domingo, 2 de setembro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 22º DOMINGO COMUM – RELIGIÃO DE FACHADA – 02.09.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 22º DOMINGO COMUM – RELIGIÃO DE FACHADA – 02.09.2012

Caros Confrades,

Neste 22º domingo comum, a liturgia traz para nossa reflexão a qualidade da nossa prática religiosa. Temos atitudes religiosas coerentes ou praticamos uma religião de fachada? A nossa fé está integrada na nossa vida ou praticamos a vida dupla: na igreja somos uma pessoa, fora dela somos outra?

Antes de ingressar no conteúdo das leituras, faço um breve comentário sobre um fato curioso que ocorre com os países teocráticos, nos quais as normas sociais e estatais se confundem com preceitos religiosos. No caso dos judeus do tempo de Cristo, certas normas práticas, como por exemplo, que tipo de alimentos podiam ou não ser ingeridos, regras básicas de higiene para evitar doenças, regras relativas ao trabalho e ao repouso estavam juntas com as regras próprias da prática do culto, da guarda dos objetos sagrados e da conservação dos livros religiosos. Quando os fariseus interpelam Cristo perguntando por que os discípulos dele comem sem lavar as mãos, eles estão destacando isso como descumprimento de uma norma de caráter religioso, contudo trata-se de uma norma evidente de saúde pública. Atualmente, ainda temos países teocráticos, como por exemplo, o Irã, o Afeganistão, dentre outros, onde uma pessoa pode ser levada à prisão porque deixou de fazer aquelas inclinações rituais nas horas marcadas ou porque pronunciou alguma palavra proibida, sendo acusado de blasfêmia.

Passando ao conteúdo das leituras. Na primeira leitura, retirada de Deuteronômio (4, 1), Moisés fala ao povo sobre as leis e decretos dados por Javeh aos ancestrais do povo, lembrando a eles a exigência da fidelidade a essas normas, como uma maneira de demonstrar sabedoria diante dos povos vizinhos, porque nenhum dos deuses dos outros povos tinha este mesmo cuidado com os seus seguidores do que o Deus de Abraão. Diz o vers. 6: “Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática, porque neles está vossa sabedoria e inteligência perante os povos, para que, ouvindo todas estas leis, digam: 'Na verdade, é sábia e inteligente esta grande nação!

A propósito do livro do Deuteronômio, que significa literalmente “segunda lei” ou segundo livro da lei, trata-se de um manuscrito que foi encontrado no ano 622 a.C. por pedreiros que faziam uma reforma no altar do templo de Jerusalém, na época em que estavam sendo compostos os livros iniciais da Bíblia (Genesis, Êxodo, Levítico, Números), com base nas tradições antigas: a tradição eloísta (do norte de Israel, assim chamada porque nos seus escritos, o nome de Deus era Eloim) e a tradição javista (do sul de Israel, assim chamada porque utilizavam o nome Javeh). O referido manuscrito veio se juntar aos documentos já conhecidos e tinha, em parte, repetições do que já havia nos outros manuscritos. Contém grande número de leis muito antigas, algumas anteriores ao tempo de Moisés, outras da época mosaica e também leis posteriores. Então, o Deuteronômio veio completar o Pentateuco e é por isso que, muitas vezes, verificam-se passagens repetitivas nos primeiros livros da Bíblia.

Os fariseus gostavam muito do Deuteronômio, porque havia nele uma grande diversidade de preceitos, os quais eles procuravam decorar para observar e também para fiscalizar se os demais estavam observando. Segundo os estudiosos, os fariseus fizeram um resumo de cerca de 600 preceitos, em geral proibitivos, coletando-os dessas leis antigas. Eram esses preceitos que determinavam coisas básicas, assim como lavar as mãos antes das refeições, tomar banho quando chegavam da praça pública, jejuar nos dias estabelecidos, dar esmolas, etc. Aqui nós podemos observar dois fatos. Primeiro, o detalhismo de comportamentos muitas vezes banais e que eram entendidos como preceitos divinos e, portanto, quem não os cumpria estava desobedecendo a lei. Segundo, o fato de que para os fariseus, era bastante cumprir esses detalhes regulamentadores, essas minúcias e filigranas, porque assim estavam obedecendo a Javeh. Se a norma mandava que, no dia de jejum, o máximo que alguém podia ingerir era, por exemplo, 300g de alimento, então era preciso pesar na balança as refeições para não passar dessa cota, sob pena de estar descumprindo o preceito. Ou seja, a sua preocupação era exagerada em relação aos detalhes exteriores, no entanto, intimamente eles podiam ser desonestos, maledicentes, exploradores, caluniadores, injustos, porque essas atitudes interiores não eram notadas, mas somente o que eles faziam externamente.

Daí que quando eles foram interpelar Jesus perguntando 'por que os discípulos dele não cumpriam a lei de Moisés', Jesus lançou contra eles o texto de Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos'. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens' ” (Mc 7, 6). Foi numa ocasião similar que Jesus os chamou se sepulcros caiados, porque se importam com o exterior, mas no seu íntimo os seus pensamentos não são coerentes com as suas atitudes. De que adianta apresentar exteriormente um comportamento quando o interior é vazio? De que adianta andar com o terço, o escapulário pendurado no pescoço, a Bíblia embaixo do braço e ter a mente ocupada com frivolidades, o coração cheio de más intenções? Daí o veredito de Cristo: esse povo me honra só com os lábios, mas o coração deles tem outro dono. E completou: o que torna impura a pessoa não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai dele vindo do seu interior. Pepeu Gomes transformou isso num refrão musical: o mal não entra pela boca, o mal é o que sai da boca do homem.

Meus amigos, Cristo está nos ensinando que a verdadeira religião é a que se pratica ao nível do coração, do entendimento, da intencionalidade e que se expressa em atos e atitudes, não o contrário. Ter um comportamento contrito e piedoso quando está dentro do templo não é suficiente, se ao sair de lá essa contrição e essa piedade não se revelarem no relacionamento com os irmãos. Não se quer dizer que a oração, a piedade não são boas coisas, de modo nenhum, são ótimas atitudes. O erro está no descompasso, na incoerência entre o interior e o exterior. O nosso agir deve ser uma expressão concreta do nosso pensar, bem como a recíproca atitude. Por diversas vezes, Jesus brandiu contra os fariseus por causa disso. Por exemplo: quando jejuardes, não precisa por cinzas na cabeça e andar com roupa esfarrapada para que os outros vejam, porque o Pai do céu sabe do que se passa no vosso coração; quando derdes esmolas, fazei-o de forma reservada e não alardeando publicamente, de modo que não saiba a tua mão direita o que faz a tua esquerda. A verdadeira religião, a verdadeira fé é a que começa no pensamento, no coração e se traduz em atitudes relacionadas.

E aqui passamos para a mensagem da segunda leitura, retirada da carta de São Tiago (1, 17): “sede praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Com efeito, a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai, é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações. ” Quem não pratica a religião que ensina aos outros está se enganando a si próprio, é uma religião só de fachada, ou como se diz na linguagem de hoje, é uma 'empresa fantasma', tem só a aparência exterior com o intuito de ludibriar os incautos. A verdadeira religião é a que se revela nas obras de caridade, como fruto do amor ao próximo.

Meus amigos, Jesus nos adverte que devemos cuidar para não sermos cristãos de vida dupla, em que a devoção interior não acompanha o comportamento exterior. Participar da missa nos domingos e dias santificados será uma atitude vazia de significado se não nos dispusermos a ajudar o irmão que necessita de nós. Fazer a confissão e comunhão pascais será uma atitude inócua se faltarmos com a caridade no trato das pessoas mais humildes, dos nossos empregados e subordinados. Rezar o terço diariamente não atingirá o objetivo se em nós a arrogância e a avareza nos isolar na nossa individualidade e o nosso coração se tornar insensível com as pessoas que sofrem. Ditas em palavras de hoje, foi isso o que escreveu São Tiago naquele tempo em relação aos órfãos e viúvas.

Que a exortação de Jesus encontre eco na nossa mente para que o nosso coração não fique encascorado como o daqueles fariseus, que prezavam mais a lavagem das mãos do que a pureza das intenções.


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