COMENTÁRIO LITÚRGICO
– 30º DOMINGO COMUM – MILAGRE DA FÉ – 28.10.2012
Caros Confrades,
A liturgia do 30º
domingo comum nos traz a história da cura de um cego por Jesus, na
entrada da cidade de Jericó. Num certo sentido, o tema desta leitura
é uma continuidade do comentário que fiz na semana passada, com o
título de 'saber pedir', sobre como dirigimos nossas orações a
Deus. Lá, Jesus advertia seus discípulos de que não sabiam o que
estavam a pedir; aqui nós vemos o exemplo de uma pessoa simples,
humilde, que consegue receber o objeto do seu pedido, porque soube
pedir.
De acordo com o
evangelista Marcos (10, 46-52), Jesus estava chegando a Jericó. Esta
é uma das cidades mais citadas nos evangelhos, porque era já
naquela época uma das cidades mais importantes da Palestina. Sua
conquista pelos hebreus, quando estavam tomando posse da Terra
Prometida, foi uma das mais memoráveis, então esta cidade era um
ícone da nacionalidade hebraica, um lugar muito visitado.
Geograficamente, situa-se a 27 km de Jerusalém e a 10 km do Mar
Morto, sendo considerada pelos historiadores uma das cidades mais
antigas do mundo, pois há evidências de ter moradias lá desde pelo
menos 9.000 anos antes de Cristo. Este fato fazia com que muitas
pessoas visitassem Jericó e, com isso, havia também muitos pedintes
na entrada da cidade, por onde passavam as caravanas.
Pois bem. Jesus passava
por Jericó, a caminho de Jerusalém, onde o desfecho da sua vida
iria acontecer. Na entrada da cidade, havia um grupo de cegos pedindo
esmolas aos viajantes. O Padre Uchoa, nosso professor de Bíblia,
comentava que havia verdadeiros bancos de pedintes, muitas vezes,
liderado por um deles, uma espécie de trabalho organizado e
repartido. Faz lembrar as nossas cidades romeiras, onde também
encontramos verdadeiros batalhões de pedintes, vendedores de objetos
e de informações, espertalhões de diversas espécies. Lá devia
ser algo assemelhado.
Ao saber que o grupo de
Jesus, o nazareno, estava passando, um cego de nome Bartimeu começou
a gritar: Filho de Davi, tem piedade de mim. Obviamente, os outros
cegos também faziam seus pedidos aos passantes, mas Bartimeu
dirigia-se em voz alta a Jesus: tem piedade de mim. Mandaram que ele
se calasse, mas ele gritava ainda mais forte. Então, Jesus mandou
chamá-lo. Diz o evangelista que ele deu um pulo, largou o manto onde
recolhia as moedas que lhe jogavam como esmola e foi até onde Jesus
se encontrava. “Que queres que eu te faça?”, perguntou Jesus.
(Mc 10, 51) E ele respondeu: Mestre, eu quero ver. E Jesus disse:
Assim será, a tua fé te curou. E ele passou a enxergar e saiu
acompanhando Jesus.
Neste diálogo de Jesus
com o cego Bartimeu, podemos ver um exemplo de oração eficaz.
Quando o cego gritou para Jesus, ele já sabia a quem estava se
dirigindo, a fama de Jesus já era conhecida em toda a região. Com
certeza, Bartimeu já tinha conhecimento de outras pessoas a quem
Jesus havia curado de cegueira e de outras moléstias. Ao saber que
Jesus por ali passava, ele não podia perder aquela oportunidade,
pois talvez não O encontrasse novamente. E hoje nós sabemos que não
encontraria mesmo, porque Jesus já estava de passagem para
Jerusalém. Então, ele se encheu de coragem e de determinação e
ficou gritando: tem piedade de mim... até chamar a atenção de
Jesus, no meio da multidão.
Pelo seu conhecimento
divino, Jesus também sabia quem estava a gritar por Ele, como sabia
que aquela seria mais uma oportunidade para confirmar a Sua missão
em favor dos mais pobres e dos excluídos da sociedade. Pela sua
sabedoria divina, Jesus já conhecia a intensidade da fé daquele
mendigo, como já sabia também do que ele mais necessitava, mas o
chamou para que ele expressasse seu pedido diretamente. “Tem
piedade de mim”, repetia o cego, significando com isso a sua fé no
poder de Jesus. É como se dissesse: com o teu poder, tira-me dessa
situação. E Jesus retribuiu a sua oração com o milagre da cura,
mas foi logo dizendo: foi a tua fé que te curou. Ora, meus amigos, o
que Jesus quer ensinar-nos com isso? Que a verdadeira oração é
aquela dirigida a Deus com fé, com fé verdadeira. O poder divino é
imensurável e onipotente, mas não é suficiente para produzir nada
em nós sem a ajuda da nossa fé.
Além do mais, o cego
não pediu a Jesus bens materiais ou vantagens comodistas, pediu só
o essencial: a cura da sua deficiência, pois com a superação
desta, tudo o mais ele iria alcançar com o seu trabalho e com a sua
vontade de vencer. Jesus deu a ele essa oportunidade e sinalizou para
os ouvintes (também para nós aqui) que o seu poder divino só opera
em resposta à fé irrestrita. Ou por outras palavras, o efeito do
poder divino na nossa vida será proporcional à intensidade da nossa
fé.
O evangelista narra
ainda um detalhe que pode parecer irrelevante, mas tem também um
grande significado. O mendigo largou o seu manto, o único bem
material que ele possuía, para ir até Jesus e receber dele a graça
miraculosa. Naquela região desértica, o manto é uma peça
obrigatória para os moradores, por causa do rigor do frio noturno,
em contraposição ao excesso de calor durante o dia. As pessoas usam
o manto para se protegerem do frio. No caso dele, durante o dia, o
manto servia para ele espalhar no chão à sua frente e recolher as
moedas que os passantes lhe jogavam. Mas para ir encontrar-se com
Jesus, ele largou o manto, deu um pulo e saiu correndo. A
oportunidade de estar frente a frente com Jesus era mais importante
do que toda a riqueza que ele possuísse, no caso, era bem modesta a
sua fortuna, mas era tudo o que ele tinha.
Se nos lembrarmos,
nesse contexto, da leitura bíblica de dois domingos atrás, quando
foi narrada a história do jovem rico, que não concordou em doar
seus bens aos pobres para seguir Jesus, vamos entender melhor quando
Jesus disse que é muito difícil para um rico chegar à salvação.
No caso do cego, se ele fosse um rico, talvez não tivesse a mesma
atitude do Bartimeu, que largou literalmente tudo o que tinha, para
reunir-se ao grupo dos seguidores de Jesus. Diz o evangelista que, ao
recuperar a vista, o cego passou a segui-LO. O jovem rico teve a sua
oportunidade de estar frente a frente com Jesus, mas não teve a
coragem de abandonar seus pertences. Com a falta de adesão de sua
vontade, Jesus não operou nele nenhum milagre.
Então, meus amigos, o
que aprendemos desse episódio do cego Bartimeu é que os milagres
não ocorrem apenas pelo poder de Deus. O 'saber pedir' a que Jesus
se referia no domingo anterior diz respeito ao tamanho da fé que
acompanha o nosso pedido. Ao falar sobre o tamanho da nossa fé, vem
à mente aquele outro episódio do centurião, que pediu a Jesus para
que curasse o seu filho, que estava à beira da morte, mas nem
precisava ter o trabalho de ir até a casa dele: basta uma palavra
Tua daqui mesmo e o meu filho ficará curado. Ao que Jesus comentou:
nunca vi tamanha fé nem em Israel. Vai, teu filho está curado.
Temos aí outro exemplo da oração eficaz: o pedido de um objeto
especial, acompanhado de uma fé irrestrita. Por isso, podemos dizer
que, para o milagre acontecer, embora o poder de Deus seja pleno e
absoluto, nossa participação através da fé é indispensável. Por
isso, dizemos também que o elemento operante do milagre é a fé,
porque o poder de Deus não se sobrepõe à nossa vontade, e a fé é
a manifestação mais completa do ato da vontade humana. Muitas
pessoas seguiram Jesus naquele tempo, assim como hoje são também
seguidores Seus, mas não tiveram, como hoje também não têm,
milagres acontecendo em suas vidas. Ao que podemos concluir, isso
acontece pela falta de uma fé do tamanho necessário para
transformar o pedido em milagre.
Que o Divino Mestre nos
ajude a compreender a importância da nossa fé e nos ajude a
aumentá-la sempre mais.