domingo, 14 de outubro de 2012

COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO COMUM – CONSELHOS EVANGÉLICOS – 14.10.2012


COMENTÁRIO LITÚRGICO – 28º DOMINGO COMUM – CONSELHOS EVANGÉLICOS – 14.10.2012

Caros Confrades,

Neste mês de outubro, o mês vocacional, a liturgia do 28º domingo comum coloca para nossa reflexão o tema da vocação religiosa, através do diálogo de Cristo com o jovem rico. Todos nós tivemos uma experiência (uns mais, outros menos) dentro dessa modalidade religiosa consagrada, que procura viver no mundo seguindo com maior radicalidade a mensagem cristã.

A primeira leitura, retirada do Livro da Sabedoria (7, 7-11), fala sobre a verdadeira riqueza, que não está no poder terreno nem na posse dos bens materiais, mas na prudência, na sabedoria, junto da qual todo o ouro do mundo é semelhante a um punhado de areia. E diz mais que, cultivando a sabedoria, todos os bens e riquezas materiais chegam como consequência, pois quem age com sabedoria tem em mãos a maior de todas as riquezas.

O tema dessa primeira leitura faz um contraste proposital com a narração evangélica retirada de Marcos (10, 17-27), que reproduz o diálogo de Cristo com um jovem rico de bens materiais, mas que ficou sem graça quando Ele lhe mostrou que a verdadeira riqueza está no desprendimento. O diálogo de Cristo com esse jovem é permeado por vários ensinamentos, que o breve conteúdo narrativo condensa. Primeiro, a ideia do Bem, quando o jovem chamou Jesus de 'bom mestre' e ele disse que somente Deus é bom. Ora, Cristo sendo Deus, por que razão iria questionar que alguém o chamasse de 'bom mestre'? O destaque é dado pelo evangelista para significar que o jovem, ao chamar Jesus de 'bom', já estava reconhecendo nele uma pessoa divina. Mas, para Jesus, aquele não era ainda o momento para que a sua divindade fosse revelada publicamente, por isso ele usou uma retórica invertida: por que você está dizendo isso de mim? Ora, somente o Pai sabe o momento em que isso deverá ser revelado.

O segundo ensinamento é o reforço à lei de Moisés. Jesus fez questão de recitar os mandamentos e dizer que a sua prática conduz à salvação. Por diversas vezes, Jesus afirmou publicamente que não veio contestar a lei mosaica, ao contrário, veio cumpri-la. Porém, o seu cumprimento não era igual ao que faziam os fariseus, que tomava tudo ao pé da letra e terminavam atraiçoando o seu verdadeiro sentido. Então Jesus declarou que os mandamentos da lei continuam em vigor, aliás, ele diz que os dez mandamento se resumem em dois: amar a Deus e amar os irmãos. E o jovem confirmou que já praticava tudo aquilo, portanto, ele já tinha conhecimento das exigências da sua salvação e era fiel a elas, deixando Jesus entender que ele queria algo mais. Foi quando Jesus deu o conselho extra: 'Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu.' (Mc 10, 21). Então, diz o evangelista, o jovem se afastou e não aceitou o conselho, porque era muito rico e por aquilo ele não esperava.

É interessante fazer aqui uma análise comparativa com a mesma narrativa apresentada pelo evangelista Mateus (19, 21): Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tens... Nota-se não apenas a diferença estilística, mas também uma forma diferente de compreensão do diálogo de Jesus com o jovem rico. Pela descrição de Marcos, quando ele diz que 'só uma coisa te falta' é como se aquilo que o jovem já fazia (cumprir os mandamentos) não fosse suficiente para alcançar a vida eterna, era necessário também desfazer-se dos bens. Noutras palavras, pela narração de Marcos, fica parecendo que Jesus estaria afirmando que o jovem só teria a vida eterna se fizesse aquilo que faltava. No entanto, pela leitura do texto de Mateus, vê-se que o que Cristo fez a ele foi uma proposta de vida mais perfeita para aquele rapaz que já cumpria os mandamentos básicos. É como se ele dissesse: bem, então você já sabe como ganhar a vida eterna, mas se quiser transformar a sua vida em algo mais agradável a Deus (ser perfeito), então renuncie às suas riquezas.

Este é o terceiro ensinamento do evangelho de hoje, que fica mais evidente pelo texto de Mateus, onde podemos perceber mais claramente os chamados 'conselhos evangélicos', que são interpretados na teologia como a vida seguida rigorosamente conforme os passos de Jesus: em pobreza de bens, em obediência ao Pai, em celibato casto. Lembro que, por ocasião das profissões religiosas, após o candidato pronunciar os seus votos, o Superior que recebia a promessa, arrematava: e eu, da parte de Deus, te digo que, se fizeres isso, terás a vida eterna. Obviamente, não é só quem faz isso que terá a vida eterna, essa opção é uma adesão voluntária a um projeto especial de vida radicalmente semelhante à opção de Cristo, seguindo os passos d'Ele de forma plena. Mas isso não é, a rigor, necessário, ou seja, para conquistar a vida eterna, a exigência é cumprir os mandamentos.

O quarto ensinamento diz respeito ao comportamento que o cristão deve ter diante da riqueza de bens materiais. Quando o jovem deu meia volta e não aceitou o conselho de Cristo, Ele comentou com os discípulos: estão vendo como é difícil para um rico entrar no reino de Deus? (Mc 10, 23) Vejam bem, Jesus não disse que os ricos estão necessariamente excluídos da salvação, mas sim que a posse dos bens materiais torna mais difícil levar uma vida agradável a Deus. Evidentemente, a causa disso não seria a simples posse dos bens, mas o apego a eles. Muitas pessoas possuem grandes riquezas mas as utilizam a serviço dos irmãos, para o bem da humanidade; outras possuem bens mas os utilizam exclusivamente para o próprio prazer, egoisticamente, isolando-se dos irmãos necessitados. O que Cristo disse, então, foi que os bens materiais que alguém possui devem ser 'distribuídos aos pobres', ou seja, devem ser revertidos ao serviço dos irmãos. Nós sabemos que, assim como há pessoas ricas generosas, há pessoas pobres mesquinhas, por isso o ensinamento de Cristo é a pobreza de espírito, que é mais importante do que a simples falta de bens.

Nós sabemos que essa questão dos bens, na sociedade contemporânea, é algo intrínseco da vida comum, mesmo as comunidades religiosas não sobreviveriam sem possuirem bens materiais, ficariam sem condições de realizar o seu serviço. Aquela regra rigorosa de São Francisco (que os frades não recebam dinheiro ou pecúnia), em sua literalidade, há muito foi abandonada por absoluta inviabilidade da sua execução. Mas Cristo adverte, ainda falando sobre o jovem rico: “É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!'” (Mc 10, 25) Essa metáfora do camelo é deveras conhecida e nos explicavam que significa uma corda grossa. Porém, no dicionário de grego, há duas palavras parecidas: kamelos=camelo e kamilos=corda, e a palavra usada no texto grego é kamelos, portanto, penso que se deve entender um camelo mesmo, aquele primo do dromedário, o que torna a metáfora de Cristo ainda mais contundente. De uma forma ou de outra, a mensagem é a mesma: a riqueza ofusca tanto o seu possuidor, de modo que ele é capaz de rejeitar tudo mais para não perdê-la, e assim pode perder inclusive a própria salvação.

Podemos identificar ainda um quinto ensinamento de Jesus nessa história, quando Ele diz que 'para Deus, nada é impossível' (Mc 10, 27). Os discípulos ficaram tão abismados quando Jesus se referiu à imagem do camelo, que disseram entre si: pronto, todo mundo está perdido! Mas Jesus completou: não digam isso, pois para Deus nada é impossível. Com isso, podemos entender que só a verdadeira fé poderá fazer o camelo passar pelo buraco da agulha, ou seja, fazer o rico alcançar a salvação. Então, as riquezas materiais devem estar a serviço da fé do seu possuidor, maior do que o amor às riquezas deverá ser a fé do cristão. Aquele que valoriza a sua fé não deixará que o poder e os bens materiais prendam a sua alma e saberá utilizar desses controles sociais para transformá-los em um maior serviço aos irmãos. Quem exerce um cargo relevante em algum órgão ou entidade tem nas mãos uma oportunidade extraordinária de fazer mais o bem aos outros do que quem não está nessa situação. Quem obteve com seu trabalho um acúmulo considerável de bens não pode se considerar culpado porque outras pessoas não possuem tanto, mas deve transformar esses bens em maiores serviços às pessoas necessitadas.

Que o Bom Mestre nos mostre a melhor destinação que devemos dar aos bens que possuímos e nos ensine a utilizá-los com a fé verdadeira.

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