Caros Confrades,
O tema central que
percebo nas leituras litúrgicas deste domingo, 7º comum, é que
Deus sempre transforma as coisas velhas em coisas novas. Este tema
está na leitura de Isaías (43, 19). Conforme já comentei antes, a
partir do versículo 40, o livro de Isaías é chamado pelos
biblistas de Deutero Isaías ou o segundo Isaías. Isso porque o
estudo técnico do texto levou à conclusão de que foi escrito
depois da morte do profeta Isaías, portanto, não pode ter sido
escrito por ele mas por seus discípulos. Essa conclusão é baseada
nos fatos narrados a partir do versículo 40, os quais ocorreram após
a morte do Profeta. Esta parte final de Isaías trata dos fatos da
época da libertação do povo hebreu, que então se encontrava
cativo na Babilônia. O Profeta anuncia ao povo que Javeh entendeu
que eles já haviam sido suficientemente castigados e, embora não
tenham se convertido totalmente, assim mesmo vai devolver-lhes a
liberdade não pelos méritos deles, mas por Ele próprio, Javeh, por
ser misericordioso.
Por isso, diz o
Profeta: “Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos
antigos. Eis que eu farei coisas novas.” (Is 43, 18) O próprio
Javeh não vai mais levar em conta os pecados do povo, pois se
dependesse dos méritos do povo, a libertação nunca aconteceria.
Mas Javeh vai transformar as coisas velhas, ou seja, os pecados, em
coisas novas, ou seja, libertação. E fará isso por Ele próprio,
como está dito no versículo 25: “Sou eu, eu mesmo, que cancelo
tuas culpas por minha causa, e já não me lembrarei de teus
pecados”. A libertação virá pelas mãos de Ciro, rei da Pérsia,
que venceu os babilônios e devolveu a liberdade aos hebreus. Em
outras passagens do Deutero Isaías, o nome de Ciro aparece como o
'ungido de Deus' que, mesmo sem conhecê-LO, no entanto, Javeh se
serviu dele como instrumento para realização da sua vontade.
Numa reflexão
transistórica, a figura de Ciro antecipa o Messias, que veio cumprir
a vontade de Javeh para trazer a salvação a todos nós. E isso não
por causa dos nossos méritos, mas pela infinita misericórdia de
Javeh, que está sempre fazendo coisas novas. O Filho de Deus assumiu
nossas culpas e sofreu na carne o que nós deveríamos sofrer, para
nos dar a salvação, é essa a mensagem que nos introduz no
vestíbulo do tempo quaresmal, que se iniciará na quarta feita de
cinzas. Cumprindo a promessa do Pai, o Filho virá realizar a obra
divina da salvação, da mesma forma que Javeh devolveu a liberdade
aos cativos da Babilônia, conforme vimos acima no versículo 25: sou
eu, eu mesmo que cancelo tuas culpas por minha causa. Aqui
está o cerne do sublime mistério da redenção: Deus nos confere a
sua graça sem nosso merecimento e por sua inteira misericórdia. Foi
Jesus quem veio revelar isso com sua palavra e com seu exemplo.
Na leitura do evangelho
escrito por Marcos (2, 1), vemos novamente Jesus fazendo coisas
novas. Diz o evangelista que ele retornou a Cafarnaum, onde ele havia
feito aquele milagre da cura do cego, comentada no domingo anterior,
quando ele disse ao 'cego' curado que nada dissesse a ninguém e ele,
ao contrário, saiu gritando pra todo mundo. Então, quando se
espalhou a notícia de que Jesus estava de volta à cidade, a
população acorreu em massa para vê-LO e os doentes, com certeza,
tinham a expectativa de que também fossem beneficiados por um
milagre, tal como acontecera com a cura do cego. Ao saberem da casa
onde Jesus estava, chegaram tantas pessoas que a casa ficou cheia e
até do lado de fora, nas portas, o povo se aglomerava. E também no
meio dos crentes e simpatizantes, estavam os fariseus, pois estes
procuravam a todo momento flagrar Jesus em alguma atitude suspeita,
de modo a poderem acusá-lo. Estavam disfarçados, é claro, mas
Jesus os conhecia, porque via dentro do coração deles.
Foi quando chegaram
umas pessoas trazendo um paralítico que, pelo seu severo estado de
entrevamento, era trazido carregado junto com a cama. Ora, se a casa
estava repleta de gente, de modo que não havia como entrar uma
pessoa andando normalmente, imagine como conseguiriam entrar
carregando uma cama com o paralítico deitado? A solução criativa,
engenhosa de alguém foi subir no telhado e descer a cama por meio de
cordas bem no local onde Jesus se encontrava. Lembremo-nos que as
casas na região da Palestina naquele tempo (e ainda hoje algumas
são) não possuem telhado como as nossas, coberto com telhas, mas a
cobertura é de lages de pedra, que foram afastadas para a descida da
cama. Dá pra imaginar o rebuliço que a cena causou, chamando a
atenção de todos. A cama foi descendo e as pessoas que estavam
abaixo dela foram se afastando, para não serem molestados pelo
móvel. Naturalmente, todas as atenções se voltaram para Jesus e
também os fariseus ficaram à espreita do que Ele iria fazer.
Diz o evangelista
Marcos (2, 8): “Jesus percebeu logo o que eles estavam pensando no
seu íntimo” e disse de propósito, para provocá-los, dirigindo-se
ao paralítico – filho, teus pecados te são perdoados. Os fariseus
ficaram se coçando e morderam a isca, murmurando entre eles: quem é
este que perdoa pecados, porque somente Deus pode perdoar, está
blasfemando. De acordo com o ensinamento dos fariseus, interpretando
a lei mosaica, quando alguém tinha alguma doença, essa era
consequência ou castigo por causa de algum pecado da própria
pessoa, ou dos pais, dos familiares, ou seja, uma doença era um
sinal público de que aquela pessoa era pecadora. Então, quando
Jesus disse “teus pecados estão perdoados”, os fariseus ficaram
zombando intimamente: se Ele tivesse mesmo poder de perdoar pecados,
o paralítico teria ficado curado na mesma hora. Foi aí que Jesus
perguntou: por que pensais assim em vossos corações? Pois, para que
saibais que Eu tenho poder de perdoar pecados, falou ao paralítico:
levanta-te, toma tua cama e vai pra casa. E ele se levantou e saiu
levando a cama nas costas.
Ora, meus amigos, com
este gesto, Jesus está, em primeiro lugar, dando um sinal evidente
da sua divindade, a qual os fariseus teimaram em desconhecer, assim
como ainda hoje o fazem os judeus (com todo respeito à fé deles).
Enquanto o povo todo louvava e bendizia a Deus pelas coisas
extraordinárias que Jesus fazia, os fariseus não acreditavam nEle e
continuavam a persegui-lo, procurando algo que pudesse incriminá-LO.
Em segundo lugar, com esse gesto, Jesus também está realizando as
coisas novas anunciadas pelo Profeta: os cegos vêem, os surdos
ouvem, os coxos andam, os leprosos são limpos e os pobres são
evangelizados, assim está escrito em Mateus (11, 5). E Marcos
arremata, em 2, 12, que as pessoas diziam: nunca vimos uma coisa
assim.
Na segunda leitura, de
Paulo a Coríntios (2Cor 1, 18), o apóstolo confirma que Jesus é o
'sim' do Pai, através de quem todas as promessas feitas aos
antepassados nEle foram cumpridas. Todas as promessas de Javeh têm
em Jesus o seu 'sim' garantido, por isso Jesus sempre ensinou o
'sim', ou seja, a fidelidade. Jesus não era homem de duas palavras
(sim e não), mas de uma palavra só, somente 'sim'. É o que também
está escrito em Mateus (5, 37): seja o vosso falar sim, sim; não,
não. Portanto, o cristão não pode ser uma pessoas de duas
conversas, não pode acender uma vela a Deus e outra para o demônio.
Jesus deu o exemplo máximo de fidelidade às promessas do Pai, que
Ele veio cumprir, e nos deixou esse mesmo ensinamento de fidelidade.
Por isso, disse Paulo em 2Cor 1, 19: o Jesus que pregamos entre vós
nunca foi de sim e não, mas somente de sim, exortando os coríntios
(e a todos nós hoje) sobre o nosso compromisso de fidelidade ao
ensinamento cristão. Ser cristão é estar sempre transformando
coisas velhas em coisas novas, é estar sempre ressuscitando com
Jesus, despindo-se do homem velho e vestindo-se do homem novo, é
acompanhar o dia a dia da sociedade e estar sempre pronto a dar seu
testemunho de uma maneira renovada, sem se apegar aos trapos de uma
fé antiquada e obsoleta, pois o ensinamento de Cristo não parou no
tempo, mas está constantemente se atualizando. Pensar diferente
disso é não reconhecer que Jesus, em cumprimento à promessa de
Javé, está sempre renovando o mundo, tornando novas todas as
coisas.
Que Ele nos ajude a
sermos sempre cristãos renovados dentro do dinamismo da sociedade.
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