domingo, 11 de março de 2012

COMENTÁRIO LITURGICO – 1º DOMINGO DA QUARESMA – VENCER AS TENTAÇÕES – 26.02.2012




Caros Confrades,

A liturgia deste 1º domingo da quaresma põe para nossa reflexão o tema das tentações de Satanás para Jesus Cristo, nos persuadindo e incentivando a vencer as tentações de cada dia, do mesmo modo que Jesus venceu as tentações que teve no deserto. Junto com este tema, temos a alusão à simbologia do número 40, pois diz o hagiógrafo que Jesus passou 40 dias no deserto a jejuar, enquanto se preparava para a sua missão. Comecemos abordando esta simbologia.

O nome 'quaresma' é proveniente do termo latino 'quadragesima', que significa o mesmo que a palavra portuguesa quadragésima, numeral ordinal correspondente a 40. Portanto, a quaresma está também incluída na simbologia do 40. Dentro do cenário bíblico, o número 40 aparece sempre antes da ocorrência de algo grandioso. O povo de Deus perambulou 40 anos no deserto até chegar à terra prometida. Moisés passou 40 dias/noites no monte Sinal até receber de Deus as tábuas da lei. No dilúvio, choveu sem parar durante 40 dias, até chegar a bonança. Jonas concedeu aos ninivitas o tempo de 40 dias para se arrependerem e fazerem penitência. Jesus jejuou durante 40 dias no deserto. Após a ressurreição, Jesus ainda passou 40 dias aparecendo aos apóstolos, preparando a vinda do Espírito Santo, até ir definitivamente para o Pai. São várias as 'quaresmas' na Bíblia, no entanto, é mais comum a gente lembrar somente do tempo em que passamos preparando a Páscoa do Senhor a cada ano.

É neste contexto da simbologia do número 40 que devemos compreender o tempo de jejum de Jesus no deserto. Nem sempre os 40 dias indicados nas leituras bíblicas indicam 40 dias do calendário, porque aqui tratamos de uma mensagem simbólica, significando que o número 40 sempre indica que um grande acontecimento está sendo preparado. O tempo quaresmal nos prepara para a grande solenidade da Páscoa.

A leitura do evangelho de hoje é de Marcos (1, 12-15) e Marcos tem um texto muito sucinto, mas nós podemos nos valer de Mateus 4, 1 para complementar a narrativa. Após ter sido batizado por João Batista, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, onde ele jejuou durante 40 dias e foi tentado por Satanás. Aqui, permitam-me e não me entendam mal, não se trata daquele personagem com chifres na cabeça e pés de bode, essa figura é produção estereotipada dos artistas medievais, esqueçamos isso, Satanás tem natureza angélica e não está por aí o tempo todo a azucrinar a vida das pessoas. As imagens tradicionais de Satanás tentando Jesus são puras invenções dos pintores, não levemos isso a sério.

Então, quais foram mesmo as grandes 'tentações' de Jesus? 1. Transforma essas pedras em pão... tentação do poder; 2. Eu te darei todos os reinos... tentação da riqueza; 3. Joga-te daqui para baixo... tentação do orgulho/vaidade. Meus amigos, Jesus Cristo tinha consciência da sua natureza divina e também tinha conhecimento de tudo o que ele iria enfrentar na sua missão de pregar a boa nova. Então, durante o jejum, ele fez uma preparação psicológica para viver como homem comum, pensar como homem comum, agir como homem comum, deixando em segundo plano a sua condição divina. Ele sabia que iria passar fome algumas vezes. Então, seria muito mais cômodo para ele fazer um 'milagrezinho' e transformar um pedaço de pedra ou de pau numa iguaria deliciosa. Mas para ser um homem comum, ele não podia jamais agir assim. Ou seja, ele só poderia utilizar o poder que a sua condição divina lhe dava quando fosse o caso de fazer algo que viesse corroborar seu ensinamento, complementar sua pregação, demonstrar a glória do Pai, não a dEle própria. Assim, nós entendemos aquela resposta dele a Maria, nas bodas de Caná, quando disse: ainda não chegou a minha hora... Essa era a grande tentação do poder, contra a qual ele precisava estar a todo momento alerta, para não agir pela vontade própria, mas pela vontade do Pai.

Este mesmo raciocínio vale para as outras ocasiões tentadoras. Estando diante daquela multidão ávida por presenciar um feito extraordinário, Jesus não poderia 'cair na tentação' de demonstrar sua condição divina apenas para ser aplaudido por aquela gente, por vaidade ou orgulho próprio. Ao contrário, quando ele fazia algum milagre, proibia o favorecido de sair contando pra todos, porque não era isso o que ele pretendia. Os fariseus ficavam o tempo todo a provocá-lo para ele provar que era filho de Deus e assim eles acreditarem. Jesus nunca fazia milagres nessas ocasiões, muito menos para provar nada perante os fariseus, porque estes deviam acreditar na sua mensagem pelo conteúdo dela, não pelas demonstrações pretidigiosas que Ele fizesse.

Jesus nasceu de uma família pobre e sempre viveu pobre. Ele mesmo dizia que os pássaros tinham ninhos, mas Ele não tinha onde reclinar a cabeça. É claro que ele tinha possibilidade de viver no maior luxo e conforto possíveis, mas para viver como um homem comum, ele tinha de renunciar a isso. Andava a pé sempre, somente na entrada em Jerusalém tomou a liberdade de montar num jumento. As demais andanças eram feitas a pé, como as pessoas comuns do seu tempo. Ele não podia ceder à tentação da riqueza, vestir roupas finas, comer iguarias sofisticadas e morar em palácios, ter escravos para transportá-lo, como os fariseus pensavam que seria o Messias esperado por eles. Mesmo depois de ressuscitado, Jesus comeu peixe assado na praia, a mesma comida dos homens comuns.

Portanto, Jesus passou 40 dias a jejuar e meditar no deserto, antes de começar suas pregações, para se conscientizar sempre mais da necessidade que ele tinha de ser um homem igual aos outros, no jeito de morar, de vestir, de andar, de se alimentar, de sofrer, de se alegrar, de falar, de demonstrar seus sentimentos, etc, tudo como um ser humano comum. Ele sabia desde o princípio e mais do que todos os discípulos o final que o aguardava, os padecimentos atrozes que teria de suportar e Ele estava ali para passar por tudo isso, para cumprir a promessa do Pai, para a nossa salvação. Não foi sem motivo que ele suou sangue no Getsêmani e pediu: se for possível, Pai, afasta de mim este cálice... mas logo completou: não se faça a minha vontade, mas a Tua. No seu jejum no deserto, tudo isso deve ter passado pela mente de Jesus e para tudo isso ele estava se preparando, porque iria iniciar a sua atividade primordial, aquela pela qual Ele tinha vindo ao mundo e não podia fraquejar nem se esquivar.

Meus amigos, o que nós testemunhamos foi que Jesus venceu todas as tentações. Passou por todas as agruras que devia sofrer, enfrentou todas as dificuldades que já sabia iriam acontecer e, por fim, triunfou. Ao deixar em segundo plano sua condição divina e viver como um homem comum, Jesus veio nos mostrar que nós, homens comuns, também podemos e devemos estar acima das nossas tentações, que são bem mais brandas do que as que Jesus suportou, e além de tudo, ainda temos o seu exemplo e a sua graça para nos ajudarem. Então, não fiquemos a atribuir a Satanás as 'tentações' e justificando que a carne é fraca... A fonte das nossas tentações são as nossas fraquezas, a nossa imperfeição, o nosso orgulho, a nossa vaidade e, principalmente, a nossa sede de poder, de ter sempre mais, de querer sempre mais. Enquanto isso, esquecemos do nosso irmão que precisa da nossa ajuda e tem direito àquilo que nós temos de sobra. Aquilo que nós temos em excesso ou em duplicidade não nos pertence, pertence ao nosso irmão necessitado. Lembro-me agora do refrão de uma música antiga, dos anos 60, daquele LP que tinha como título “uma mensagem em cada canção”. Esse refrão dizia assim: como posso ser feliz, se ao pobre meu irmão eu fechei o coração, meu amor eu recusei. A aceitação do irmão é a melhor forma de demonstrar que nós vencemos as nossas tentações.

Que o Mestre nos ensine sempre e nos dê sempre força para superarmos as nossas tentações de cada dia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário