num almoço que uma turma de outros publicanos, o Mestre respondeu repetindo a advertência antiga de Oseias, que aqueles fariseus deveriam saber decorado: Deus quer misericórdia, e não sacrifícios.


O profeta Oseias, lido na primeira leitura (6, 3-6) exerceu sua profecia no reino do norte, em Israel, e teve sua vida marcada por desafios e conflitos. Ele viveu numa época de reis infiéis, que abriam espaço para os cultos politeístas dos povos vizinhos, neglicenciando o culto de Javeh. Então Javeh ordenou que ele se casasse com uma prostituta e tivesse filhos com ela, fato que gerou grande rebuliço na comunidade, porque esse tipo de casamento era totalmente rejeitado pela sociedade judaica. Mas o significado desse matrimônio esdrúxulo de Oseias era metafórico: o objetivo era chamar a atenção do povo para o fato de que os reis de Israel também tinham se “casado” com prostitutas, quando abandonaram o culto do verdadeiro Deus e rendiam homenagens aos deuses pagãos. Oséias teve três filhos: Jezreel (que significa Deus semeia), Lo-Ruama (que significa Sem Compaixão) e Lo Ami (que significa Não-povo-meu). Esses nomes também tinham a finalidade de denunciar perante o povo as relações “adúlteras” dos seus reis com os deuses estranhos. Por meio das palavras do profeta, Javeh dizia ao povo hebreu: “Eu os desbastei por meio dos profetas, arrasei-os com as palavras de minha boca, como luz, expandem-se meus juízos; quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos”. (Os 6, 5) Pouco tempo depois, ocorreu a invasão de Israel pelos assírios, em 565 a.C., levando o povo a um dos vários regimes de escravidão a que se submeteram em sua história. Como de outras vezes, o povo e seus líderes não conseguiram entender as mensagens divinas transmitidas pelos profetas.


No evangelho de Mateus, lido neste domingo (Mt 9, 9-13), o evangelista narra a sua própria vocação. Estava ele na sua banca de cobrador de impostos, quando Jesus passou, olhou para ele e disse; Segue-me. Mateus certamente conhecia Jesus, pois morava em Cafarnaum, a cidade onde Jesus viveu por muito tempo e ali exerceu sua missão de pregador e fez muitos milagres. Mas, na sua condição de cobrador de impostos, personagem odiado e rejeitado pela população, ele nunca ousou aproximar-se de Jesus e muito menos esperava um dia fazer parte do grupo dos escolhidos. Quando Jesus o chamou, ele imediatamente levantou-se, abandonou a banca de cobrança e levou Jesus para almoçar em casa. Outros cobradores de impostos, ao tomarem conhecimento do fato e também quase sem acreditar naquilo, foram até a casa de Mateus para certificar-se e foram também convidados para almoçar com Jesus. Aquilo tudo chamou também a atenção dos ruidosos fariseus, que estavam o tempo todo procurando algo no comportamento de Jesus para acusá-lo, isso era um prato cheio. E perguntavam aos discípulos: por que o vosso Mestre faz refeições com os publicanos e pecadores? Ao ouvir o protesto, Jesus dirigiu-se a eles, repetindo o profeta Oseias: vocês ainda não entenderam o que disse o profeta Oseias? Deus diz que quer misericórdia, não holocaustos. Não são os sadios que precisam de médico, e sim os doentes. A minha missão é chamar os pecadores, não aqueles que se consideram justos. Mais uma vez, os fariseus saíram resmungando, porque nunca compreendiam nem aceitavam as atitudes de Jesus.


Meus amigos, essa advertência do profeta Oseias, repetida por Jesus, deve ecoar também nos nossos dias, na nossa conduta de cristãos. Oseias e Jesus recriminavam os hebreus por causa da sua preocupação com o formalismo religioso. Para os fariseus, o importante e suficiente era cumprir o preceito da Lei de Moisés com plena exatidão, uma conduta religiosa marcada pela exterioridade do cumprimento, sem o comprometimento interno do espírito, sem a conversão do coração. Pagar o dízimo, fazer o jejum, imolar os animais de acordo com os ritos mosaicos, isso era tudo. Daí vem a advertência de Javeh: quero misericórdia, não holocaustos. Os rituais exteriores são destituídos de valor, se não forem acompanhados da atitude interna de amor a Deus e ao próximo. É lamentável que, nos dias de hoje, ainda se observem pessoas que se dizem religiosas porque vão à missa aos domingos, rezam o terço, fazem o sinal da cruz ao passar na frente da igreja, se ajoelham diante do Santíssimo, fazem abstinência de carne na sexta feira santa, etc., mas essas atitudes são realizadas como práticas da tradição, costume de família, educação recebida na infância, cujo real significado aquela pessoa nunca buscou aprofundar ou compreender. Fazendo a ligação com a advertência do profeta, estes são os holocaustos, mas que para Deus não são suficientes e nem mesmo necessários. O que tem valor mesmo é a misericórdia, isto é, a conversão do coração, aquilo que significa a palavra “misericórdia” na sua etimologia: ter compaixão (miserere) com o coração (cordis). As práticas de caridade, o amor ao próximo, a ajuda ao irmão necessitado, a coerência de vida, até (pode não parecer) o cuidado com o ambiente faz parte disso, porque quem detona o meio ambiente está criando problemas para os demais seres vivos, pessoas e animais. O Papa Francisco escreveu uma carta encíclica com o título Fratelli tutti, na qual ele chama a atenção para a necessidade de se criar uma “consciência ecológica” como parte das obras de misericórdia e das práticas de caridade recomendadas no Evangelho. O cuidado da “casa comum” é também um meio de exercer a caridade para com o próximo, de forma indireta, mas igualmente eficaz.


Na segunda leitura, da carta de Paulo aos Romanos (4, 18-23), o apóstolo chama a atenção do leitor para a inquebrantável fé de Abraão, que não perdeu a esperança, apesar de tudo parecer trabalhar contra ele. Era a idade avançada dele, era a esterilidade de Sara, depois veio a ordem de Deus para sacrificar o filho, as coisas pareciam estar ao contrário da promessa que Javeh fizera a ele, dizendo que ele teria uma grande descendência. As contrariedades não abalavam a sua fé, mas contribuiam para torná-la mais sólida, mais revigorada. E por isso, ele foi justificado, ou seja, a sua atitude de fé converteu-se em justiça a seu favor, para que todos os contratempos fossem superados. Abraão é o exemplo do crente que praticou a misericórdia, neste particular, o exemplo de Abraão faz o contraponto com a superficialidade dos hebreus, contemporâneos de Oseias, e dos fariseus, contemporâneos de Jesus. Quando as circunstâncias pareciam-lhe opostas, ele não abandonou a sua fé e nem apoiou-se em práticas rituais estéreis, mas manteve-se inabalável na sua confiança na promessa divina. Isso é o que se pode colocar como exemplo da religião praticada com o coração, como atitude de interioridade. Essa conduta de Abraão foi colocada como modelo por Jesus em várias ocasiões, quando se referia a alguém que viveu comprometido com a sua fé, sobretudo diante dos fariseus incrédulos e amantes das práticas religiosas exteriores. Ao falar que a fé de Abraão foi-lhe creditada como justiça, o apóstolo Paulo complementa: “ao dizer isso, a Escritura visa não só à pessoa de Abraão, mas também a nós, pois a fé será creditada também para nós que cremos naquele que ressuscitou dos mortos”. (Rm 4, 24)


Caros amigos, recordando o Catecismo, lembremo-nos que as obras de misericórdia são:1 Dar de comer a que tem fome; 2 Dar de beber a quem tem sede; 3 Dar pousada aos peregrinos; 4 Vestir os nus; 5 Visitar os enfermos; 6 Visitar os presos. 7 Enterrar os mortos, seguindo aquele padrão bíblico comum do número 7. Se observarmos bem, são atitudes de humanidade, de respeito ao próximo. E lembremo-nos também que colocá-las em prática não deve ser uma prática de mero formalismo, mas uma atitude de vivência interior. Sempre que tivermos ocasião de fazer o bem a alguém, esteja aquilo elencado nas sete regras cima ou não, essas práticas bonitárias são igualmente obras de misericórdia.


Cordial abraço a todos.

Antonio Carlos

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