domingo, 9 de setembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO - 23º DOMINGO COMUM - EPHATÁ - 09.09.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 23º DOMINGO COMUM – EPHATÁ – 09.09.2012

Caros Confrades,

Neste 23º domingo comum, eu destaco para a nossa reflexão o tema da palavra aramaica “ephatá”, que significa 'abre-te'. Foi o que Cristo pronunciou para curar o surdo e mudo, em mais um de seus milagres pelas terras da Galiléia.

Na primeira leitura, retirada do livro de Isaías (35, 4), lemos a sua extraordinária e detalhada profecia sobre o futuro Messias, quando afirmou: “Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. ” (35, 5) Apenas recordando, o livro de Isaías foi escrito no tempo em que os judeus encontravam-se no cativeiro da Babilônia e o messias então esperado para libertá-los foi o rei Ciro, da Pérsia, que derrotou Nabucodonosor e libertou os judeus, que assim puderam retornar à sua terra. Só que este messias-Ciro apenas de muito longe lembrava a figura do futuro Messias, que iria libertar não só o povo judeu, mas todo a raça humana da escravidão do pecado e da morte. Por isso, naquela ocasião, dizia o Profeta: dizei aos desanimados 'criai ânimo' porque logo logo virá a recompensa de Deus que nos vem salvar. A Bíblia tem sempre um sentido histórico e outro trans histórico, assim, no primeiro momento, a profecia se referia a Ciro da Pérsia, mas no sentido do futuro, ao Messias-Cristo. Ciro não tinha o poder de devolver a visão aos cegos nem a ambulação aos coxos nem de soltar a língua dos mudos, mas o Profeta previu que isso aconteceria quando viesse o Messias verdadeiro. E sucedeu realmente como ele previra.

Na leitura do evangelho de Marcos (7, 31), temos a narração do episódio da cura procedida por Cristo na pessoa de um surdo e mudo. Ele colocou os dedos nos ouvidos surdos dele e com Sua saliva, molhou a língua muda do felizardo, e depois pronunciou a palavra forte “ephatá”, a qual o próprio evangelista explica que significa 'abre-te'. E logo aquele que era surdo e mudo transformou-se num incontrolável falante/ouvinte. E quanto mais Cristo pedia para que ele se calasse, mais ele falava e proclamava as maravilhas realizadas nele. Esta palavra foi escrita por São Jerônimo, no texto latino, como 'ephphetha', enquanto no texto grego está escrito “effathá”, certamente por isso a tradução da CNBB utiliza o termo 'efatá' e eu estou usando com o símbolo antigo do F=PH, para distinguir com um sentido especial.

Meus amigos, este ephatá pode ser entendido de múltiplos modos. No sentido próprio utilizado por Cristo na ocasião do milagre, significou para o surdo-mudo o abrir-se fisiológico dos seus ouvidos e da sua glote, para que ele pudesse articular sons e ouvi-los. Mas no sentido figurado, que se refere a nós, o ato de abrir-se se dirige à nossa mente, ao nosso coração, à nossa vontade, ao nosso intelecto. Cristo está nos dizendo 'abre-te' para que possamos compreender melhor a nossa missão e assim podermos melhor testemunhar a nossa fé.

Este seria o significado intelectual do ephatá. Saber interpretar com maior clareza a palavra de Cristo dentro dos desafios que a vida social nos coloca a cada dia, em meio a tantas e tão variadas dissensões, alternativas, exigências, falsas promessas e diversas quimeras que nos rodeiam. Abrir a nossa mente para compreendermos de que modo o nosso viver pode dar testemunho de que somos a Igreja de Cristo no meio do mundo, com a maior naturalidade e sem afetação. Diferente de muitos exemplos que vemos diariamente, sobretudo da parte dos nossos irmãos que exploram os meios tecnológicos de comunicação (rádio e TV), muitas vezes, iludindo e arrastando o nosso povo simples com apelos emotivos e sentimentais. Ontem, casualmente, eu estava zapeando os canais da televisão e vi uma dessas sessões públicas de alta emotividade, com pessoas chorando e sendo iludidas de que aquilo é a verdadeira fé. Para viver a fé autêntica, não é necessário chegar a esse ponto. Vive-se a fé autêntica muito mais com a razão e o intelecto do que com a emotividade, o sentimentalismo. Esses são muito mais poderosos, não há dúvida, no entanto, são também muito mais efêmeros. Enquanto a pessoa está passando por alguma dificuldade (e nesse mundo, tem sempre muitas pessoas altamente necessitadas tanto material como espiritualmente), esse sentimentalismo dá um certo alívio, porém, apresenta uma visão ilusória e deturpada da verdadeira fé. Por isso, o primeiro sentido do ephatá se dirige ao nosso intelecto, no sentido de que devemos estar atentos para vivenciar a nossa fé independentemente desses apelos e motivações permeadas pelo sentimentalismo.

O sentido volitivo do conceito do ephatá eu percebo num exercício consciente da nossa parte para nos abrirmos aos mais necessitados, de não nos quedarmos indiferentes diante de certas situações de injustiça social, quando a mensagem cristã nos ensina a ser solidários. E aqui eu trago à colação a segunda leitura, retirada da carta de São Tiago (2, 1), que vai direto ao assunto, sem rodeios, dando um exemplo que até parece estar se referindo aos dias de hoje: “ imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de ouro no dedo e bem vestida, e também um pobre, com sua roupa surrada, e vós dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: 'Vem sentar-te aqui, à vontade', enquanto dizeis ao pobre: 'Fica aí, de pé', ou então: 'Senta-te aqui no chão, aos meus pés'.” Mais direto, impossível. Quantas vezes, isso pode ter acontecido conosco, por não estarmos com a mente aberta para perceber além das aparências, além das etiquetas sociais. Um pobre que bate à nossa porta pedindo um pouco de alimento tem a mesma dignidade como pessoa do q ue um profissional liberal que nós recebemos na nossa casa de outra maneira. Não estou dizendo que se deva deixar entrar em sua casa qualquer pessoa desconhecida, pois a cautela também faz parte da vida do cristão. Refiro-me à atitude de falta de respeito humano com que, muitas vezes, vemos as pessoas mais humildes serem tratadas por outros e até por nós mesmos. Nas entidades públicas, nos estabelecimentos bancários, nos supermercados, até mesmo dentro dos templos vemos pessoas, que se orgulham de ser católicos de carteirinha (até mesmo sacerdotes, infelizmente) tratarem mal as pessoas de vestes maltrapilhas ou surradas, usando a expressão do apóstolo Tiago. Daí a exortação dele: “a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas”, isto é, não deve permitir que sejamos injustos com pessoas menos favorecidas, exatamente aquelas mais precisadas.

Num terceiro sentido, que eu chamaria de afetivo, o conceito de ephatá nos leva a refletir sobre a nossa abertura interior para compreender a nossa missão, o que Deus quer de nós. Estar aberto à graça divina é condição indispensável para que esta graça chegue até nós. Deus não nos obriga, não nos impõe, não vem a nós em qualquer condição, mas apenas quando encontra a porta da nossa alma aberta para recebê-Lo. Os teólogos, desde S. Tomás de Aquino, sempre foram acordes em reconhecer que Deus dá a sua graça a todas as pessoas, no entanto, para que esta graça seja eficaz, é necessário que estejamos abertos, disponíveis, atentos, desejosos de recebê-la. Numa mensagem que circulou recentemente nos e-mails do grupo, o nosso colega Bosco fazia alusão a uma frase de Sto Agostinho, que o Frei Higino repetia com frequência: qui te creavit sine te, non te salvabit sine te (aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti). É exatamente isso que estamos dizendo aqui com outras palavras. Deus nos dá a graça da salvação, porém, sem a nossa colaboração, sem a nossa disponibilidade, sem que façamos a nossa parte, esta graça não operará seus efeitos em nós. Estar aberto à graça divina é condição indispensável para que ela penetre em nós e nos faça verdadeiros filhos d'Ele.

Que Nossa Senhora do Brasil, cuja festa foi ontem (8/9) celebrada, a padroeira do nosso Seminário Seráfico e perene padroeira também de todos os que por lá passaram, nos ajude a manter sempre a nossa mente e o nosso espírito disponíveis à graça divina, assim como Ela fez e que tornou possível a nossa redenção.


Nenhum comentário:

Postar um comentário