domingo, 11 de março de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 2º DOMINGO DA QUARESMA – DO SACRIFÍCIO PARA A GLÓRIA – 04.03.2012




Caros Confrades,

As leituras deste domingo, 2º da quaresma (04.03.2012), nos fazem lembrar aquele antigo adágio latino: “per aspera ad astra” (pelas asperezas, às alturas), ao trazer a imagem da transfiguração de Cristo no contexto do tempo quaresmal, lembrando que o seu destino é a glória, mas o caminho para isso é o sacrifício.

Na primeira leitura, temos o clássico exemplo de Abraão imolando seu único filho, a maior prova de fé contida no Antigo Testamento, mercê da qual Javeh selou com ele a sagrada aliança e prometeu-lhe uma incontável descendência. Se lembrarmos que Abraão e Sara eram já idosos e não tinham filhos, até que miraculosamente surgiu Isaac, então podemos avaliar o tamanho da confiança de Abraão em Javeh, que não hesitou em seguir a ordem de imolação. Posteriormente, Jesus vai dizer, no episódio do centurião que disse “senhor, eu não sou digno de ires à minha casa, basta dizeres uma palavra para curar o meu servo”, que nunca tinha visto um exemplo de tanta fé, desde Abraão.

Temos no episódio da imolação de Isaac, que por fim não se concretizou, o primeiro exemplo bíblico de que, para chegar à glória, é necessário passar pelo sacrifício. São Paulo repete essa temática na carta aos Romanos (8, 32), quando diz que Deus imolou seu próprio Filho, pondo em prática o testemunho de fé que Ele pedira a Abraão. Deus foi tão fiel à sua promessa que a levou até o fim, assumindo todas as consequências do seu compromisso.

Nesse contexto, a liturgia nos traz, na leitura do evangelho de Marcos (9, 2), a narração da transfiguração de Jesus diante de Pedro, Tiago e João. Por que essa inserção de uma leitura apoteótica no tempo quaresmal, marcado pela sobriedade? Para contextualizar o tema de que, para chegar à glória, é necessário enfrentar o sacrifício. Neste eloquente episódio, Jesus deu uma das mais contundentes demonstrações de sua divindade, mas somente a três discípulos privilegiados. Conforme a reflexão que fizemos no domingo anterior, acerca das tentações, uma dessas tentações que Jesus devia evitar era exatamente a da vaidade, a demonstração pública da sua divindade. Daí que ele não chamou todos os 12 para assistirem à idílica cena, pois ele iria pedir absoluto sigilo do fato e, quanto maior o número de assistentes, mais difícil seria manter o segredo.

Mas podemos vislumbrar nesta cena paradisíaca um reforço pedagógico de Jesus, para que os discípulos, principalmente Pedro, não perdessem a esperança quando ele fosse visto submetendo-se ao sacrifício extremo. Na hora em que ele fosse preso e humilhado e parecesse que tudo estaria desmoronando, a lembrança da transfiguração gloriosa deveria fazer o contraponto necessário para manter viva a certeza da ressurreição, que viria depois. E olhem que, mesmo assim, Pedro ainda fraquejou e mentiu três vezes, imaginemos se ele não tivesse assistido à cena da glorificação, ele teria saído correndo para não mais voltar. E lembremo-nos também que ele foi o único a falar alguma coisa durante a transfiguração de Jesus, sugerindo a confecção de tendas para continuarem lá, enquanto os outros dois apenas quedaram-se estarrecidos. Nem assim, o temperamento impetuoso de Pedro se tranquilizou na hora do aperto. Foi preciso o galo despertá-lo.

Reflitamos agora sobre os outros dois personagens com os quais Jesus dialogava: Moisés e Elias. Moisés representa a confirmação da aliança, no Sinai, através da outorga da Lei. Ele foi também o primeiro profeta, no sentido literal do vocábulo: aquele que fala em nome de Javeh. Elias representa os profetas posteriores, que foram muitos. Eu até ficava pensando: por que Elias? Por que não Isaías, que Jesus cita muito mais vezes. Até que eu me lembrei de um fato singular. Elias foi o protagonista da ressurreição do filho único da viúva, que o hospedava em Sarepta. Com uma ardente prece de fé a Javeh, Elias deitou-se sobre a criança morta e esta voltou a viver. Com a transfiguração, Jesus estava também demonstrando a forma que ele passaria a ter após a ressurreição. Daí que a figura de Elias evocava um episódio de ressurreição, grandiosa resposta que ele recebera de Javeh, após uma também extraordinária demonstração de fé.

Portanto, meus amigos, a transfiguração de Jesus é uma proclamação antecipada da Sua ressurreição. Por isso, ele proibiu aos discípulos que falassem aquilo aos outros, até que ele tivesse verdadeiramente ressuscitado. E eles mantiveram o sigilo, conforme Jesus lhes ordenara. Embora, conforme diz o evangelista, comentassem entre eles o que significava 'ressuscitar dos mortos'. Aquilo tudo ainda era muito complexo para a mente deles e somente após os fatos todos terem acontecido, as ideias se tornaram compreensíveis para eles.

A figura do Cristo transfigurado, em oposição à imagem do Cristo desnudo na cruz, deve ser a nossa referência sempre que as coisas não ocorrem do modo como planejamos ou quando a provação e a infelicidade nos atacam. Comparando essas duas imagens, nós concluímos que é possível manter a esperança, mesmo diante do sofrimento, é possível ser feliz mesmo quando algo desagradável nos ocorre, porque nós não fomos criados para o sacrifício, mas para a glória. No mundo marcado pela violência, a cultura da paz deve ser a resposta consequente da nossa adesão à mensagem de Cristo, e não a retribuição com maior violência. No sacrifício de Cristo, pelo qual nós fomos salvos, todos os nossos sofrimentos se diluem e na transfiguração de Cristo, a nossa fé deve adquirir sempre um maior brilho, porque este é o destino que nos espera. Naquela ocasião, Jesus se transfigurou apenas para três testemunhas. Mas agora, Ele se mostra a todos nós cristãos, iluminando a nossa quaresma e nos ensinando que tempo de penitência não é tempo de tristeza. Não devemos fazer como faziam os fariseus, que rasgavam as roupas e punham cinzas na cabeça ao jejuar, para que todos percebessem. Não podemos distanciar a paixão de Cristo de sua ressurreição gloriosa, porque o sofrimento é passageiro, mas o prêmio da fidelidade será para sempre.




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