COMENTÁRIO LITÚRGICO – 15º DOMINGO DO TEMPO COMUM – O ENVIO – 14.07.2024
Caros Confrades,
Neste 15º domingo do tempo comum, o tema litúrgico em destaque é o envio dos apóstolos para pregarem o Evangelho nas cidades da região da Galileia. Essa foi uma espécie de estágio, que Jesus deu aos apóstolos, após um período de ensinamento, para que eles colocassem em prática o que haviam aprendido. Tempos depois, por ocasião de sua ascensão, Jesus os mandou novamente, mas dessa vez, para evangelizarem todos os povos. Numa visão hermenêutica transistórica, o mandado do envio se direciona também a nós, seus discípulos dos dias atuais e a todos os discípulos de Jesus, em todos os tempos. Com nossa vida e com nosso testemunho, continuamos a evangelizar, seguindo o mandado de Jesus.
A temática do envio encontra-se presente também na primeira leitura, retirada do profeta Amós (7, 12). Este era um profeta de poucas letras, pastor de rebanhos, agricultor, homem simples e humilde, não tinha antepassados na atividade no ramo profético. Mas sua profecia causava incômodo às elites israelitas, exatamente por ser ele um homem do povo, não pertencente à linhagem tradicional. Então, o sacerdote do templo de Betel, de nome Amasias, a pedido do rei, o chamou e mandou que fosse profetizar em Judá e lá trabalhar, para ganhar a vida, advertindo-o a não profetizar ali em Betel, porque neste local estavam localizados a corte do rei e o templo oficial, onde Amasias era o sacerdote e, portanto, o 'profeta' oficial. Em outras palavras, Amasias estava querendo se livrar de Amós, porque este, a mando de Javé, denunciava a tibieza e a exterioridade da religião oficial de Israel, cujos cultos não agradavam a Javé por causa da ausência de devoção e do excesso de formalismo, além da permissividade para o culto dos deuses pagãos. A resposta de Amós foi bem desaforada, como o sacerdote não esperava: eu não sou profeta nem filho de profeta, sou pastor de gado, mas o Senhor me chamou quando eu estava pastoreando o rebanho e me mandou profetizar em Israel, é aqui que eu vou ficar. Com risco da própria vida, Amós prosseguiu no seu trabalho desafiando as autoridades, seguindo o mandado de Javé.
Isso aconteceu setecentos anos antes de Cristo. A vocação de Amós, um homem simples e de poucos estudos, antecipava o chamado que Jesus fez aos discípulos galileus, num contexto bastante similar, pois eram também pessoas do povo, pescadores, pessoas de poucas letras, e deveriam enfrentar também perseguições e dificuldades inerentes ao cumprimento da sua missão, junto às elites do povo judeu. Jesus disse aos discípulos que eles deviam pregar em todos os lugares, sem levar nenhum dinheiro, nem alforje, nem muda de roupa, nada, devendo receber o seu sustento pelas pessoas da comunidade. E onde não fossem bem recebidos, deviam sacudir a poeira das sandálias contra aquelas pessoas em protesto. E deu a eles o poder de expulsar demônios e curar doenças.
O profeta Amós, e em geral todos os profetas do Antigo Testamento, são personificações antecipadas dos discípulos que Cristo iria preparar para a pregação do seu Evangelho. Desse modo, os discípulos de Cristo em todas as épocas passaram a ser os profetas do seu tempo. Como resultado do cumprimento desta missão de envio, nós temos hoje a doutrina cristã presente em todos os recantos do mundo e nós somos os continuadores desta missão, espalhados em todas as camadas da sociedade. Isto é, os profetas dos nossos dias somos nós, seguidores de Cristo e comprometidos com a nossa vocação de enviados. O Papa Francisco é o nosso profeta-mor, com seu carisma, seu zelo, seu exemplo que encanta até mesmo os ateus.
Provavelmente, um seguidor de Cristo que pode ser apresentado como modelo mais perfeito do cumprimento desta missão talvez seja o nosso Seráfico Patriarca Francisco de Assis, sem dúvida, um grande profeta do seu tempo. Num momento em que a Igreja de Cristo passava por uma grave crise de identidade, ante a influência do secularismo, e as suas autoridades estavam sucumbindo às ambições do ter e do poder, bem como às seduções dos pecados capitais, o Senhor tocou o coração de Francisco e o enviou para 'reconstruir' a sua Igreja. Tão ingênuo, ele imaginou, a princípio, que seria apenas um pequeno serviço de reparos nas paredes, pinturas, limpeza, só depois entendeu o verdadeiro sentido do seu chamado. Mas, por sua humildade, soube ser totalmente fiel à sua missão. Enquanto outros reformadores históricos (como, por exemplo, Lutero), com arrogância e orgulho, entraram em rota de colisão com as autoridades cujos desmandos eles denunciavam, Francisco, ao contrário, fez todas as suas ações de forma tranquila e obediente às mesmas autoridades, cujo comportamento atípico ele reprovava com seu exemplo de seguidor do evangelho. E o que Francisco fez? Exatamente aquilo que Cristo mandou, quando enviou os seus discípulos: sem preocupações com a aquisição e acúmulo de bens, sem necessidade de provisões de alimentos nem vestimentas, recebendo da própria comunidade o seu sustento, como fruto do seu trabalho. Todos nós nos recordamos que é isso o que está contido na 'regra de vida' que Francisco deixou como herança para os seus frades. Por isso, podemos dizer que, se houve alguém que cumpriu fielmente o mandado de Cristo na pregação do Evangelho, este foi Francisco de Assis. Deste modo, o nosso compromisso com o engajamento na missão tem uma dupla fonte. De um lado, o envio de Cristo aos seus discípulos, conforme relatado por Marcos no evangelho; de outro lado, o exemplo modelar de Francisco, de cuja herança nós participamos, através da formação que recebemos no tirocínio da vida franciscana. Seguir a Francisco se equipara a seguir a Cristo, só que com maior entusiasmo e alegria, pois, juntamente com o envio, temos o exemplo mais efetivo do seu cumprimento.
Na segunda leitura, retirada da carta aos Efésios (1, 3), Paulo elabora um inspirado hino de louvor ao Pai, que em Cristo nos escolheu, antes da fundação do mundo, para que sejamos santos e irrepreensíveis, sob o seu olhar, no amor. Naquela época, dos primeiros tempos do cristianismo, a palavra “santo” era usada para referir-se aos cristãos, pois esse nome “cristão” ainda não era usual nas comunidades. Por diversas vezes, Paulo retoma esta palavra para se referir aos seguidores de Cristo, não tinha portanto, o sentido específico que o termo hoje possui. Nessa carta aos Efésios, ele exalta o dom da vocação que envolve todos os santos (cristãos) para serem profetas e evangelizadores, continuadores da missão salvadora de Cristo, através do envio que todos recebemos, como tributo do nosso batismo e da nossa adesão pela fé. Por Ele, nós fomos confirmados no Espírito, segundo o projeto do Pai, que assim nos predestinou para colocar a nossa esperança em Cristo e no seu evangelho da salvação.
Conforme a promessa de Cristo, são inerentes ao envio os poderes de expulsar espíritos malignos e curar os doentes. Estes poderes, que são transmitidos aos sacerdotes na cerimônia da ordenação, sintetizam o cerne da missão do evangelizador, isto é, curar os males corporais e espirituais, e não devem ser interpretados literalmente, e sim no sentido daquilo que Jesus disse, como resumo de sua missão: que todos se convertam e vivam. Quem interpreta estas palavras no sentido fundamentalista passa a praticar rituais de exorcismo, muito característicos de algumas entidades religiosas católicas e não católicas da atualidade, que até fazem demonstrações teatralizadas disso através da televisão. No meu modo de entender, o poder de expulsar demônios deve ser entendido como o poder de vencer o mal, em todas as suas formas de manifestações, principalmente aquelas mais presentes na sociedade contemporânea, materializadas na discriminação de pessoas, na exclusão social, na exploração do próximo através das nefastas práticas capitalistas, que tanta indignação causam às pessoas de boa fé. E o poder de curar doenças pode ser entendido como a aceitação e a promoção das pessoas mais necessitadas física e psicologicamente, levando apoio e auxílio aos irmãos mais frágeis e vulneráveis. Não existe uma receita ou um padrão de comportamento a ser indicado, mas isso será percebido pela sensibilidade de cada um, perante a sua consciência iluminada pela fé. Os sacerdotes recebem essa missão de forma plena, mas pelo batismo, também nós leigos a recebemos em grau genérico, conforme a promessa de Cristo, e compete a cada um de nós encontrar a melhor forma de pô-los em prática na nossa vida, com nossas ações e nosso testemunho.
Que o divino Mestre e o nosso Seráfico Patriarca nos ajudem no fiel cumprimento da missão que Cristo reservou e espera de cada um de nós.
Com um cordial abraço.
Antonio Carlos
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